A Andifes, entidade que representa aos reitores das universidades federais, encaminhou ao Ministério da Educação (MEC) uma proposta para alterar a forma como ocorre a escolha dos dirigentes das instituições de ensino. A entidade quer o fim da lista tríplice enviada ao governo para selecionar os gestores. A proposta prevê que só os nomes dos candidatos que venceram a eleição junto à comunidade acadêmica sejam encaminhadas para nomeação.
A escolha é feita em etapas. Primeiro, a comunidade acadêmica faz eleição interna, em que participam professores, funcionários e alunos, com diferentes pesos de voto. Depois, é enviada ao Executivo uma lista tríplice, com os nomes mais votados. Pela lei, o presidente escolhe um deles.
O governo não é obrigado a escolher o 1º, mas desde 1998 a tradição era de indicar o mais votado. Na gestão passada, a gestão Jair Bolsonaro (PL) rompeu com a prática. De 69 dirigentes nomeados pelo ex-presidente, 21 eram o 2º ou o 3º da lista tríplice.
Em alguns casos, a escolha privilegiou nomes que fossem menos desalinhados com as ideias do governo. Alguns dos selecionados por
Bolsonaro nem sequer tinham ligação com o grupo político do presidente, mas se aproximaram ao ver a nova tendência.
Na visão dos dirigentes, a decisão de não seguir a vontade da comunidade acadêmica desrespeita a autonomia universitária. Houve casos, como o da Federal do Ceará (UFC), teve apenas 4,6% dos votos. Também mencionam potencial de conflitos internos.
A alteração do formato precisa ser feita via Legislativo. Por isso, os reitores articulam com o deputado federal Patrus Ananias (PT-MG), que relata projeto de lei que inclui a questão da escolha dos reitores. A ideia de privilegiar o 1º colocado tem o apoio do ministro Camilo Santana (PT), que já se manifestou publicamente sobre o assunto.
“O sistema da listra tríplice nos últimos anos, no último governo em particular, se mostrou tremendamente problemático, inclusive para as comunidades e para algumas gestões”, afirma o presidente da Andifes, Ricardo Fonseca.
“Isso é consenso entre todos os atores no sistema da educação pública superior. A gente fez uma proposta em que a universidade manda o nome dos eleitos (ao governo). Os institutos federais já têm esse sistema de envio de um só nome”, prossegue ele, reitor da federal do Paraná (UFPR).
Os reitores e a gestão Bolsonaro tiveram relação tensa, com ataques e cortes de verba. Em 2019, o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, acusou as universidades de promover “balbúrdia” e cultivar maconha.
No Natal daquele ano, o governo editou uma medida provisória (MP) justamente para mudar o formato de escolha dos reitores: fixava, por exemplo, os pesos dos votos de professores, servidores e alunos nas eleições internas.
A MP motivou críticas de parlamentares e das comunidades acadêmicas e foi ignorada pelo Congresso, que permitiu a perda de validade da norma seis meses depois. Em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou que o presidente deveria obedecer a lista, mas não tinha obrigação de escolher o 1º.
A proposta da Andifes tem sido vista com bons olhos pelo governo. Durante discurso no Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) no início do mês, o ministro da Educação, Camilo Santana, garantiu que os reitores eleitos pela comunidade acadêmica seriam empossados. O fim da lista tríplice também foi um dos pontos da pauta apresentada pela UNE ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Nesta quinta-feira, Camilo Santana participou de uma reunião da Andifes e reiterou o compromisso do governo de nomear os reitores escolhidos pela comunidade acadêmica.
A Andifes considera que o papel do governo é fundamental para obter sucesso na tentativa. Além de apresentar o texto a Camilo, o grupo também teve encontro com o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha.
Como funciona em outras universidades?
Nas universidades estaduais de São Paulo (USP, Unicamp e Unesp), o processo é bem parecido, só que a lista tríplice é enviada ao governador. O último chefe do Executivo paulista a contrariar a vontade da comunidade acadêmica foi José Serra (PSDB), em 2009, que escolheu João Grandino Rodas, o 2º mais votado. Ele havia perdido para Glaucius Oliva.
Na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o processo é parecido. A diferença é que, no lugar de o nome ser submetido ao governador, ele é avaliado pelo grão-chanceler da instituição, o arcebispo metropolitano de São Paulo.
No Insper, o Conselho Deliberativo, o órgão máximo da administração da instituição, é responsável por escolher o presidente. Nesse processo, os candidatos, que não precisam ser professores da instituição, passam por processo seletivo. Depois disso, o nome precisa ser validado pela assembleia de associados, composta por representantes das famílias que criaram o Insper.
No início do ano, o escolhido para o cargo foi o físico Marcelo Knobel, ex-reitor da Unicamp. Ele, porém, foi substituído três meses depois. A instituição justificou “diferenças” de prioridades.
No caso do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), também é feito um processo seletivo, com possibilidade de participarem candidatos de fora. Depois, a banca de seleção forma uma lista tríplice, que é enviada ao Comando da Aeronáutica.
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Autonomia x influência do Estado
O sociólogo Simon Schwartzman classifica a proposta de acabar com a lista tríplice como “retrocesso”. Ele argumenta que é importante que os governos tenham influência na escolha para que possam pautar as políticas públicas de interesse do Estado.
“O reitor não deve ser só um representante eleito da comunidade universitária, mas também um representante do governo dentro da universidade, responsável por fazer com que ela cumpra os objetivos de política pública para qual é financiada“, defende.
Para ele, membro da Academia Brasileira de Ciências, a lista tríplice combina os interesses tanto da comunidade acadêmica quanto do governo federal. Schwartzman defende que o modelo evolua para uma maior profissionalização da escolha.
“O sistema de listas tríplices não é o ideal. Na maioria dos países, os reitores são escolhidos por comissões de busca com participação de representantes do governo e da comunidade acadêmica, e muito frequentemente vêm de outras instituições, justamente para contrabalançar o peso do corporativismo interno”, acrescenta.
Paulo Speller, ex-secretário de Educação Superior do MEC, diz que o modelo de seleção varia no exterior, mas em geral é preservada a autonomia das instituições. “Está na origem das universidades europeias desde a Universidade de Bolonha (Itália), que foi a primeira, há mil anos. As universidades. por meio de seus colegiados, fazem a escolha, nomeiam e o Estado não se mete muito”, diz ele, que presidiu a Andifes.
Segundo ele, no Reino Unido, por exemplo, as universidades anunciam a abertura de processo para seleção de reitor e recebem currículos dos candidatos, que são avaliados por uma comissão nomeada pelo vice-chanceler, uma espécie de vice-reitor, que tem função mais administrativa. O reitor não precisa pertencer à universidade, por exemplo.