A matéria-prima do jornalismo é a novidade. Costumamos dizer que quando o cachorro morde o homem não é notícia, mas se o homem morder o cachorro... Sites, jornais, tevês e rádios pareciam estar falando algo conhecido e repetitivo semana passada. Brasil não melhora na educação, ensino piora, estagnação, crescimento tímido e poucos exemplos de boas práticas. Foi que se viu e ouviu. De novo. Mas porque foi o que aconteceu. De novo.
A sensação de déjà vu existe tanto no ensino fundamental quanto no médio. Enquanto os mais novos melhoram timidamente, os jovens não avançam e até pioram. Um ritmo que vem desde 2005.
Quando o sistema de avaliação foi implementado no Brasil e foram feitas as primeiras provas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), em meados dos anos 1990, houve quedas significativas nos resultados de todas as séries. As notas de 1999 e 2001 (o exame é feito de dois em dois anos) foram as piores já registradas em Português e Matemática no ensino fundamental e médio.
Foi a primeira vez que o Brasil teve notícia da real situação nas escolas públicas. A imprensa passou a dizer que alunos de 14 anos não sabiam ler receitas de bolo e os mais velhos não faziam contas básicas.
Naquela época, os especialistas justificaram a aprendizagem ruim com a grande inclusão de estudantes. Cerca de 25% das crianças mais pobres, no início dos anos 1990, estavam fora da escola, por exemplo. Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso foi criado o Fundef, um fundo que reunia impostos de Estados e municípios e depois redistribuía o dinheiro conforme o número de alunos matriculados nas escolas de ensino fundamental.
Mais tarde, durante o governo Lula se ampliou o Fundef para Fundeb, incluindo todo o ensino básico (infantil, fundamental e médio). O fato é que essa lógica, de quanto mais alunos mais dinheiro, fez com o País colocasse praticamente todas as crianças nas escolas – entre os adolescentes de 15 a 17 anos também houve inclusão, mas 15% ainda não estão estudando.
Quando o crescimento se estabilizou, no meio dos anos 2000, as notas passaram a crescer de uma maneira mais expressiva no 5.º ano, um pouco mais tímidas no 9.º ano e com idas e vindas no ensino médio.
Foi aí que especialistas se animaram e passaram a falar da “onda”. Acreditavam que quando essas crianças de 10 anos, com desempenho melhor, chegassem ao ensino médio, a nossa educação estaria salva. Todos os níveis teriam aprendizagem adequada. Mas a onda não chega nunca. E ano após ano noticiamos um mar calmo. Não há transformação, como assistimos em países como Estônia, Cingapura e Vietnã. Grande porcentagem de estudantes continua em níveis insuficientes de aprendizagem. Mesmo aqueles que melhoram não chegam nem perto do que é preciso para enfrentar os desafios desse século.
O ensino médio, etapa mais crítica, está tão estacionado que até o fraco crescimento do 9.º ano está chegando perto. Segundo previsões do Ministério da Educação, em 2021, os meninos de 14 anos já saberão mais do que os de 17.
Talvez muitos dos leitores e telespectadores que se depararam com as reportagens sobre o Saeb semana passada tenham pensado: eu já vi isso antes. A falência da educação brasileira soa como notícia velha.
E o grande perigo disso é perdermos a capacidade de nos indignar, de nos assombrar. Assumirmos o fracasso de milhões de crianças e jovens como algo natural, como se não houvesse mudança possível. Virarmos a página, clicarmos na reportagem ao lado. Em ano de eleições, essa anestesia seria a pior doença.
*É REPÓRTER ESPECIAL DO ESTADO E FUNDADORA DA ASSOCIAÇÃO DE JORNALISTAS DE EDUCAÇÃO (JEDUCA)