Professora de Literatura Brasileira da Universidade Estadual de Goiás, Ebe Lima Siqueira acredita na força da poesia como arte capaz de transformar o mundo. Uma das fundadoras da Associação Mulheres Coralinas, na cidade de Goiás, ela usa a obra de Cora Coralina para educar e promover a afirmação de mulheres. “A gente busca exemplos de resistência locais. Cora é o nosso maior capital cultural”, afirma.
Na universidade, Ebe atua como mediadora de leitura há 40 anos, mas nos últimos oito sentiu necessidade de compartilhar esse conhecimento acumulado, principalmente sobre os escritos da poeta goiana, para além dos muros da academia. Tudo a serviço de uma causa que sempre julgou importante: o empoderamento feminino.
“A poesia de Cora tem o caráter formador, porque ela se modifica como pessoa no processo da própria escrita.” A professora conta que a vida da autora guarda semelhanças com a realidade de garis, lavadeiras, cozinheiras, entre outras frequentadoras da associação.
“A própria poesia dela é narrativa e autobiográfica. As mulheres da associação começaram a perceber que Cora havia passado pelas mesmas dificuldades que elas enfrentam”, conta a professora.
Aos 22 anos, Cora Coralina, pseudônimo de Ana Lins dos Guimarães Peixoto, foi alvo de preconceito por estar grávida de um homem casado e bem mais velho do que ela. Sem abrir mão de sua paixão, ela se afastou de Goiás por 45 anos para viver no Estado de São Paulo. Foi dona de pensão e, após a perda do marido, teve loja de tecidos, cultivou milho e algodão e vendeu livros antes de publicar o seu primeiro, aos 75 anos.
Até hoje, cerca de 150 mulheres tomaram contato com a vida de Cora Coralina por meio da intersecção entre a escritora, a poeta e a personagem de suas histórias. “Em literatura, a gente chama isso de pacto autobiográfico, que é o que atrai essa leitora que não é iniciada. Elas começam a perceber: ‘Ah, essa menina feia da ponte da Lapa é ela?’”, diz.
Filha de pais ligados à terra e sem escolaridade, Ebe conta que ascendeu socialmente, chegando ao doutorado, “pela condição de leitora de literatura”. Ela também divide sua experiência de vida com as mulheres da associação, mas deixa claro que não é necessariamente o único caminho. “Já a Cora se fez à margem desse conhecimento formal. Frequentou três anos de uma escola multisseriada. Ela é conhecida por ter sido uma professora de humanidades.” Ebe frisa que o seu papel de mediadora é ajudar as mulheres da associação a tecer a própria trajetória.
No começo, só a professora lia poemas selecionados para a turma. Aos poucos, as frequentadoras também pediram para ter voz ativa nos encontros. Atualmente, algumas dessas mulheres, com idades que vão dos 16 aos 87 anos, vocalizam a poesia de Cora pela cidade goiana. “Elas são convidadas a abrir eventos, seminários, vão a universidades”, conta a professora.
Semanais, as reuniões da Associação Mulheres Coralinas são abertas e fechadas com a leitura de um texto. O repertório se estendeu a outras autoras, casos de Conceição Evaristo, Carolina Maria de Jesus e Leodegária de Jesus, goiana nascida em agosto de 1889, como Cora.
Na associação, que promove rodas de conversa entre as participantes, as mulheres também são incentivadas a desenvolver habilidades manuais, a fim de que possam ganhar autonomia financeira. Quatro grupos se revezam em atividades como bordado, gastronomia e cerâmica.
A iniciativa vale até para quem já trabalha em algum desses ofícios. “Às vezes, a pessoa é bordadeira, mas não tem onde vender a sua peça. Ou só borda um tipo de coisa. Se vem para o coletivo, a formação dela é ampliada e existe a chance de venda coletiva”, explica a professora.
Os versos de Cora estampam peças de artesanato, como bonecas de pano, artigos para casa e marcadores de livro. Na pandemia, foram parar em 6 mil máscaras.
Em janeiro, a associação ganhou uma sede, erguida com tijolos de adobe amassados e assentados pelas mulheres. Os recursos vieram do Ministério Público do Trabalho de Goiás em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Quando não está na sede ou auxiliando alguém, Ebe é encontrada diante do computador, preparando novos projetos ou prestando contas de parcerias anteriores. Ela vê próximo o fim de seu ciclo de quatro décadas de magistério, mas sabe que ninguém deixa de ser professor. E quer que a universidade enxergue o papel da extensão como foco. “Só faz sentido fazer pesquisa se ela volta para a comunidade na forma de benefícios para mudar a qualidade de vida das pessoas.”