BELO HORIZONTE - Um trabalho de sala de aula virtual do mundo em pandemia levou alunos de uma escola pública de Caeté, município da Região Metropolitana de Belo Horizonte, a incorporar personagens imortalizados nas telas de pintores como os holandeses Van Gogh e Johannes Vermeer, o brasileiro Almeida Júnior e o francês René Magritte. Nem todos os alunos puderam participar, no entanto, por morarem em distritos sem acesso à internet.
O trabalho foi idealizado por professoras de história e estudantes da Escola Estadual Paulo Pinheiro da Silva e recriou em casa quadros dos artistas a partir da seguinte pergunta: "qual pintura famosa você seria"? O resultado foram produções sobre telas também de Frida Kahlo e de Pere Borrell del Caso. Ao todo, 103 alunos da sexta série do ensino fundamental ao terceiro ano do ensino médio participaram do projeto.
As produções foram colocadas em votação. Uma envolvendo moradores da cidade, outra de um especialista em arte da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Tudo via internet. Um dos trabalhos, sobre o quadro "Fugindo da Crítica", do pintor espanhol del Caso (1835-1910), não ficou entre os primeiros colocados, mas se destaca, pelo momento.
Na tela original, um garoto parece sair do quadro. Não há confirmação sobre a inspiração do pintor para a pintura, mas atribui-se a tela à reação de del Caso a críticos de sua arte. Já o aluno autor do trabalho baseado na obra, Guilherme Vitoriano Monteiro Fontana, de 15 anos, do nono ano, adequou o quadro ao seu cotidiano hoje. "É a vontade de voltar à vida que tínhamos. De sair de casa, de ir para a rua", explica.
A produção envolveu toda a família, com o uso de uma moldura, um tecido preto atrás e um banco para que o aluno pudesse "passar pela tela". "Foi divertido e rápido. Ele mesmo escolheu. Estamos todos tendo sentimentos difíceis, com os quais estamos aprendendo a lidar", pontua a mãe do aluno, a técnica em contabilidade Lílian Cristina Monteiro Fontana, de 53 anos.
A votação popular extrapolou o corpo discente e docente da escola, que tem cerca de 800 alunos. Ao todo, 1,5 mil moradores da cidade participaram da votação. O vencedor foi o aluno Yan Rodrigues Franco Stehling, de 13 anos, estudante do sétimo ano. O trabalho foi sobre a obra "Auto-Retrato-Bocejando", do francês Joseph Ducreux (1735-1802). "Achei que me representava, por eu ser um pouco preguiçoso", justifica.
O aluno afirma ainda ter se interessado pela obra por ser diferente de outros autorretratos. "Geralmente, são pessoas posadas, com uma postura bem formal. Esse, não", diz. Yan afirma que as aulas durante a pandemia estavam precisando de mais movimento, e que foi isso o que aconteceu na execução do trabalho. "Além disso, fiquei mais interessado e aprendi mais sobre arte".
Na escolha do especialista, feita pelo doutor em História da Arte, Mateus Alves da Silva, da UFMG. a vencedora foi a aluna Ana Clara Soares, do sexto ano, com o trabalho sobre a obra "A Leiteira", de Johannes Vermeer (1632-1675). As premiações foram simbólicas, como uma cesta de doces. Não houve pontuação para aprovação no fim de ano.
Alcance
A professora Laís Maine dos Santos, uma das responsáveis pelo projeto, afirma não ter ao certo o número de alunos que não puderam participar do projeto por morarem em áreas sem internet. "O que a escola está fazendo é levar o material, impresso, para que esses estudantes que ficaram fora", relata.
Entre os que puderam participar, o trabalho foi considerado um sucesso, na avaliação da professora. "Os meninos estavam pouco motivados, não procuravam muito a gente para tirar dúvidas. Pensamos em fazer uma atividade em que pudessem se divertir e, ao mesmo tempo, dar uma levantada nos ânimos".
As aulas durante a pandemia estão sendo dadas via a plataforma Google Class, mas apenas com atividades curriculares. A ideia, ainda segundo a professora, foi unir a escola ao que os alunos mais frequentam hoje, as redes sociais. Outra professora idealizadora do projeto, Tatiane Silva Mendes, de 37 anos, afirma que, ao mesmo tempo em que a pandemia foi determinante para que a ideia surgisse, também foi o principal obstáculo. "Tivemos que passar todas as informações, fazer análises e dar as coordenadas a distância", diz.
O projeto, segundo a professora teve importância também no contato entre os alunos e a escola durante a pandemia. "A escola é o maior espaço de socialização para muitos dos estudantes", aponta. Dos 103 trabalhos, 63 tiveram divulgação autorizada pelas famílias. O restante, feito com base por exemplo em autorretratos de Van Gogh, ou na série O Grito, do norueguês Edvard Munch (1863-1944) não puderam ser divulgados pela escola.