Em meio a incertezas em todo o mundo sobre o risco de reabrir escolas durante a pandemia do coronavírus, estudo publicado nesta terça-feira, 20, indicou o caminho da contaminação em uma sala de aula. Por meio de simulação computacional, a pesquisa apontou que, mesmo com distância de mais de dois metros entre os estudantes, partículas minúsculas suspensas no ar podem circular entre eles. Medidas como abrir janelas e instalar barreiras de vidro ou acrílico nas carteiras são capazes de reduzir os riscos.
Conduzida por cientistas da Universidade do Novo México (EUA), a pesquisa usou como modelo uma sala de aula com nove estudantes e um professor, posicionados a 2,4 metros de distância entre si. A simulação considera uma sala com janelas e um sistema de ar-condicionado central, que filtra e faz a renovação do ar. No modelo estudado, até mesmo a posição do aluno na classe tem influência na quantidade de partículas que ele recebe.
Em julho, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu o risco de transmissão do novo coronavírus pelo ar. Isso significa que, além do contato com superfícies contaminadas ou com gotículas de saliva, é possível ter contato com o vírus por meio de partículas que ficam suspensas (os aerossóis) e podem ser carregadas por correntes de ar. Essas partículas podem permanecer no ambiente por algumas horas, o que eleva a preocupação com lugares fechados, como as salas de aula. O papel da contaminação por aerossóis no total de infecções ainda não está bem descrito.
Os pesquisadores fizeram a simulação considerando uma sala de aula de 81 metros quadrados de área e 3 metros de altura. Pelo modelo, os alunos estão dispostos em três fileiras, com o professor à frente. Mesmo a uma distância de 2,4 metros entre os alunos (superior à adotada em escolas brasileiras), os especialistas verificaram que pode ocorrer o transporte de partículas de um estudante para outro, o que indica a necessidade de adaptação das salas, uso de máscaras e higienização das mãos.
“Mesmo com 9 estudantes na sala e 2,4 metros de distância entre eles, aerossóis são transmitidos em quantidades significativas entre estudantes e de um estudante para a mesa de outro”, indica o estudo, publicado nesta terça na revista Physics of Fluids, do Instituto Americano de Física.
Partículas liberadas por um aluno podem se depositar, por exemplo, sobre o caderno ou estojo de outro, o que, segundo os autores, eleva a necessidade de higienização constante das mãos, mesmo que não se tenha tocado nos pertences dos colegas.
O risco de contaminação diminui se as janelas da sala de aula forem abertas. De acordo com a simulação computacional, abrir as janelas (mesmo com o ar-condicionado ligado) aumenta a fração de partículas que saem da sala em 38% em comparação com o modelo de janelas fechadas. Também reduz a deposição de aerossóis nos estudantes em 80%.
Já o uso de barreiras nas carteiras, como as telas de vidro ou de acrílico, pode ser ainda mais eficiente: elas não são capazes de "blindar" por completo os estudantes, mas chegam a reduzir em 92% a transmissão de aerossóis de um mícron (milésima parte do milímetro).
No modelo estudado - e considerando o sistema de ar-condicionado central da sala de aula - o aluno posicionado no meio da sala transmite mais partículas. Já aqueles localizados nos cantos de trás do espaço seriam mais poupados de receber essas partículas. Segundo os autores, essas informações podem ser levadas em conta na hora de planejar o posicionamento dos alunos em uma sala de aula. No modelo descrito, seria interessante, por exemplo, eliminar a posição do estudante do centro e colocar estudantes do grupo de risco nos cantos de trás.
A pesquisa não considerou, necessariamente, que os estudantes estivessem usando máscara, mas os resultados se aplicariam para ambos os cenários, segundo os autores. “As máscaras têm duas principais funções: prendem algumas das partículas exaladas e potencialmente inaláveis e diminuem a velocidade do ar exalado que contém partículas de aerossol. Não presumimos especificamente que os alunos estejam usando máscaras, mas isso não afeta de forma significativa a aplicabilidade do estudo, pois consideramos as proporções em vez da contagem absoluta de partículas. A distância entre os alunos é de 2,4 metros, portanto, a velocidade inicial dos aerossóis exalados não é um fator importante na trajetória do aerossol”, explicou ao Estadão Khaled Talaat, do Departamento de Engenharia Nuclear da Universidade do Novo México (EUA).
Os pesquisadores afirmam que mais estudos são necessários e que os números obtidos se referem ao modelo de sala de aula considerado. No entanto, os resultados podem ser qualitativamente aplicados para outras salas de aula. "Estratégias de mitigação eficazes devem considerar várias abordagens, incluindo o uso de máscaras, redistribuição de alunos, uso de barreiras de vidro, abertura de janelas, otimizar o sistema de ar-condicionado para a remoção máxima de partículas e melhorar os filtros de ar."
Salas de aula no Brasil
Sistemas de ar-condicionado central como o considerado por esse estudo são raros em salas de aula brasileiras. Esses modelos poderiam até reduzir os riscos de contaminação porque renovariam o ar que entra na sala de aula, mas a maioria das escolas do País usa sistemas que apenas refrigeram o ambiente, sem troca de ar. Nesses casos, a fim de manter o espaço climatizado, a tendência é fechar o ambiente, o que aumenta o risco de contaminação.
Parte das escolas particulares de São Paulo contratou a assessoria de hospitais para elaborar seus protocolos de retomada. Além de diretrizes como uso de máscaras e medição de temperatura, as consultorias avaliaram as salas de aulas e, de modo geral, indicaram a necessidade de que as escolas desliguem o ar-condicionado e abram janelas e portas.