Mais do que trabalhar com impressoras 3D, de corte a laser e outros equipamentos tecnológicos, a cultura maker prevê estimular o estudante a pensar soluções, de modo que o ensino se torne mais significativo. Para isso, os alunos saem do campo teórico e partem para atividades mais mão na massa, nas quais podem desenvolver protótipos de produtos e tirar ideias do papel.
Na Carandá Educação, em São Paulo, o professor de tecnologia e especialista em cultura maker Renato Farias conta que para trazer efeitos a proposta precisa ser introduzida na escola como cultura, e não apenas em projetos isolados. “A cultura maker é uma porta de entrada para colocar o aluno mais próximo da sala de aula, porque ele se torna mais autor, constrói, passa a contar suas histórias. O perfil do laboratório de informática está mudando. Sua função, agora, é ‘oportunizar’ que muitos alunos construam conhecimento”, explica o docente.
O educador, no entanto, faz um alerta: quando a cultura maker não é bem trabalhada, pode cair em algo chamado de “chaveirização da educação”. “É quando a escola usa impressoras 3D para criar chaveiros, porque é o que dá para fazer em 50 minutos de aula. Uma impressora 3D precisa ser usada para uma necessidade específica, estratégica, dentro de um projeto. Antes disso, é necessário ter uma ideia, desenhá-la, explorar materiais disponíveis e depois seguir para a prototipagem, para ver se a ideia vai dar certo.”
Pesquisa e socialização
Na Carandá, a cultura maker aparece nas disciplinas eletivas do ensino médio – os alunos precisam cursar no mínimo duas por semestre. Uma das opções é chamada Fliperamas e Jogos Digitais, em que os estudantes têm de construir um protótipo de um fliperama físico, passando pelas etapas de elaboração do projeto, marcenaria, instalação elétrica e conexão com o computador. “Os alunos devem criar os botões utilizando materiais condutivos como papel alumínio, água, grafite, frutas e em alguns casos utilizam o próprio corpo como condutor”, explica o professor.
Elisa Reis Laurino, de 16 anos, aluna da 2.ª série do ensino médio, cursou a eletiva e diz que as atividades representaram a chance de quebrar a barreira do espaço da sala de aula, expandindo e relacionando o aprendizado com o mundo “além”. “A escola tem procurado outras formas de a gente explorar a vida acadêmica, nosso papel na sociedade. Incentivam a nos colocarmos na posição de pesquisadores, a fazer pesquisa em campo, a coletar amostras, a fazer relatórios. Nos ensinam a não ficar presos só no espaço da sala, para entender que existem muitas formas de aprender”, conta.
Para a estudante, ser capaz de explorar novas áreas, ampliar suas perspectivas sobre o mundo e experimentar habilidades que nem sabia possuir – seja com marcenaria ou moda – representa uma forma de aprendizado socializador. “A gente consegue se enturmar mais, especialmente nesta volta da pandemia. As eletivas são com todas as salas, então a gente consegue conversar com outras pessoas e trabalhar juntos.”
Arquitetura e espanhol
Outro exemplo de educação maker pode ser visto em uma atividade com os alunos do 8.º ano do Ensino Fundamental da Escola Móbile, na disciplina de espanhol. Bem no estilo mão na massa, os estudantes foram desafiados a projetar o lar de uma família, em um espaço máximo de 54 metros quadrados, levando em consideração as necessidades de cada um.
Para traçar o briefing que direciona o projeto, os alunos fizeram perguntas às famílias fictícias para entender a rotina, os desejos e as prioridades. A conversa é toda em espanhol. Nesta etapa, contaram com o apoio da arquiteta e urbanista mexicana Laura Janka, que abordou as diretrizes para a concepção de um projeto, trazendo discussões sobre a funcionalidade de espaços, circulação, iluminação, ventilação, cores, entre outros conceitos.
“As respostas vêm em áudio, os alunos vão tomando nota e, a partir disso, montam um mapa de empatia, levando em conta o estilo de vida da família, suas necessidades, e como vão traduzir isso para dentro de casa, no estilo da decoração, por exemplo”, diz Vanessa Ingegneri, coordenadora pedagógica de espanhol do ensino fundamental 2.
Na etapa seguinte, os alunos levam as informações para uma ferramenta de software chamada SketchUP, que também é de uso profissional, para fazer o projeto, que na sequência ganha vida em uma maquete. Até os móveis, antes desenhados no computador, são representados fisicamente em MDF para compor a maquete. “Estamos na metade do projeto e tem sido muito interessante porque gera muitas discussões. É uma proposta que trabalha o espanhol, porque se fala nessa língua, mas traz noções que fogem dessa área. Um dos objetivos é o trabalho em grupo, amadurecer as relações interpessoais, ouvir a opinião do outro, saber se colocar, negociar”, afirma Vanessa.
A professora lembra que o resultado final, a maquete em si, é o que tem menor importância no processo. “Nossas aulas não são muito tradicionais, tornamos o aluno protagonista o tempo todo, usando metodologias ativas. Por isso, não queremos saber se a maquete ficou feia ou bonita. Avaliamos o processo todo, uma etapa para ser executada depende da anterior e todas têm um desafio.”
3D, lixo e sucata
A cultura maker integra o currículo do Colégio Dante Alighieri, em São Paulo, do ensino Infantil até o médio. Atualmente, os alunos do 3.º ano do ensino fundamental estão trabalhando em um projeto que prevê reduzir o lixo produzido no recreio escolar. Os estudantes são incentivados a levarem seus lanches em recipientes reutilizáveis, enquanto parte deles atua como “fiscais” equipados com crachá para verificar como os trabalhos estão se desenrolando.
Já no 5.º ano um dos trabalhos é para incentivar o descarte correto do lixo eletrônico. Os estudantes criaram cartazes e os melhores foram impressos e encaminhados às famílias. Os itens recolhidos foram distribuídos para uma cooperativa especializada.
Para compor as atividades, os alunos do Dante contam com quatro espaços makers - cada um deles direcionado a uma faixa etária específica -, em que os resíduos de um são aproveitados pelo outro. Verônica Cannatá, coordenadora de tecnologia educacional, afirma que a cultura maker coloca o aluno em uma posição mais ativa, permitindo que ele proponha algo que possa mudar o entorno.
“Não trabalhamos com impressora 3D pelo modismo, ou com sucata porque é divertido, e sim porque com essas atividades é possível melhorar o mundo. Ao trabalhar com lixo, consciência ambiental, mobilidade e sustentabilidade, de forma interdisciplinar, o aluno chega em casa e propõe reflexões, o tema ganha espaço de diálogo. Não é só uma aula para tirar a nota”, diz Verônica. A docente explica que a cultura maker no Dante é um dos eixos do componente STEAM-S (a escola acrescentou o S, de social, ao acrônimo em inglês para ciências, tecnologia, engenharia, artes e matemática).