Uma professora que ensina robótica para lidar com o excesso de sucata ao redor da escola. Um educador que criou um projeto de educomunicação que hoje afeta mais de 5,4 mil alunos da rede pública paulistana. Um docente que leciona História por meio do Minecraft, jogo eletrônico que é “febre” entre crianças. Com uma dezena de exemplos, o documentário Educação Presente para o Futuro conta histórias de projetos inovadores em escolas brasileiras. No centro dessas iniciativas, os professores.
Disponibilizado no Globoplay a partir deste sábado, 15, Dia do Professor, o filme dá destaque a educadores que aliam tecnologia a criatividade para cativar os alunos. A obra não lança luz, para isso, em projetos com recursos a perder de vista, mas naqueles que se valeram das próprias limitações no cotidiano das escolas para, a partir delas, inovar. O resultado é em um documentário de 70 minutos, produzido pela produtora Prosa Press, que se propõe a apontar para o futuro da educação.
Há 17 anos dando aula na rede pública, a professora de português Debora Garofalo se deparou, em 2015, com o que descreve como “uma das situações mais adversas” de sua trajetória. “A escola que lecionei estava concentrada entre quatro grandes favelas na cidade de São Paulo, com altos índices de violência de tráfico de drogas”, conta ela, que é uma das entrevistadas do documentário.
Diante desse cenário, decidiu agir. “Saí da zona de conforto e me candidatei a uma vaga que a escola tinha para ser professora de tecnologia”, relembra. Ela lecionava na EMEF Almirante Ary Parreiras, zona sul da capital paulista. Na nova ocupação, começou a ouvir os alunos e viu um tema recorrente. “Os estudantes me trouxeram um problema que, para eles, era gravíssimo, que era o lixo na comunidade”, diz.
“O lixo impedia essas crianças de irem para escola em dias de chuva e trazia doenças como dengue e leptospirose”, continua. Nascia o ‘Robótica com Sucata’, montado para desenvolver protótipos de diferentes tipos a partir do que as pessoas normalmente descartam. “Em três anos e meio, esse trabalho ganhou proporções muito grandes e recebeu diversos prêmios.”
A iniciativa reduziu a evasão escolar na EMEF Almirante Ary Parreiras e propiciou o recolhimento de mais de uma tonelada de lixo. Em 2019, Debora ficou entre os top 10 professores do Global Teacher Prize. O sucesso foi tamanho que ela foi convidada para integrar a Secretaria Estadual de Educação. “Hoje esse trabalho está presente na rede estadual de ensino de São Paulo para 3,5 milhões de estudantes e 5,4 mil escolas”, afirma ela, hoje coordenadora do Centro de Inovação da Educação Básica Paulista (CIEBP).
Outros projetos inovadores
No documentário, são destacadas ainda cerca de dez outras iniciativas consideradas inovadoras. Uma delas é a Imprensa Jovem. Após extrapolar as fronteiras da EMEF Pedro Teixeira, escola da zona leste, o projeto de educomunicação, que foi criado em 2005 pelo então professor de inglês Carlos Lima, também virou política pública e agora atende mais de 5,4 mil alunos da rede municipal de São Paulo.
Carlos Lima, educador
A ideia da iniciativa é transmitir informações da escola para a comunidade e, ao mesmo tempo, qualificar os alunos quanto ao consumo e à produção de notícias. “O projeto apoia, por exemplo, a escola na questão de comunicação com a comunidade”, explica Carlos. Ele destaca que a iniciativa tem também uma parte mais instrutiva e dialoga com a proposta de alfabetização midiática da Unesco, agência da Organização das Nações Unidas focada em educação.
“A gente trabalha com o viés para educar os estudantes para serem leitores críticos da mídia. É um projeto que ajuda muito no combate às fake news, à desinformação. Tanto é que o projeto, que hoje é um programa educacional na cidade de São Paulo, foi premiado pela Unesco em 2020 como referência mundial em educação midiática”, destaca Carlos.
O professor relembra que o Imprensa Jovem foi criado em uma mesa de reunião de pauta para organizar a produção da rádio que existia na escola. “É um conteúdo dos estudantes para os estudantes, esse é o grande diferencial”, explica ele sobre a agência de notícias. Com a fama da iniciativa, Carlos passou a coordenar o Núcleo de Educomunicação da Secretaria Municipal de Ensino da capital paulista.
Entre outros cases de sucesso, o documentário apresenta ainda iniciativas como o History Blocks, projeto desenvolvido na Escola Bosque, zona sul paulistana, para ensinar história por meio do jogo eletrônico Minecraft. “É um projeto interdisciplinar que envolveu as áreas de história, matemática, artes, geografia e tecnologia”, descreve a escola. Há ainda no filme exemplos de projetos que trabalham de sala de aula invertida, quando o aluno assume um papel mais ativo, e até de uso de inteligência artificial nas salas de aula.
Papel da tecnologia nas escolas
Diretora do Educação Presente para o Futuro, Patricia Travassos explica que a ideia por trás do documentário foi fazer uma investigação sobre o papel da tecnologia nas escolas. “Nosso ponto de partida foi ter um olhar para as metodologias ativas, que são as metodologias que colocam o aluno no centro do aprendizado”, diz ela, que explica que o documentário faz parte de uma trilogia sobre inovação.
A ideia inicial, explica a diretora, foi permeada por uma série de descobertas. “A gente se deu conta logo de cara que não necessariamente as escolas que têm os laboratórios mais tecnológicos são aquelas que, de fato, realizam com os alunos os projetos mais transformadores”, relembra.
A conexão mais importante, continua, não é exatamente a de internet. “É a entre a sala de aula e o problema do entorno da escola”, afirma. O documentário, que contou com consultoria do Instituto Crescer, será exibido às 20h deste sábado no Canal Futura e, depois, ficará disponível na Globoplay. O filme foi rodado a partir de 2021, com cerca de um ano e meio até a finalização.
Patricia Travassos, diretora do documentário
Para a diretora, o momento de estreia no Globoplay é bastante propício. “A educação está no foco, e vai ficar no foco. A gente só vai conseguir sair dessa situação do País se a gente realmente colocar luz na educação”, afirma. Como reflexo da pandemia, dados divulgados recentemente mostram que a aprendizagem de Português e Matemática cai em todas as séries no Brasil.
Refletir sobre a educação
Para “amarrar” os vários projetos, a direção do filme reuniu seis ativistas da educação no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, e propôs um exercício de reflexão sobre o uso da tecnologia nas escolas e o futuro do ensino. Os depoimentos são intercalados por projetos que não se restringem a São Paulo – há desde uma iniciativa no interior do Maranhão a um exemplo no Rio Grande do Sul.
Um dos convidados para o momento de reflexão no museu foi o empreendedor Luís Sergio Ferreira Neto, de 20 anos. Inquieto em relação aos métodos tradicionais de ensino, ele começou a desenvolver em 2018, quando ainda estava no ensino médio, uma iniciativa para incentivar o estudante a “descobrir por si mesmo”.
Depois de dois anos se debruçando sobre métodos que propiciam a aprendizagem, a ideia saiu do papel. Nomeado ReAprendiz, o projeto já atendeu mais de cem alunos de forma online, entre estudantes, professores e profissionais no mercado de trabalho. “O projeto parte da ideia de que, no século 21, onde temos tantas complexidades e incertezas, é preciso reaprender o que aprendemos.”