‘Temos direito de estar aqui’, diz professora trans que lidera grupo de pesquisa sobre o tema na USP


Corpas Trans na USP une docentes e estudantes transgêneros em prol da garantia de direitos dessa população na principal instituição de ensino superior do País

Por João Ker

Entender, quantificar, acolher e dar voz às pessoas travestis e transexuais que fazem parte da vida acadêmica na Universidade de São Paulo. É com esse objetivo que nasceu o Corpas Trans na USP, grupo de pesquisa criado no final de 2021 por docentes e estudantes da principal instituição de ensino superior, onde o acesso e a convivência da população transgênera, assim como em boa parte do Brasil, ainda enfrenta percalços e desafios.

Fundado através de um edital da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária em parceria com o Santander, o grupo tem hoje 14 membros, dentre os quais dois são docentes e o restante são estudantes matriculados na graduação ou na pós.

A ideia surgiu a partir do encontro de Gabrielle Weber e Silvana Nascimento, professoras de Álgebra Linear e Antropologia que dividiam não só as experiências de pessoas trans na academia, mas a curiosidade sobre a falta de dados do acesso precário que essa população tem ao ensino superior e, mais especificamente, na própria USP.

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“A população trans tem uma série de problemáticas na USP”, diz Gabrielle, subcoordenadora do grupo. Aos 39 anos e alocada na Escola de Engenharia de Lorena, conta que “nunca mais saiu” da universidade desde que começou sua trajetória como estudante, em 2002.

“Conhecemos alguns alunos trans e sabíamos que eles enfrentavam problemas como respeito ao nome social e acesso a espaços segregados por gênero. Mas uma coisa é vivenciar na pele, outra é saber a situação com dados que possamos usar para chegar aos reitores.”

Assim, ela e Silvana se juntaram a seis estudantes na missão de “conhecer e saber quem é, em números, e o que está acontecendo” com a população transgênera da universidade. Ao mesmo tempo, o Corpas Trans da USP tenta promover “letramento e conscientização” da sala de aula à sala de professores em um “trabalho de formiguinha”.

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Processo complicado

Gabrielle começou a dar aula na USP em 2014 e, quatro anos depois, deu início à sua transição de gênero, o que classifica como um “processo complicado”. “Ninguém sabia como lidar. Existiam protocolos para alunos que faziam a transição, mas o RH não tinha um para docentes e funcionárias. Foi preciso criar um do zero para o trâmite documental”, diz.

A professora não gosta de afirmar que é a primeira travesti a lecionar na universidade, mas acredita ser a pioneira em lidar “abertamente” com o fato. Tanto que, quando contou aos colegas sobre sua transição, as reações foram “mais ou menos tranquilas”.

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“No geral, foi muito mais fácil do que eu esperava. Mas uma das primeiras agressões transfóbicas que sofri foi com um colega que basicamente disse que eu ‘podia existir em casa, mas não em público’. Eu não soube nem como reagir e travei na hora. Mas aí vem a parte positiva, que outros professores tomaram a frente e, mesmo sem saber ao certo como lidar, falaram que ele não podia me tratar assim e o repreenderam”, diz, afirmando que ainda hoje há quem desvie da calçada ou se esconda quando ela aparece.

Entre seus alunos de graduação, conta, foi mais fácil uma vez que a maioria não a conhecia antes da transição. Mas ainda havia uma parte institucional que não estava preparada para lidar com uma professora travesti. Em alguns sistemas da USP, Gabrielle diz que conseguiu alterar nome e gênero em menos de uma semana. Em outros, o processo persistiu por mais de ano.

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“Inclusive, é uma briga nossa para que os sistemas da universidade conversem entre si. Na plataforma do RH, por exemplo, a mudança foi fácil. Mas até isso ter sido propagado para o sistema dos alunos demorou. Eu já tinha holerite retificado, mas a lista de presença usava meu nome morto”, afirma. Ela diz ainda que o problema também é enfrentado por estudantes, os quais muitas vezes são constrangidos na hora da chamada por docentes que consideram a mudança uma “frescura do aluno”.

Luta por visibilidade

Relatos de constrangimentos na sala de aula e, principalmente, no acesso a banheiros e outros espaços segregados por gênero são os que apareceram com mais frequência na pesquisa do Corpas Trans na USP até o momento. Mas eles esbarram em um problema estrutural: a falta de dados oficiais sobre a população trans na instituição.

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Morgan Caetano, Caio Jade, Amara Moira e Lis Macedo durante o debate "Juntes contra a transfobia", promovido pelo grupo Corpas Trans na USP Foto: Corpas Trans na USP / Divulgação

Em 2018, levantamento da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) apontou que travestis e transexuais correspondiam a apenas 0,1% das matrículas em universidades públicas do País. Mapear o tamanho dessa comunidade dentro do universo acadêmico é um dos principais objetivos do grupo para este ano, que vai lançar um novo questionário em março, quando as aulas presenciais serão retomadas.

Hoje, Gabrielle diz que o cenário para alunos e docentes trans na USP já está melhor do que quando o grupo foi criado. Em maio de 2022, o Conselho Universitário da USP aprovou a criação da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP), órgão para promover a diversidade na vida acadêmica da instituição e que, segundo Gabrielle, tem ajudado a lidar com as demandas da população trans.

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“Agora, eles entendem que (transfobia) é um problema e não deveria acontecer, por mais que não saibam como agir em contextos específicos. Já é metade do caminho andado.”

Desde que nasceu, o Corpas Trans na USP conseguiu articular a aprovação de ofícios garantindo que estudantes e docentes usem os banheiros da universidade de acordo com o gênero que se identificam e que tenham também o nome social respeitado. O grupo tem também promovido debates de enfrentamento à transfobia para a comunidade acadêmica, mas reconhece que ainda há barreiras a serem discutidas, como uso de linguagem neutra ou ações afirmativas para vestibulandos trans.

“É trabalho de formiguinha e precisa crescer ao longo dos anos”, diz Gabrielle. “Mas existem pessoas trans na USP e temos direito de estar aqui. Ainda há espaço para mudança.”

Entender, quantificar, acolher e dar voz às pessoas travestis e transexuais que fazem parte da vida acadêmica na Universidade de São Paulo. É com esse objetivo que nasceu o Corpas Trans na USP, grupo de pesquisa criado no final de 2021 por docentes e estudantes da principal instituição de ensino superior, onde o acesso e a convivência da população transgênera, assim como em boa parte do Brasil, ainda enfrenta percalços e desafios.

Fundado através de um edital da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária em parceria com o Santander, o grupo tem hoje 14 membros, dentre os quais dois são docentes e o restante são estudantes matriculados na graduação ou na pós.

A ideia surgiu a partir do encontro de Gabrielle Weber e Silvana Nascimento, professoras de Álgebra Linear e Antropologia que dividiam não só as experiências de pessoas trans na academia, mas a curiosidade sobre a falta de dados do acesso precário que essa população tem ao ensino superior e, mais especificamente, na própria USP.

“A população trans tem uma série de problemáticas na USP”, diz Gabrielle, subcoordenadora do grupo. Aos 39 anos e alocada na Escola de Engenharia de Lorena, conta que “nunca mais saiu” da universidade desde que começou sua trajetória como estudante, em 2002.

“Conhecemos alguns alunos trans e sabíamos que eles enfrentavam problemas como respeito ao nome social e acesso a espaços segregados por gênero. Mas uma coisa é vivenciar na pele, outra é saber a situação com dados que possamos usar para chegar aos reitores.”

Assim, ela e Silvana se juntaram a seis estudantes na missão de “conhecer e saber quem é, em números, e o que está acontecendo” com a população transgênera da universidade. Ao mesmo tempo, o Corpas Trans da USP tenta promover “letramento e conscientização” da sala de aula à sala de professores em um “trabalho de formiguinha”.

Processo complicado

Gabrielle começou a dar aula na USP em 2014 e, quatro anos depois, deu início à sua transição de gênero, o que classifica como um “processo complicado”. “Ninguém sabia como lidar. Existiam protocolos para alunos que faziam a transição, mas o RH não tinha um para docentes e funcionárias. Foi preciso criar um do zero para o trâmite documental”, diz.

A professora não gosta de afirmar que é a primeira travesti a lecionar na universidade, mas acredita ser a pioneira em lidar “abertamente” com o fato. Tanto que, quando contou aos colegas sobre sua transição, as reações foram “mais ou menos tranquilas”.

“No geral, foi muito mais fácil do que eu esperava. Mas uma das primeiras agressões transfóbicas que sofri foi com um colega que basicamente disse que eu ‘podia existir em casa, mas não em público’. Eu não soube nem como reagir e travei na hora. Mas aí vem a parte positiva, que outros professores tomaram a frente e, mesmo sem saber ao certo como lidar, falaram que ele não podia me tratar assim e o repreenderam”, diz, afirmando que ainda hoje há quem desvie da calçada ou se esconda quando ela aparece.

Entre seus alunos de graduação, conta, foi mais fácil uma vez que a maioria não a conhecia antes da transição. Mas ainda havia uma parte institucional que não estava preparada para lidar com uma professora travesti. Em alguns sistemas da USP, Gabrielle diz que conseguiu alterar nome e gênero em menos de uma semana. Em outros, o processo persistiu por mais de ano.

“Inclusive, é uma briga nossa para que os sistemas da universidade conversem entre si. Na plataforma do RH, por exemplo, a mudança foi fácil. Mas até isso ter sido propagado para o sistema dos alunos demorou. Eu já tinha holerite retificado, mas a lista de presença usava meu nome morto”, afirma. Ela diz ainda que o problema também é enfrentado por estudantes, os quais muitas vezes são constrangidos na hora da chamada por docentes que consideram a mudança uma “frescura do aluno”.

Luta por visibilidade

Relatos de constrangimentos na sala de aula e, principalmente, no acesso a banheiros e outros espaços segregados por gênero são os que apareceram com mais frequência na pesquisa do Corpas Trans na USP até o momento. Mas eles esbarram em um problema estrutural: a falta de dados oficiais sobre a população trans na instituição.

Morgan Caetano, Caio Jade, Amara Moira e Lis Macedo durante o debate "Juntes contra a transfobia", promovido pelo grupo Corpas Trans na USP Foto: Corpas Trans na USP / Divulgação

Em 2018, levantamento da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) apontou que travestis e transexuais correspondiam a apenas 0,1% das matrículas em universidades públicas do País. Mapear o tamanho dessa comunidade dentro do universo acadêmico é um dos principais objetivos do grupo para este ano, que vai lançar um novo questionário em março, quando as aulas presenciais serão retomadas.

Hoje, Gabrielle diz que o cenário para alunos e docentes trans na USP já está melhor do que quando o grupo foi criado. Em maio de 2022, o Conselho Universitário da USP aprovou a criação da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP), órgão para promover a diversidade na vida acadêmica da instituição e que, segundo Gabrielle, tem ajudado a lidar com as demandas da população trans.

“Agora, eles entendem que (transfobia) é um problema e não deveria acontecer, por mais que não saibam como agir em contextos específicos. Já é metade do caminho andado.”

Desde que nasceu, o Corpas Trans na USP conseguiu articular a aprovação de ofícios garantindo que estudantes e docentes usem os banheiros da universidade de acordo com o gênero que se identificam e que tenham também o nome social respeitado. O grupo tem também promovido debates de enfrentamento à transfobia para a comunidade acadêmica, mas reconhece que ainda há barreiras a serem discutidas, como uso de linguagem neutra ou ações afirmativas para vestibulandos trans.

“É trabalho de formiguinha e precisa crescer ao longo dos anos”, diz Gabrielle. “Mas existem pessoas trans na USP e temos direito de estar aqui. Ainda há espaço para mudança.”

Entender, quantificar, acolher e dar voz às pessoas travestis e transexuais que fazem parte da vida acadêmica na Universidade de São Paulo. É com esse objetivo que nasceu o Corpas Trans na USP, grupo de pesquisa criado no final de 2021 por docentes e estudantes da principal instituição de ensino superior, onde o acesso e a convivência da população transgênera, assim como em boa parte do Brasil, ainda enfrenta percalços e desafios.

Fundado através de um edital da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária em parceria com o Santander, o grupo tem hoje 14 membros, dentre os quais dois são docentes e o restante são estudantes matriculados na graduação ou na pós.

A ideia surgiu a partir do encontro de Gabrielle Weber e Silvana Nascimento, professoras de Álgebra Linear e Antropologia que dividiam não só as experiências de pessoas trans na academia, mas a curiosidade sobre a falta de dados do acesso precário que essa população tem ao ensino superior e, mais especificamente, na própria USP.

“A população trans tem uma série de problemáticas na USP”, diz Gabrielle, subcoordenadora do grupo. Aos 39 anos e alocada na Escola de Engenharia de Lorena, conta que “nunca mais saiu” da universidade desde que começou sua trajetória como estudante, em 2002.

“Conhecemos alguns alunos trans e sabíamos que eles enfrentavam problemas como respeito ao nome social e acesso a espaços segregados por gênero. Mas uma coisa é vivenciar na pele, outra é saber a situação com dados que possamos usar para chegar aos reitores.”

Assim, ela e Silvana se juntaram a seis estudantes na missão de “conhecer e saber quem é, em números, e o que está acontecendo” com a população transgênera da universidade. Ao mesmo tempo, o Corpas Trans da USP tenta promover “letramento e conscientização” da sala de aula à sala de professores em um “trabalho de formiguinha”.

Processo complicado

Gabrielle começou a dar aula na USP em 2014 e, quatro anos depois, deu início à sua transição de gênero, o que classifica como um “processo complicado”. “Ninguém sabia como lidar. Existiam protocolos para alunos que faziam a transição, mas o RH não tinha um para docentes e funcionárias. Foi preciso criar um do zero para o trâmite documental”, diz.

A professora não gosta de afirmar que é a primeira travesti a lecionar na universidade, mas acredita ser a pioneira em lidar “abertamente” com o fato. Tanto que, quando contou aos colegas sobre sua transição, as reações foram “mais ou menos tranquilas”.

“No geral, foi muito mais fácil do que eu esperava. Mas uma das primeiras agressões transfóbicas que sofri foi com um colega que basicamente disse que eu ‘podia existir em casa, mas não em público’. Eu não soube nem como reagir e travei na hora. Mas aí vem a parte positiva, que outros professores tomaram a frente e, mesmo sem saber ao certo como lidar, falaram que ele não podia me tratar assim e o repreenderam”, diz, afirmando que ainda hoje há quem desvie da calçada ou se esconda quando ela aparece.

Entre seus alunos de graduação, conta, foi mais fácil uma vez que a maioria não a conhecia antes da transição. Mas ainda havia uma parte institucional que não estava preparada para lidar com uma professora travesti. Em alguns sistemas da USP, Gabrielle diz que conseguiu alterar nome e gênero em menos de uma semana. Em outros, o processo persistiu por mais de ano.

“Inclusive, é uma briga nossa para que os sistemas da universidade conversem entre si. Na plataforma do RH, por exemplo, a mudança foi fácil. Mas até isso ter sido propagado para o sistema dos alunos demorou. Eu já tinha holerite retificado, mas a lista de presença usava meu nome morto”, afirma. Ela diz ainda que o problema também é enfrentado por estudantes, os quais muitas vezes são constrangidos na hora da chamada por docentes que consideram a mudança uma “frescura do aluno”.

Luta por visibilidade

Relatos de constrangimentos na sala de aula e, principalmente, no acesso a banheiros e outros espaços segregados por gênero são os que apareceram com mais frequência na pesquisa do Corpas Trans na USP até o momento. Mas eles esbarram em um problema estrutural: a falta de dados oficiais sobre a população trans na instituição.

Morgan Caetano, Caio Jade, Amara Moira e Lis Macedo durante o debate "Juntes contra a transfobia", promovido pelo grupo Corpas Trans na USP Foto: Corpas Trans na USP / Divulgação

Em 2018, levantamento da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) apontou que travestis e transexuais correspondiam a apenas 0,1% das matrículas em universidades públicas do País. Mapear o tamanho dessa comunidade dentro do universo acadêmico é um dos principais objetivos do grupo para este ano, que vai lançar um novo questionário em março, quando as aulas presenciais serão retomadas.

Hoje, Gabrielle diz que o cenário para alunos e docentes trans na USP já está melhor do que quando o grupo foi criado. Em maio de 2022, o Conselho Universitário da USP aprovou a criação da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP), órgão para promover a diversidade na vida acadêmica da instituição e que, segundo Gabrielle, tem ajudado a lidar com as demandas da população trans.

“Agora, eles entendem que (transfobia) é um problema e não deveria acontecer, por mais que não saibam como agir em contextos específicos. Já é metade do caminho andado.”

Desde que nasceu, o Corpas Trans na USP conseguiu articular a aprovação de ofícios garantindo que estudantes e docentes usem os banheiros da universidade de acordo com o gênero que se identificam e que tenham também o nome social respeitado. O grupo tem também promovido debates de enfrentamento à transfobia para a comunidade acadêmica, mas reconhece que ainda há barreiras a serem discutidas, como uso de linguagem neutra ou ações afirmativas para vestibulandos trans.

“É trabalho de formiguinha e precisa crescer ao longo dos anos”, diz Gabrielle. “Mas existem pessoas trans na USP e temos direito de estar aqui. Ainda há espaço para mudança.”

Entender, quantificar, acolher e dar voz às pessoas travestis e transexuais que fazem parte da vida acadêmica na Universidade de São Paulo. É com esse objetivo que nasceu o Corpas Trans na USP, grupo de pesquisa criado no final de 2021 por docentes e estudantes da principal instituição de ensino superior, onde o acesso e a convivência da população transgênera, assim como em boa parte do Brasil, ainda enfrenta percalços e desafios.

Fundado através de um edital da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária em parceria com o Santander, o grupo tem hoje 14 membros, dentre os quais dois são docentes e o restante são estudantes matriculados na graduação ou na pós.

A ideia surgiu a partir do encontro de Gabrielle Weber e Silvana Nascimento, professoras de Álgebra Linear e Antropologia que dividiam não só as experiências de pessoas trans na academia, mas a curiosidade sobre a falta de dados do acesso precário que essa população tem ao ensino superior e, mais especificamente, na própria USP.

“A população trans tem uma série de problemáticas na USP”, diz Gabrielle, subcoordenadora do grupo. Aos 39 anos e alocada na Escola de Engenharia de Lorena, conta que “nunca mais saiu” da universidade desde que começou sua trajetória como estudante, em 2002.

“Conhecemos alguns alunos trans e sabíamos que eles enfrentavam problemas como respeito ao nome social e acesso a espaços segregados por gênero. Mas uma coisa é vivenciar na pele, outra é saber a situação com dados que possamos usar para chegar aos reitores.”

Assim, ela e Silvana se juntaram a seis estudantes na missão de “conhecer e saber quem é, em números, e o que está acontecendo” com a população transgênera da universidade. Ao mesmo tempo, o Corpas Trans da USP tenta promover “letramento e conscientização” da sala de aula à sala de professores em um “trabalho de formiguinha”.

Processo complicado

Gabrielle começou a dar aula na USP em 2014 e, quatro anos depois, deu início à sua transição de gênero, o que classifica como um “processo complicado”. “Ninguém sabia como lidar. Existiam protocolos para alunos que faziam a transição, mas o RH não tinha um para docentes e funcionárias. Foi preciso criar um do zero para o trâmite documental”, diz.

A professora não gosta de afirmar que é a primeira travesti a lecionar na universidade, mas acredita ser a pioneira em lidar “abertamente” com o fato. Tanto que, quando contou aos colegas sobre sua transição, as reações foram “mais ou menos tranquilas”.

“No geral, foi muito mais fácil do que eu esperava. Mas uma das primeiras agressões transfóbicas que sofri foi com um colega que basicamente disse que eu ‘podia existir em casa, mas não em público’. Eu não soube nem como reagir e travei na hora. Mas aí vem a parte positiva, que outros professores tomaram a frente e, mesmo sem saber ao certo como lidar, falaram que ele não podia me tratar assim e o repreenderam”, diz, afirmando que ainda hoje há quem desvie da calçada ou se esconda quando ela aparece.

Entre seus alunos de graduação, conta, foi mais fácil uma vez que a maioria não a conhecia antes da transição. Mas ainda havia uma parte institucional que não estava preparada para lidar com uma professora travesti. Em alguns sistemas da USP, Gabrielle diz que conseguiu alterar nome e gênero em menos de uma semana. Em outros, o processo persistiu por mais de ano.

“Inclusive, é uma briga nossa para que os sistemas da universidade conversem entre si. Na plataforma do RH, por exemplo, a mudança foi fácil. Mas até isso ter sido propagado para o sistema dos alunos demorou. Eu já tinha holerite retificado, mas a lista de presença usava meu nome morto”, afirma. Ela diz ainda que o problema também é enfrentado por estudantes, os quais muitas vezes são constrangidos na hora da chamada por docentes que consideram a mudança uma “frescura do aluno”.

Luta por visibilidade

Relatos de constrangimentos na sala de aula e, principalmente, no acesso a banheiros e outros espaços segregados por gênero são os que apareceram com mais frequência na pesquisa do Corpas Trans na USP até o momento. Mas eles esbarram em um problema estrutural: a falta de dados oficiais sobre a população trans na instituição.

Morgan Caetano, Caio Jade, Amara Moira e Lis Macedo durante o debate "Juntes contra a transfobia", promovido pelo grupo Corpas Trans na USP Foto: Corpas Trans na USP / Divulgação

Em 2018, levantamento da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) apontou que travestis e transexuais correspondiam a apenas 0,1% das matrículas em universidades públicas do País. Mapear o tamanho dessa comunidade dentro do universo acadêmico é um dos principais objetivos do grupo para este ano, que vai lançar um novo questionário em março, quando as aulas presenciais serão retomadas.

Hoje, Gabrielle diz que o cenário para alunos e docentes trans na USP já está melhor do que quando o grupo foi criado. Em maio de 2022, o Conselho Universitário da USP aprovou a criação da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP), órgão para promover a diversidade na vida acadêmica da instituição e que, segundo Gabrielle, tem ajudado a lidar com as demandas da população trans.

“Agora, eles entendem que (transfobia) é um problema e não deveria acontecer, por mais que não saibam como agir em contextos específicos. Já é metade do caminho andado.”

Desde que nasceu, o Corpas Trans na USP conseguiu articular a aprovação de ofícios garantindo que estudantes e docentes usem os banheiros da universidade de acordo com o gênero que se identificam e que tenham também o nome social respeitado. O grupo tem também promovido debates de enfrentamento à transfobia para a comunidade acadêmica, mas reconhece que ainda há barreiras a serem discutidas, como uso de linguagem neutra ou ações afirmativas para vestibulandos trans.

“É trabalho de formiguinha e precisa crescer ao longo dos anos”, diz Gabrielle. “Mas existem pessoas trans na USP e temos direito de estar aqui. Ainda há espaço para mudança.”

Entender, quantificar, acolher e dar voz às pessoas travestis e transexuais que fazem parte da vida acadêmica na Universidade de São Paulo. É com esse objetivo que nasceu o Corpas Trans na USP, grupo de pesquisa criado no final de 2021 por docentes e estudantes da principal instituição de ensino superior, onde o acesso e a convivência da população transgênera, assim como em boa parte do Brasil, ainda enfrenta percalços e desafios.

Fundado através de um edital da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária em parceria com o Santander, o grupo tem hoje 14 membros, dentre os quais dois são docentes e o restante são estudantes matriculados na graduação ou na pós.

A ideia surgiu a partir do encontro de Gabrielle Weber e Silvana Nascimento, professoras de Álgebra Linear e Antropologia que dividiam não só as experiências de pessoas trans na academia, mas a curiosidade sobre a falta de dados do acesso precário que essa população tem ao ensino superior e, mais especificamente, na própria USP.

“A população trans tem uma série de problemáticas na USP”, diz Gabrielle, subcoordenadora do grupo. Aos 39 anos e alocada na Escola de Engenharia de Lorena, conta que “nunca mais saiu” da universidade desde que começou sua trajetória como estudante, em 2002.

“Conhecemos alguns alunos trans e sabíamos que eles enfrentavam problemas como respeito ao nome social e acesso a espaços segregados por gênero. Mas uma coisa é vivenciar na pele, outra é saber a situação com dados que possamos usar para chegar aos reitores.”

Assim, ela e Silvana se juntaram a seis estudantes na missão de “conhecer e saber quem é, em números, e o que está acontecendo” com a população transgênera da universidade. Ao mesmo tempo, o Corpas Trans da USP tenta promover “letramento e conscientização” da sala de aula à sala de professores em um “trabalho de formiguinha”.

Processo complicado

Gabrielle começou a dar aula na USP em 2014 e, quatro anos depois, deu início à sua transição de gênero, o que classifica como um “processo complicado”. “Ninguém sabia como lidar. Existiam protocolos para alunos que faziam a transição, mas o RH não tinha um para docentes e funcionárias. Foi preciso criar um do zero para o trâmite documental”, diz.

A professora não gosta de afirmar que é a primeira travesti a lecionar na universidade, mas acredita ser a pioneira em lidar “abertamente” com o fato. Tanto que, quando contou aos colegas sobre sua transição, as reações foram “mais ou menos tranquilas”.

“No geral, foi muito mais fácil do que eu esperava. Mas uma das primeiras agressões transfóbicas que sofri foi com um colega que basicamente disse que eu ‘podia existir em casa, mas não em público’. Eu não soube nem como reagir e travei na hora. Mas aí vem a parte positiva, que outros professores tomaram a frente e, mesmo sem saber ao certo como lidar, falaram que ele não podia me tratar assim e o repreenderam”, diz, afirmando que ainda hoje há quem desvie da calçada ou se esconda quando ela aparece.

Entre seus alunos de graduação, conta, foi mais fácil uma vez que a maioria não a conhecia antes da transição. Mas ainda havia uma parte institucional que não estava preparada para lidar com uma professora travesti. Em alguns sistemas da USP, Gabrielle diz que conseguiu alterar nome e gênero em menos de uma semana. Em outros, o processo persistiu por mais de ano.

“Inclusive, é uma briga nossa para que os sistemas da universidade conversem entre si. Na plataforma do RH, por exemplo, a mudança foi fácil. Mas até isso ter sido propagado para o sistema dos alunos demorou. Eu já tinha holerite retificado, mas a lista de presença usava meu nome morto”, afirma. Ela diz ainda que o problema também é enfrentado por estudantes, os quais muitas vezes são constrangidos na hora da chamada por docentes que consideram a mudança uma “frescura do aluno”.

Luta por visibilidade

Relatos de constrangimentos na sala de aula e, principalmente, no acesso a banheiros e outros espaços segregados por gênero são os que apareceram com mais frequência na pesquisa do Corpas Trans na USP até o momento. Mas eles esbarram em um problema estrutural: a falta de dados oficiais sobre a população trans na instituição.

Morgan Caetano, Caio Jade, Amara Moira e Lis Macedo durante o debate "Juntes contra a transfobia", promovido pelo grupo Corpas Trans na USP Foto: Corpas Trans na USP / Divulgação

Em 2018, levantamento da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) apontou que travestis e transexuais correspondiam a apenas 0,1% das matrículas em universidades públicas do País. Mapear o tamanho dessa comunidade dentro do universo acadêmico é um dos principais objetivos do grupo para este ano, que vai lançar um novo questionário em março, quando as aulas presenciais serão retomadas.

Hoje, Gabrielle diz que o cenário para alunos e docentes trans na USP já está melhor do que quando o grupo foi criado. Em maio de 2022, o Conselho Universitário da USP aprovou a criação da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP), órgão para promover a diversidade na vida acadêmica da instituição e que, segundo Gabrielle, tem ajudado a lidar com as demandas da população trans.

“Agora, eles entendem que (transfobia) é um problema e não deveria acontecer, por mais que não saibam como agir em contextos específicos. Já é metade do caminho andado.”

Desde que nasceu, o Corpas Trans na USP conseguiu articular a aprovação de ofícios garantindo que estudantes e docentes usem os banheiros da universidade de acordo com o gênero que se identificam e que tenham também o nome social respeitado. O grupo tem também promovido debates de enfrentamento à transfobia para a comunidade acadêmica, mas reconhece que ainda há barreiras a serem discutidas, como uso de linguagem neutra ou ações afirmativas para vestibulandos trans.

“É trabalho de formiguinha e precisa crescer ao longo dos anos”, diz Gabrielle. “Mas existem pessoas trans na USP e temos direito de estar aqui. Ainda há espaço para mudança.”

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