O crescimento recente de ataques a tiros em escolas brasileiras tem levantado o debate sobre o País estar reproduzindo um cenário já visto nos Estados Unidos, de massacres em colégios. Segundo especialistas, o maior acesso a armas por civis, o compartilhamento de informações nas redes sociais – muitas vezes em fóruns secretos – e questões ligadas à saúde mental estão por trás do aumento de ocorrências, o que demanda soluções integradas.
Os casos armados em colégios deixaram, no total, 15 vítimas nos últimos quatro anos no País. Ao menos cinco ataques a tiros ocorreram em escolas brasileiras desde 2019, segundo levantamento do Instituto Sou da Paz. O número de atentados é o mesmo do que foi registrado nos oito anos anteriores – entre 2011 e 2019. O governo do presidente Jair Bolsonaro editou medidas que facilitaram o acesso a armamento pela população civil.
Os números estão bem distantes dos observados nos Estados Unidos – conforme o CHDS K-12 School Shooting Database, foram mais de 280 incidentes com armas em colégios americanos só neste ano –, mas a tendência de alta liga o alerta no Brasil.
Na manhã desta sexta-feira, 25, três pessoas morreram – dois professores e um aluno – e 13 ficaram feridas após um adolescente de 16 anos armado invadir dois colégios, um público e um particular, em Aracruz, no interior do Espírito Santo. O atirador, que é filho de um policial militar e usou a arma do pai, foi apreendido horas depois.
Na avaliação de Luciene Tognetta, pesquisadora e professora do Departamento de Psicologia da Educação da Universidade Estadual Paulista (Unesp), o País tem reunido fatores que, somados, fizeram aumentar as ocorrências.
“Normalmente, os casos são associados ao bullying, e há uma situação de vitimização por um grande período de tempo, acirrada por outras questões, como as relações que o indivíduo estabelece com a família, com pais negligentes ou autoritários”, aponta.
“Sujeitos que são violentos, e que querem cometer esse tipo de violência, procuram a escola não por coincidência. Eles podiam procurar um banco, um supermercado, se fosse matar por matar. Mas é um desejo de matar associado a uma condição que é vivenciada na escola.”
Diante dessa condição, cujas consequências são validadas em grupos de pessoas que pensam de forma igual e por uma maior facilidade em obter uma arma, cria-se um cenário propício para que os atentados sejam cometidos, diz a pesquisadora.
“Exatamente por pontos de encontro na internet, na deep web, você tem uma possibilidade de ter um aumento desses casos em função até do reconhecimento como algo natural, o que antes precisava de uma proximidade física”, afirma. As relações virtuais, segundo ela, precisam ser uma temática mais explorada pelas escolas brasileiras.
“Os países que conseguiram vencer essas situações e reduzir o número de problemas foram os países que mais investiram em educação”, explica a especialista. Luciene cita como exemplos países nórdicos, que, em vez de investir apenas em vigilância, aplicaram políticas públicas para formação específica de professores e de resolução de conflitos entre alunos.
Armas
“Na maioria dos casos (de ataques em escolas), há comprovação de que a arma de fogo é obtida dentro de casa”, afirma o gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani. Ele explica que a facilitadade em obtê-las torna-se um impulsionador dos crimes.
“O que é mais grave é que quando há um massacre desses com arma de fogo, em geral, o número de vítimas é maior”, continua ele, que afirma que costuma haver um padrão em casos desse tipo.
Conforme levantamento do Sou da Paz, ocorreram ao menos onze atentados a mão armada em escolas brasileiras desde 2003. A maioria deles foram cometidos por um ou dois atiradores, todos alunos ou ex-alunos dos colégios.
“Existe um efeito de cópia desses casos”, aponta Langeani. Diante disso, ele alerta para a necessidade de oferecer acompanhamento psicológico nas escolas e de fazer um trabalho de inteligência em fóruns de internet, que podem ser usados para incentivar ataques.
“Tem alguns trabalhos de agências de inteligência do Brasil que têm conseguido antecipar alguns desses ataques e prender esses estudantes, o que é algo positivo”, afirma Langeani. Mas ele afirma ser preciso ir além, tanto no controle de armas com civis, quanto no que diz respeito a medidas educativas.
“A gente tem alunos cometendo ataques e que, em muitos casos, já estavam dando sinais de socialização, de algum problema, de raiva excessiva. Essa política de treinamento de professores para identificar isso, para conseguir conversar com os estudantes, resolver conflitos de bullying, também é algo fundamental.”
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