O que os vestibulares dizem sobre as universidades? Pesquisadora foi atrás de respostas


Tese de Ana Carolina da Silva Andrade na USP estudou a história dos processos seletivos no Brasil

Por Ocimara Balmant

Quando estudantes e vagas precisam se encontrar. Por uma sociologia dos processos de pareamento. Esta é a tese que a socióloga Ana Carolina Silva Andrada defendeu há menos de um mês na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP).

Na sua pesquisa, Ana partiu de uma questão que pode ser resumida de forma simples: se estudantes e vagas precisam se encontrar, como esse encontro acontece? Para responder, a pesquisadora abordou a história dos processos seletivos de ensino superior no Brasil e mostrou que, mesmo que as instituições usem uma mesma ferramenta de seleção – como é o caso do Enem –, o tipo de recorte que propõem sinaliza que perfil de estudante querem. “Não é só o que é melhor e pior em como esse aluno vai ser selecionado, mas uma escolha do que a instituição valoriza ao criar esses instrumentos de avaliação.”

Ana Carolina Silva Andrada é socióloga e elaborou estudo sobre como os estudantes e vagas "se encontram" (Reprodução/Arquivo pessoal) Foto: Reprodução/Arquivo pessoal
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O Brasil tem histórico de acesso ao ensino superior por vestibular. Vez ou outra, se fala que isso um dia vai mudar. Será?

Nossa característica são as provas de conhecimento como acesso ao ensino superior. Mas novas formas de acesso – como cartas de apresentação e entrevista –, que avaliem não apenas uma ideia de conhecimento adquirido ao longo da escolarização, podem estar chegando. Algumas instituições, principalmente aquelas privadas bastante elitizadas, já usam esse tipo de ferramenta. Na minha tese, o que percebi foi que os instrumentos que a instituição escolhe para o seu processo seletivo tem a ver com o que ela pensa do seu modelo de aluno. Isso para mim ficou muito claro.

É a discussão sobre o pareamento, que está na tese.

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Sim. A questão é mudar a pergunta. Em vez de perguntar apenas como o aluno escolhe, olhar como as instituições criam instrumentos de avaliação que acabam por selecionar perfil de estudantes distintos – até no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), por ser adotado de diversas formas, com notas mínimas diferentes, pesos diferentes em algumas áreas. Uma coisa que me chamou a atenção nas instituições de elite foram vagas para ingressantes de escolas internacionais. Quais efeitos isso pode produzir na hierarquia entre as instituições e na desigualdade entre os estudantes e, depois, no acesso ao mercado.

É um desenho que, muitas vezes, já exclui uma parte dos jovens do processo, mesmo sem excluir.

Isso. Porque, do ponto de vista do estudante, temos de ver a circulação de informação. Conversei com estudantes de três escolas de ensino médio e é notável a diferença do acesso à informação. Enquanto na escola privada toda a comunidade está voltada ao processo de vestibular – se fala sobre as carreiras, sobretudo aquelas que dão acesso a posições privilegiadas no mercado de trabalho –, na escola pública o vestibular aparece de outra forma, não faz parte do cotidiano. As informações que esses alunos têm são de universidades privadas com fins lucrativos, via publicidade, entrega de panfleto. E a gente sabe que as diferentes formações dão espaço a diferentes posições depois no mercado de trabalho. O pareamento tem a ver com o que cada um tem acesso de informação, e esse acesso desigual leva a caminhos distintos. O encontro entre um estudante e uma vaga de ensino superior depende de vários fatores, inclusive das informações a que ele tem acesso.

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Mas as públicas não são mais conhecidas de todos, até por causa das cotas?

Sim, com as cotas você começa a criar vagas que tem esse público como alvo e essa informação começa a circular. De fato, não dá para olhar para tudo isso e não pensar na ampliação do acesso e na política de cotas. Se não houvesse isso, haveria ainda mais desigualdade. Mas essa democratização acontece no mesmo momento em que também há desincentivo, menos recursos para as universidades federais. Há mais abertura para a chegada de estudantes que antes não conseguiriam chegar ali, mas falta recurso e sobra incerteza. Isso tudo tem algum impacto em como se produz essa hierarquia entre as instituições do ponto de vista do estudante. Você percebe os meandros desse pareamento. É uma arena muito complexa. Não é simplesmente uma série de provas que você é ou não aprovado e chega à universidade.

Ao mesmo tempo em que cresce o número de egressos nas instituições públicas, as privadas mais tradicionais tendem a absorver um egresso da escola particular que fica sem vaga?

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Não dá para dizer que uma coisa causa a outra, podem estar de alguma forma associadas. Concorrentes que saem do médio e iriam para essas carreiras não vão deixar de ir

Quando estudantes e vagas precisam se encontrar. Por uma sociologia dos processos de pareamento. Esta é a tese que a socióloga Ana Carolina Silva Andrada defendeu há menos de um mês na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP).

Na sua pesquisa, Ana partiu de uma questão que pode ser resumida de forma simples: se estudantes e vagas precisam se encontrar, como esse encontro acontece? Para responder, a pesquisadora abordou a história dos processos seletivos de ensino superior no Brasil e mostrou que, mesmo que as instituições usem uma mesma ferramenta de seleção – como é o caso do Enem –, o tipo de recorte que propõem sinaliza que perfil de estudante querem. “Não é só o que é melhor e pior em como esse aluno vai ser selecionado, mas uma escolha do que a instituição valoriza ao criar esses instrumentos de avaliação.”

Ana Carolina Silva Andrada é socióloga e elaborou estudo sobre como os estudantes e vagas "se encontram" (Reprodução/Arquivo pessoal) Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

O Brasil tem histórico de acesso ao ensino superior por vestibular. Vez ou outra, se fala que isso um dia vai mudar. Será?

Nossa característica são as provas de conhecimento como acesso ao ensino superior. Mas novas formas de acesso – como cartas de apresentação e entrevista –, que avaliem não apenas uma ideia de conhecimento adquirido ao longo da escolarização, podem estar chegando. Algumas instituições, principalmente aquelas privadas bastante elitizadas, já usam esse tipo de ferramenta. Na minha tese, o que percebi foi que os instrumentos que a instituição escolhe para o seu processo seletivo tem a ver com o que ela pensa do seu modelo de aluno. Isso para mim ficou muito claro.

É a discussão sobre o pareamento, que está na tese.

Sim. A questão é mudar a pergunta. Em vez de perguntar apenas como o aluno escolhe, olhar como as instituições criam instrumentos de avaliação que acabam por selecionar perfil de estudantes distintos – até no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), por ser adotado de diversas formas, com notas mínimas diferentes, pesos diferentes em algumas áreas. Uma coisa que me chamou a atenção nas instituições de elite foram vagas para ingressantes de escolas internacionais. Quais efeitos isso pode produzir na hierarquia entre as instituições e na desigualdade entre os estudantes e, depois, no acesso ao mercado.

É um desenho que, muitas vezes, já exclui uma parte dos jovens do processo, mesmo sem excluir.

Isso. Porque, do ponto de vista do estudante, temos de ver a circulação de informação. Conversei com estudantes de três escolas de ensino médio e é notável a diferença do acesso à informação. Enquanto na escola privada toda a comunidade está voltada ao processo de vestibular – se fala sobre as carreiras, sobretudo aquelas que dão acesso a posições privilegiadas no mercado de trabalho –, na escola pública o vestibular aparece de outra forma, não faz parte do cotidiano. As informações que esses alunos têm são de universidades privadas com fins lucrativos, via publicidade, entrega de panfleto. E a gente sabe que as diferentes formações dão espaço a diferentes posições depois no mercado de trabalho. O pareamento tem a ver com o que cada um tem acesso de informação, e esse acesso desigual leva a caminhos distintos. O encontro entre um estudante e uma vaga de ensino superior depende de vários fatores, inclusive das informações a que ele tem acesso.

Mas as públicas não são mais conhecidas de todos, até por causa das cotas?

Sim, com as cotas você começa a criar vagas que tem esse público como alvo e essa informação começa a circular. De fato, não dá para olhar para tudo isso e não pensar na ampliação do acesso e na política de cotas. Se não houvesse isso, haveria ainda mais desigualdade. Mas essa democratização acontece no mesmo momento em que também há desincentivo, menos recursos para as universidades federais. Há mais abertura para a chegada de estudantes que antes não conseguiriam chegar ali, mas falta recurso e sobra incerteza. Isso tudo tem algum impacto em como se produz essa hierarquia entre as instituições do ponto de vista do estudante. Você percebe os meandros desse pareamento. É uma arena muito complexa. Não é simplesmente uma série de provas que você é ou não aprovado e chega à universidade.

Ao mesmo tempo em que cresce o número de egressos nas instituições públicas, as privadas mais tradicionais tendem a absorver um egresso da escola particular que fica sem vaga?

Não dá para dizer que uma coisa causa a outra, podem estar de alguma forma associadas. Concorrentes que saem do médio e iriam para essas carreiras não vão deixar de ir

Quando estudantes e vagas precisam se encontrar. Por uma sociologia dos processos de pareamento. Esta é a tese que a socióloga Ana Carolina Silva Andrada defendeu há menos de um mês na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP).

Na sua pesquisa, Ana partiu de uma questão que pode ser resumida de forma simples: se estudantes e vagas precisam se encontrar, como esse encontro acontece? Para responder, a pesquisadora abordou a história dos processos seletivos de ensino superior no Brasil e mostrou que, mesmo que as instituições usem uma mesma ferramenta de seleção – como é o caso do Enem –, o tipo de recorte que propõem sinaliza que perfil de estudante querem. “Não é só o que é melhor e pior em como esse aluno vai ser selecionado, mas uma escolha do que a instituição valoriza ao criar esses instrumentos de avaliação.”

Ana Carolina Silva Andrada é socióloga e elaborou estudo sobre como os estudantes e vagas "se encontram" (Reprodução/Arquivo pessoal) Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

O Brasil tem histórico de acesso ao ensino superior por vestibular. Vez ou outra, se fala que isso um dia vai mudar. Será?

Nossa característica são as provas de conhecimento como acesso ao ensino superior. Mas novas formas de acesso – como cartas de apresentação e entrevista –, que avaliem não apenas uma ideia de conhecimento adquirido ao longo da escolarização, podem estar chegando. Algumas instituições, principalmente aquelas privadas bastante elitizadas, já usam esse tipo de ferramenta. Na minha tese, o que percebi foi que os instrumentos que a instituição escolhe para o seu processo seletivo tem a ver com o que ela pensa do seu modelo de aluno. Isso para mim ficou muito claro.

É a discussão sobre o pareamento, que está na tese.

Sim. A questão é mudar a pergunta. Em vez de perguntar apenas como o aluno escolhe, olhar como as instituições criam instrumentos de avaliação que acabam por selecionar perfil de estudantes distintos – até no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), por ser adotado de diversas formas, com notas mínimas diferentes, pesos diferentes em algumas áreas. Uma coisa que me chamou a atenção nas instituições de elite foram vagas para ingressantes de escolas internacionais. Quais efeitos isso pode produzir na hierarquia entre as instituições e na desigualdade entre os estudantes e, depois, no acesso ao mercado.

É um desenho que, muitas vezes, já exclui uma parte dos jovens do processo, mesmo sem excluir.

Isso. Porque, do ponto de vista do estudante, temos de ver a circulação de informação. Conversei com estudantes de três escolas de ensino médio e é notável a diferença do acesso à informação. Enquanto na escola privada toda a comunidade está voltada ao processo de vestibular – se fala sobre as carreiras, sobretudo aquelas que dão acesso a posições privilegiadas no mercado de trabalho –, na escola pública o vestibular aparece de outra forma, não faz parte do cotidiano. As informações que esses alunos têm são de universidades privadas com fins lucrativos, via publicidade, entrega de panfleto. E a gente sabe que as diferentes formações dão espaço a diferentes posições depois no mercado de trabalho. O pareamento tem a ver com o que cada um tem acesso de informação, e esse acesso desigual leva a caminhos distintos. O encontro entre um estudante e uma vaga de ensino superior depende de vários fatores, inclusive das informações a que ele tem acesso.

Mas as públicas não são mais conhecidas de todos, até por causa das cotas?

Sim, com as cotas você começa a criar vagas que tem esse público como alvo e essa informação começa a circular. De fato, não dá para olhar para tudo isso e não pensar na ampliação do acesso e na política de cotas. Se não houvesse isso, haveria ainda mais desigualdade. Mas essa democratização acontece no mesmo momento em que também há desincentivo, menos recursos para as universidades federais. Há mais abertura para a chegada de estudantes que antes não conseguiriam chegar ali, mas falta recurso e sobra incerteza. Isso tudo tem algum impacto em como se produz essa hierarquia entre as instituições do ponto de vista do estudante. Você percebe os meandros desse pareamento. É uma arena muito complexa. Não é simplesmente uma série de provas que você é ou não aprovado e chega à universidade.

Ao mesmo tempo em que cresce o número de egressos nas instituições públicas, as privadas mais tradicionais tendem a absorver um egresso da escola particular que fica sem vaga?

Não dá para dizer que uma coisa causa a outra, podem estar de alguma forma associadas. Concorrentes que saem do médio e iriam para essas carreiras não vão deixar de ir

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