Os ataques em escolas do Brasil e supostas ameaças de novos crimes têm disseminado uma onda de pânico entre pais, alunos e professores. Psicólogos com atendimento em comunidades escolares narraram ao Estadão casos de ansiedade, crises de choro e medo de ir às classes. Ao mesmo tempo, atuam para desmistificar a imagem da sala de aula como ambiente perigoso e restaurar o espaço dedicado a diversidade, inclusão e acolhimento.
O vínculo entre os diferentes agentes da comunidade escolar, que ainda se recupera da pandemia, é estremecido pelos ataques e fortalecido pela vontade coletiva de superar a crise coletivamente. “Vivemos uma transição. No passado, havia uma demanda maior por causa dos efeitos da pandemia, com histórias de tentativa de suicídio, autolesão e comportamentos violentos. Quando houve o ataque (na escola) da Vila Sônia, nos encontramos com demandas maiores, que saem do território de conflitos cotidianos”, diz Gabriela Gramkow, professora de Psicologia na PUC-SP que coordena uma equipe de profissionais atuantes na rede pública da Grande São Paulo.
No dia 27, um adolescente matou uma professora na Escola Estadual Thomazia Montoro. Menos de dez dias depois, um homem assassinou quatro crianças em uma creche de Blumenau (SC). Agora, supostas ameaças de novas violências correm as redes sociais. “Só a ameaça já cria insegurança, incerteza de paralisação, estagnação e reclusão. Não se trata de fragilidade ou incapacidade, é algo legítimo. Isso pode vir de qualquer lugar”, diz Gabriela.
Muitos alunos das redes pública e privada têm manifestado ansiedade na hora de ir à escola, medo do escuro, insônia ou crises de choro. Além disso, famílias cobram ações e protocolos que garantam a segurança. No Marista Arquidiocesano, escolas particular tradicional da capital, houve uma enxurrada de e-mails e telefonemas de pais e responsáveis. “A maioria demonstra preocupação e medo com o que vai acontecer”, diz Simone Dias, coordenadora do ensino fundamental 2. Ela conta que um dos gatilhos responsáveis por desencadear crises de ansiedade entre alunos, a maioria de 12 a 15 anos, tem sido o volume de sugestões que recebem nas redes sociais de conteúdos ligados a ataques e ameaças. “Eles passam muito tempo no celular e o algoritmo recomenda.”
O tema foi abordado em uma roda de conversa com professores e alunos do ensino médio, enquanto os estudantes mais novos têm sido acompanhados caso a caso, à medida que expressam alguma dúvida ou apreensão. “Começaram a nos trazer vídeos das redes sociais e íamos desmistificando aquilo”, diz ela.
Especialistas recomendam ajustar o tipo de abordagem conforme a idade, para evitar exposição excessiva ou precoce a assuntos delicados. Isabel Kahn, professora de Psicologia da PUC-SP, acredita que “é uma oportunidade para a escola fazer um balanço geral e repensar relações com famílias e alunos, mas não na linha de procurar culpados”. “O que não podemos é nos afastar da escola, sua segurança, pensamento, transmissão do saber. Nosso compromisso é entender de onde vem esse medo, mas trabalhar contra a contaminação da ideia de que esse é um lugar ameaçador”, diz.
Cura coletiva
Vistos como porto seguro por famílias e alunos, professores também têm sofrido com os próprios medos, muitos relatando depressão, ansiedade, esgotamento físico e emocional, algo que já vinham se agravando desde a pandemia. “O Brasil tem esse sintoma importante de que ‘saúde mental na escola’ é voltada para o professor ajudar o aluno, mas dificilmente ele é foco das intervenções”, afirma Ana Carolina D’Agostini, coordenadora do Instituto Ame Sua Mente e gerente de conteúdo da Semente Educação. “Na rotina, há pouco espaço para educadores falarem como estão se sentindo, terem troca sobre conhecimentos e propor soluções.”
Professora de Psicologia na USP, Beatriz de Paula Souza é coordenadora do Serviço de Orientação à Queixa Escolar e uma das profissionais responsáveis por atender a comunidade da Escola Raul Brasil, em Suzano, após o ataque que terminou com dez mortos em 2019. Nas últimas semanas, ela tem ajudado a acolher alunos, professores e familiares da Thomazia Montoro, trabalhando na reparação do vínculo que eles têm com a vida escolar. “O que eles viveram é de uma violência inominável.”
Ela defende que esse trauma coletivo deve ser enfrentado e curado de forma coletiva, ainda que demore anos. “Não dá para entender os problemas como se as pessoas fossem fenômenos isolados. Elas estão precisando de carinho, abraços e de ouvidos atentos e pacientes, porque é muita coisa para colocar para fora”, afirma. Rodas de conversa, diz ela, são tão importantes quanto “viver momentos leves de alegria” e é preciso encontrar alternativas de expressar o que sente, seja por esporte, arte ou poesia.
É unanimidade entre especialistas que só policiamento ou reforço na segurança não será capaz de frear novos ataques. Para chegar à raiz do problema, é preciso um trabalho multisetorial envolvendo alunos, pais, professores e diretores, mas também equipes da saúde, educação, segurança e assistência social. “Esse ataques são também contra o que as escolas representam: uma resposta nossa a um funcionamento social muito desigual, à barbárie. É um ataque ao mundo diverso da escola”, diz Adriana Marcondes Machado, especialista em psicologia escolar e professora do Instituto de Psicologia da USP.
Paula Fontana Fonseca, que trabalha com Adriana no Serviço de Psicologia Escolar, afirma que esses ataques coordenados querem “deturpar a vocação da escola como lugar para todos”, e é preciso cuidado ao buscar explicações reducionistas. “Como criar alternativas para esse ciclo de violências? Não é apenas se armar com qualquer conflito.”