O Conselho Nacional da Educação (CNE) definiu que os cursos de formação para professores, como Licenciaturas e Pedagogia, terão de ser oferecidos com 50% da sua carga horária presencial. A educação a distância (EAD) para formar docentes no País tem crescido nos últimos anos, com muitos questionamentos sobre a qualidade.
Hoje, 64% dos estudantes em Licenciaturas estão em cursos a distância e não há controle sobre o que é feito presencialmente. Universidades privadas - que têm a maioria da EAD - oferecem cursos em que os futuros professores estudam, muitas vezes, apenas por vídeos e apresentações em Power Point. As atividades presenciais, como provas por exemplo, ocupam cerca de 10% do total.
No entanto, a modalidade é vista como opção para alunos mais pobres, que trabalham e buscam baixas mensalidades. Além disso, facilita o acesso para quem mora fora dos grandes centros.
Leia Também:
O parecer do CNE sobre formação docente foi aprovado por unanimidade em março, mas ainda precisa ser homologado pelo ministro Camilo Santana (PT). O conselho é um órgão de assessoramento ao ministério e responsável por organizar as diretrizes curriculares nacionais.
Segundo o Estadão apurou, a nova regra para EAD foi alinhada com o ministério e Camilo deve homologar o documento nas próximas semanas. Procurado pela reportagem, o MEC respondeu que ainda analisa o parecer.
Camilo tem se posicionado contra os cursos não presenciais, especialmente na formação de professores, desde o ano passado, e disse que os que são 100% EAD tinham de acabar.
O que diz o documento do CNE?
O documento intitulado Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial em Nível Superior de Profissional do Magistério da Educação Escolar Básica atualiza outras normativas, de 2019 e de 2015, sobre formação de professores para que eles “consigam enfrentar as demandas e desafios da educação contemporânea”, segundo o texto.
Na parte destinada à estrutura curricular, a resolução diz que a “formação inicial de profissionais do magistério da educação escolar básica será ofertada, preferencialmente, de forma presencial”.
Ao detalhar a carga horária do currículo da formação inicial de professores, de 3,2 mil horas no total, diz que:
- As 880 horas para formação geral podem ser feitas de forma presencial ou a distância;
- Das 1,6 mil horas destinadas ao aperfeiçoamento específico na área em que o professor vai ensinar, 880 horas precisam ser presenciais pelo menos (720 horas poderiam em EAD);
- As 400 horas destinadas a estágios devem ser presenciais;
- As 320 horas destinadas a atividades de extensão em escolas devem ser presenciais.
Somadas as horas, do total de 3,2 mil, há a possibilidade de 1,6 mil delas serem oferecidas em EAD. Até então, não havia regras claras e efetivas sobre isso na formação de professores.
O documento ainda explicita a importância de “relação orgânica” entre teoria e prática, e das parcerias entre universidades e escolas nessa formação. Fala também da necessidade de conhecimento pedagógico, diversidade e inclusão para o professor e da “compreensão dos modos de formular e apresentar o conteúdo de maneira compreensível aos alunos”.
Para a diretora do Instituto Península, Heloisa Morel, o documento é uma modernização de outras normativas feitas antes da pandemia, e assume a importância também das tecnologias na formação.
“Mas fica claro que é inadmissível abrir mão de 50% atividades presenciais, já que a prática profissional é feita na relação com outro ser humano”, afirma. Para ela, isso ajuda a acabar com a “festa da EAD” em que cursos são dados quase 100% a distância, com o aluno tentando aprender sozinho. Mesmo os estágios, que já tinham a obrigação de serem presenciais, afirma, não são supervisionados.
Leia Também:
Já a Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed) protocolou esta semana carta ao ministro e ao CNE pedindo que a resolução seja revista. A entidade teme redução drástica “de professores formados no Brasil nos próximos anos”. Para o presidente da Abed, João Mattar, a educação a distância é essencial em regiões remotas e rurais, e para alunos pobres.
“50% é inviável do ponto de vista de logística porque os polos de atividades presenciais são pequenos, atendem poucos alunos”, afirma. O perfil dos estudantes - que trabalham e de origem mais vulnerável - também é outro obstáculo.
Segundo ele, o MEC deveria criar novas políticas para melhor supervisão e avaliação das graduações, em vez de proibi-las. “O fato de ter cursos de baixa qualidade não pode fazer com que se termine com todos eles.”
Crescimento nos últimos anos
O crescimento na oferta de cursos EAD tem sido registrado no País desde os anos 2000. O ritmo de criação de novos cursos aumentou a partir de 2018, impulsionado pelo decreto do presidente Michel Temer (MDB) no ano anterior. A norma flexibilizou a abertura de polos de educação a distância. O total de graduações aumentou 700% entre 2012 e 2022, segundo dados do ministério.
Em dezembro, o MEC publicou portaria que suspendeu os processos de autorização de novos cursos a distância de 17 áreas, entre elas Direito, Medicina e todas as Licenciaturas. Também foram paralisados os pedidos de credenciamento de instituições de ensino superior que quisessem oferecer cursos a distância, mas não obtiveram conceito 4 (numa escala de zero a cinco) na avaliação federal.
A suspensão tinha prazo de 90 dias, mas foi prorrogada até maio. A intenção do MEC era concluir uma proposta de regulamentação de oferta de graduações EAD nesse período. Há discussões no ministério ainda sobre mais rigor na avaliação desses cursos.
Organizações do terceiro setor, como o Todos pela Educação, também têm demonstrado preocupação com o crescimento da educação a distância para formar professores. Sobre a aprovação do documento pelo CNE, o Todos afirmou ao Estadão que trata-se de avanço positivo e de “uma resposta a um chamado coletivo”.
Numa carta conjunta em novembro, o Todos pela Educação, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o conselho de secretários estaduais da educação (Consed) e outras organizações pediram medidas urgentes na regulação da educação a distância para a formação de professores.
Outros pontos do documento sobre a formação do professor
Para Haroldo Corrêa Lopes, coordenador do Movimento Formação Docente, coalização de apoio à área, a resolução resolve problemas de normas anteriores do CNE sobre diretrizes nas licenciaturas, mas agora é preciso trabalhar para que ela seja, de fato, implementada.
“Ela é fundamental para que a gente possa, como nação, fazer um esforço grande para ajustar as licenciaturas às demandas do século 21, especialmente nos desafios da qualificação dos professores, fator mais determinante na aprendizagem das crianças”, afirma.
A resolução afirma ainda que o professor precisa ter “capacidade de utilizar as tecnologias de forma pedagogicamente adequada às transformações do mundo” e traça um perfil do estudante das licenciaturas e da Pedagogia, de famílias com baixo nível de escolarização, provenientes do ensino público e classe mais baixas.
“São jovens que, principalmente pelas restrições financeiras, tiveram poucos recursos para investir em ações que lhes permitissem maior riqueza cultural e acesso à leitura, cinema, teatro, eventos, exposições, viagens etc.”
Segundo o texto, isso “pode ocasionar perdas significativas para o estudante em relação ao conhecimento produzido na área e no que diz respeito à produção e análise crítica desse conhecimento” e por isso as instituições precisam “identificar a que distância se está do perfil de profissional proposto, das dificuldades que será preciso enfrentar, bem como das potencialidades.”
A última resolução sobre diretrizes para formação de professores, de 2019, era criticada por setores da educação, ligados à esquerda, que pediam sua revogação ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Eles entendem que ela atendia a “interesses de mercado”, com uma “concepção pragmática e reducionista de formação e de docência”, ligada à Base Nacional Comum Curricular (documento do MEC que prevê objetivos de aprendizagem para todas as idades).
Por causa das críticas, ele não havia sido implementado. Segundo alguns especialistas, a nova norma agora tenta equacionar problemas nessas diretrizes para que possa sair do papel.
O mesmo grupo, porém, discorda e defende que o novo parecer não seja homologado. A Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope) divulgou nota afirmando que o documento não trata do “grave problema que tem sido denunciado acerca da oferta indiscriminada via EAD” porque não há sinalização de “parâmetros de qualidade e regulação desta oferta”.
A entidade também defende que as diretrizes de 2015 deveriam continuar sendo efetivadas porque são “mais completas” ao tratarem “da formação de professores de maneira orgânica, envolvendo (...) aspectos relacionados à formação inicial, à formação continuada e à valorização docente”.
Associações de faculdades criticam previsão
A Associação Brasileira das Mantenedoras das Faculdades (Abrafi) critica a decisão, por entender que pode “ferir a autonomia universitária, engessar alguns currículos e limitar a inserção de novas tecnologias dentro do processo ensino-aprendizagem”.
A entidade defende que a solução é “fortalecer a regulação através de uma avaliação mais eficaz nos polos EAD para ver se aquilo que está previsto dentro nos projetos pedagógicos dos cursos”.
Já a Associação Brasileira das Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes) acredita que o debate sobre a formação docente deveria passar pelas metodologias de ensino e atividades necessárias para a preparação dos profissionais, e não por viés quantitativo, de percentual mínimo de carga presencial.
A Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), por sua vez, entende que as atividades práticas são mandatórias para os futuros professores e que a decisão do CNE é válida por acompanhar as definições sobre a absorção adequada do EAD.
Mas faz ressalvas. “Vivemos em uma realidade em que a tecnologia tem produzido impactos positivos para a horizontalização do acesso à formação de novos profissionais, com aplicação de 20% até 40% de atividades já realizadas à distância”, diz./ COLABOROU ISABELA MOYA