A taxa de evasão do ensino superior no Brasil é considerada alta, segundo especialistas, e multifatorial. Em 2021, data do último levantamento, ela foi de 20,7% em universidades públicas e 31% nas privadas em cursos presenciais, segundo dados do Instituto Semesp. A questão financeira é um dos principais motivos - seja na dificuldade em pagar as mensalidades das universidades privadas, seja por não conseguir se manter ao longo do curso em uma pública -, mas um outro também leva muitos estudantes a abandonarem a graduação: a falta de orientação vocacional.
Segundo Adriano Senkevics, doutor em educação pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em gestão de políticas públicas e professor colaborador da Universidade de Brasília (UnB), com estudos sobre o acesso ao ensino superior no Brasil, o número de desistências em início de curso e não ocupação de vagas aumentou após a criação do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e pode estar atrelado à questão vocacional - apesar deste não ser o único, nem talvez o principal motivo para isso.
Por possibilitar que o candidato confira as notas de cortes de todos os cursos disponíveis no País, o sistema influencia jovens a optarem por uma carreira que não era a que eles desejavam de fato para garantirem a vaga em uma instituição pública - principalmente quando esses jovens não fazem escolhas “vocacionadas” e “com convicção”. Posteriormente, isso pode levar à evasão, em especial quando a falta de vocação é combinada à falta de recursos financeiros.
“Ter escolhas é bom, mas talvez a gente tenha que trabalhar mais a capacidade dos jovens em fazerem boas escolhas a partir das maiores possibilidades que existem hoje à disposição”, diz Senkevics. Iana Flor, de 22 anos, que entrou no curso de jornalismo na Universidade Federal de Goiás (UFU) em 2019 mesmo querendo nutrição, é um exemplo disso. “Eu era novinha, tinha 18 anos, e vi que minha nota não daria para passar em Nutrição, mas dava para passar em Jornalismo, que era um curso que eu já tinha ouvido falar e parecia interessante. Minha família me apoiou por eu ser comunicativa e então eu me inscrevi, mas logo no começo do curso percebi que não era o que eu queria”, conta a estudante.
Mesmo sabendo que não era o que gostaria, Iana não desistiu totalmente do curso. Decidiu esperar até o fim do ano para tentar uma transferência interna na universidade para o curso de Nutrição e conseguiu. Em 2020, ela ingressou na Faculdade de Nutrição da UFU.
A troca de cursos é comum em universidades públicas e, em alguns casos, é uma solução para vagas que ficam “abandonadas” ao longo dos anos. Por outro lado, o recurso pode colaborar para agravar o problema no longo prazo, já que algumas pessoas, sabendo desta opção, escolhem entrar em um programa com nota de corte mais baixa para, posteriormente, migrarem para aquele que desejam. Como resultado, cursos menos concorridos (geralmente usados como última opção por alguns candidatos) tendem a ficar com turmas vazias ao longo dos anos enquanto há pessoas que gostariam de cursá-los mas não passaram pelo Sisu.
Impacto no ensino superior público e no mercado de trabalho
Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp, entidade que representa mantenedoras de ensino superior no Brasil, diz que o impacto da entrada de estudantes não vocacionados às carreiras escolhidas na universidade é grande. Segundo ele, isso atrapalha a otimização dos recursos do ensino superior público, fazendo com que menos pessoas tenham acesso à graduação gratuita no País.
“Uma vaga numa universidade federal custa em torno de R$ 25 mil por ano ao Estado. Então, se o estudante pegou aquela vaga no primeiro ano e a abandonou, ela não será reposta (a não ser por transferência interna), já que não dá para entrar pelo Sisu no segundo ano, e esse dinheiro será perdido”, diz.
O especialista defende que uma orientação vocacional feita ainda no ensino médio ajuda os jovens a entrarem de forma mais assertiva no ensino superior, colaborando para a otimização das vagas e evitando possíveis desistências. Além disso, direcionaria mais pessoas para áreas que são pouco conhecidas, mas que têm grande carência de profissionais, tendo impacto também no mercado de trabalho.
“Existe uma enorme quantidade de cursos que as pessoas sequer conhecem logo ao sair do ensino médio porque nunca ouviram falar”, diz. Não à toa, carreiras mais populares, como Direito, Medicina e Engenharia (em especial a Civil) estão abarrotadas de profissionais que poderiam estar mais satisfeitos e bem empregados em funções similares, mas menos concorridas.
Política nacional sobre orientação vocacional nas escolas
Ao contrário do fator financeiro, o problema vocacional, segundo os especialistas escutados pelo Estadão, poderia ser mais simples de resolver por meio de uma política pública desenvolvida em âmbito nacional. “Nós já temos algumas ações pontuais de orientação profissional em escolas públicas e agora, com as aulas de Projeto de Vida, que fazem parte da proposta do Novo Ensino Médio, isso foi reforçado, mas ainda é pouco”, diz Marcelo Afonso Oliveira, docente de Psicologia da USP e coordenador do serviço de orientação vocacional da universidade. “Seria preciso uma política ampla e nacional de orientação vocacional, como acontece em outros países. Isso certamente não resolveria completamente o problema da evasão, que é muito mais complexo, mas contribuiria para diminuí-lo.”
Segundo Marcelo, as barreiras para a implementação de um projeto nesse sentido estão na dificuldade de enxergar métodos simplificados de fazer isso. Ele defende que não é necessário contratar psicólogos para aplicar testes em todas as escolas públicas do País, o que provavelmente seria inviável, mas sim treinar alguns dos professores de cada escola para desenvolver o trabalho vocacional com os alunos baseando-se no diálogo.
A exemplo disso, Artur Leal Dantas, de 19 anos, que hoje cursa Economia na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), diz que a conversa aberta com professores atentos às diferenças entre cursos de ensino superior foi suficiente para ajudá-lo a tomar uma boa decisão em relação à faculdade. Ele conta que já sabia que queria fazer Economia, mas descobriu por meio dos seus professores do ensino médio, quando estudava no colégio Anglo São Paulo, que o curso poderia ter diferentes inclinações, puxando mais para Exatas ou para Humanas. “Eu decidi pela Unifesp, então, porque é um dos cursos mais equilibrados entre essas duas áreas de conhecimento, que é exatamente o que eu queria”, diz. “Hoje estou satisfeito com o curso.”