Quase 40% da população não tem a menor ideia do que se faz nas universidades públicas do País. E mesmo após dois anos de intensas pesquisas no combate à covid-19, só 11% citaram a ciência como atividade dessas instituições em levantamento realizado pelo Centro Sou Ciência. O grupo recém-criado reúne pesquisadores de diversas áreas para fazer análises e diagnósticos do ensino superior público, com o objetivo de aproximá-lo da sociedade.
Apesar do desconhecimento atingir boa parte da população geral, as impressões sobre a universidade pública se polarizam nas respostas de apoiadores ou não do governo de Jair Bolsonaro. Entre os que consideram a gestão do atual presidente boa ou ótima, a maior parte (20%) citou a doutrinação e o comunismo como atividades das instituições. Em seguida, entre as mais citadas, estão balbúrdia, uso de drogas e ensino de baixa qualidade. Nesse grupo, só 4,5% responderam que as universidades fazem ciência.
O inverso ocorre em quem aponta o governo Bolsonaro como ruim ou péssimo; cerca de 25% citam o ensino, a formação de qualidade e a pesquisa como atividades principais. E só 2% acreditam que há doutrinação nas universidades. As pessoas entrevistadas podiam dizer o que quisessem nas respostas, sem opções para escolha.
“Falta comunicação, as universidade têm que saber falar com a base da pirâmide, com a opinião pública que não está no circuito do ensino superior”, diz a ex-reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenadora-geral do Sou Ciência, Soraya Smaili. Ela chama a atenção para os 2% que citam a extensão como atividade das instituições, como campanhas, doação de cestas básicas e atendimentos de saúde, algo que as aproximaria mais da população.
Outro coordenador do grupo, Pedro Arantes, também professor da Unifesp, diz que a grande divulgação nas redes sociais de ataques às universidades de apoiadores de Bolsonaro só piora a situação. “Se as instituições vão sendo desmoralizadas, eles seguem com a política de desmanche”, afirma. O Sou Ciência tem pesquisado também o efeito desses ataques na internet.
Desde o início do governo Bolsonaro, ministros da educação e o próprio presidente têm dado declarações fortes contra as instituições públicas de ensino superior. A palavra “balbúrdia”, citada agora na pesquisa, foi dita pelo ex-ministro Abraham Weintraub em uma entrevista ao Estadão quando se referia ao que acontecia nas universidades.
Além disso, o governo promoveu cortes sucessivos de investimentos em ciência, nas agências de fomento, e também nas universidades federais. Entre 2019 e 2021, as verbas caíram 18% e reitores chegaram a declarar que não tinham dinheiro nem para pagar as contas de luz. Bolsonaro também deixou de escolher o primeiro colocado na lista tríplice para reitor, algo que só tinha ocorrido uma vez entre as federais. Segundo reportagem do Estadão, 18 dos 50 escolhidos até então não venceram as eleições nas universidades e muitos estão alinhados ao governo federal.
A professora titular de Bioquímica da Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisadora do Sou Ciência, Débora Foguel, diz que é difícil mudar a opinião dos apoiadores de Bolsonaro com relação às universidades, mas que é possível investir em quem tem menos informação. “É preciso entender o que vai acontecer com um país que desfinancia e sufoca as universidades, o efeito colateral é acabar com a ciência.”
Mais de 90% da ciência do País é produzida pelas universidades públicas - estaduais ou federais. Dados de 2019, antes da pandemia, mostravam o Brasil como o 13.ª na produção científica mundial, numa trajetória de crescimento.
A pesquisa foi feita com 1.500 pessoas em outubro, em todas as regiões, com idade igual ou superior a 16 anos, de diferente escolaridade, raça/cor e renda. Apesar da população dizer que não entende o que acontece nas universidades, ao ser questionada sobre o que gostaria de saber sobre elas, 32% responderam que “já sabem o suficiente”, a maior parte apoiadores de Bolsonaro. Os maiores interesses foram as informações sobre uso das verbas públicas, formas de ingressar na universidade e políticas de cotas.