Novo Ensino Médio: veja os erros e acertos do projeto na visão de especialistas em educação


Texto propõe retomada do currículo mínimo de 2.400 horas para disciplinas básicas, como Português, Matemática, História e Física, no ensino regular e de 2.100 horas no ensino técnico

Por Giovanna Castro

O governo federal encaminhou na terça-feira, 24, ao Congresso Nacional o projeto de lei que estabelece diretrizes de reestruturação da Política Nacional do ensino médio. O PL propõe a retomada do currículo mínimo de 2.400 horas para disciplinas básicas – como Português, Matemática, História e Física – no ensino regular e de 2.100 horas para o ensino técnico. Com isso, restariam 600 horas para os itinerários formativos no curso padrão e 900 horas para as disciplinas técnicas no ensino profissionalizante.

O texto também propõe revogar o formato atual de itinerários formativos, de quatro arranjos interdisciplinares, combinando ao menos três áreas do conhecimento. “Cada escola deverá ofertar, no mínimo, dois percursos de aprofundamento e integração de estudos até o início do ano letivo de 2025″, disse o Ministério da Educação (MEC). Um guia sobre como criar esses itinerários será disponibilizado aos Estados, numa tentativa de reduzir disparidades, sem tirar totalmente a autonomia das secretarias estaduais.

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O Estadão escutou especialistas em educação sobre o assunto. Alguns se mostraram otimistas com a manutenção e melhor definição dos itinerários formativos, que são considerados importantes para modernizar e despertar maior interesse dos estudantes pela escola.

Já outros criticaram a carga horária significativamente maior para as disciplinas básicas – no modelo vigente nos últimos dois anos, eram 1.800 horas de currículo comum – e a inclusão do Espanhol como disciplina obrigatória, pois estas tomariam espaço de aulas interdisciplinares ou técnicas. Nesse sentido, o ensino profissionalizante poderia ser especialmente “prejudicado”.

“A essência da reforma original ficaria mantida: aumento da carga horária diária, diversificação curricular e maior integração com a educação profissional”, diz Olavo Nogueira, diretor executivo do Todos Pela Educação. No entanto, “há amplo espaço para o Congresso melhorar a proposta”. “A nosso ver, ainda não está redonda”, enfatiza o especialista.

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Segundo Nogueira, três pontos merecem atenção:

  • A ausência de um mínimo obrigatório de horas para a parte diversificada, o que pode fragilizar a sua estruturação e criar uma heterogeneidade significativa entre Estados;
  • Falta discutir em maior profundidade a opção de cargas horárias mínimas diferentes para a Formação Geral Básica (FGB), caso um aluno opte ou não por trilhar o caminho da Educação Profissional e Tecnológica (EPT) integrada ao ensino médio. Afinal, “isso pode reforçar uma ideia deletéria de que a EPT é algo de menor valor ou de que um aluno que optar pela via profissional será prejudicado caso queira fazer o ENEM”;
  • O retorno de um amplo leque de disciplinas obrigatórias. “Pelo texto enviado não fica claro o que exatamente o MEC está propondo induzir”.

Dilema no ensino técnico

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De acordo com Almerio Melquíades Araújo, coordenador do ensino médio e Técnico do Centro Paula Souza, responsável por boa parte dos cursos técnicos do País, o aumento da carga horário básica proposto pelo governo não inviabiliza a oferta da maioria dos cursos técnicos em meio período – manhã, tarde ou noite –, o que reduziria significativamente o ensino profissionalizante no Brasil, um dos grandes temores dos especialistas em educação. No entanto, esses cursos ficarão um pouco mais restritos.

“A mudança é muito pequena e parte de uma concepção de que ampliando as disciplinas da formação geral, eu melhoro a formação do aluno, como se o ensino médio fosse duas partes (uma de disciplinas base e outra de áreas do conhecimento correlatas)”, diz Melquíades Araújo. “Isso não é verdade, pois é possível fazer projetos de educação interdisciplinares, desenvolvidos pelos mesmos professores da educação básica.”

ETEC ligada ao Centro Paula Souza na zona leste de São Paulo; atualmente, 65% dos cursos técnicos têm 1.200 horas específicas da profissionalização Foto: Tiago Queiroz/Estadão
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O especialista do Centro Paula Souza espera que essa parte do PL seja revista pelo Congresso, no sentido de tornar o plano de ensino mais interdisciplinar e dinâmico. Caso contrário, para manter os cursos técnicos em meio período, será preciso diminuir um pouco a carga horária técnica e/ou passar parte do conteúdo para o modelo online (o projeto de lei prevê que apenas o ensino técnico pode ter aulas online, com limite de 20% da carga horária total do curso).

Hoje, 65% dos cursos técnicos têm 1.200 horas específicas da profissionalização. Para serem dadas em meio período, somadas às 2.100 horas da grade básica, o total não pode ultrapassar 3 mil horas. Logo, as 300 horas restantes do curso técnico teriam que sofrer cortes ou passar para a aula online (no máximo, 240 horas).

A presidente do Instituto Singularidades e especialista em educação, Cláudia Costin, considera que os prejuízos disso ao ensino técnico são consideráveis. Para ela, as 2.400 e 2.100 horas mínimas para currículo básico são “equívocos que tornam muito difícil a implementação” até mesmo dos itinerários formativos. Segundo ela, os temas escolhidos pelos jovens demandariam um pouco mais de horas para serem aprofundados, de acordo com o que é praticado em outros países.

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Espanhol obrigatório

A inclusão do Espanhol como disciplina obrigatória, com tanto destaque quanto o Inglês, é outro ponto sensível. Segundo Vitor de Angelo, secretário de Educação do Espírito Santo e presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), este é um tema de “menor consenso” entre os especialistas em educação que participaram da conversa com o MEC. “Não é tão polêmico, mas é de difícil implementação”, diz.

Cláudia afirma que a escolha pode aumentar a desigualdade entre a classe média e os mais pobres. “O inglês é a língua franca. Em mundo tão globalizado, dar uma carga horária pequena de inglês na escola prejudica a pessoa mais pobre. Ela terá um inglês muito superficial, já que não tem a mesma oportunidade do jovem de classe média, que pode fazer aulas complementares pagas pela família”, diz.

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“Para chegar a um nível intermediário de espanhol, um brasileiro precisa de um ano de aulas. Já o inglês, se não for começado no Fundamental I, o jovem não sai do ensino médio no nível intermediário”, afirma a especialista, enfatizando que concentrar as cargas horárias disponíveis no inglês seria mais vantajoso.

Modelo de ensino brasileiro em disputa

Assim como Melquíades Araújo, Cláudia Costin também acredita que o que está em jogo, novamente, é o modelo de educação: tradicional, utilizado antes do ensino médio; e moderno, focado em interdisciplinariedade e na aplicação de conhecimentos na vida real.

Para Cláudia, é plausível que o governo atual tenha escolhido rever a política do Novo ensino médio, visto que ela apresenta problemas amplamente relatados por estudantes e profissionais da educação. No entanto, é um “erro” que a nova proposta se aproxime tanto ao formato antigo, mantendo carga horária extensa de conteúdos tradicionais.

Um dos pontos levantados por sindicatos de professores é que a criação de modelos interdisciplinares e flexíveis traria problemas de carga horária de docentes, que já sofrem com a baixa remuneração. Segundo uma fonte que participou das discussões com o MEC sobre o novo PL para o ensino médio, a pressão dessas instituições teria se sobressaído na hora de definir o projeto a ser levado ao congresso.

Já para o presidente do Consed, “havia divergências” entre os especialistas e grupos que participaram do debate, mas o governo “buscou achar uma convergência possível”. “O ponto de maior atenção talvez seja em relação à relatoria desse PL, para que a gente não tenha no congresso nacional – onde pesa a liberdade dos parlamentares de fazerem qualquer reparo, melhoria ou ajuste – qualquer tramitação que signifique uma descaracterização e, nesse sentido, uma desconsideração a um resultado consensual fruto de uma consulta popular feita ao longo de vários meses”, diz.

O governo federal encaminhou na terça-feira, 24, ao Congresso Nacional o projeto de lei que estabelece diretrizes de reestruturação da Política Nacional do ensino médio. O PL propõe a retomada do currículo mínimo de 2.400 horas para disciplinas básicas – como Português, Matemática, História e Física – no ensino regular e de 2.100 horas para o ensino técnico. Com isso, restariam 600 horas para os itinerários formativos no curso padrão e 900 horas para as disciplinas técnicas no ensino profissionalizante.

O texto também propõe revogar o formato atual de itinerários formativos, de quatro arranjos interdisciplinares, combinando ao menos três áreas do conhecimento. “Cada escola deverá ofertar, no mínimo, dois percursos de aprofundamento e integração de estudos até o início do ano letivo de 2025″, disse o Ministério da Educação (MEC). Um guia sobre como criar esses itinerários será disponibilizado aos Estados, numa tentativa de reduzir disparidades, sem tirar totalmente a autonomia das secretarias estaduais.

O Estadão escutou especialistas em educação sobre o assunto. Alguns se mostraram otimistas com a manutenção e melhor definição dos itinerários formativos, que são considerados importantes para modernizar e despertar maior interesse dos estudantes pela escola.

Já outros criticaram a carga horária significativamente maior para as disciplinas básicas – no modelo vigente nos últimos dois anos, eram 1.800 horas de currículo comum – e a inclusão do Espanhol como disciplina obrigatória, pois estas tomariam espaço de aulas interdisciplinares ou técnicas. Nesse sentido, o ensino profissionalizante poderia ser especialmente “prejudicado”.

“A essência da reforma original ficaria mantida: aumento da carga horária diária, diversificação curricular e maior integração com a educação profissional”, diz Olavo Nogueira, diretor executivo do Todos Pela Educação. No entanto, “há amplo espaço para o Congresso melhorar a proposta”. “A nosso ver, ainda não está redonda”, enfatiza o especialista.

Segundo Nogueira, três pontos merecem atenção:

  • A ausência de um mínimo obrigatório de horas para a parte diversificada, o que pode fragilizar a sua estruturação e criar uma heterogeneidade significativa entre Estados;
  • Falta discutir em maior profundidade a opção de cargas horárias mínimas diferentes para a Formação Geral Básica (FGB), caso um aluno opte ou não por trilhar o caminho da Educação Profissional e Tecnológica (EPT) integrada ao ensino médio. Afinal, “isso pode reforçar uma ideia deletéria de que a EPT é algo de menor valor ou de que um aluno que optar pela via profissional será prejudicado caso queira fazer o ENEM”;
  • O retorno de um amplo leque de disciplinas obrigatórias. “Pelo texto enviado não fica claro o que exatamente o MEC está propondo induzir”.

Dilema no ensino técnico

De acordo com Almerio Melquíades Araújo, coordenador do ensino médio e Técnico do Centro Paula Souza, responsável por boa parte dos cursos técnicos do País, o aumento da carga horário básica proposto pelo governo não inviabiliza a oferta da maioria dos cursos técnicos em meio período – manhã, tarde ou noite –, o que reduziria significativamente o ensino profissionalizante no Brasil, um dos grandes temores dos especialistas em educação. No entanto, esses cursos ficarão um pouco mais restritos.

“A mudança é muito pequena e parte de uma concepção de que ampliando as disciplinas da formação geral, eu melhoro a formação do aluno, como se o ensino médio fosse duas partes (uma de disciplinas base e outra de áreas do conhecimento correlatas)”, diz Melquíades Araújo. “Isso não é verdade, pois é possível fazer projetos de educação interdisciplinares, desenvolvidos pelos mesmos professores da educação básica.”

ETEC ligada ao Centro Paula Souza na zona leste de São Paulo; atualmente, 65% dos cursos técnicos têm 1.200 horas específicas da profissionalização Foto: Tiago Queiroz/Estadão

O especialista do Centro Paula Souza espera que essa parte do PL seja revista pelo Congresso, no sentido de tornar o plano de ensino mais interdisciplinar e dinâmico. Caso contrário, para manter os cursos técnicos em meio período, será preciso diminuir um pouco a carga horária técnica e/ou passar parte do conteúdo para o modelo online (o projeto de lei prevê que apenas o ensino técnico pode ter aulas online, com limite de 20% da carga horária total do curso).

Hoje, 65% dos cursos técnicos têm 1.200 horas específicas da profissionalização. Para serem dadas em meio período, somadas às 2.100 horas da grade básica, o total não pode ultrapassar 3 mil horas. Logo, as 300 horas restantes do curso técnico teriam que sofrer cortes ou passar para a aula online (no máximo, 240 horas).

A presidente do Instituto Singularidades e especialista em educação, Cláudia Costin, considera que os prejuízos disso ao ensino técnico são consideráveis. Para ela, as 2.400 e 2.100 horas mínimas para currículo básico são “equívocos que tornam muito difícil a implementação” até mesmo dos itinerários formativos. Segundo ela, os temas escolhidos pelos jovens demandariam um pouco mais de horas para serem aprofundados, de acordo com o que é praticado em outros países.

Espanhol obrigatório

A inclusão do Espanhol como disciplina obrigatória, com tanto destaque quanto o Inglês, é outro ponto sensível. Segundo Vitor de Angelo, secretário de Educação do Espírito Santo e presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), este é um tema de “menor consenso” entre os especialistas em educação que participaram da conversa com o MEC. “Não é tão polêmico, mas é de difícil implementação”, diz.

Cláudia afirma que a escolha pode aumentar a desigualdade entre a classe média e os mais pobres. “O inglês é a língua franca. Em mundo tão globalizado, dar uma carga horária pequena de inglês na escola prejudica a pessoa mais pobre. Ela terá um inglês muito superficial, já que não tem a mesma oportunidade do jovem de classe média, que pode fazer aulas complementares pagas pela família”, diz.

“Para chegar a um nível intermediário de espanhol, um brasileiro precisa de um ano de aulas. Já o inglês, se não for começado no Fundamental I, o jovem não sai do ensino médio no nível intermediário”, afirma a especialista, enfatizando que concentrar as cargas horárias disponíveis no inglês seria mais vantajoso.

Modelo de ensino brasileiro em disputa

Assim como Melquíades Araújo, Cláudia Costin também acredita que o que está em jogo, novamente, é o modelo de educação: tradicional, utilizado antes do ensino médio; e moderno, focado em interdisciplinariedade e na aplicação de conhecimentos na vida real.

Para Cláudia, é plausível que o governo atual tenha escolhido rever a política do Novo ensino médio, visto que ela apresenta problemas amplamente relatados por estudantes e profissionais da educação. No entanto, é um “erro” que a nova proposta se aproxime tanto ao formato antigo, mantendo carga horária extensa de conteúdos tradicionais.

Um dos pontos levantados por sindicatos de professores é que a criação de modelos interdisciplinares e flexíveis traria problemas de carga horária de docentes, que já sofrem com a baixa remuneração. Segundo uma fonte que participou das discussões com o MEC sobre o novo PL para o ensino médio, a pressão dessas instituições teria se sobressaído na hora de definir o projeto a ser levado ao congresso.

Já para o presidente do Consed, “havia divergências” entre os especialistas e grupos que participaram do debate, mas o governo “buscou achar uma convergência possível”. “O ponto de maior atenção talvez seja em relação à relatoria desse PL, para que a gente não tenha no congresso nacional – onde pesa a liberdade dos parlamentares de fazerem qualquer reparo, melhoria ou ajuste – qualquer tramitação que signifique uma descaracterização e, nesse sentido, uma desconsideração a um resultado consensual fruto de uma consulta popular feita ao longo de vários meses”, diz.

O governo federal encaminhou na terça-feira, 24, ao Congresso Nacional o projeto de lei que estabelece diretrizes de reestruturação da Política Nacional do ensino médio. O PL propõe a retomada do currículo mínimo de 2.400 horas para disciplinas básicas – como Português, Matemática, História e Física – no ensino regular e de 2.100 horas para o ensino técnico. Com isso, restariam 600 horas para os itinerários formativos no curso padrão e 900 horas para as disciplinas técnicas no ensino profissionalizante.

O texto também propõe revogar o formato atual de itinerários formativos, de quatro arranjos interdisciplinares, combinando ao menos três áreas do conhecimento. “Cada escola deverá ofertar, no mínimo, dois percursos de aprofundamento e integração de estudos até o início do ano letivo de 2025″, disse o Ministério da Educação (MEC). Um guia sobre como criar esses itinerários será disponibilizado aos Estados, numa tentativa de reduzir disparidades, sem tirar totalmente a autonomia das secretarias estaduais.

O Estadão escutou especialistas em educação sobre o assunto. Alguns se mostraram otimistas com a manutenção e melhor definição dos itinerários formativos, que são considerados importantes para modernizar e despertar maior interesse dos estudantes pela escola.

Já outros criticaram a carga horária significativamente maior para as disciplinas básicas – no modelo vigente nos últimos dois anos, eram 1.800 horas de currículo comum – e a inclusão do Espanhol como disciplina obrigatória, pois estas tomariam espaço de aulas interdisciplinares ou técnicas. Nesse sentido, o ensino profissionalizante poderia ser especialmente “prejudicado”.

“A essência da reforma original ficaria mantida: aumento da carga horária diária, diversificação curricular e maior integração com a educação profissional”, diz Olavo Nogueira, diretor executivo do Todos Pela Educação. No entanto, “há amplo espaço para o Congresso melhorar a proposta”. “A nosso ver, ainda não está redonda”, enfatiza o especialista.

Segundo Nogueira, três pontos merecem atenção:

  • A ausência de um mínimo obrigatório de horas para a parte diversificada, o que pode fragilizar a sua estruturação e criar uma heterogeneidade significativa entre Estados;
  • Falta discutir em maior profundidade a opção de cargas horárias mínimas diferentes para a Formação Geral Básica (FGB), caso um aluno opte ou não por trilhar o caminho da Educação Profissional e Tecnológica (EPT) integrada ao ensino médio. Afinal, “isso pode reforçar uma ideia deletéria de que a EPT é algo de menor valor ou de que um aluno que optar pela via profissional será prejudicado caso queira fazer o ENEM”;
  • O retorno de um amplo leque de disciplinas obrigatórias. “Pelo texto enviado não fica claro o que exatamente o MEC está propondo induzir”.

Dilema no ensino técnico

De acordo com Almerio Melquíades Araújo, coordenador do ensino médio e Técnico do Centro Paula Souza, responsável por boa parte dos cursos técnicos do País, o aumento da carga horário básica proposto pelo governo não inviabiliza a oferta da maioria dos cursos técnicos em meio período – manhã, tarde ou noite –, o que reduziria significativamente o ensino profissionalizante no Brasil, um dos grandes temores dos especialistas em educação. No entanto, esses cursos ficarão um pouco mais restritos.

“A mudança é muito pequena e parte de uma concepção de que ampliando as disciplinas da formação geral, eu melhoro a formação do aluno, como se o ensino médio fosse duas partes (uma de disciplinas base e outra de áreas do conhecimento correlatas)”, diz Melquíades Araújo. “Isso não é verdade, pois é possível fazer projetos de educação interdisciplinares, desenvolvidos pelos mesmos professores da educação básica.”

ETEC ligada ao Centro Paula Souza na zona leste de São Paulo; atualmente, 65% dos cursos técnicos têm 1.200 horas específicas da profissionalização Foto: Tiago Queiroz/Estadão

O especialista do Centro Paula Souza espera que essa parte do PL seja revista pelo Congresso, no sentido de tornar o plano de ensino mais interdisciplinar e dinâmico. Caso contrário, para manter os cursos técnicos em meio período, será preciso diminuir um pouco a carga horária técnica e/ou passar parte do conteúdo para o modelo online (o projeto de lei prevê que apenas o ensino técnico pode ter aulas online, com limite de 20% da carga horária total do curso).

Hoje, 65% dos cursos técnicos têm 1.200 horas específicas da profissionalização. Para serem dadas em meio período, somadas às 2.100 horas da grade básica, o total não pode ultrapassar 3 mil horas. Logo, as 300 horas restantes do curso técnico teriam que sofrer cortes ou passar para a aula online (no máximo, 240 horas).

A presidente do Instituto Singularidades e especialista em educação, Cláudia Costin, considera que os prejuízos disso ao ensino técnico são consideráveis. Para ela, as 2.400 e 2.100 horas mínimas para currículo básico são “equívocos que tornam muito difícil a implementação” até mesmo dos itinerários formativos. Segundo ela, os temas escolhidos pelos jovens demandariam um pouco mais de horas para serem aprofundados, de acordo com o que é praticado em outros países.

Espanhol obrigatório

A inclusão do Espanhol como disciplina obrigatória, com tanto destaque quanto o Inglês, é outro ponto sensível. Segundo Vitor de Angelo, secretário de Educação do Espírito Santo e presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), este é um tema de “menor consenso” entre os especialistas em educação que participaram da conversa com o MEC. “Não é tão polêmico, mas é de difícil implementação”, diz.

Cláudia afirma que a escolha pode aumentar a desigualdade entre a classe média e os mais pobres. “O inglês é a língua franca. Em mundo tão globalizado, dar uma carga horária pequena de inglês na escola prejudica a pessoa mais pobre. Ela terá um inglês muito superficial, já que não tem a mesma oportunidade do jovem de classe média, que pode fazer aulas complementares pagas pela família”, diz.

“Para chegar a um nível intermediário de espanhol, um brasileiro precisa de um ano de aulas. Já o inglês, se não for começado no Fundamental I, o jovem não sai do ensino médio no nível intermediário”, afirma a especialista, enfatizando que concentrar as cargas horárias disponíveis no inglês seria mais vantajoso.

Modelo de ensino brasileiro em disputa

Assim como Melquíades Araújo, Cláudia Costin também acredita que o que está em jogo, novamente, é o modelo de educação: tradicional, utilizado antes do ensino médio; e moderno, focado em interdisciplinariedade e na aplicação de conhecimentos na vida real.

Para Cláudia, é plausível que o governo atual tenha escolhido rever a política do Novo ensino médio, visto que ela apresenta problemas amplamente relatados por estudantes e profissionais da educação. No entanto, é um “erro” que a nova proposta se aproxime tanto ao formato antigo, mantendo carga horária extensa de conteúdos tradicionais.

Um dos pontos levantados por sindicatos de professores é que a criação de modelos interdisciplinares e flexíveis traria problemas de carga horária de docentes, que já sofrem com a baixa remuneração. Segundo uma fonte que participou das discussões com o MEC sobre o novo PL para o ensino médio, a pressão dessas instituições teria se sobressaído na hora de definir o projeto a ser levado ao congresso.

Já para o presidente do Consed, “havia divergências” entre os especialistas e grupos que participaram do debate, mas o governo “buscou achar uma convergência possível”. “O ponto de maior atenção talvez seja em relação à relatoria desse PL, para que a gente não tenha no congresso nacional – onde pesa a liberdade dos parlamentares de fazerem qualquer reparo, melhoria ou ajuste – qualquer tramitação que signifique uma descaracterização e, nesse sentido, uma desconsideração a um resultado consensual fruto de uma consulta popular feita ao longo de vários meses”, diz.

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