Transição para a adolescência é difícil, mas tratar como ‘aborrecente’ só piora, diz pesquisador


Professor da USP fala sobre a importância de se investir no ensino de alunos de 11 a 14 anos

Por Renata Cafardo
Atualização:
Foto: Aline Cornélio Carvalho
Entrevista comDaniel SantosCoordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Economia Social

Assim como a ciência já mostrou sobre a primeira infância, há também uma janela de oportunidade no início da adolescência que a escola ignora, acredita o professor da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Economia Social (LEPES), Daniel Santos. Como pesquisador dos chamados anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano), ele lançou o documentário Esquecidos, justamente sobre a falta de políticas e até de estudos sobre como ensinar alunos e alunas de 11 a 14 anos.

“É uma transição complicada, temos a passagem da infância para a adolescência e, na escola, o aluno deixa de ter aquela professora mais maternal”, afirma o pesquisador, que participa de um dos encontros do projeto Reconstrução da Educação, realizado pelo Estadão e que faz neste mês uma série de eventos para debater os caminhos para a melhoria da qualidade da escola pública brasileira. “E essa lacuna ainda se agrava por um momento histórico que a gente está passando, de mudança de costumes muito rápida, redes sociais, questões de gênero.”

Santos fala ainda da importância da participação das famílias para que os filhos se interessem pela escola. E acredita que rótulos, como chamar de “aborrecentes” os adolescentes, acabam piorando um cenário de sentimento de exclusão. “Faz parte do jovem, ao construir sua identidade, questionar o status quo, buscar validações de estratégias. Se os adultos começam a consolidar muito isso, validam-se comportamentos que acabam distanciando e o excluindo mais do convívio”, afirma. “O principal fator protetivo para facilitar essa transição e proteger o adolescente durante a aprendizagem é a família mostrar que se interessa por ele, mesmo que seja aparentemente uma idade difícil.”

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O professor da USP Daniel Santos, coordenador do LEPES, que estará em um dos eventos do Reconstrução da Educação Foto: Aline Cornélio Carvalho

Avaliações mostram piores resultados do fundamental 2 em relação ao fundamental 1 (1º ao 5º ano). Por que muitos alunos perdem a vontade de aprender quando chegam ao 6º ano?

São múltiplos fatores. A gente vê um desengajamento por causa da falta do sentimento de pertencimento, de piora de algumas das competências emocionais. É uma transição complicada já por conta dos efeitos da idade, da infância para a pré-adolescência. E junta com a estrutura organizacional no Brasil que, em grande parte das redes públicas, você precisa trocar de prédio, de escola, quando muda do 5º para o 6ºano. Você muda de amigos, deixa de ter aquela professora que te acompanha, que faz um pouco aquele papel meio maternal na sala de aula e passa a ter que lidar com vários professores especialistas. São muitas novidades numa fase que é desafiadora para a criança, o corpo tá mudando, as questões sociais. Então, ela já fica na defensiva com relação a essa transição. Aí soma-se que a gente não tem uma pedagogia consolidada. Na faculdade de educação, o ensino fundamental 2 é o que menos tem contribuições teóricas, investigações de programas que funcionam. Existe uma lacuna de pesquisa.

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E como o momento atual, internet, redes sociais, influenciam também nesse quadro?

Essa lacuna ainda se agrava por um momento histórico que a gente está passando de mudança de costumes muito rápida. Então a gente sequer tinha muitas pedagogias consolidadas, efetivas, e estamos em um cenário de evolução das comunicações. Nós temos investigado muito a questão da saúde mental nos anos finais do ensino fundamental e os números são alarmantes. A gente segue alunos em um município desde que as crianças têm 10 anos de idade. Quando chegam aos 13 anos, 20% das meninas já se cortaram, já se machucaram de propósito. São muito novas e com um sofrimento psíquico muito grande. As redes sociais muitas vezes amplificam situações, é uma superexposição das pessoas, gera um excesso de cobrança, de comparação, e nessa faixa etária em que o adolescente está construindo essa identidade é meio que uma bomba de gasolina na fogueira. E isso consome uma energia para o jovem se regular emocionalmente, que ele poderia estar usando para a aprendizagem.

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O que as escolas deveriam considerar do ponto vista neurológico e psíquico dos adolescentes no ensino fundamental 2?

As descobertas da psicologia cognitiva mais recente mostram que a aprendizagem mais profunda, que não é memorizar, envolve o uso do chamado sistema avaliativo, que é muito intenso em uso energia. Essa energia compete com a usada para regulação emocional. O sistema avaliativo é aquele que faz com que, frente a cada situação, você pare, pense e decida o que fazer. E a aprendizagem é muito intensiva em pensação, em energia mental, ao mesmo tempo que a regulação emocional e entender novos contextos na adolescência também são. Então, já é uma fase em que a disponibilidade de energia para aprendizagem é um pouco menor. Em outras palavras, a prioridade é entender o que que esse corpo novo, esse braço novo, essa voz nova fazem que não faziam antes. Muitos jovens também estão lidando com suas questões de sexualidade, estão construindo seu próprio papel social, isso está muito nas preocupações dos adolescentes hoje. Muitos se sentem excluídos, o que já compromete e dificulta a aprendizagem. Se você não tá no lugar de pertencimento tudo é mais difícil. E a sua energia, que poderia estar disponível para aprendizagem, acaba também indo para construção desses papéis sociais.

Mesmo com tantos desafios, você vê essa fase como um momento de oportunidades?

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Os desafios não são triviais, mas é uma fase de oportunidades. Hoje em dia a gente tem percebido que, junto com a janela da primeira infância, essa é outra fase com muitas conexões sinápticas, que estão se formando potencialmente e que podem ser exploradas. Mas estratégias muito efetivas para isso ainda não estão tão bem documentadas, como ocorre para a alfabetização, no início da aprendizagem.

O que há de bons exemplos em outros países em educação nessa faixa etária?

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A dificuldade é que nem sempre você copia e cola de um país para outro. Mas o que alguns países que se saem bem no Pisa, que avalia crianças aos 15 anos, no fim do que seria o fundamental 2, é que você precisa compartilhar com os jovens algumas escolhas. Um currículo que chega de cima para baixo, em que ele não escolheu o que vai estudar, não participou de nada e que é totalmente cobrado com base em memorização em prova, não é efetivo. Também há momentos em que se discute questões emocionais, seus projetos de vida, aprendizagens transversais e com protagonismo de jovens. Isso ajuda a aumentar o sentimento de pertencimento e o engajamento. A Finlândia, por exemplo, consegue ainda recrutar professores no topo da distribuição do que seria o Enem deles. Cingapura também fez uma reforma curricular recente, que deu muita ênfase para as competências socioemocionais, então também se preocupam em ter momentos de escuta desse jovem, não só em ter as aprendizagens duras.

A aprendizagem é muito intensiva em energia mental, ao mesmo tempo que a regulação emocional e entender novos contextos na adolescência também são.

E qual o papel dos pais nesta etapa, em que eles parecem tão distantes dos adultos?

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Existe um problema global, as famílias têm se envolvido menos na aprendizagem dos filhos e a escola está mais demandada. Talvez os próprios pais tenham dificuldade de preparar os filhos para um mundo que eles não viveram e que mudou muito rápido. Mas esse afastamento é um fator de risco brutal. O principal fator protetivo para facilitar essa transição e proteger os adolescentes durante a aprendizagem é o acompanhamento da família, mesmo que seja aparentemente uma idade difícil. Se você acompanhar os filhos é metade do caminho para que essa transição seja mais suave e promissora.

Mas o que é acompanhar? Pais costumam cobrar notas, mas você está falando de algo mais significativo, de dar protagonismo, de momentos de escuta.

É se interessar, tanto pela aprendizagem quanto pelo desenvolvimento humano do filho. Cobrar notas não é útil. Claro que se as notas começam a cair de repente é sintoma de algo que está acontecendo. Mas muitas vezes os pais cobram por projeção de algo que eles queriam ter sido. Se os pais tiverem condições, é legal ajudar. Mas o principal fator é demonstrar interesse. O jovem nessa faixa etária precisa perceber que as pessoas estão interessadas no desenvolvimento deles. Esse comportamento, esse interesse, reforça que o comportamento de ir para a escola, estudar, é algo positivo e que gera frutos.

O que você acha do termo aborrecentes para tratar adolescentes?

É pejorativo e acaba reforçando um contexto de exclusão. Faz parte do jovem, ao construir sua identidade, questionar o status quo, buscar validações de estratégias que eles não sabem muito bem no que vai dar. Se os adultos começam a consolidar muito isso, validam-se comportamentos que acabam distanciando e o excluindo mais do convívio.

Cobrar notas não é útil. O jovem nessa faixa etária precisa perceber que as pessoas estão interessadas no desenvolvimento deles.

Esta situação no ensino fundamental 2 acaba refletida na baixa aprendizagem e abandono também no ensino médio?

Claro, a aprendizagem é cumulativa. Se você tem uma base frouxa é muito difícil depois conseguir ter uma boa aprendizagem. A gente não sabe ensinar e acaba provocando um efeito cascata, em um ambiente excludente. Então, o grande buraco é o ensino fundamental 2, ele que começa a reprovar as pessoas. A motivação para o aluno depois enfrentar o ensino médio quando já está atrasado é muito menor. Ele já se sente meio deslocado na sala, em que também não há mediação de conflitos, como os raciais, de questões de gênero, bullying. Quando o adolescente chega no ensino médio tudo isso já se acumulou e ele já associa a escola a um lugar ruim. E o buraco na aprendizagem só aumenta.

Programação

23/5 – 10h: Ensino médio

25/5 – 10h: Ensino fundamental 2 e tecnologia

29/5 – das 10h às 12h: Fórum Reconstrução da Educação

Veja como fazer a inscrição aqui.

Reconstrução da Educação é uma realização do Estadão, em parceria com a Fundação Itaú, Fundação Lemann, Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Fundação Vivo Telefônica, Instituto Natura e Instituto Península. E tem o apoio do Consed, da Undime e do Todos Pela Educação

Assim como a ciência já mostrou sobre a primeira infância, há também uma janela de oportunidade no início da adolescência que a escola ignora, acredita o professor da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Economia Social (LEPES), Daniel Santos. Como pesquisador dos chamados anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano), ele lançou o documentário Esquecidos, justamente sobre a falta de políticas e até de estudos sobre como ensinar alunos e alunas de 11 a 14 anos.

“É uma transição complicada, temos a passagem da infância para a adolescência e, na escola, o aluno deixa de ter aquela professora mais maternal”, afirma o pesquisador, que participa de um dos encontros do projeto Reconstrução da Educação, realizado pelo Estadão e que faz neste mês uma série de eventos para debater os caminhos para a melhoria da qualidade da escola pública brasileira. “E essa lacuna ainda se agrava por um momento histórico que a gente está passando, de mudança de costumes muito rápida, redes sociais, questões de gênero.”

Santos fala ainda da importância da participação das famílias para que os filhos se interessem pela escola. E acredita que rótulos, como chamar de “aborrecentes” os adolescentes, acabam piorando um cenário de sentimento de exclusão. “Faz parte do jovem, ao construir sua identidade, questionar o status quo, buscar validações de estratégias. Se os adultos começam a consolidar muito isso, validam-se comportamentos que acabam distanciando e o excluindo mais do convívio”, afirma. “O principal fator protetivo para facilitar essa transição e proteger o adolescente durante a aprendizagem é a família mostrar que se interessa por ele, mesmo que seja aparentemente uma idade difícil.”

O professor da USP Daniel Santos, coordenador do LEPES, que estará em um dos eventos do Reconstrução da Educação Foto: Aline Cornélio Carvalho

Avaliações mostram piores resultados do fundamental 2 em relação ao fundamental 1 (1º ao 5º ano). Por que muitos alunos perdem a vontade de aprender quando chegam ao 6º ano?

São múltiplos fatores. A gente vê um desengajamento por causa da falta do sentimento de pertencimento, de piora de algumas das competências emocionais. É uma transição complicada já por conta dos efeitos da idade, da infância para a pré-adolescência. E junta com a estrutura organizacional no Brasil que, em grande parte das redes públicas, você precisa trocar de prédio, de escola, quando muda do 5º para o 6ºano. Você muda de amigos, deixa de ter aquela professora que te acompanha, que faz um pouco aquele papel meio maternal na sala de aula e passa a ter que lidar com vários professores especialistas. São muitas novidades numa fase que é desafiadora para a criança, o corpo tá mudando, as questões sociais. Então, ela já fica na defensiva com relação a essa transição. Aí soma-se que a gente não tem uma pedagogia consolidada. Na faculdade de educação, o ensino fundamental 2 é o que menos tem contribuições teóricas, investigações de programas que funcionam. Existe uma lacuna de pesquisa.

E como o momento atual, internet, redes sociais, influenciam também nesse quadro?

Essa lacuna ainda se agrava por um momento histórico que a gente está passando de mudança de costumes muito rápida. Então a gente sequer tinha muitas pedagogias consolidadas, efetivas, e estamos em um cenário de evolução das comunicações. Nós temos investigado muito a questão da saúde mental nos anos finais do ensino fundamental e os números são alarmantes. A gente segue alunos em um município desde que as crianças têm 10 anos de idade. Quando chegam aos 13 anos, 20% das meninas já se cortaram, já se machucaram de propósito. São muito novas e com um sofrimento psíquico muito grande. As redes sociais muitas vezes amplificam situações, é uma superexposição das pessoas, gera um excesso de cobrança, de comparação, e nessa faixa etária em que o adolescente está construindo essa identidade é meio que uma bomba de gasolina na fogueira. E isso consome uma energia para o jovem se regular emocionalmente, que ele poderia estar usando para a aprendizagem.

O que as escolas deveriam considerar do ponto vista neurológico e psíquico dos adolescentes no ensino fundamental 2?

As descobertas da psicologia cognitiva mais recente mostram que a aprendizagem mais profunda, que não é memorizar, envolve o uso do chamado sistema avaliativo, que é muito intenso em uso energia. Essa energia compete com a usada para regulação emocional. O sistema avaliativo é aquele que faz com que, frente a cada situação, você pare, pense e decida o que fazer. E a aprendizagem é muito intensiva em pensação, em energia mental, ao mesmo tempo que a regulação emocional e entender novos contextos na adolescência também são. Então, já é uma fase em que a disponibilidade de energia para aprendizagem é um pouco menor. Em outras palavras, a prioridade é entender o que que esse corpo novo, esse braço novo, essa voz nova fazem que não faziam antes. Muitos jovens também estão lidando com suas questões de sexualidade, estão construindo seu próprio papel social, isso está muito nas preocupações dos adolescentes hoje. Muitos se sentem excluídos, o que já compromete e dificulta a aprendizagem. Se você não tá no lugar de pertencimento tudo é mais difícil. E a sua energia, que poderia estar disponível para aprendizagem, acaba também indo para construção desses papéis sociais.

Mesmo com tantos desafios, você vê essa fase como um momento de oportunidades?

Os desafios não são triviais, mas é uma fase de oportunidades. Hoje em dia a gente tem percebido que, junto com a janela da primeira infância, essa é outra fase com muitas conexões sinápticas, que estão se formando potencialmente e que podem ser exploradas. Mas estratégias muito efetivas para isso ainda não estão tão bem documentadas, como ocorre para a alfabetização, no início da aprendizagem.

O que há de bons exemplos em outros países em educação nessa faixa etária?

A dificuldade é que nem sempre você copia e cola de um país para outro. Mas o que alguns países que se saem bem no Pisa, que avalia crianças aos 15 anos, no fim do que seria o fundamental 2, é que você precisa compartilhar com os jovens algumas escolhas. Um currículo que chega de cima para baixo, em que ele não escolheu o que vai estudar, não participou de nada e que é totalmente cobrado com base em memorização em prova, não é efetivo. Também há momentos em que se discute questões emocionais, seus projetos de vida, aprendizagens transversais e com protagonismo de jovens. Isso ajuda a aumentar o sentimento de pertencimento e o engajamento. A Finlândia, por exemplo, consegue ainda recrutar professores no topo da distribuição do que seria o Enem deles. Cingapura também fez uma reforma curricular recente, que deu muita ênfase para as competências socioemocionais, então também se preocupam em ter momentos de escuta desse jovem, não só em ter as aprendizagens duras.

A aprendizagem é muito intensiva em energia mental, ao mesmo tempo que a regulação emocional e entender novos contextos na adolescência também são.

E qual o papel dos pais nesta etapa, em que eles parecem tão distantes dos adultos?

Existe um problema global, as famílias têm se envolvido menos na aprendizagem dos filhos e a escola está mais demandada. Talvez os próprios pais tenham dificuldade de preparar os filhos para um mundo que eles não viveram e que mudou muito rápido. Mas esse afastamento é um fator de risco brutal. O principal fator protetivo para facilitar essa transição e proteger os adolescentes durante a aprendizagem é o acompanhamento da família, mesmo que seja aparentemente uma idade difícil. Se você acompanhar os filhos é metade do caminho para que essa transição seja mais suave e promissora.

Mas o que é acompanhar? Pais costumam cobrar notas, mas você está falando de algo mais significativo, de dar protagonismo, de momentos de escuta.

É se interessar, tanto pela aprendizagem quanto pelo desenvolvimento humano do filho. Cobrar notas não é útil. Claro que se as notas começam a cair de repente é sintoma de algo que está acontecendo. Mas muitas vezes os pais cobram por projeção de algo que eles queriam ter sido. Se os pais tiverem condições, é legal ajudar. Mas o principal fator é demonstrar interesse. O jovem nessa faixa etária precisa perceber que as pessoas estão interessadas no desenvolvimento deles. Esse comportamento, esse interesse, reforça que o comportamento de ir para a escola, estudar, é algo positivo e que gera frutos.

O que você acha do termo aborrecentes para tratar adolescentes?

É pejorativo e acaba reforçando um contexto de exclusão. Faz parte do jovem, ao construir sua identidade, questionar o status quo, buscar validações de estratégias que eles não sabem muito bem no que vai dar. Se os adultos começam a consolidar muito isso, validam-se comportamentos que acabam distanciando e o excluindo mais do convívio.

Cobrar notas não é útil. O jovem nessa faixa etária precisa perceber que as pessoas estão interessadas no desenvolvimento deles.

Esta situação no ensino fundamental 2 acaba refletida na baixa aprendizagem e abandono também no ensino médio?

Claro, a aprendizagem é cumulativa. Se você tem uma base frouxa é muito difícil depois conseguir ter uma boa aprendizagem. A gente não sabe ensinar e acaba provocando um efeito cascata, em um ambiente excludente. Então, o grande buraco é o ensino fundamental 2, ele que começa a reprovar as pessoas. A motivação para o aluno depois enfrentar o ensino médio quando já está atrasado é muito menor. Ele já se sente meio deslocado na sala, em que também não há mediação de conflitos, como os raciais, de questões de gênero, bullying. Quando o adolescente chega no ensino médio tudo isso já se acumulou e ele já associa a escola a um lugar ruim. E o buraco na aprendizagem só aumenta.

Programação

23/5 – 10h: Ensino médio

25/5 – 10h: Ensino fundamental 2 e tecnologia

29/5 – das 10h às 12h: Fórum Reconstrução da Educação

Veja como fazer a inscrição aqui.

Reconstrução da Educação é uma realização do Estadão, em parceria com a Fundação Itaú, Fundação Lemann, Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Fundação Vivo Telefônica, Instituto Natura e Instituto Península. E tem o apoio do Consed, da Undime e do Todos Pela Educação

Assim como a ciência já mostrou sobre a primeira infância, há também uma janela de oportunidade no início da adolescência que a escola ignora, acredita o professor da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Economia Social (LEPES), Daniel Santos. Como pesquisador dos chamados anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano), ele lançou o documentário Esquecidos, justamente sobre a falta de políticas e até de estudos sobre como ensinar alunos e alunas de 11 a 14 anos.

“É uma transição complicada, temos a passagem da infância para a adolescência e, na escola, o aluno deixa de ter aquela professora mais maternal”, afirma o pesquisador, que participa de um dos encontros do projeto Reconstrução da Educação, realizado pelo Estadão e que faz neste mês uma série de eventos para debater os caminhos para a melhoria da qualidade da escola pública brasileira. “E essa lacuna ainda se agrava por um momento histórico que a gente está passando, de mudança de costumes muito rápida, redes sociais, questões de gênero.”

Santos fala ainda da importância da participação das famílias para que os filhos se interessem pela escola. E acredita que rótulos, como chamar de “aborrecentes” os adolescentes, acabam piorando um cenário de sentimento de exclusão. “Faz parte do jovem, ao construir sua identidade, questionar o status quo, buscar validações de estratégias. Se os adultos começam a consolidar muito isso, validam-se comportamentos que acabam distanciando e o excluindo mais do convívio”, afirma. “O principal fator protetivo para facilitar essa transição e proteger o adolescente durante a aprendizagem é a família mostrar que se interessa por ele, mesmo que seja aparentemente uma idade difícil.”

O professor da USP Daniel Santos, coordenador do LEPES, que estará em um dos eventos do Reconstrução da Educação Foto: Aline Cornélio Carvalho

Avaliações mostram piores resultados do fundamental 2 em relação ao fundamental 1 (1º ao 5º ano). Por que muitos alunos perdem a vontade de aprender quando chegam ao 6º ano?

São múltiplos fatores. A gente vê um desengajamento por causa da falta do sentimento de pertencimento, de piora de algumas das competências emocionais. É uma transição complicada já por conta dos efeitos da idade, da infância para a pré-adolescência. E junta com a estrutura organizacional no Brasil que, em grande parte das redes públicas, você precisa trocar de prédio, de escola, quando muda do 5º para o 6ºano. Você muda de amigos, deixa de ter aquela professora que te acompanha, que faz um pouco aquele papel meio maternal na sala de aula e passa a ter que lidar com vários professores especialistas. São muitas novidades numa fase que é desafiadora para a criança, o corpo tá mudando, as questões sociais. Então, ela já fica na defensiva com relação a essa transição. Aí soma-se que a gente não tem uma pedagogia consolidada. Na faculdade de educação, o ensino fundamental 2 é o que menos tem contribuições teóricas, investigações de programas que funcionam. Existe uma lacuna de pesquisa.

E como o momento atual, internet, redes sociais, influenciam também nesse quadro?

Essa lacuna ainda se agrava por um momento histórico que a gente está passando de mudança de costumes muito rápida. Então a gente sequer tinha muitas pedagogias consolidadas, efetivas, e estamos em um cenário de evolução das comunicações. Nós temos investigado muito a questão da saúde mental nos anos finais do ensino fundamental e os números são alarmantes. A gente segue alunos em um município desde que as crianças têm 10 anos de idade. Quando chegam aos 13 anos, 20% das meninas já se cortaram, já se machucaram de propósito. São muito novas e com um sofrimento psíquico muito grande. As redes sociais muitas vezes amplificam situações, é uma superexposição das pessoas, gera um excesso de cobrança, de comparação, e nessa faixa etária em que o adolescente está construindo essa identidade é meio que uma bomba de gasolina na fogueira. E isso consome uma energia para o jovem se regular emocionalmente, que ele poderia estar usando para a aprendizagem.

O que as escolas deveriam considerar do ponto vista neurológico e psíquico dos adolescentes no ensino fundamental 2?

As descobertas da psicologia cognitiva mais recente mostram que a aprendizagem mais profunda, que não é memorizar, envolve o uso do chamado sistema avaliativo, que é muito intenso em uso energia. Essa energia compete com a usada para regulação emocional. O sistema avaliativo é aquele que faz com que, frente a cada situação, você pare, pense e decida o que fazer. E a aprendizagem é muito intensiva em pensação, em energia mental, ao mesmo tempo que a regulação emocional e entender novos contextos na adolescência também são. Então, já é uma fase em que a disponibilidade de energia para aprendizagem é um pouco menor. Em outras palavras, a prioridade é entender o que que esse corpo novo, esse braço novo, essa voz nova fazem que não faziam antes. Muitos jovens também estão lidando com suas questões de sexualidade, estão construindo seu próprio papel social, isso está muito nas preocupações dos adolescentes hoje. Muitos se sentem excluídos, o que já compromete e dificulta a aprendizagem. Se você não tá no lugar de pertencimento tudo é mais difícil. E a sua energia, que poderia estar disponível para aprendizagem, acaba também indo para construção desses papéis sociais.

Mesmo com tantos desafios, você vê essa fase como um momento de oportunidades?

Os desafios não são triviais, mas é uma fase de oportunidades. Hoje em dia a gente tem percebido que, junto com a janela da primeira infância, essa é outra fase com muitas conexões sinápticas, que estão se formando potencialmente e que podem ser exploradas. Mas estratégias muito efetivas para isso ainda não estão tão bem documentadas, como ocorre para a alfabetização, no início da aprendizagem.

O que há de bons exemplos em outros países em educação nessa faixa etária?

A dificuldade é que nem sempre você copia e cola de um país para outro. Mas o que alguns países que se saem bem no Pisa, que avalia crianças aos 15 anos, no fim do que seria o fundamental 2, é que você precisa compartilhar com os jovens algumas escolhas. Um currículo que chega de cima para baixo, em que ele não escolheu o que vai estudar, não participou de nada e que é totalmente cobrado com base em memorização em prova, não é efetivo. Também há momentos em que se discute questões emocionais, seus projetos de vida, aprendizagens transversais e com protagonismo de jovens. Isso ajuda a aumentar o sentimento de pertencimento e o engajamento. A Finlândia, por exemplo, consegue ainda recrutar professores no topo da distribuição do que seria o Enem deles. Cingapura também fez uma reforma curricular recente, que deu muita ênfase para as competências socioemocionais, então também se preocupam em ter momentos de escuta desse jovem, não só em ter as aprendizagens duras.

A aprendizagem é muito intensiva em energia mental, ao mesmo tempo que a regulação emocional e entender novos contextos na adolescência também são.

E qual o papel dos pais nesta etapa, em que eles parecem tão distantes dos adultos?

Existe um problema global, as famílias têm se envolvido menos na aprendizagem dos filhos e a escola está mais demandada. Talvez os próprios pais tenham dificuldade de preparar os filhos para um mundo que eles não viveram e que mudou muito rápido. Mas esse afastamento é um fator de risco brutal. O principal fator protetivo para facilitar essa transição e proteger os adolescentes durante a aprendizagem é o acompanhamento da família, mesmo que seja aparentemente uma idade difícil. Se você acompanhar os filhos é metade do caminho para que essa transição seja mais suave e promissora.

Mas o que é acompanhar? Pais costumam cobrar notas, mas você está falando de algo mais significativo, de dar protagonismo, de momentos de escuta.

É se interessar, tanto pela aprendizagem quanto pelo desenvolvimento humano do filho. Cobrar notas não é útil. Claro que se as notas começam a cair de repente é sintoma de algo que está acontecendo. Mas muitas vezes os pais cobram por projeção de algo que eles queriam ter sido. Se os pais tiverem condições, é legal ajudar. Mas o principal fator é demonstrar interesse. O jovem nessa faixa etária precisa perceber que as pessoas estão interessadas no desenvolvimento deles. Esse comportamento, esse interesse, reforça que o comportamento de ir para a escola, estudar, é algo positivo e que gera frutos.

O que você acha do termo aborrecentes para tratar adolescentes?

É pejorativo e acaba reforçando um contexto de exclusão. Faz parte do jovem, ao construir sua identidade, questionar o status quo, buscar validações de estratégias que eles não sabem muito bem no que vai dar. Se os adultos começam a consolidar muito isso, validam-se comportamentos que acabam distanciando e o excluindo mais do convívio.

Cobrar notas não é útil. O jovem nessa faixa etária precisa perceber que as pessoas estão interessadas no desenvolvimento deles.

Esta situação no ensino fundamental 2 acaba refletida na baixa aprendizagem e abandono também no ensino médio?

Claro, a aprendizagem é cumulativa. Se você tem uma base frouxa é muito difícil depois conseguir ter uma boa aprendizagem. A gente não sabe ensinar e acaba provocando um efeito cascata, em um ambiente excludente. Então, o grande buraco é o ensino fundamental 2, ele que começa a reprovar as pessoas. A motivação para o aluno depois enfrentar o ensino médio quando já está atrasado é muito menor. Ele já se sente meio deslocado na sala, em que também não há mediação de conflitos, como os raciais, de questões de gênero, bullying. Quando o adolescente chega no ensino médio tudo isso já se acumulou e ele já associa a escola a um lugar ruim. E o buraco na aprendizagem só aumenta.

Programação

23/5 – 10h: Ensino médio

25/5 – 10h: Ensino fundamental 2 e tecnologia

29/5 – das 10h às 12h: Fórum Reconstrução da Educação

Veja como fazer a inscrição aqui.

Reconstrução da Educação é uma realização do Estadão, em parceria com a Fundação Itaú, Fundação Lemann, Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Fundação Vivo Telefônica, Instituto Natura e Instituto Península. E tem o apoio do Consed, da Undime e do Todos Pela Educação

Entrevista por Renata Cafardo

Repórter especial do ‘Estadão’ e fundadora da Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca)

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