Depois de meses de consulta pública a professores, alunos, secretários e especialistas, jovens de todo o País voltam às aulas nesta semana ainda sem uma definição do que vai acontecer com o novo ensino médio. O modelo, em vigor desde o ano passado em escolas públicas e particulares, diminuiu o número de aulas da formação básica para dar espaço a um currículo flexível, em que o estudante poderia escolher as disciplinas que gostaria de cursar.
A reforma, no entanto, tem sido alvo de críticas por não promover efetivamente uma escolha aos alunos, ampliar a desigualdade entre redes públicas e privadas, evidenciar a falta de estrutura para um currículo flexível e prejudicar a preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Um episódio especial do podcast Estadão Notícias dá voz aos jovens que são o centro da discussão ainda sem definição pelo Ministério da Educação (MEC).
Entre 9 de março e 6 de julho, o governo recebeu cerca de 80 mil respostas aos formulários disponibilizados na internet e prometeu divulgar em agosto um documento com propostas de mudanças para o novo ensino médio.
Luma Cristini, de 17 anos, estudante de escola estadual em São Paulo
Daniel Almeida, de 16 anos, estudante de escola estadual em Belo Horizonte
Gabriel Hanstr, de 17 anos, estudante de escola estadual em São Paulo
Enquanto isso, Luma Cristini, de 17 anos, cursa um itinerário de Ciências da Natureza e Matemática em uma escola estadual do Itaim Paulista, na zona leste de São Paulo. Ela reclama que a área não tem relação alguma com o que pretende prestar no vestibular, Publicidade. “Tinham aquelas tabelas para escolher qual itinerário, porém no ano seguinte acabou sendo algo diferente daquilo que foi proposto. E para mudar, só mudando de escola”, conta.
Na escola dela, como em muitas outras no País, só são duas opções de itinerários formativos, ou seja, caminhos que o jovem poderia optar na parte flexível do currículo. Luma gostaria de estar estudando mais disciplinas da área de Humanas, que acredita ser sua vocação.
Em São Paulo, na semana passada, o governo estadual anunciou uma redução no número de itinerários, de 12 para 3: Ciências da Natureza + Matemática + Ciências Humanas e Sociais Aplicadas; além do Ensino Técnico.
Os itinerários são escolhidos pelos alunos do 1º ano e cursado durante a 2ª e 3ª séries do médio. A avaliação do governo foi de que, na prática, o alto número de opções prejudica a oferta das aulas, já que as escolas não têm estrutura nem professores formados para isso.
Alycy Meireles, de 16 anos, aluna de escola estadual em São Luís
Lívia Costa, de 16 anos, aluna de escola estadual em São Paulo
O MEC descarta uma revogação total do modelo - como reivindicado por algumas entidades, incluindo algumas de esquerda - e pretende fazer ajustes que conciliem as principais críticas à reforma, como a carga horária destinada à formação básica.
Essa é uma das reclamações de alunos ouvidos também no podcast. Em São Luís, no Maranhão, Alycy Meireles, de 16 anos, diz que o número de aulas de história agora não é mais suficiente para que a professora ensine todo o conteúdo. “Antes a gente que tinha duas ou três aulas para concluir um capítulo, agora a professora tem que fazer um resumo do capítulo inteiro em uma aula.”
Um aumento no número de disciplinas da formação básica é consenso entre secretários de Educação e especialistas que participaram da consulta feita pelo MEC. O ministro Camilo Santana também já se referiu à redução da carga de matérias como Português, Matemática e História como um “equívoco”.
Antes da reforma do ensino médio, os três anos dessa etapa tinham 2,4 mil horas de disciplinas básicas e obrigatórias. Com a mudança, esse total passou a ser de 1,8 mil horas e o restante (1,2 mil horas) corresponde a carga flexível do currículo.
“Morro de medo de sair do ensino médio e perder o rumo, não conseguir emprego, não consegui fazer faculdade”, diz Lívia Costa, de 16 anos, também aluna de uma escola estadual em São Paulo. Ela se preocupa com a formação que o ensino médio está oferecendo para que consiga se sair bem em vestibulares.
Bruno Mendes, de 16 anos, estudante de escola particular em São Paulo
Daniela Vanetti, de 15 anos, aluna de escola particular em São Paulo
Também não há ainda definição do MEC de como ficará o Enem do ano que vem. Em 2023, a prova será a mesma que vem sendo feita, avaliando apenas a formação básica. Camilo Santana tem se mostrado contra mudanças que incluam questões sobre os itinerários formativos, mas secretários de educação pediram uma nova prova no ano que vem.
Essa não é uma preocupação de alunos do Colégio Bandeirantes, na zona sul de São Paulo. Eles reconhecem que têm sido bem preparados para qualquer exame, mesmo que a prova seja mudada. Lá, antes mesmo da reforma, as aulas já ocorriam em tempo integral, com um leque de opções de disciplinas para o aluno descobrir suas vocações.
No podcast, os estudantes discutem ainda a desigualdade em relação aos colegas de escolas públicas. “A gente está nessa nessa vanguarda, recebendo um novo ensino médio com maior qualidade, sinto uma responsabilidade de ser agente de uma mudança efetiva. Acho que o lugar de privilégio vem, inexoravelmente, com uma responsabilidade”, diz Daniela Vanetti, de 15 anos.
O que é o novo ensino médio? E o que é a reforma do ensino médio?
É uma mudança no formato do ensino médio (1º, 2º e 3º anos), aprovada em 2017, a ser seguida por todas as escolas do País, sendo públicas ou particulares. Cerca de 60% da carga horária passa a ser de conteúdos obrigatórios comum a todos, como Português, Matemática e Química. O restante (40%) é a parte flexível, com percursos optativos segundo o interesse do aluno ou uma formação técnica. O jovem pode, por exemplo, fazer curso técnico em Eletrônica ou aprofundamento de estudos em Linguagens durante o ensino médio, além da carga obrigatória.
Por que foi feita a mudança?
O argumento era de que o modelo anterior (com 13 disciplinas obrigatórias) era engessado e desinteressante ao jovem. No ensino médio, 90% dos concluintes saem sem saber o que se espera em Matemática e 60%, em Português. Além disso, há altos índices de abandono e a abertura da carga flexível serve ainda como oportunidade de abrir espaço para a formação técnica, muito valorizada, por exemplo, em países europeus.
Quem define os itinerários formativos?
A reforma deu liberdade para que as redes de ensino ou até as próprias escolas, no caso das particulares, definissem seus itinerários formativos, conforme os interesses dos alunos e a disponibilidade de recursos. É permitido às escolas, por exemplo, firmar parcerias com outras instituições (institutos federais, por exemplo), para ofertar essa carga horária flexível.