Um empresário e engenheiro argentino anunciou a doação de US$ 1 milhão para a Escola Politécnica (POLI), a maior já recebida pela tradicional instituição da da Universidade de São Paulo (USP). Ele não estudou na faculdade, mas estabeleceu uma relação com a POLI em seus mais de 30 anos morando no Brasil.
Gustavo Pierini, de 67 anos, nasceu em Buenos Aires e estudou em escolas públicas argentinas. É graduando em Engenharia Naval, Mecânica e de Sistemas pela Universidade de Buenos Aires (UBA). Considerado o melhor aluno da sala, foi selecionado por uma fundação argentina para visitar os Estados Unidos e conhecer importantes centros de estudo e pesquisa, entre eles Harvard e Massachusetts Institute of Technology (MIT), pelo qual se apaixonou: “Tenho que voltar para esse lugar”, relembra o que pensou à época em que pisou na universidade americana, em Boston.
O desejo se tornou realidade. Ele retornou ao MIT e cursou, entre 1985 e 1987, mestrado em Science in Management (Ciências da Administração. Tal feito foi possível após conseguir uma bolsa de estudos de uma fundação norte-americana, a Fullbright, para custear parte da mensalidade, e pegar um empréstimo para bancar o restante. No mestrado, também teve o melhor desempenho da sala, recebendo o prêmio Henry Ford II Scholar em 1987.
Depois do mestrado, foi contratado pela consultoria financeira McKinsey, passando pelos escritórios de Boston, Nova Iorque, Madri, Lisboa e Buenos Aires, até chegar em São Paulo. Seus irmãos já moravam no Brasil quando o engenheiro decidiu que também ficaria no País.
“Me encantei com essa terra. Talvez a história de muitos gringos, que um dia conheceram uma senhorita brasileira, e acabam casando, formando uma família”, conta. Hoje, ele tem filhos brasileiros e está no Brasil há mais de três décadas.
Investimento na América Latina
Já naquela época, com menos dinheiro do que hoje, Pierini fazia doações, ainda que em proporções muito menores. “Assim que me graduei, já fazia filantropia. Não era de muito porte, U$ 100 a 150 por ano para o MIT e outras causas. Isso foi crescendo ao longo do tempo, à medida que dispunha de mais dinheiro. Sempre me achei muito grato pelo o que as pessoas fizeram por mim, e achei que teria a capacidade de fazer isso por outras pessoas. Sempre digo que eu estou devolvendo à sociedade com juros”, afirma.
No Brasil, desenvolveu quase toda a sua carreira profissional no ramo financeiro e de administração e reestruturação de empresas. Dentre muitos projetos, participou da criação da AmBev, por meio da fusão entre as marcas Antarctica e Cervejaria Brahma, e da InBev, com a fusão da AmBev com a cervejaria belga Interbrew.
“Todos esses projetos me deram capacidade financeira que me permitiram avançar na filantropia, agradecendo o Brasil, a Argentina e o mundo”, conta. “Só faço coisa que se reflita na América Latina, porque os americanos já têm dinheiro suficiente e não precisam de dinheiro saindo daqui para lá”, ressalta.
Ele calcula que a Argentina tenha gasto o equivalente a US$ 1 milhão em toda a sua formação acadêmica, em valores atuais, se fosse uma educação “comprada no mercado”. “Obviamente que meu pai não teria a menor capacidade de me dar essa educação se não fosse a generosa Argentina. E a Argentina não se beneficiou em nada, eu emigrei pouco tempo depois. Sempre penso, na minha consciência, como alguém investe todo esse dinheiro em mim sem me pedir nada em garantia. Me senti muito grato”, diz.
Foi movido por esse sentimento de gratidão que o hoje empresário, dono da consultoria Gradus, criou, em 2011, o Gustavo Pierini Fellowship, um fundo vitalício que banca, anualmente, o valor de um mestrado para estudantes argentinos ou brasileiros no MIT. Sete anos depois, criou um fundo que dá bolsa de estudos para minorias estudarem nas áreas de STEM (sigla em inglês para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) em um instituto de ensino tecnológico argentino, além de doar um terreno para expansão da instituição.
Suas ações filantrópicas contemplaram diversos projetos voltados à educação superior com viés tecnológico, área em que ele se graduou. Na visão de Pierini, é por meio da tecnologia que se eleva a produtividade, que leva a um maior desenvolvimento humano e maior renda.
“Eu entendo que existem diversas causas, mas, tendo um bolso finito, como é o meu, diria que o melhor dinheiro investido é em pessoas que depois vão impactar positivamente a sociedade”, afirma.
No Brasil, suas doações se concentram principalmente para a POLI, a escola de engenharias da USP, não apenas pela admiração que tem por ser reconhecida como uma das melhores da América Latina, mas também por contratar diversos funcionários advindos da faculdade. Ele calcula que em torno de um quarto dos engenheiros que passaram por sua empresa são formados na POLI.
Ele já era um dos doadores patronos (maior categoria de doadores, ocupada por aqueles que doaram a partir de R$ 1,5 milhão) do Amigos da Poli, o fundo de endowment da faculdade, quando, neste mês, decidiu dar um passo maior, com a doação de US$ 1 milhão (o equivalente a cerca de R$ 5,8 milhões, na cotação atual) e lançando a arrecadação de fundos “POLI por um Brasil melhor”.
O objetivo da doação milionária é dar o passo inicial em um levantamento de fundos que pretende arrecadar R$ 165 milhões para ser usado em projetos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e extensão para o uso da tecnologia a favor da sociedade em áreas como: mitigação do aquecimento global, mobilidade e cidades inteligentes e ciência da aprendizagem.
“Há um certo sentido de gratidão pela Escola Politécnica. E eu gostaria que eles continuem formando esses talentos, e fazendo mais e melhor”, diz, justificando a doação.
Apesar de fazer muitas ações filantrópicas, as doações de Pierini não são feitas sem uma pesquisa prévia e uma análise cuidadosa das entidades. Muitas vezes, inclusive, ele passa a integrar o conselho de administração das instituições para assegurar que o dinheiro será bem investido. Atualmente, o empresário é presidente do conselho da Amigos da Poli e conselheiro de outras entidades.
“Sempre faço quando reúno algumas condições: para onde vai o dinheiro; qual o história dessa organização; as pessoas que estão no comando são idôneas e há uma comunhão de ideias com o que acho que é certo”, conta. “Não dou o dinheiro, viro as costas e vou embora”.
“A filantropia, para acontecer, tem que ter gente com vontade de dar, gente com consciência de que o dinheiro se ganhar para usar em prol da sociedade, o caixote não tem bolso e nossos filhos não precisam de tanto”, declara.
Na avaliação de Pierini, a cultura da filantropia - ainda sem tradição no Brasil e com poucos ‘doadores em série’ com ele - se cria por meio do exemplo. “As sociedades acontecem por imitação. Às vezes, falta gente que toma iniciativa, por isso quis tomar”, completa.
Como doar também?
É possível doar valores únicos ou mensais (sem valor mínimo) para o Amigos da Poli, o fundo de endowment da Escola Politécnica da USP, por meio do site, que aceita também doações de fora do País. Para doar especificamente para o projeto “POLI para um Brasil melhor”, deve-se entrar em contato com o Amigos da Poli (contato@amigosdapoli.com.br).
Outras faculdades da USP também têm seus próprios fundos, como a Faculdade de Direito São Francisco, a Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA), a Faculdade de Medicina e o campus da USP São Carlos.
É possível ainda doar para o Fundo Patrimonial da USP, que destina os rendimentos a iniciativas para o fortalecimento da sustentabilidade financeira da universidade como um todo e da qualidade do ensino e da pesquisa. Além de dinheiro, o fundo aceita imóveis, via testamento, carros, joias, obras de arte e itens de valor cultural e histórico, como livros, manuscritos, instrumentos musicais, entre outros.
O Fundo Patrimonial da USP tem um “subfundo”, o USP Diversa, específico para concessão de bolsas de permanência estudantil a alunos egressos do ensino público e PPI (Preto, Pardos e Indígenas) em situação de vulnerabilidade socioeconômica. É possível doar especificamente para esta finalidade, como fez um professor da USP, que anunciou que sua herança - um imóvel avaliado em R$ 25 milhões - seria doado para o fundo.
Pessoas físicas e jurídicas podem fazer doações para ações gerais ou para propósitos específicos, como programas de acolhimento e de permanência estudantil e atividades acadêmicas complementares.
Além da USP, muitas outras universidades brasileiras também têm seus próprios fundos de doação. O Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS) possui um Monitor de Fundos Patrimoniais no Brasil em que é possível verificar os fundos que destinam doações a diversas universidades brasileiras.
Os endowments, como são chamados esses fundos, são muito incentivados em diversos países. Nos Estados Unidos, onde a cultura de doação para universidades é forte, os fundos são responsáveis por grande parte do financiamento das maiores instituições de ensino americanas, entre elas Harvard, Princeton, Stanford e Yale.