Triste notícia. Estão passando a boiada no Ministério da Educação (MEC). Enquanto a pandemia só piora no Brasil, milhares morrem a cada dia, ninguém por lá se preocupa com o futuro de uma geração sem escola há um ano. Pelo contrário, gasta-se energia e dinheiro para introduzir mudanças inimagináveis e que seguem uma única lógica: agradar à militância ideológica de Jair Bolsonaro.
Numa semana em que o Banco Mundial chamou de "tragédia" o que acontece no Brasil e em outros países latinos pelas escolas fechadas, o MEC acha que a solução vem do homeschooling. Cerca de 70% das crianças podem deixar de aprender a ler, um dano irreparável para a vida desses cidadãos e para a produtividade de uma nação. Mas o pastor Milton Ribeiro, ministro da Educação, desvaloriza a escola. E diz por aí - acredite se quiser - que a pandemia justamente mostrou como as crianças aprendem bem em casa. Não há planos para equipar as redes com estrutura e tecnologia, formar os professores, desenvolver estratégias para recuperar a aprendizagem perdida em um ano de pandemia. Nem para buscar os alunos que se evadiram.
A meta traçada pelo governo Bolsonaro na educação é aprovar o ensino domiciliar ainda neste primeiro semestre. Boa parte de quem faz homeschooling no Brasil é de famílias religiosas. Deputados que apoiam a pauta, entre eles Eduardo Bolsonaro, simpatizam com a ideia de que a escola é um lugar dominado por doutrinadores de esquerda e depravados.
Mas como nem todo mundo vai poder e querer estudar em casa, o MEC de Bolsonaro também tem seu plano para as escolas. Passou a atacar em três frentes para tentar mudar o que é ensinado no Brasil: avaliações, materiais didáticos e Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Neste mês, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, conhecido como Ideb, que indica o que sabem os estudantes de todo o País, saiu das mãos dos estatísticos e educadores e foi para as dos políticos e malucos. Com uma canetada, o estudo que vai decidir sobre como será o novo Ideb foi tirado do Inep, o órgão técnico que cuida desde sempre das avaliações educacionais. O que o indicador a partir de agora vai considerar bom e ruim no ensino brasileiro será decidido pela secretaria executiva do MEC, a turma do pastor e de Olavo de Carvalho.
Nos materiais didáticos, o estrago já está mais visível. O edital para a compra dos livros que serão usados nas escolas públicas a partir de 2023 excluiu itens que exigiam o respeito à diversidade. As obras que tenham, por exemplo, estereótipos e preconceitos de raça, gênero ou socioeconômico, podem ser aprovadas. A mudança no edital está sendo contestada no Supremo Tribunal Federal por ferir a Constituição.
O ministro ainda nomeou uma professora ligada ao movimento Escola Sem Partido para coordenação dos materiais didáticos. Sandra Ramos já disse que queria dar uma “perspectiva conservadora cristã” à BNCC, o mais importante documento publicado nos últimos anos para nortear o que deve ser ensinado nas escolas e no qual as editoras de livros se baseiam. Ela ainda defende que se tire toda a menção às culturas africanas e indígenas da Base. Combate também o que considera ideologia de gênero, termo sequer reconhecido pela comunidade acadêmica, mas que é entendido como uma simples referência a gênero ou sexualidade.
Para coroar as últimas semanas de absurdos, Bolsonaro vetou na sexta-feira o projeto de lei que destinava bilhões para internet gratuita para alunos pobres e professores da rede pública durante o ensino online. Escondido pela pandemia, o MEC passou de inoperante a máquina de uma empreitada ideológica e nefasta.
* É REPÓRTER ESPECIAL DO ESTADÃO E FUNDADORA DA ASSOCIAÇÃO DE JORNALISTAS DE EDUCAÇÃO (JEDUCA)