BRASÍLIA - O Ministério da Educação anunciou nesta quinta-feira, 6, as novas regras do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) a partir de 2018. Serão 310 mil vagas em três modalidades, 100 mil delas com juro zero para os alunos e correção apenas pela inflação. Estes ainda começarão a pagar as prestações com no máximo 10% da renda mensal do beneficiado.
Outra mudança que será feita é que o pagamento só terá início quando o beneficiário obtiver um emprego formal - hoje a cobrança se inicia 18 meses após o fim do curso -, uma vez que a cobrança adotará sistema semelhante ao dos empréstimos consignados. No caso dos autônomos, o pagamento será pelo e-Social (um instrumento que unificará em janeiro o pagamento de tributos trabalhistas e contribuições previdenciárias). Caso o interessado fique anos fora do sistema formal, o governo até chegou a falar nesta quinta em “perdão” da dívida.
“O aluno sempre saberá o valor da dívida e o índice de correção. O valor ficará travado para que não seja cobrado por algo além da capacidade de pagar. Só há a necessidade de adesão dos bancos e a constituição do novo fundo garantidor”, afirmou o ministro da Educação, Mendonça Filho, ao anunciar a nova modalidade - chamada Fies 1 ou Fies Fundo Garantidor -, que será voltada para os alunos com renda familiar mensal per capita de até 3 salários mínimos.
A segunda categoria do Novo Fies, batizada como “Fies Regional”, utilizará os recursos dos fundos constitucionais das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Por isso, as 150 mil vagas para renda familiar mensal per capita de até 5 salários mínimos só poderão ser ocupadas pelos alunos dessas áreas.
Nesse caso, as taxas de juros serão de até 3% ao ano, mais correção monetária. Mas, como essas contratos serão firmados diretamente com bancos - que agirão como intermediadores dos recursos -, os prazos e o valores das parcelas a serem pagas após a formatura serão definidos pelas instituições, que assumirão o risco de calotes.
Na terceira e última modalidade, chamada “Fies Desenvolvimento/Trabalhador”, o dinheiro virá do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e dos fundos de desenvolvimento também das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Nesse caso serão 60 mil vagas - e os contratos que utilizarem os fundos também terão a limitação regional. Outras 20 mil vagas nacionais podem ser liberadas com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), para amplia concorrência, mas isso depende do aval do Ministério do Trabalho.
Essa categoria terá juros maiores, mas o governo garante que as taxas ainda serão inferiores às praticadas pelo mercado em outras modalidade de crédito. Mais uma vez, os prazos e valores das parcelas serão definidos pelos bancos.
No caso dos Fies 2 e 3, a Medida Provisória sobre o novo sistema, que será editada hoje, estabelecerá ainda limite de cobrança de 30% da renda mensal do aluno. Em todas as modalidades, deixa de existir a prioridade para Medicina, Engenharia e licenciaturas - mas o governo não descarta a possibilidade de retomá-la no futuro.
Público-alvo. Com renda familiar per capita de menos de 1 salário mínimo, Mariana de Jesus, de 19 anos, está dentro do perfil de estudantes aptos para o financiamento. No entanto, ela disse não sentir segurança no Fies. Para ela, trata-se hoje de uma terceira opção. Quer fazer Psicologia em uma universidade pública, mas vai tentar o ProUni (Programa Universidade para Todos) - que oferta bolsas integrais ou parciais - e, em último caso, o Fies.
“Eu quero um curso que não dá um retorno financeiro rápido, então, não posso me comprometer com uma dívida no início da carreira. Teria de calcular o valor das parcelas e o tempo que teria para pagar. Antes, o Fies era uma alternativa mais segura”, disse a estudante do Cursinho da Poli, pré-universitário.
Governo reduz custos e riscos e aumenta a participação privada
Com cerca de 2,2 milhões de contratos ativos e uma taxa de calote de 51,4%, segundo relatório do Tesouro Nacional, o Fies se tornou uma bomba-relógio para as contas públicas, já que o atual fundo garantidor do programa - que conta com a participação das universidades - cobria só 10% da inadimplência.
No novo modelo, o Tesouro vai assumir o risco de apenas um terço dos contratos - os do Fies 1. Para assumir o risco de inadimplência nessa modalidade, será criado um novo fundo garantidor capaz de absorver uma taxa de calotes de até 25%. Esse fundo terá aportes anuais de R$ 500 milhões do Tesouro nos primeiros quatro anos, chegando a R$ 4 bilhões até o fim 2021. E as universidades, que hoje contribuem com 6,5% do valor do crédito, passarão a aportar entre 13% e 20%, dependendo dos índices de não pagamento. As instituições com mais devedores precisão contribuir mais ao fundo, e poderão até ser descredenciadas do programa.
Para o ministro da Educação, Mendonça Filho, as novas regras do programa possibilitarão uma governança “austera e sólida” e a gestão sustentável do novo Fies. “Tínhamos um rombo fiscal sem controle e imprevisível. Com a nova modelagem, em dez anos a União irá poupar R$ 6 bilhões, que serão revertidos para investimentos na Educação do País.”
O presidente Michel Temer defendeu as mudanças que, segundo ele, darão um salto qualitativo no Fies. “A seriedade governativa exige que, se um programa deu certo, que ele continue e seja aperfeiçoado.”
Bolsa família. Para os cofres públicos, o antigo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) já era mais caro que o Bolsa Família. A comparação fez parte dos argumentos da equipe econômica para convencer o governo a endurecer as regras. Em 2016, os custos totais do Fies para o governo alcançaram R$ 32,3 bilhões, enquanto o programa que distribui renda aos mais pobres somou R$ 28,6 bilhões.
“O ônus fiscal anual do Fies, em trajetória exponencial nos últimos anos, já é considerável. Esse quadro tende a se agravar”, cita o relatório de 17 páginas produzido pelo Tesouro Nacional. O documento destaca que esse valor aumentou mais de 1500% desde 2011, quando o Fies custou R$ 1,9 bilhão ao governo. Para o Ministério da Fazenda, manter o antigo modelo aumentaria ainda mais o custo, especialmente diante do “subsídio implícito” criado pelo juro praticado pelo programa e pela “inadimplência subestimada” entre os estudantes.
O subsídio citado pelo governo acontece porque o juro cobrado dos alunos é menor que o custo que o Tesouro tem para conseguir o dinheiro que é destinado às universidades. Dessa forma, o Tesouro acaba custeando parte desse valor que, pelas contas do governo, poderia superar R$ 77 bilhões ao longo de todo o período de vencimento da carteira atual - que termina um pouco antes de 2040. A percepção do aluno também preocupa. O governo diz que muitos acham que se trata “de bolsa ou empréstimo a fundo perdido” e não há maior receio de calote. / EDUARDO RODRIGUES, IDIANA TOMAZELLI , FERNANDO NAKAGAWA, LUCI RIBEIRO, E ISABELA PALHARES