Por que o neonazismo tem aparecido em escolas e universidades? E o que fazer?


Educação crítica, repressão de infratores e impedir permanência de conteúdos discriminatórios nas redes estão entre soluções; universidade catarinense se depara com casos e propõe política para enfrentar racismo e nazismo

Por Leon Ferrari

Pelas redes sociais e na deepweb, considerada o submundo da internet, grupos extremistas se articulam e recrutam mais militantes; e células nazistas têm crescido pelo mundo. No Brasil, aumentam os ataques de caráter neonazista em escolas e universidades: de símbolos pichados na parede, como na USP e na Unifesp esta semana, até o uso da suástica pelo atirador que matou três professoras e uma aluna em dois colégios de Aracruz (ES) na semana passada.

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), grupos neonazistas já se tornaram uma “ameaça transnacional” e se aproveitaram da pandemia para expandir suas redes. Segundo a antropóloga Adriana Dias, que acompanha esses movimentos, no ano passado eram 530 células neonazistas no Brasil e, neste ano, 1.117. Para especialistas, os ataques ao ambiente escolar são reflexo desse crescimento, de forma geral, mas também pelo fato de as instituições de ensino serem, historicamente, espaços de disputa de ideologias.

Gestores educacionais relatam ser difícil prever até que ponto mensagens rabiscadas podem crescer para uma violência de maior escala, mas sabem que são um sinal de alerta. Por isso, acionam autoridades policiais e tentam conscientizar a comunidade acadêmica, aprimorar canais de denúncia e prestar acolhimento.

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A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) iniciou campanha antirracista e antinazista nos câmpus, com peças publicitárias e vídeos Foto: UFSC

De 1° de julho a 30 de novembro, o Observatório Judaico de Direitos Humanos contabiliza 150 menções na imprensa de eventos violentos do tipo em estabelecimentos de ensino - não necessariamente são 150 casos, pois a entidade aponta que é necessário aprofundar a checagem para filtrar eventuais ocorrências repetidas. O Estadão listou ao menos dez ataques do tipo em instituições de ensino entre a última semana de outubro e o dia 1° em quatro Estados: Santa Catarina, São Paulo, Minas e Espírito Santo.

Em Contagem (MG), um colégio público foi depredado e teve as paredes pichadas com suásticas e referências a Adolf Hitler. Uma exposição sobre o mês da Consciência Negra também foi destruída. Testemunhas relataram à polícia que a diretora foi ameaçada, vasos de plantas ficaram despedaçados e cadeiras foram jogadas no pátio. Já a Federal de Santa Catarina (UFSC) encontrou mensagens nas paredes e foi alvo de carta apócrifa com ameaças. No Brasil, a apologia ao nazismo é crime previsto na Lei do Racismo (7.716/1989). A regra prevê reclusão de um a três anos e multa

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Especialistas destacam ser preciso esforço de educação antinazista, com formação crítica. Mas as escolas não podem estar sozinhas. A solução inclui também identificar e reprimir infratores, bem como ações para coibir conteúdos discriminatórios em redes sociais.

Há diversidade de ideologias e diferenças entre os grupos neonazistas. “Têm ideologias excludentes e supremacistas, e que apontam determinados grupos que compõem a sociedade brasileira como alvo, que podem ser judeus, mas também negros, mulheres, grupos políticos de determinado lado ou espectro”, descreve Daniel Douek, cientista social e diretor do Instituo Brasil-Israel.

“Eles se organizam de várias formas. Em especial, usam as redes sociais para defender suas ideias e, há uns dez anos, mais a deepweb”, comenta Adriana. “Neste último de eleição, devido à escalada ferrenha do ódio, muitos grupos que estavam silenciosos emergiram”, destaca a antropóloga, que também vê a impunidade e o crescimento da misoginia como fatores que explicam o cenário.

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“Pesquisas mostram que eles nem se conhecem muito entre si. Ele só se articulam via rede”, complementa Lia Vainer Schucman, professora de Psicologia da UFSC. E o trabalho dela mostra que esse problema não começou recentemente. Em seu mestrado, em 2003, ela havia identificado dez células dentro da próprio instituição.

Para Douek, o uso de referências nazistas por figuras públicas também agrava o problema. “O caso mais emblemático talvez tenha sido do secretário (nacional) da Cultura que foi exonerado e fez discurso com as mesmas palavras do ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels”, cita ele, em alusão à demissão de Roberto Alvim em janeiro de 2020. O ex-secretário reproduziu em um vídeo estética usada pelo governo de Hitler entre os anos 1930 e 1940, na Alemanha.

Espaço de disputa

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A escolha de instituições de ensino para ataques é simbólica, explica Lia Vainer Schucman. Segundo ela, isso ocorre porque a escola sempre foi um espaço de “disputa cultural de ideologias”. Ao mesmo tempo, ela vê um movimento de represália. “O maior campo de resistência à extrema-direita é a universidade.”

A grande prevalência de ataques em escolas também pode estar associada à repercussão dos casos, que ganham atenção da mídia e das redes sociais. Estudos americanos já mostram que tiroteios em escolas podem ter um efeito de “violência contagiosa”.

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Juventude e insegurança

Entre autores de recentes ataques, aparecem jovens homens brancos. “A juventude é o momento em que as pessoas procuram grupos para se sentirem pertencentes”, explica Lia. Ela avalia que a busca pelos grupos neonazistas parte, muitas vezes, de ressentimento ao ver que, aos poucos, as minorias sociais ganham espaço. Segundo ela, grande parte desse movimento “vem da ideia de que o homem branco está perdendo lugar no mundo, o que não é verdade.”

Silvia Colello, professora da Faculdade de Educação da USP, também vê impactos da pandemia. “Com os jovens ficando em casa, isso acirrou um pouco o posicionamento autocentrado, a intolerância; ao mesmo tempo em que ficaram afastados de uma intervenção escolar de socialização”, complementa.

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A volta às salas de aula após a covid, conforme mostrou o Estadão em agosto, foi marcada por parte dos alunos com comportamento mais agressivo ou problemas de convívio social. Segundo pesquisa do Instituto Península com escolas públicas e privadas, de junho, mais de 70% dos professores relatam “dificuldades de relacionamento” das crianças e adolescentes.

O que fazer?

Até que ponto a violência verbal ou por imagens, com símbolos nazistas nas redes e ameaças nas paredes, pode se tornar letal, é difícil dizer. “Se há iniciativa de se dirigir pela escrita ou pela linguagem simbólica, para passar para a ação, o limite é tênue”, alerta Silvia.

O primeiro passo, dizem os especialistas, é envolver autoridades de segurança. Ao mesmo tempo, é preciso oferecer atendimento psicossocial e espaços de conversa sobre o fato. O acolhimento de vítimas (que pode ser uma pessoa visada por ameaça ou aqueles de determinado grupo ou identidade ao qual é feito ataque) e seus familiares também é essencial.

Nos casos em que o autor é identificado, Silvia Colello faz ressalvas sobre expulsar o aluno quando se trata do ensino básico. “Escola é espaço de formação. Acho problemático quando lida só com a com a coerção. Tem de chamar o sujeito para discutir, chamar as famílias e tudo mais. Mas, no âmbito da universidade, sou a favor de política mais diretiva. Justifica expulsão, pois estamos falando de adultos.”

Especialistas defendem ainda investir em educação antinazista, com formação crítica sobre o tema, bem como campanha nacionais que busquem combater a glorificação ao nazismo feita por esses grupos. Mas destacam que a educação não será capaz de, sozinha, solucionar problema tão complexo.

Lia Vainer Schucman destaca que é preciso esforço de autoridades para identificar infratores e aplicar sanções, além de desarticular células. Empresas responsáveis por redes sociais e aplicativos também precisam remover conteúdos desse tipo com celeridade. “A desnazificação fica complexa nesses novos meios de comunicação, ainda mais quando eles funcionam por meio algoritmos”, pondera.

UFSC incentiva denúncia e aprova política de enfrentamento ao racismo

Os últimos meses foram marcados por tensões na UFSC, narra a vice-reitora Joana Passos. Em setembro, conta, uma aluna quilombola e um estudante negro foram vítimas de pichações racistas no Centro de Educação.

Em outubro, o Fantástico, da TV Globo, revelou uma operação da polícia que prendeu cinco suspeitos de elo com atividades neonazistas, entre eles alunos da instituição. No dia seguinte, rabiscos antissemitas foram achados no banheiro do Centro de Ciências Jurídicas e houve mais dois casos parecidos no mesmo mês. Depois, carta apócrifa com ameaças nazistas foi encontrada nas paredes do câmpus de Florianópolis.

Joana destaca que em todos os casos a administração não tratou como casos isolados e fez denúncia formal às autoridades. “Não podemos negligenciar essas manifestações, achando que são só pichações em banheiro”, diz.

Ao mesmo tempo, a instituição iniciou campanha antirracista e antinazista nos câmpus, com peças publicitárias e vídeos, além de estimular a denúncia de qualquer incidente, ao divulgar fluxos de denúncia que alunos, professores e servidores podem seguir, nos murais e redes sociais.

A instituição aprovou ainda a Política de Enfrentamento ao Racismo Institucional - que incluí o nazismo como uma das formas de discriminação a ser combatida. Joana explica que o documento, além de facilitar a identificação de atos discriminatórios e dar orientações sobre denúncia e acolhimento de vítimas, mira mudanças estruturais na universidade. Uma das frentes é aperfeiçoar a metodologia das cotas para servidores e docentes negros. “Queremos formar engenheiros antirracistas, médicos antirracistas, não só o pessoal das ciências humanas e sociais antirracistas. Precisamos de uma sociedade antirracista”, frisa.

O caso de Aracruz

Ao Estadão, o secretário da Educação capixaba, Vitor de Angelo, destaca que ainda não há como confirmar relação do adolescente com uma célula nazista. O que se sabe, conta, é que ele portava um adesivo com o símbolo da suástica nos dois braços. “O que isso significa ainda não sabemos. Se é admiração, simpatia, ligação orgânica, fonte de inspiração ou o quer quer que seja, só a investigação policial vai determinar.”

Familiares de alunos se consolam na entrada da escola estadual Primo Bitti, um dos alvos de adolescente que trajava símbolos nazistas Foto: KADIJA FERNANDES/AFP

Na quarta-feira, 30, o governo apresentou ações emergenciais que cada pasta deve executar após o ataque. De Angelo avalia que ainda é “prematuro” apontar a necessidade de trabalho específico de combate ao nazismo no âmbito escolar, mas a equipe se debruça, no momento, em pensar em como trabalhar violência e intolerância no ano letivo de 2023.

“Me parece mais pertinente essa discussão, porque quando falamos de nazismo, falamos de uma experiência histórica concreta marcada no tempo, que agora se renova na forma de neonazismo. Mas quando pensamos o neonazismo como forma de intolerância e de violência, abarcamos algo muito maior, que me parece ser aquilo do que estamos tratando: crime de ódio”, explica.

Ao contatar que as violações são reflexo das “contradições da própria sociedade”, destaca que a solução do problema não pode ficar apenas sob a responsabilidade da educação, mas precisa de envolvimento de outras instituições, como família e segurança pública. “A violência e a intolerância não começam na escola, e não terminarão ali”, alerta.

Pelas redes sociais e na deepweb, considerada o submundo da internet, grupos extremistas se articulam e recrutam mais militantes; e células nazistas têm crescido pelo mundo. No Brasil, aumentam os ataques de caráter neonazista em escolas e universidades: de símbolos pichados na parede, como na USP e na Unifesp esta semana, até o uso da suástica pelo atirador que matou três professoras e uma aluna em dois colégios de Aracruz (ES) na semana passada.

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), grupos neonazistas já se tornaram uma “ameaça transnacional” e se aproveitaram da pandemia para expandir suas redes. Segundo a antropóloga Adriana Dias, que acompanha esses movimentos, no ano passado eram 530 células neonazistas no Brasil e, neste ano, 1.117. Para especialistas, os ataques ao ambiente escolar são reflexo desse crescimento, de forma geral, mas também pelo fato de as instituições de ensino serem, historicamente, espaços de disputa de ideologias.

Gestores educacionais relatam ser difícil prever até que ponto mensagens rabiscadas podem crescer para uma violência de maior escala, mas sabem que são um sinal de alerta. Por isso, acionam autoridades policiais e tentam conscientizar a comunidade acadêmica, aprimorar canais de denúncia e prestar acolhimento.

A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) iniciou campanha antirracista e antinazista nos câmpus, com peças publicitárias e vídeos Foto: UFSC

De 1° de julho a 30 de novembro, o Observatório Judaico de Direitos Humanos contabiliza 150 menções na imprensa de eventos violentos do tipo em estabelecimentos de ensino - não necessariamente são 150 casos, pois a entidade aponta que é necessário aprofundar a checagem para filtrar eventuais ocorrências repetidas. O Estadão listou ao menos dez ataques do tipo em instituições de ensino entre a última semana de outubro e o dia 1° em quatro Estados: Santa Catarina, São Paulo, Minas e Espírito Santo.

Em Contagem (MG), um colégio público foi depredado e teve as paredes pichadas com suásticas e referências a Adolf Hitler. Uma exposição sobre o mês da Consciência Negra também foi destruída. Testemunhas relataram à polícia que a diretora foi ameaçada, vasos de plantas ficaram despedaçados e cadeiras foram jogadas no pátio. Já a Federal de Santa Catarina (UFSC) encontrou mensagens nas paredes e foi alvo de carta apócrifa com ameaças. No Brasil, a apologia ao nazismo é crime previsto na Lei do Racismo (7.716/1989). A regra prevê reclusão de um a três anos e multa

Especialistas destacam ser preciso esforço de educação antinazista, com formação crítica. Mas as escolas não podem estar sozinhas. A solução inclui também identificar e reprimir infratores, bem como ações para coibir conteúdos discriminatórios em redes sociais.

Há diversidade de ideologias e diferenças entre os grupos neonazistas. “Têm ideologias excludentes e supremacistas, e que apontam determinados grupos que compõem a sociedade brasileira como alvo, que podem ser judeus, mas também negros, mulheres, grupos políticos de determinado lado ou espectro”, descreve Daniel Douek, cientista social e diretor do Instituo Brasil-Israel.

“Eles se organizam de várias formas. Em especial, usam as redes sociais para defender suas ideias e, há uns dez anos, mais a deepweb”, comenta Adriana. “Neste último de eleição, devido à escalada ferrenha do ódio, muitos grupos que estavam silenciosos emergiram”, destaca a antropóloga, que também vê a impunidade e o crescimento da misoginia como fatores que explicam o cenário.

“Pesquisas mostram que eles nem se conhecem muito entre si. Ele só se articulam via rede”, complementa Lia Vainer Schucman, professora de Psicologia da UFSC. E o trabalho dela mostra que esse problema não começou recentemente. Em seu mestrado, em 2003, ela havia identificado dez células dentro da próprio instituição.

Para Douek, o uso de referências nazistas por figuras públicas também agrava o problema. “O caso mais emblemático talvez tenha sido do secretário (nacional) da Cultura que foi exonerado e fez discurso com as mesmas palavras do ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels”, cita ele, em alusão à demissão de Roberto Alvim em janeiro de 2020. O ex-secretário reproduziu em um vídeo estética usada pelo governo de Hitler entre os anos 1930 e 1940, na Alemanha.

Espaço de disputa

A escolha de instituições de ensino para ataques é simbólica, explica Lia Vainer Schucman. Segundo ela, isso ocorre porque a escola sempre foi um espaço de “disputa cultural de ideologias”. Ao mesmo tempo, ela vê um movimento de represália. “O maior campo de resistência à extrema-direita é a universidade.”

A grande prevalência de ataques em escolas também pode estar associada à repercussão dos casos, que ganham atenção da mídia e das redes sociais. Estudos americanos já mostram que tiroteios em escolas podem ter um efeito de “violência contagiosa”.

Juventude e insegurança

Entre autores de recentes ataques, aparecem jovens homens brancos. “A juventude é o momento em que as pessoas procuram grupos para se sentirem pertencentes”, explica Lia. Ela avalia que a busca pelos grupos neonazistas parte, muitas vezes, de ressentimento ao ver que, aos poucos, as minorias sociais ganham espaço. Segundo ela, grande parte desse movimento “vem da ideia de que o homem branco está perdendo lugar no mundo, o que não é verdade.”

Silvia Colello, professora da Faculdade de Educação da USP, também vê impactos da pandemia. “Com os jovens ficando em casa, isso acirrou um pouco o posicionamento autocentrado, a intolerância; ao mesmo tempo em que ficaram afastados de uma intervenção escolar de socialização”, complementa.

A volta às salas de aula após a covid, conforme mostrou o Estadão em agosto, foi marcada por parte dos alunos com comportamento mais agressivo ou problemas de convívio social. Segundo pesquisa do Instituto Península com escolas públicas e privadas, de junho, mais de 70% dos professores relatam “dificuldades de relacionamento” das crianças e adolescentes.

O que fazer?

Até que ponto a violência verbal ou por imagens, com símbolos nazistas nas redes e ameaças nas paredes, pode se tornar letal, é difícil dizer. “Se há iniciativa de se dirigir pela escrita ou pela linguagem simbólica, para passar para a ação, o limite é tênue”, alerta Silvia.

O primeiro passo, dizem os especialistas, é envolver autoridades de segurança. Ao mesmo tempo, é preciso oferecer atendimento psicossocial e espaços de conversa sobre o fato. O acolhimento de vítimas (que pode ser uma pessoa visada por ameaça ou aqueles de determinado grupo ou identidade ao qual é feito ataque) e seus familiares também é essencial.

Nos casos em que o autor é identificado, Silvia Colello faz ressalvas sobre expulsar o aluno quando se trata do ensino básico. “Escola é espaço de formação. Acho problemático quando lida só com a com a coerção. Tem de chamar o sujeito para discutir, chamar as famílias e tudo mais. Mas, no âmbito da universidade, sou a favor de política mais diretiva. Justifica expulsão, pois estamos falando de adultos.”

Especialistas defendem ainda investir em educação antinazista, com formação crítica sobre o tema, bem como campanha nacionais que busquem combater a glorificação ao nazismo feita por esses grupos. Mas destacam que a educação não será capaz de, sozinha, solucionar problema tão complexo.

Lia Vainer Schucman destaca que é preciso esforço de autoridades para identificar infratores e aplicar sanções, além de desarticular células. Empresas responsáveis por redes sociais e aplicativos também precisam remover conteúdos desse tipo com celeridade. “A desnazificação fica complexa nesses novos meios de comunicação, ainda mais quando eles funcionam por meio algoritmos”, pondera.

UFSC incentiva denúncia e aprova política de enfrentamento ao racismo

Os últimos meses foram marcados por tensões na UFSC, narra a vice-reitora Joana Passos. Em setembro, conta, uma aluna quilombola e um estudante negro foram vítimas de pichações racistas no Centro de Educação.

Em outubro, o Fantástico, da TV Globo, revelou uma operação da polícia que prendeu cinco suspeitos de elo com atividades neonazistas, entre eles alunos da instituição. No dia seguinte, rabiscos antissemitas foram achados no banheiro do Centro de Ciências Jurídicas e houve mais dois casos parecidos no mesmo mês. Depois, carta apócrifa com ameaças nazistas foi encontrada nas paredes do câmpus de Florianópolis.

Joana destaca que em todos os casos a administração não tratou como casos isolados e fez denúncia formal às autoridades. “Não podemos negligenciar essas manifestações, achando que são só pichações em banheiro”, diz.

Ao mesmo tempo, a instituição iniciou campanha antirracista e antinazista nos câmpus, com peças publicitárias e vídeos, além de estimular a denúncia de qualquer incidente, ao divulgar fluxos de denúncia que alunos, professores e servidores podem seguir, nos murais e redes sociais.

A instituição aprovou ainda a Política de Enfrentamento ao Racismo Institucional - que incluí o nazismo como uma das formas de discriminação a ser combatida. Joana explica que o documento, além de facilitar a identificação de atos discriminatórios e dar orientações sobre denúncia e acolhimento de vítimas, mira mudanças estruturais na universidade. Uma das frentes é aperfeiçoar a metodologia das cotas para servidores e docentes negros. “Queremos formar engenheiros antirracistas, médicos antirracistas, não só o pessoal das ciências humanas e sociais antirracistas. Precisamos de uma sociedade antirracista”, frisa.

O caso de Aracruz

Ao Estadão, o secretário da Educação capixaba, Vitor de Angelo, destaca que ainda não há como confirmar relação do adolescente com uma célula nazista. O que se sabe, conta, é que ele portava um adesivo com o símbolo da suástica nos dois braços. “O que isso significa ainda não sabemos. Se é admiração, simpatia, ligação orgânica, fonte de inspiração ou o quer quer que seja, só a investigação policial vai determinar.”

Familiares de alunos se consolam na entrada da escola estadual Primo Bitti, um dos alvos de adolescente que trajava símbolos nazistas Foto: KADIJA FERNANDES/AFP

Na quarta-feira, 30, o governo apresentou ações emergenciais que cada pasta deve executar após o ataque. De Angelo avalia que ainda é “prematuro” apontar a necessidade de trabalho específico de combate ao nazismo no âmbito escolar, mas a equipe se debruça, no momento, em pensar em como trabalhar violência e intolerância no ano letivo de 2023.

“Me parece mais pertinente essa discussão, porque quando falamos de nazismo, falamos de uma experiência histórica concreta marcada no tempo, que agora se renova na forma de neonazismo. Mas quando pensamos o neonazismo como forma de intolerância e de violência, abarcamos algo muito maior, que me parece ser aquilo do que estamos tratando: crime de ódio”, explica.

Ao contatar que as violações são reflexo das “contradições da própria sociedade”, destaca que a solução do problema não pode ficar apenas sob a responsabilidade da educação, mas precisa de envolvimento de outras instituições, como família e segurança pública. “A violência e a intolerância não começam na escola, e não terminarão ali”, alerta.

Pelas redes sociais e na deepweb, considerada o submundo da internet, grupos extremistas se articulam e recrutam mais militantes; e células nazistas têm crescido pelo mundo. No Brasil, aumentam os ataques de caráter neonazista em escolas e universidades: de símbolos pichados na parede, como na USP e na Unifesp esta semana, até o uso da suástica pelo atirador que matou três professoras e uma aluna em dois colégios de Aracruz (ES) na semana passada.

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), grupos neonazistas já se tornaram uma “ameaça transnacional” e se aproveitaram da pandemia para expandir suas redes. Segundo a antropóloga Adriana Dias, que acompanha esses movimentos, no ano passado eram 530 células neonazistas no Brasil e, neste ano, 1.117. Para especialistas, os ataques ao ambiente escolar são reflexo desse crescimento, de forma geral, mas também pelo fato de as instituições de ensino serem, historicamente, espaços de disputa de ideologias.

Gestores educacionais relatam ser difícil prever até que ponto mensagens rabiscadas podem crescer para uma violência de maior escala, mas sabem que são um sinal de alerta. Por isso, acionam autoridades policiais e tentam conscientizar a comunidade acadêmica, aprimorar canais de denúncia e prestar acolhimento.

A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) iniciou campanha antirracista e antinazista nos câmpus, com peças publicitárias e vídeos Foto: UFSC

De 1° de julho a 30 de novembro, o Observatório Judaico de Direitos Humanos contabiliza 150 menções na imprensa de eventos violentos do tipo em estabelecimentos de ensino - não necessariamente são 150 casos, pois a entidade aponta que é necessário aprofundar a checagem para filtrar eventuais ocorrências repetidas. O Estadão listou ao menos dez ataques do tipo em instituições de ensino entre a última semana de outubro e o dia 1° em quatro Estados: Santa Catarina, São Paulo, Minas e Espírito Santo.

Em Contagem (MG), um colégio público foi depredado e teve as paredes pichadas com suásticas e referências a Adolf Hitler. Uma exposição sobre o mês da Consciência Negra também foi destruída. Testemunhas relataram à polícia que a diretora foi ameaçada, vasos de plantas ficaram despedaçados e cadeiras foram jogadas no pátio. Já a Federal de Santa Catarina (UFSC) encontrou mensagens nas paredes e foi alvo de carta apócrifa com ameaças. No Brasil, a apologia ao nazismo é crime previsto na Lei do Racismo (7.716/1989). A regra prevê reclusão de um a três anos e multa

Especialistas destacam ser preciso esforço de educação antinazista, com formação crítica. Mas as escolas não podem estar sozinhas. A solução inclui também identificar e reprimir infratores, bem como ações para coibir conteúdos discriminatórios em redes sociais.

Há diversidade de ideologias e diferenças entre os grupos neonazistas. “Têm ideologias excludentes e supremacistas, e que apontam determinados grupos que compõem a sociedade brasileira como alvo, que podem ser judeus, mas também negros, mulheres, grupos políticos de determinado lado ou espectro”, descreve Daniel Douek, cientista social e diretor do Instituo Brasil-Israel.

“Eles se organizam de várias formas. Em especial, usam as redes sociais para defender suas ideias e, há uns dez anos, mais a deepweb”, comenta Adriana. “Neste último de eleição, devido à escalada ferrenha do ódio, muitos grupos que estavam silenciosos emergiram”, destaca a antropóloga, que também vê a impunidade e o crescimento da misoginia como fatores que explicam o cenário.

“Pesquisas mostram que eles nem se conhecem muito entre si. Ele só se articulam via rede”, complementa Lia Vainer Schucman, professora de Psicologia da UFSC. E o trabalho dela mostra que esse problema não começou recentemente. Em seu mestrado, em 2003, ela havia identificado dez células dentro da próprio instituição.

Para Douek, o uso de referências nazistas por figuras públicas também agrava o problema. “O caso mais emblemático talvez tenha sido do secretário (nacional) da Cultura que foi exonerado e fez discurso com as mesmas palavras do ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels”, cita ele, em alusão à demissão de Roberto Alvim em janeiro de 2020. O ex-secretário reproduziu em um vídeo estética usada pelo governo de Hitler entre os anos 1930 e 1940, na Alemanha.

Espaço de disputa

A escolha de instituições de ensino para ataques é simbólica, explica Lia Vainer Schucman. Segundo ela, isso ocorre porque a escola sempre foi um espaço de “disputa cultural de ideologias”. Ao mesmo tempo, ela vê um movimento de represália. “O maior campo de resistência à extrema-direita é a universidade.”

A grande prevalência de ataques em escolas também pode estar associada à repercussão dos casos, que ganham atenção da mídia e das redes sociais. Estudos americanos já mostram que tiroteios em escolas podem ter um efeito de “violência contagiosa”.

Juventude e insegurança

Entre autores de recentes ataques, aparecem jovens homens brancos. “A juventude é o momento em que as pessoas procuram grupos para se sentirem pertencentes”, explica Lia. Ela avalia que a busca pelos grupos neonazistas parte, muitas vezes, de ressentimento ao ver que, aos poucos, as minorias sociais ganham espaço. Segundo ela, grande parte desse movimento “vem da ideia de que o homem branco está perdendo lugar no mundo, o que não é verdade.”

Silvia Colello, professora da Faculdade de Educação da USP, também vê impactos da pandemia. “Com os jovens ficando em casa, isso acirrou um pouco o posicionamento autocentrado, a intolerância; ao mesmo tempo em que ficaram afastados de uma intervenção escolar de socialização”, complementa.

A volta às salas de aula após a covid, conforme mostrou o Estadão em agosto, foi marcada por parte dos alunos com comportamento mais agressivo ou problemas de convívio social. Segundo pesquisa do Instituto Península com escolas públicas e privadas, de junho, mais de 70% dos professores relatam “dificuldades de relacionamento” das crianças e adolescentes.

O que fazer?

Até que ponto a violência verbal ou por imagens, com símbolos nazistas nas redes e ameaças nas paredes, pode se tornar letal, é difícil dizer. “Se há iniciativa de se dirigir pela escrita ou pela linguagem simbólica, para passar para a ação, o limite é tênue”, alerta Silvia.

O primeiro passo, dizem os especialistas, é envolver autoridades de segurança. Ao mesmo tempo, é preciso oferecer atendimento psicossocial e espaços de conversa sobre o fato. O acolhimento de vítimas (que pode ser uma pessoa visada por ameaça ou aqueles de determinado grupo ou identidade ao qual é feito ataque) e seus familiares também é essencial.

Nos casos em que o autor é identificado, Silvia Colello faz ressalvas sobre expulsar o aluno quando se trata do ensino básico. “Escola é espaço de formação. Acho problemático quando lida só com a com a coerção. Tem de chamar o sujeito para discutir, chamar as famílias e tudo mais. Mas, no âmbito da universidade, sou a favor de política mais diretiva. Justifica expulsão, pois estamos falando de adultos.”

Especialistas defendem ainda investir em educação antinazista, com formação crítica sobre o tema, bem como campanha nacionais que busquem combater a glorificação ao nazismo feita por esses grupos. Mas destacam que a educação não será capaz de, sozinha, solucionar problema tão complexo.

Lia Vainer Schucman destaca que é preciso esforço de autoridades para identificar infratores e aplicar sanções, além de desarticular células. Empresas responsáveis por redes sociais e aplicativos também precisam remover conteúdos desse tipo com celeridade. “A desnazificação fica complexa nesses novos meios de comunicação, ainda mais quando eles funcionam por meio algoritmos”, pondera.

UFSC incentiva denúncia e aprova política de enfrentamento ao racismo

Os últimos meses foram marcados por tensões na UFSC, narra a vice-reitora Joana Passos. Em setembro, conta, uma aluna quilombola e um estudante negro foram vítimas de pichações racistas no Centro de Educação.

Em outubro, o Fantástico, da TV Globo, revelou uma operação da polícia que prendeu cinco suspeitos de elo com atividades neonazistas, entre eles alunos da instituição. No dia seguinte, rabiscos antissemitas foram achados no banheiro do Centro de Ciências Jurídicas e houve mais dois casos parecidos no mesmo mês. Depois, carta apócrifa com ameaças nazistas foi encontrada nas paredes do câmpus de Florianópolis.

Joana destaca que em todos os casos a administração não tratou como casos isolados e fez denúncia formal às autoridades. “Não podemos negligenciar essas manifestações, achando que são só pichações em banheiro”, diz.

Ao mesmo tempo, a instituição iniciou campanha antirracista e antinazista nos câmpus, com peças publicitárias e vídeos, além de estimular a denúncia de qualquer incidente, ao divulgar fluxos de denúncia que alunos, professores e servidores podem seguir, nos murais e redes sociais.

A instituição aprovou ainda a Política de Enfrentamento ao Racismo Institucional - que incluí o nazismo como uma das formas de discriminação a ser combatida. Joana explica que o documento, além de facilitar a identificação de atos discriminatórios e dar orientações sobre denúncia e acolhimento de vítimas, mira mudanças estruturais na universidade. Uma das frentes é aperfeiçoar a metodologia das cotas para servidores e docentes negros. “Queremos formar engenheiros antirracistas, médicos antirracistas, não só o pessoal das ciências humanas e sociais antirracistas. Precisamos de uma sociedade antirracista”, frisa.

O caso de Aracruz

Ao Estadão, o secretário da Educação capixaba, Vitor de Angelo, destaca que ainda não há como confirmar relação do adolescente com uma célula nazista. O que se sabe, conta, é que ele portava um adesivo com o símbolo da suástica nos dois braços. “O que isso significa ainda não sabemos. Se é admiração, simpatia, ligação orgânica, fonte de inspiração ou o quer quer que seja, só a investigação policial vai determinar.”

Familiares de alunos se consolam na entrada da escola estadual Primo Bitti, um dos alvos de adolescente que trajava símbolos nazistas Foto: KADIJA FERNANDES/AFP

Na quarta-feira, 30, o governo apresentou ações emergenciais que cada pasta deve executar após o ataque. De Angelo avalia que ainda é “prematuro” apontar a necessidade de trabalho específico de combate ao nazismo no âmbito escolar, mas a equipe se debruça, no momento, em pensar em como trabalhar violência e intolerância no ano letivo de 2023.

“Me parece mais pertinente essa discussão, porque quando falamos de nazismo, falamos de uma experiência histórica concreta marcada no tempo, que agora se renova na forma de neonazismo. Mas quando pensamos o neonazismo como forma de intolerância e de violência, abarcamos algo muito maior, que me parece ser aquilo do que estamos tratando: crime de ódio”, explica.

Ao contatar que as violações são reflexo das “contradições da própria sociedade”, destaca que a solução do problema não pode ficar apenas sob a responsabilidade da educação, mas precisa de envolvimento de outras instituições, como família e segurança pública. “A violência e a intolerância não começam na escola, e não terminarão ali”, alerta.

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