Pais cobram ações de colégio particular de SP após denunciarem casos de racismo entre alunos


Famílias de estudantes e ex-estudantes do São Domingos dizem que diretor dificulta conscientização contra atos racistas; procurada, escola nega omissão

Por Giovanna Castro e Stéphanie Araújo
Atualização:

A psicóloga Adriana Castilho, mãe de uma menina negra de 10 anos, procurou o Ministério Público de São Paulo para denunciar o Colégio São Domingos. Ela acusa a direção da tradicional instituição particular da zona oeste da capital paulista de omissão por não ter tomado providências após sua filha sofrer racismo repetidas vezes, segundo afirma. Já a escola diz não ter sido omissa.

Outros pais ouvidos pela reportagem afirmam ainda que o diretor do São Domingos, Silvio Barini, nega que exista o problema na instituição. Ainda segundo esses relatos, ele também dificulta que ações antirracistas sejam realizadas na escola. Barini discorda das alegações e diz que ações já existem e atitudes foram tomadas. O caso foi revelado pelo site Ponte Jornalismo.

“De nossa parte, levamos o caso ao recém-criado Observatório de Questões Raciais, dispositivo proposto pela direção em 2020 e que se efetivou agora em novembro. Nele, familiares integrantes do Núcleo pela Equidade Racial, o NER, ponderaram longamente conosco sobre os múltiplos fatores envolvendo o caso e em nada se opuseram às nossas ações”, escreveu ele, em carta direcionada aos pais.

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Adriana conta que, no primeiro caso que envolveu sua filha, outras crianças pediram para tocar o cabelo da criança e a questionaram sobre com que produto ela o lavava. Outros dois episódios ocorreram com um mesmo aluno, segundo a psicóloga. Em uma atividade que abordava o racismo na Europa e a perseguição a alguns grupos, ele afirmou que, se a menina morasse lá, estaria “ferrada”.

Tempos depois, a garota contava sobre questões do Oriente Médio em que homens ofereceriam dinheiro e bens materiais para comprar mulheres. O estudante, conforme os relatos, afirmou diante de todos que, por causa da sua aparência física, ela nunca passaria por tal situação.

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Após saber por meio de um dos professores que a filha, estudante do 5º ano do ensino fundamental, havia sido alvo pela terceira vez de ofensas racistas na escola, Adriana procurou a direção do colégio a pedido do docente, para uma reunião com os gestores. Acompanhada de uma amiga e mãe de outra estudante da instituição para apoio emocional, Adriana afirma que Silvio Barini se recusou a recebê-las para tratar do assunto.

“Ele alega que quer falar comigo sozinha. O que ele quer falar comigo que uma pessoa que eu escolho estar nesse momento de vulnerabilidade não pode ouvir? Além da negação, existe um movimento para que isso não seja expandido”, afirmou Adriana ao Estadão.

De acordo com a mãe, outros casos ocorreram antes, mas ela diz não ter sido comunicada e sua filha, acrescenta, foi obrigada a lidar com o racismo sozinha. “O CSD (Colégio São Domingos) entendeu que uma carta e uma caixa de bombom sugerida pelo outro responsável em questão seria o procedimento adequado para tratar feridas de uma criança que sofre injúrias racistas”, escreveu Adriana em carta endereçada a outros pais sobre a situação.

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Acácio Almeida, de 62 anos, professor de Sociologia da Universidade Federal do ABC (UFABC) e pai de uma ex-aluna do colégio, conta que sua filha, que é negra, também relatou casos de racismo na escola por parte de outros alunos. Segundo ele, em uma brincadeira que exigia que as crianças interpretassem alguns papeis sociais, os colegas da menina sempre diziam que ela deveria ser a empregada doméstica.

“Minha filha sempre teve pais militantes do movimento negro. Por isso, sempre foi atenta ao racismo e nos contava o que acontecia. Uma vez ela disse que envolveram um colega negro em sacos de lixo e começaram a chamá-lo de lixo. Também já chamaram o cabelo da minha filha de ‘cabelo de merda’. Isso não é bullying comum. É racismo”, afirma.

Segundo os pais ouvidos pela reportagem, Barini sempre tratou episódios racistas como se fossem bullying, ignorando o contexto social das ofensas contra crianças negras. Conforme Almeida, no São Domingos há professores e coordenadores extremamente sensíveis, mas o diretor nega as questões que envolvem racismo. “Ele não permite que o racismo seja abordado na escola porque ele nega a existência do racismo”, acrescenta.

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No período de isolamento social provocado pela pandemia da covid-19, alguns pais de alunos se organizaram e criaram um grupo chamado Núcleo pela Equidade Racial (NER) do Colégio São Domingos, com o objetivo de discutir possíveis ações antirracistas na escola, assim como debater o tema.

Apesar de haver na escola poucas famílias em que todos os integrantes são pretos, Acácio Almeida conta que há alguns pais brancos que têm filhos adotivos negros, ou outros interessados em discutir uma sociedade e uma escola mais justas do ponto de vista racial. No entanto, todas as propostas que o núcleo tentou levar para a escola, de acordo com ele, foram barradas pela direção.

Em carta assinada pelo NER e enviada aos pais após o relato de Adriana se tornar público, o grupo relatou que afirmações do diretor Barini sobre ações antirracistas realizadas e combinadas para resolver a questão, como o “Observatório de Questões Raciais”, não foram verdadeiras.

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“Tivemos inúmeras reuniões entre NER (Núcleo pela Equidade Racial), coordenação e o diretor, nas quais sempre foi muito difícil dialogar com o diretor. Este se mostrou incapaz de compreender a questão do racismo dentro do ambiente escolar, levando diversas vezes o que mostramos ser uma realidade estrutural de nossa sociedade para o âmbito pessoal, como se estivéssemos desqualificando o trabalho da escola”, descreve a carta.

A advogada e companheira de Acácio, Cleude de Jesus, que fez parte do núcleo em anos anteriores, afirma que reuniões com o diretor para levar propostas eram sempre complicadas. “Dizia que a gente estava trazendo pautas identitárias, que a gente estava querendo constranger as pessoas brancas”, afirma.

Posicionamento da escola

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Em nota, o São Domingos negou omissão e diz que as acusações dos pais se devem ao fato de a escola se recusar a expulsar o estudante que teria cometido ofensa racial contra a filha de Adriana. Ainda de acordo com a instituição, já existem políticas antirracistas implementadas.

“O colégio busca sempre a solução consensual mediante diálogo e rodas de conversa, entre todos os envolvidos, além de ações pertinentes voltadas para a transformação do conflito com base nos valores defendidos pelo colégio que inclui a pauta antirracista”, diz a nota.

A escola também destacou que outro pai, com filha negra, aprovou as decisões tomadas e que a direção, além de outros professores e pais, divergem da perspectiva de Adriana.

O diretor Silvio Barini se posicionou, em mensagem às famílias dos estudantes, dizendo que sempre manteve uma relação de respeito e transparência com os responsáveis, alunos e educadores. “Não seria diferente nesse momento em que o colégio e a minha pessoa, particularmente, estão sendo alvo de denúncias que transbordam os limites da escola.”

O gestor também afirma no texto que tensões nas discussões com o Núcleo de Equidade Racial da escola já foram superadas. “Hoje, dialogamos com equilíbrio. Apesar de divergências conceituais e de método, nunca questionamos o mérito do antirracismo, de sua pertinência. Nada que tenha impedido o NER de contar com apoio do colégio em várias iniciativas.”

A educação antirracista dentro da instituição escolar é uma obrigação das instituições, diz pedagoga. Foto: Agência Brasil

Educação antirracista está na lei

No começo do mês, um caso de racismo no Colégio Porto Seguro de Valinhos, no interior de São Paulo, também ganhou repercussão. Na ocasião, oito alunos da escola foram expulsos por veicularem mensagens racistas e de teor nazista em um grupo de Whatsapp.

Na época, a mãe da vítima, a advogada Thaís Cremasco, disse ao Estadão que, mesmo o racismo sendo crime hoje no Brasil, ele ainda é naturalizado nas escolas e visto como “coisa de criança”.

A Lei 10.639/03, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, inclui no currículo oficial das redes de ensino brasileiras a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira. Segundo a pedagoga e psicóloga Cecília Vieira, que trabalha com a formação de professores e práticas pedagógicas promotoras de Igualdade Racial na infância, a educação antirracista dentro da instituição escolar é uma obrigação das instituições.

“Os gestores precisam entender que a Lei 10.639 altera dois parágrafos da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) mostrando que isso precisa aparecer no currículo da educação básica”, afirma.

Ela também explica que a efetivação da lei exige compromisso ético de todos e que expulsar estudantes envolvidos em casos de racismo não é a melhor solução. O colégio precisa desenvolver estratégias para promover a reflexão e educar todos os envolvidos sobre o problema. “É cômodo jogar para debaixo do tapete e agir como se nada estivesse acontecendo. É preciso denunciar para que outras crianças não passem pelo mesmo.”

Procurado sobre o caso do Colégio São Domingos, o Ministério Público de São Paulo disse que “o caso está em análise pelo Grupo de Atuação Especial de Educação (Geduc) do MPSP e corre sob sigilo”.

A psicóloga Adriana Castilho, mãe de uma menina negra de 10 anos, procurou o Ministério Público de São Paulo para denunciar o Colégio São Domingos. Ela acusa a direção da tradicional instituição particular da zona oeste da capital paulista de omissão por não ter tomado providências após sua filha sofrer racismo repetidas vezes, segundo afirma. Já a escola diz não ter sido omissa.

Outros pais ouvidos pela reportagem afirmam ainda que o diretor do São Domingos, Silvio Barini, nega que exista o problema na instituição. Ainda segundo esses relatos, ele também dificulta que ações antirracistas sejam realizadas na escola. Barini discorda das alegações e diz que ações já existem e atitudes foram tomadas. O caso foi revelado pelo site Ponte Jornalismo.

“De nossa parte, levamos o caso ao recém-criado Observatório de Questões Raciais, dispositivo proposto pela direção em 2020 e que se efetivou agora em novembro. Nele, familiares integrantes do Núcleo pela Equidade Racial, o NER, ponderaram longamente conosco sobre os múltiplos fatores envolvendo o caso e em nada se opuseram às nossas ações”, escreveu ele, em carta direcionada aos pais.

Adriana conta que, no primeiro caso que envolveu sua filha, outras crianças pediram para tocar o cabelo da criança e a questionaram sobre com que produto ela o lavava. Outros dois episódios ocorreram com um mesmo aluno, segundo a psicóloga. Em uma atividade que abordava o racismo na Europa e a perseguição a alguns grupos, ele afirmou que, se a menina morasse lá, estaria “ferrada”.

Tempos depois, a garota contava sobre questões do Oriente Médio em que homens ofereceriam dinheiro e bens materiais para comprar mulheres. O estudante, conforme os relatos, afirmou diante de todos que, por causa da sua aparência física, ela nunca passaria por tal situação.

Após saber por meio de um dos professores que a filha, estudante do 5º ano do ensino fundamental, havia sido alvo pela terceira vez de ofensas racistas na escola, Adriana procurou a direção do colégio a pedido do docente, para uma reunião com os gestores. Acompanhada de uma amiga e mãe de outra estudante da instituição para apoio emocional, Adriana afirma que Silvio Barini se recusou a recebê-las para tratar do assunto.

“Ele alega que quer falar comigo sozinha. O que ele quer falar comigo que uma pessoa que eu escolho estar nesse momento de vulnerabilidade não pode ouvir? Além da negação, existe um movimento para que isso não seja expandido”, afirmou Adriana ao Estadão.

De acordo com a mãe, outros casos ocorreram antes, mas ela diz não ter sido comunicada e sua filha, acrescenta, foi obrigada a lidar com o racismo sozinha. “O CSD (Colégio São Domingos) entendeu que uma carta e uma caixa de bombom sugerida pelo outro responsável em questão seria o procedimento adequado para tratar feridas de uma criança que sofre injúrias racistas”, escreveu Adriana em carta endereçada a outros pais sobre a situação.

Acácio Almeida, de 62 anos, professor de Sociologia da Universidade Federal do ABC (UFABC) e pai de uma ex-aluna do colégio, conta que sua filha, que é negra, também relatou casos de racismo na escola por parte de outros alunos. Segundo ele, em uma brincadeira que exigia que as crianças interpretassem alguns papeis sociais, os colegas da menina sempre diziam que ela deveria ser a empregada doméstica.

“Minha filha sempre teve pais militantes do movimento negro. Por isso, sempre foi atenta ao racismo e nos contava o que acontecia. Uma vez ela disse que envolveram um colega negro em sacos de lixo e começaram a chamá-lo de lixo. Também já chamaram o cabelo da minha filha de ‘cabelo de merda’. Isso não é bullying comum. É racismo”, afirma.

Segundo os pais ouvidos pela reportagem, Barini sempre tratou episódios racistas como se fossem bullying, ignorando o contexto social das ofensas contra crianças negras. Conforme Almeida, no São Domingos há professores e coordenadores extremamente sensíveis, mas o diretor nega as questões que envolvem racismo. “Ele não permite que o racismo seja abordado na escola porque ele nega a existência do racismo”, acrescenta.

No período de isolamento social provocado pela pandemia da covid-19, alguns pais de alunos se organizaram e criaram um grupo chamado Núcleo pela Equidade Racial (NER) do Colégio São Domingos, com o objetivo de discutir possíveis ações antirracistas na escola, assim como debater o tema.

Apesar de haver na escola poucas famílias em que todos os integrantes são pretos, Acácio Almeida conta que há alguns pais brancos que têm filhos adotivos negros, ou outros interessados em discutir uma sociedade e uma escola mais justas do ponto de vista racial. No entanto, todas as propostas que o núcleo tentou levar para a escola, de acordo com ele, foram barradas pela direção.

Em carta assinada pelo NER e enviada aos pais após o relato de Adriana se tornar público, o grupo relatou que afirmações do diretor Barini sobre ações antirracistas realizadas e combinadas para resolver a questão, como o “Observatório de Questões Raciais”, não foram verdadeiras.

“Tivemos inúmeras reuniões entre NER (Núcleo pela Equidade Racial), coordenação e o diretor, nas quais sempre foi muito difícil dialogar com o diretor. Este se mostrou incapaz de compreender a questão do racismo dentro do ambiente escolar, levando diversas vezes o que mostramos ser uma realidade estrutural de nossa sociedade para o âmbito pessoal, como se estivéssemos desqualificando o trabalho da escola”, descreve a carta.

A advogada e companheira de Acácio, Cleude de Jesus, que fez parte do núcleo em anos anteriores, afirma que reuniões com o diretor para levar propostas eram sempre complicadas. “Dizia que a gente estava trazendo pautas identitárias, que a gente estava querendo constranger as pessoas brancas”, afirma.

Posicionamento da escola

Em nota, o São Domingos negou omissão e diz que as acusações dos pais se devem ao fato de a escola se recusar a expulsar o estudante que teria cometido ofensa racial contra a filha de Adriana. Ainda de acordo com a instituição, já existem políticas antirracistas implementadas.

“O colégio busca sempre a solução consensual mediante diálogo e rodas de conversa, entre todos os envolvidos, além de ações pertinentes voltadas para a transformação do conflito com base nos valores defendidos pelo colégio que inclui a pauta antirracista”, diz a nota.

A escola também destacou que outro pai, com filha negra, aprovou as decisões tomadas e que a direção, além de outros professores e pais, divergem da perspectiva de Adriana.

O diretor Silvio Barini se posicionou, em mensagem às famílias dos estudantes, dizendo que sempre manteve uma relação de respeito e transparência com os responsáveis, alunos e educadores. “Não seria diferente nesse momento em que o colégio e a minha pessoa, particularmente, estão sendo alvo de denúncias que transbordam os limites da escola.”

O gestor também afirma no texto que tensões nas discussões com o Núcleo de Equidade Racial da escola já foram superadas. “Hoje, dialogamos com equilíbrio. Apesar de divergências conceituais e de método, nunca questionamos o mérito do antirracismo, de sua pertinência. Nada que tenha impedido o NER de contar com apoio do colégio em várias iniciativas.”

A educação antirracista dentro da instituição escolar é uma obrigação das instituições, diz pedagoga. Foto: Agência Brasil

Educação antirracista está na lei

No começo do mês, um caso de racismo no Colégio Porto Seguro de Valinhos, no interior de São Paulo, também ganhou repercussão. Na ocasião, oito alunos da escola foram expulsos por veicularem mensagens racistas e de teor nazista em um grupo de Whatsapp.

Na época, a mãe da vítima, a advogada Thaís Cremasco, disse ao Estadão que, mesmo o racismo sendo crime hoje no Brasil, ele ainda é naturalizado nas escolas e visto como “coisa de criança”.

A Lei 10.639/03, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, inclui no currículo oficial das redes de ensino brasileiras a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira. Segundo a pedagoga e psicóloga Cecília Vieira, que trabalha com a formação de professores e práticas pedagógicas promotoras de Igualdade Racial na infância, a educação antirracista dentro da instituição escolar é uma obrigação das instituições.

“Os gestores precisam entender que a Lei 10.639 altera dois parágrafos da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) mostrando que isso precisa aparecer no currículo da educação básica”, afirma.

Ela também explica que a efetivação da lei exige compromisso ético de todos e que expulsar estudantes envolvidos em casos de racismo não é a melhor solução. O colégio precisa desenvolver estratégias para promover a reflexão e educar todos os envolvidos sobre o problema. “É cômodo jogar para debaixo do tapete e agir como se nada estivesse acontecendo. É preciso denunciar para que outras crianças não passem pelo mesmo.”

Procurado sobre o caso do Colégio São Domingos, o Ministério Público de São Paulo disse que “o caso está em análise pelo Grupo de Atuação Especial de Educação (Geduc) do MPSP e corre sob sigilo”.

A psicóloga Adriana Castilho, mãe de uma menina negra de 10 anos, procurou o Ministério Público de São Paulo para denunciar o Colégio São Domingos. Ela acusa a direção da tradicional instituição particular da zona oeste da capital paulista de omissão por não ter tomado providências após sua filha sofrer racismo repetidas vezes, segundo afirma. Já a escola diz não ter sido omissa.

Outros pais ouvidos pela reportagem afirmam ainda que o diretor do São Domingos, Silvio Barini, nega que exista o problema na instituição. Ainda segundo esses relatos, ele também dificulta que ações antirracistas sejam realizadas na escola. Barini discorda das alegações e diz que ações já existem e atitudes foram tomadas. O caso foi revelado pelo site Ponte Jornalismo.

“De nossa parte, levamos o caso ao recém-criado Observatório de Questões Raciais, dispositivo proposto pela direção em 2020 e que se efetivou agora em novembro. Nele, familiares integrantes do Núcleo pela Equidade Racial, o NER, ponderaram longamente conosco sobre os múltiplos fatores envolvendo o caso e em nada se opuseram às nossas ações”, escreveu ele, em carta direcionada aos pais.

Adriana conta que, no primeiro caso que envolveu sua filha, outras crianças pediram para tocar o cabelo da criança e a questionaram sobre com que produto ela o lavava. Outros dois episódios ocorreram com um mesmo aluno, segundo a psicóloga. Em uma atividade que abordava o racismo na Europa e a perseguição a alguns grupos, ele afirmou que, se a menina morasse lá, estaria “ferrada”.

Tempos depois, a garota contava sobre questões do Oriente Médio em que homens ofereceriam dinheiro e bens materiais para comprar mulheres. O estudante, conforme os relatos, afirmou diante de todos que, por causa da sua aparência física, ela nunca passaria por tal situação.

Após saber por meio de um dos professores que a filha, estudante do 5º ano do ensino fundamental, havia sido alvo pela terceira vez de ofensas racistas na escola, Adriana procurou a direção do colégio a pedido do docente, para uma reunião com os gestores. Acompanhada de uma amiga e mãe de outra estudante da instituição para apoio emocional, Adriana afirma que Silvio Barini se recusou a recebê-las para tratar do assunto.

“Ele alega que quer falar comigo sozinha. O que ele quer falar comigo que uma pessoa que eu escolho estar nesse momento de vulnerabilidade não pode ouvir? Além da negação, existe um movimento para que isso não seja expandido”, afirmou Adriana ao Estadão.

De acordo com a mãe, outros casos ocorreram antes, mas ela diz não ter sido comunicada e sua filha, acrescenta, foi obrigada a lidar com o racismo sozinha. “O CSD (Colégio São Domingos) entendeu que uma carta e uma caixa de bombom sugerida pelo outro responsável em questão seria o procedimento adequado para tratar feridas de uma criança que sofre injúrias racistas”, escreveu Adriana em carta endereçada a outros pais sobre a situação.

Acácio Almeida, de 62 anos, professor de Sociologia da Universidade Federal do ABC (UFABC) e pai de uma ex-aluna do colégio, conta que sua filha, que é negra, também relatou casos de racismo na escola por parte de outros alunos. Segundo ele, em uma brincadeira que exigia que as crianças interpretassem alguns papeis sociais, os colegas da menina sempre diziam que ela deveria ser a empregada doméstica.

“Minha filha sempre teve pais militantes do movimento negro. Por isso, sempre foi atenta ao racismo e nos contava o que acontecia. Uma vez ela disse que envolveram um colega negro em sacos de lixo e começaram a chamá-lo de lixo. Também já chamaram o cabelo da minha filha de ‘cabelo de merda’. Isso não é bullying comum. É racismo”, afirma.

Segundo os pais ouvidos pela reportagem, Barini sempre tratou episódios racistas como se fossem bullying, ignorando o contexto social das ofensas contra crianças negras. Conforme Almeida, no São Domingos há professores e coordenadores extremamente sensíveis, mas o diretor nega as questões que envolvem racismo. “Ele não permite que o racismo seja abordado na escola porque ele nega a existência do racismo”, acrescenta.

No período de isolamento social provocado pela pandemia da covid-19, alguns pais de alunos se organizaram e criaram um grupo chamado Núcleo pela Equidade Racial (NER) do Colégio São Domingos, com o objetivo de discutir possíveis ações antirracistas na escola, assim como debater o tema.

Apesar de haver na escola poucas famílias em que todos os integrantes são pretos, Acácio Almeida conta que há alguns pais brancos que têm filhos adotivos negros, ou outros interessados em discutir uma sociedade e uma escola mais justas do ponto de vista racial. No entanto, todas as propostas que o núcleo tentou levar para a escola, de acordo com ele, foram barradas pela direção.

Em carta assinada pelo NER e enviada aos pais após o relato de Adriana se tornar público, o grupo relatou que afirmações do diretor Barini sobre ações antirracistas realizadas e combinadas para resolver a questão, como o “Observatório de Questões Raciais”, não foram verdadeiras.

“Tivemos inúmeras reuniões entre NER (Núcleo pela Equidade Racial), coordenação e o diretor, nas quais sempre foi muito difícil dialogar com o diretor. Este se mostrou incapaz de compreender a questão do racismo dentro do ambiente escolar, levando diversas vezes o que mostramos ser uma realidade estrutural de nossa sociedade para o âmbito pessoal, como se estivéssemos desqualificando o trabalho da escola”, descreve a carta.

A advogada e companheira de Acácio, Cleude de Jesus, que fez parte do núcleo em anos anteriores, afirma que reuniões com o diretor para levar propostas eram sempre complicadas. “Dizia que a gente estava trazendo pautas identitárias, que a gente estava querendo constranger as pessoas brancas”, afirma.

Posicionamento da escola

Em nota, o São Domingos negou omissão e diz que as acusações dos pais se devem ao fato de a escola se recusar a expulsar o estudante que teria cometido ofensa racial contra a filha de Adriana. Ainda de acordo com a instituição, já existem políticas antirracistas implementadas.

“O colégio busca sempre a solução consensual mediante diálogo e rodas de conversa, entre todos os envolvidos, além de ações pertinentes voltadas para a transformação do conflito com base nos valores defendidos pelo colégio que inclui a pauta antirracista”, diz a nota.

A escola também destacou que outro pai, com filha negra, aprovou as decisões tomadas e que a direção, além de outros professores e pais, divergem da perspectiva de Adriana.

O diretor Silvio Barini se posicionou, em mensagem às famílias dos estudantes, dizendo que sempre manteve uma relação de respeito e transparência com os responsáveis, alunos e educadores. “Não seria diferente nesse momento em que o colégio e a minha pessoa, particularmente, estão sendo alvo de denúncias que transbordam os limites da escola.”

O gestor também afirma no texto que tensões nas discussões com o Núcleo de Equidade Racial da escola já foram superadas. “Hoje, dialogamos com equilíbrio. Apesar de divergências conceituais e de método, nunca questionamos o mérito do antirracismo, de sua pertinência. Nada que tenha impedido o NER de contar com apoio do colégio em várias iniciativas.”

A educação antirracista dentro da instituição escolar é uma obrigação das instituições, diz pedagoga. Foto: Agência Brasil

Educação antirracista está na lei

No começo do mês, um caso de racismo no Colégio Porto Seguro de Valinhos, no interior de São Paulo, também ganhou repercussão. Na ocasião, oito alunos da escola foram expulsos por veicularem mensagens racistas e de teor nazista em um grupo de Whatsapp.

Na época, a mãe da vítima, a advogada Thaís Cremasco, disse ao Estadão que, mesmo o racismo sendo crime hoje no Brasil, ele ainda é naturalizado nas escolas e visto como “coisa de criança”.

A Lei 10.639/03, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, inclui no currículo oficial das redes de ensino brasileiras a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira. Segundo a pedagoga e psicóloga Cecília Vieira, que trabalha com a formação de professores e práticas pedagógicas promotoras de Igualdade Racial na infância, a educação antirracista dentro da instituição escolar é uma obrigação das instituições.

“Os gestores precisam entender que a Lei 10.639 altera dois parágrafos da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) mostrando que isso precisa aparecer no currículo da educação básica”, afirma.

Ela também explica que a efetivação da lei exige compromisso ético de todos e que expulsar estudantes envolvidos em casos de racismo não é a melhor solução. O colégio precisa desenvolver estratégias para promover a reflexão e educar todos os envolvidos sobre o problema. “É cômodo jogar para debaixo do tapete e agir como se nada estivesse acontecendo. É preciso denunciar para que outras crianças não passem pelo mesmo.”

Procurado sobre o caso do Colégio São Domingos, o Ministério Público de São Paulo disse que “o caso está em análise pelo Grupo de Atuação Especial de Educação (Geduc) do MPSP e corre sob sigilo”.

A psicóloga Adriana Castilho, mãe de uma menina negra de 10 anos, procurou o Ministério Público de São Paulo para denunciar o Colégio São Domingos. Ela acusa a direção da tradicional instituição particular da zona oeste da capital paulista de omissão por não ter tomado providências após sua filha sofrer racismo repetidas vezes, segundo afirma. Já a escola diz não ter sido omissa.

Outros pais ouvidos pela reportagem afirmam ainda que o diretor do São Domingos, Silvio Barini, nega que exista o problema na instituição. Ainda segundo esses relatos, ele também dificulta que ações antirracistas sejam realizadas na escola. Barini discorda das alegações e diz que ações já existem e atitudes foram tomadas. O caso foi revelado pelo site Ponte Jornalismo.

“De nossa parte, levamos o caso ao recém-criado Observatório de Questões Raciais, dispositivo proposto pela direção em 2020 e que se efetivou agora em novembro. Nele, familiares integrantes do Núcleo pela Equidade Racial, o NER, ponderaram longamente conosco sobre os múltiplos fatores envolvendo o caso e em nada se opuseram às nossas ações”, escreveu ele, em carta direcionada aos pais.

Adriana conta que, no primeiro caso que envolveu sua filha, outras crianças pediram para tocar o cabelo da criança e a questionaram sobre com que produto ela o lavava. Outros dois episódios ocorreram com um mesmo aluno, segundo a psicóloga. Em uma atividade que abordava o racismo na Europa e a perseguição a alguns grupos, ele afirmou que, se a menina morasse lá, estaria “ferrada”.

Tempos depois, a garota contava sobre questões do Oriente Médio em que homens ofereceriam dinheiro e bens materiais para comprar mulheres. O estudante, conforme os relatos, afirmou diante de todos que, por causa da sua aparência física, ela nunca passaria por tal situação.

Após saber por meio de um dos professores que a filha, estudante do 5º ano do ensino fundamental, havia sido alvo pela terceira vez de ofensas racistas na escola, Adriana procurou a direção do colégio a pedido do docente, para uma reunião com os gestores. Acompanhada de uma amiga e mãe de outra estudante da instituição para apoio emocional, Adriana afirma que Silvio Barini se recusou a recebê-las para tratar do assunto.

“Ele alega que quer falar comigo sozinha. O que ele quer falar comigo que uma pessoa que eu escolho estar nesse momento de vulnerabilidade não pode ouvir? Além da negação, existe um movimento para que isso não seja expandido”, afirmou Adriana ao Estadão.

De acordo com a mãe, outros casos ocorreram antes, mas ela diz não ter sido comunicada e sua filha, acrescenta, foi obrigada a lidar com o racismo sozinha. “O CSD (Colégio São Domingos) entendeu que uma carta e uma caixa de bombom sugerida pelo outro responsável em questão seria o procedimento adequado para tratar feridas de uma criança que sofre injúrias racistas”, escreveu Adriana em carta endereçada a outros pais sobre a situação.

Acácio Almeida, de 62 anos, professor de Sociologia da Universidade Federal do ABC (UFABC) e pai de uma ex-aluna do colégio, conta que sua filha, que é negra, também relatou casos de racismo na escola por parte de outros alunos. Segundo ele, em uma brincadeira que exigia que as crianças interpretassem alguns papeis sociais, os colegas da menina sempre diziam que ela deveria ser a empregada doméstica.

“Minha filha sempre teve pais militantes do movimento negro. Por isso, sempre foi atenta ao racismo e nos contava o que acontecia. Uma vez ela disse que envolveram um colega negro em sacos de lixo e começaram a chamá-lo de lixo. Também já chamaram o cabelo da minha filha de ‘cabelo de merda’. Isso não é bullying comum. É racismo”, afirma.

Segundo os pais ouvidos pela reportagem, Barini sempre tratou episódios racistas como se fossem bullying, ignorando o contexto social das ofensas contra crianças negras. Conforme Almeida, no São Domingos há professores e coordenadores extremamente sensíveis, mas o diretor nega as questões que envolvem racismo. “Ele não permite que o racismo seja abordado na escola porque ele nega a existência do racismo”, acrescenta.

No período de isolamento social provocado pela pandemia da covid-19, alguns pais de alunos se organizaram e criaram um grupo chamado Núcleo pela Equidade Racial (NER) do Colégio São Domingos, com o objetivo de discutir possíveis ações antirracistas na escola, assim como debater o tema.

Apesar de haver na escola poucas famílias em que todos os integrantes são pretos, Acácio Almeida conta que há alguns pais brancos que têm filhos adotivos negros, ou outros interessados em discutir uma sociedade e uma escola mais justas do ponto de vista racial. No entanto, todas as propostas que o núcleo tentou levar para a escola, de acordo com ele, foram barradas pela direção.

Em carta assinada pelo NER e enviada aos pais após o relato de Adriana se tornar público, o grupo relatou que afirmações do diretor Barini sobre ações antirracistas realizadas e combinadas para resolver a questão, como o “Observatório de Questões Raciais”, não foram verdadeiras.

“Tivemos inúmeras reuniões entre NER (Núcleo pela Equidade Racial), coordenação e o diretor, nas quais sempre foi muito difícil dialogar com o diretor. Este se mostrou incapaz de compreender a questão do racismo dentro do ambiente escolar, levando diversas vezes o que mostramos ser uma realidade estrutural de nossa sociedade para o âmbito pessoal, como se estivéssemos desqualificando o trabalho da escola”, descreve a carta.

A advogada e companheira de Acácio, Cleude de Jesus, que fez parte do núcleo em anos anteriores, afirma que reuniões com o diretor para levar propostas eram sempre complicadas. “Dizia que a gente estava trazendo pautas identitárias, que a gente estava querendo constranger as pessoas brancas”, afirma.

Posicionamento da escola

Em nota, o São Domingos negou omissão e diz que as acusações dos pais se devem ao fato de a escola se recusar a expulsar o estudante que teria cometido ofensa racial contra a filha de Adriana. Ainda de acordo com a instituição, já existem políticas antirracistas implementadas.

“O colégio busca sempre a solução consensual mediante diálogo e rodas de conversa, entre todos os envolvidos, além de ações pertinentes voltadas para a transformação do conflito com base nos valores defendidos pelo colégio que inclui a pauta antirracista”, diz a nota.

A escola também destacou que outro pai, com filha negra, aprovou as decisões tomadas e que a direção, além de outros professores e pais, divergem da perspectiva de Adriana.

O diretor Silvio Barini se posicionou, em mensagem às famílias dos estudantes, dizendo que sempre manteve uma relação de respeito e transparência com os responsáveis, alunos e educadores. “Não seria diferente nesse momento em que o colégio e a minha pessoa, particularmente, estão sendo alvo de denúncias que transbordam os limites da escola.”

O gestor também afirma no texto que tensões nas discussões com o Núcleo de Equidade Racial da escola já foram superadas. “Hoje, dialogamos com equilíbrio. Apesar de divergências conceituais e de método, nunca questionamos o mérito do antirracismo, de sua pertinência. Nada que tenha impedido o NER de contar com apoio do colégio em várias iniciativas.”

A educação antirracista dentro da instituição escolar é uma obrigação das instituições, diz pedagoga. Foto: Agência Brasil

Educação antirracista está na lei

No começo do mês, um caso de racismo no Colégio Porto Seguro de Valinhos, no interior de São Paulo, também ganhou repercussão. Na ocasião, oito alunos da escola foram expulsos por veicularem mensagens racistas e de teor nazista em um grupo de Whatsapp.

Na época, a mãe da vítima, a advogada Thaís Cremasco, disse ao Estadão que, mesmo o racismo sendo crime hoje no Brasil, ele ainda é naturalizado nas escolas e visto como “coisa de criança”.

A Lei 10.639/03, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, inclui no currículo oficial das redes de ensino brasileiras a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira. Segundo a pedagoga e psicóloga Cecília Vieira, que trabalha com a formação de professores e práticas pedagógicas promotoras de Igualdade Racial na infância, a educação antirracista dentro da instituição escolar é uma obrigação das instituições.

“Os gestores precisam entender que a Lei 10.639 altera dois parágrafos da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) mostrando que isso precisa aparecer no currículo da educação básica”, afirma.

Ela também explica que a efetivação da lei exige compromisso ético de todos e que expulsar estudantes envolvidos em casos de racismo não é a melhor solução. O colégio precisa desenvolver estratégias para promover a reflexão e educar todos os envolvidos sobre o problema. “É cômodo jogar para debaixo do tapete e agir como se nada estivesse acontecendo. É preciso denunciar para que outras crianças não passem pelo mesmo.”

Procurado sobre o caso do Colégio São Domingos, o Ministério Público de São Paulo disse que “o caso está em análise pelo Grupo de Atuação Especial de Educação (Geduc) do MPSP e corre sob sigilo”.

A psicóloga Adriana Castilho, mãe de uma menina negra de 10 anos, procurou o Ministério Público de São Paulo para denunciar o Colégio São Domingos. Ela acusa a direção da tradicional instituição particular da zona oeste da capital paulista de omissão por não ter tomado providências após sua filha sofrer racismo repetidas vezes, segundo afirma. Já a escola diz não ter sido omissa.

Outros pais ouvidos pela reportagem afirmam ainda que o diretor do São Domingos, Silvio Barini, nega que exista o problema na instituição. Ainda segundo esses relatos, ele também dificulta que ações antirracistas sejam realizadas na escola. Barini discorda das alegações e diz que ações já existem e atitudes foram tomadas. O caso foi revelado pelo site Ponte Jornalismo.

“De nossa parte, levamos o caso ao recém-criado Observatório de Questões Raciais, dispositivo proposto pela direção em 2020 e que se efetivou agora em novembro. Nele, familiares integrantes do Núcleo pela Equidade Racial, o NER, ponderaram longamente conosco sobre os múltiplos fatores envolvendo o caso e em nada se opuseram às nossas ações”, escreveu ele, em carta direcionada aos pais.

Adriana conta que, no primeiro caso que envolveu sua filha, outras crianças pediram para tocar o cabelo da criança e a questionaram sobre com que produto ela o lavava. Outros dois episódios ocorreram com um mesmo aluno, segundo a psicóloga. Em uma atividade que abordava o racismo na Europa e a perseguição a alguns grupos, ele afirmou que, se a menina morasse lá, estaria “ferrada”.

Tempos depois, a garota contava sobre questões do Oriente Médio em que homens ofereceriam dinheiro e bens materiais para comprar mulheres. O estudante, conforme os relatos, afirmou diante de todos que, por causa da sua aparência física, ela nunca passaria por tal situação.

Após saber por meio de um dos professores que a filha, estudante do 5º ano do ensino fundamental, havia sido alvo pela terceira vez de ofensas racistas na escola, Adriana procurou a direção do colégio a pedido do docente, para uma reunião com os gestores. Acompanhada de uma amiga e mãe de outra estudante da instituição para apoio emocional, Adriana afirma que Silvio Barini se recusou a recebê-las para tratar do assunto.

“Ele alega que quer falar comigo sozinha. O que ele quer falar comigo que uma pessoa que eu escolho estar nesse momento de vulnerabilidade não pode ouvir? Além da negação, existe um movimento para que isso não seja expandido”, afirmou Adriana ao Estadão.

De acordo com a mãe, outros casos ocorreram antes, mas ela diz não ter sido comunicada e sua filha, acrescenta, foi obrigada a lidar com o racismo sozinha. “O CSD (Colégio São Domingos) entendeu que uma carta e uma caixa de bombom sugerida pelo outro responsável em questão seria o procedimento adequado para tratar feridas de uma criança que sofre injúrias racistas”, escreveu Adriana em carta endereçada a outros pais sobre a situação.

Acácio Almeida, de 62 anos, professor de Sociologia da Universidade Federal do ABC (UFABC) e pai de uma ex-aluna do colégio, conta que sua filha, que é negra, também relatou casos de racismo na escola por parte de outros alunos. Segundo ele, em uma brincadeira que exigia que as crianças interpretassem alguns papeis sociais, os colegas da menina sempre diziam que ela deveria ser a empregada doméstica.

“Minha filha sempre teve pais militantes do movimento negro. Por isso, sempre foi atenta ao racismo e nos contava o que acontecia. Uma vez ela disse que envolveram um colega negro em sacos de lixo e começaram a chamá-lo de lixo. Também já chamaram o cabelo da minha filha de ‘cabelo de merda’. Isso não é bullying comum. É racismo”, afirma.

Segundo os pais ouvidos pela reportagem, Barini sempre tratou episódios racistas como se fossem bullying, ignorando o contexto social das ofensas contra crianças negras. Conforme Almeida, no São Domingos há professores e coordenadores extremamente sensíveis, mas o diretor nega as questões que envolvem racismo. “Ele não permite que o racismo seja abordado na escola porque ele nega a existência do racismo”, acrescenta.

No período de isolamento social provocado pela pandemia da covid-19, alguns pais de alunos se organizaram e criaram um grupo chamado Núcleo pela Equidade Racial (NER) do Colégio São Domingos, com o objetivo de discutir possíveis ações antirracistas na escola, assim como debater o tema.

Apesar de haver na escola poucas famílias em que todos os integrantes são pretos, Acácio Almeida conta que há alguns pais brancos que têm filhos adotivos negros, ou outros interessados em discutir uma sociedade e uma escola mais justas do ponto de vista racial. No entanto, todas as propostas que o núcleo tentou levar para a escola, de acordo com ele, foram barradas pela direção.

Em carta assinada pelo NER e enviada aos pais após o relato de Adriana se tornar público, o grupo relatou que afirmações do diretor Barini sobre ações antirracistas realizadas e combinadas para resolver a questão, como o “Observatório de Questões Raciais”, não foram verdadeiras.

“Tivemos inúmeras reuniões entre NER (Núcleo pela Equidade Racial), coordenação e o diretor, nas quais sempre foi muito difícil dialogar com o diretor. Este se mostrou incapaz de compreender a questão do racismo dentro do ambiente escolar, levando diversas vezes o que mostramos ser uma realidade estrutural de nossa sociedade para o âmbito pessoal, como se estivéssemos desqualificando o trabalho da escola”, descreve a carta.

A advogada e companheira de Acácio, Cleude de Jesus, que fez parte do núcleo em anos anteriores, afirma que reuniões com o diretor para levar propostas eram sempre complicadas. “Dizia que a gente estava trazendo pautas identitárias, que a gente estava querendo constranger as pessoas brancas”, afirma.

Posicionamento da escola

Em nota, o São Domingos negou omissão e diz que as acusações dos pais se devem ao fato de a escola se recusar a expulsar o estudante que teria cometido ofensa racial contra a filha de Adriana. Ainda de acordo com a instituição, já existem políticas antirracistas implementadas.

“O colégio busca sempre a solução consensual mediante diálogo e rodas de conversa, entre todos os envolvidos, além de ações pertinentes voltadas para a transformação do conflito com base nos valores defendidos pelo colégio que inclui a pauta antirracista”, diz a nota.

A escola também destacou que outro pai, com filha negra, aprovou as decisões tomadas e que a direção, além de outros professores e pais, divergem da perspectiva de Adriana.

O diretor Silvio Barini se posicionou, em mensagem às famílias dos estudantes, dizendo que sempre manteve uma relação de respeito e transparência com os responsáveis, alunos e educadores. “Não seria diferente nesse momento em que o colégio e a minha pessoa, particularmente, estão sendo alvo de denúncias que transbordam os limites da escola.”

O gestor também afirma no texto que tensões nas discussões com o Núcleo de Equidade Racial da escola já foram superadas. “Hoje, dialogamos com equilíbrio. Apesar de divergências conceituais e de método, nunca questionamos o mérito do antirracismo, de sua pertinência. Nada que tenha impedido o NER de contar com apoio do colégio em várias iniciativas.”

A educação antirracista dentro da instituição escolar é uma obrigação das instituições, diz pedagoga. Foto: Agência Brasil

Educação antirracista está na lei

No começo do mês, um caso de racismo no Colégio Porto Seguro de Valinhos, no interior de São Paulo, também ganhou repercussão. Na ocasião, oito alunos da escola foram expulsos por veicularem mensagens racistas e de teor nazista em um grupo de Whatsapp.

Na época, a mãe da vítima, a advogada Thaís Cremasco, disse ao Estadão que, mesmo o racismo sendo crime hoje no Brasil, ele ainda é naturalizado nas escolas e visto como “coisa de criança”.

A Lei 10.639/03, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, inclui no currículo oficial das redes de ensino brasileiras a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira. Segundo a pedagoga e psicóloga Cecília Vieira, que trabalha com a formação de professores e práticas pedagógicas promotoras de Igualdade Racial na infância, a educação antirracista dentro da instituição escolar é uma obrigação das instituições.

“Os gestores precisam entender que a Lei 10.639 altera dois parágrafos da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) mostrando que isso precisa aparecer no currículo da educação básica”, afirma.

Ela também explica que a efetivação da lei exige compromisso ético de todos e que expulsar estudantes envolvidos em casos de racismo não é a melhor solução. O colégio precisa desenvolver estratégias para promover a reflexão e educar todos os envolvidos sobre o problema. “É cômodo jogar para debaixo do tapete e agir como se nada estivesse acontecendo. É preciso denunciar para que outras crianças não passem pelo mesmo.”

Procurado sobre o caso do Colégio São Domingos, o Ministério Público de São Paulo disse que “o caso está em análise pelo Grupo de Atuação Especial de Educação (Geduc) do MPSP e corre sob sigilo”.

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