USP e mais universidades brasileiras podem ficar no topo dos rankings? ‘Não tem regra mágica’


Investimento em cientistas e na infraestrutura de pesquisa faz diferença em classificações globais, diz especialista da Unicamp

Por Isabela Moya
Atualização:
Entrevista comMarcelo KnobelEx-reitor da Unicamp e ex-presidente do Insper

O Brasil tem melhorado sua posição em rankings globais que classificam universidades, mas isso não necessariamente traduz a qualidade dessas instituições. Essa é a visão de Marcelo Knobel, reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) de 2017 a 2021 e presidente do Insper em 2023. Especialista em ensino superior, hoje ele é professor de Física da Unicamp.

A instituição de Campinas é a 2ª melhor colocada do Brasil no levantamento da revista britânica Times Higher Education, o mesmo que colocou a Universidade de São Paulo (USP) de volta ao top 200 do mundo e na liderança da América Latina.

Knobel explica que o caminho para subir nos rankings de educação global inclui maior investimento em pesquisa, o principal foco dessas avaliações. Para ele, outros aspectos deveriam ser avaliados, como a extensão universitária e interação com a comunidade, o que colocaria o Brasil em melhor condição.

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“Não tem regra mágica. É simplesmente investimento”, diz o ex-reitor da Unicamp e ex-presidente do Insper sobre melhoria do nível de pesquisa nas universidades brasileiras.

Entre os problemas que ele enxerga nos rankings, estão o uso de métodos limitados e nem sempre transparentes; ênfase excessiva em métricas de pesquisa e disciplinas em áreas como Tecnologia, Engenharia e Matemática; viés em favor de países, instituições e periódicos anglófonos; incentivo à competição em detrimento da cooperação; e pressão para melhorias constantes anualmente.

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Faculdade de Arquitetura e Urbanismo é um dos símbolos da USP na Cidade Universitária. Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

“Os rankings podem ser usados como feedback para entender como as universidades se posicionam junto a stakeholders mundiais, mas a posição deve ser consequência do trabalho da universidade no dia a dia, não uma busca em si. Porque há receitas que podem ser seguidas para levar a esse resultado. As universidades devem, em primeiro lugar, olhar para a sua missão, ver como estão servindo a sua comunidade, a sociedade, os estudantes”, afirma.

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Embora o Brasil apareça com frequência no topo da América Latina em levantamentos do tipo - como os da THE e da Quacquarelli Symonds (QS), está distante das grandes potências educacionais (Estados Unidos e Reino Unido). Também fica atrás de outras nações em desenvolvimento, como China e índia.

Como avalia os rankings internacionais de educação e a classificação brasileira?

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O ranking é uma metodologia que naturalmente já é conhecida, consolidada. A gente faz rankings para tudo: para filme, livro. Mas, de fato, é difícil traduzir a complexidade de uma universidade em uma nota. Cada universidade tem seu perfil, atende a um público diferente, maneiras de atuar diferentes. O ranking geralmente padroniza as universidades pela alta capacidade de pesquisa, e muitas não têm esse perfil. E todo ano sai que “tal universidade caiu duas casas; a outra subiu tanto”. São normais essas flutuações, porque depende um pouco das publicações dos autores, de vários fatores .

Temos de festejar que várias universidades brasileiras públicas, apesar de todas as dificuldades e cortes, estão na lista. Mostra resiliência das universidades públicas, mas sempre com o pé atrás com relação às metodologias, porque o ranking não traduz tudo o que a universidade pode ser.

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Como as universidades brasileiras podem alcançar esse espaço na elite global? É possível estar nesse topo?

Existem várias formas. Muitos países têm tentado fazer isso, realizando, por exemplo, projetos de excelência. De modo geral, o que precisa ser feito é ter mais publicações, que é essencialmente o que rankings avaliam. Para isso, é preciso ter mais dinheiro para pagar boa infraestrutura de pesquisa, equipamentos de última geração e, mais do que tudo isso, mais mão de obra: pós-doutores, pesquisadores, que possam realmente dar o fôlego para que as universidades conquistem isso.

Em um estudo que compara a Unicamp com o Massachusetts Institute of Tecnology, o MIT, mostramos que a Unicamp tem o mesmo número de professores (do MIT), mas, ao mesmo tempo, tem todas as áreas abrangentes. Já o MIT só tem engenharia. Temos a mesma quantidade de contribuição e colaboração com a indústria que o próprio MIT, mas qual a diferença em termos de quantidade de publicações? Dinheiro, recursos para pagar pós-doutorados, doutores e pesquisadores. Temos a base e a infraestrutura bem montadas, mas tem que manter isso, pagar bons salários para evitar fuga de cérebros, ter mais recursos para pagar pesquisadores, pós-doutores e, naturalmente, melhores bolsas para alunos de mestrado, doutorado, que são a força de trabalho que, de fato, faz a diferença. Não tem regra mágica. É simplesmente investimento.

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A diferença de recursos fica clara no que se refere a universidades americanas ou inglesas. Mas outros países em desenvolvimento, como Índia e China, têm mais universidades entre as melhores. Qual nossa diferença para eles?

Lá também tem muito recurso. A China tinha como meta colocar várias das suas universidades no top 100 e o que fizeram foi injetar recurso nesse sistema. Se de fato quer posição melhor em rankings, tem de investir em pesquisa, recursos humanos, equipamento, capacitação para realmente avançar.

Além da pesquisa, quais outros aspectos deveriam ser levados em conta em rankings?

Por exemplo: como as universidades atuam e investem no seu entorno. No Brasil, muitas universidades têm hospitais e centros culturais que são, váerias vezes, os únicos em sua cidade ou região. Outro caso curioso: os rankings pontuam melhor quando há uma relação entre estudantes e professores pequena, ou seja, classes pequenas. Mas será que é esse mesmo o caso no Brasil? Será que nas universidades públicas não deveríamos privilegiar aquelas que atendem uma população maior? Devemos pensar como é o impacto das universidades em seu entorno, quanto de fato ela modifica uma realidade social. Contar o número de publicações, na minha opinião, não é suficiente.

Há, então, um papel social que as universidades de elite brasileiras, que são as públicas, exercem. Papel esse que não é cobrado das universidades de elite americanas?

Exatamente. Esse é um dos pontos. E não são só as públicas, as comunitárias mesmo, como as PUCs ou outras universidades que nós temos no Brasil, que realizam esse papel de maneira importante em vários aspectos da vida da sociedade.

E por que, aqui no Brasil, as nossas melhores universidades em pesquisa são as públicas, sendo que o que falta é recurso, que geralmente está justamente na iniciativa privada?

Porque aqui a lógica das privadas é de se sustentar simplesmente com recursos de matrículas, o que é muito difícil. As universidades privadas, em muitos casos, para ter um valor de mensalidade que seja possível de ser pago pelos estudantes e, ao mesmo tempo, que possa manter uma quantidade de estudantes razoável, elas precisam ter uma matrícula que não seja extorsiva, que não seja muito cara e, ao mesmo tempo, manter a excelência de professores. A realidade da grande maioria das universidades privadas é viver de sobrevivência, elas não têm recursos para poder atuar em pesquisa, não sobra dinheiro, elas sobrevivem realmente com muita dificuldade.

Nos Estados Unidos, além de matrículas muito caras, há uma cultura do endowment (doações), que mudam esse cenário de modo efetivo. Na pesquisa que comentei, fizemos uma estimativa, e no MIT, uma das melhores universidades no mundo, o recurso que vem das mensalidades dos estudantes é de apenas 10% do seu orçamento. A maior parte do orçamento vem de projetos com governo e empresas privadas. Mesmo uma universidade privada nos Estados Unidos com muita pesquisa depende fortemente do Estado, do governo, para grandes projetos. Nossa conclusão é que precisamos que o governo invista em universidades, públicas e privadas, para fomentar uma pesquisa de ponta.

Boa parte das nossas instituições de ensino superior privadas é voltada para um público de menor renda e cobram valores mais acessíveis. Mas há também algumas faculdades particulares com mensalidades bem altas e mais recursos, mas fora dos rankings. Por quê?

Sim, mas elas são mais exclusivas e têm infraestrutura que demanda custo (mais alto). Muitas delas já têm pesquisa bastante avançada, como FGV, Insper, que já têm níveis de pesquisa comparáveis às melhores universidades públicas do País. Mas, de fato, são universidades de elite. Não atendem à população de maneira geral. No cenário de quase 10 milhões de estudantes do País, é um número muito pequeno que vai para esse tipo de universidade.

Essas universidades ainda não têm uma estruturação e infraestrutura de laboratórios de pesquisa necessários para competir em nível internacional em diversas áreas . Para isso, precisa ter um passo a mais, ter projetos especialmente com o governo. O papel do Estado ainda é fundamental para fomentar pesquisa no Brasil. Por mais que se tenha o CNPq e a Fapesp no Estado de São Paulo, ainda não é suficiente para chegar nesses níveis de outros países em desenvolvimento.

E como algumas universidades conseguem se destacar e fazer diferente de outras particulares de elite, que cobram mensalidades até mais caras?

É uma questão da cultura da pesquisa. Na PUC, a pesquisa sempre foi muito valorizada para contratar novos professores, criar grupos de pesquisa. Os professores têm tempo e espaço para se dedicar à pesquisa. São professores contratados em 40 horas, mas que têm horas para dedicar à pesquisa, o que não é sempre realidade na maioria das universidades privadas brasileiras.

Qual critério avaliado nas universidades que o Brasil se destaca mundialmente?

A extensão universitária brasileira é modelo mundial. Há aí a possibilidade de atuar nas regiões em que as universidades atuam, com as comunidades, projetos culturais, artísticos.

Se a extensão universitária fosse levada mais em conta nos rankings, o Brasil estaria mais acima?

Sem dúvida. E não são muitos os países que têm ensino público gratuito de qualidade. A possibilidade de ter um ambiente diverso, uma capacidade de realmente buscar atender mais a população.

O Brasil tem melhorado sua posição em rankings globais que classificam universidades, mas isso não necessariamente traduz a qualidade dessas instituições. Essa é a visão de Marcelo Knobel, reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) de 2017 a 2021 e presidente do Insper em 2023. Especialista em ensino superior, hoje ele é professor de Física da Unicamp.

A instituição de Campinas é a 2ª melhor colocada do Brasil no levantamento da revista britânica Times Higher Education, o mesmo que colocou a Universidade de São Paulo (USP) de volta ao top 200 do mundo e na liderança da América Latina.

Knobel explica que o caminho para subir nos rankings de educação global inclui maior investimento em pesquisa, o principal foco dessas avaliações. Para ele, outros aspectos deveriam ser avaliados, como a extensão universitária e interação com a comunidade, o que colocaria o Brasil em melhor condição.

“Não tem regra mágica. É simplesmente investimento”, diz o ex-reitor da Unicamp e ex-presidente do Insper sobre melhoria do nível de pesquisa nas universidades brasileiras.

Entre os problemas que ele enxerga nos rankings, estão o uso de métodos limitados e nem sempre transparentes; ênfase excessiva em métricas de pesquisa e disciplinas em áreas como Tecnologia, Engenharia e Matemática; viés em favor de países, instituições e periódicos anglófonos; incentivo à competição em detrimento da cooperação; e pressão para melhorias constantes anualmente.

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo é um dos símbolos da USP na Cidade Universitária. Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

“Os rankings podem ser usados como feedback para entender como as universidades se posicionam junto a stakeholders mundiais, mas a posição deve ser consequência do trabalho da universidade no dia a dia, não uma busca em si. Porque há receitas que podem ser seguidas para levar a esse resultado. As universidades devem, em primeiro lugar, olhar para a sua missão, ver como estão servindo a sua comunidade, a sociedade, os estudantes”, afirma.

Embora o Brasil apareça com frequência no topo da América Latina em levantamentos do tipo - como os da THE e da Quacquarelli Symonds (QS), está distante das grandes potências educacionais (Estados Unidos e Reino Unido). Também fica atrás de outras nações em desenvolvimento, como China e índia.

Como avalia os rankings internacionais de educação e a classificação brasileira?

O ranking é uma metodologia que naturalmente já é conhecida, consolidada. A gente faz rankings para tudo: para filme, livro. Mas, de fato, é difícil traduzir a complexidade de uma universidade em uma nota. Cada universidade tem seu perfil, atende a um público diferente, maneiras de atuar diferentes. O ranking geralmente padroniza as universidades pela alta capacidade de pesquisa, e muitas não têm esse perfil. E todo ano sai que “tal universidade caiu duas casas; a outra subiu tanto”. São normais essas flutuações, porque depende um pouco das publicações dos autores, de vários fatores .

Temos de festejar que várias universidades brasileiras públicas, apesar de todas as dificuldades e cortes, estão na lista. Mostra resiliência das universidades públicas, mas sempre com o pé atrás com relação às metodologias, porque o ranking não traduz tudo o que a universidade pode ser.

Como as universidades brasileiras podem alcançar esse espaço na elite global? É possível estar nesse topo?

Existem várias formas. Muitos países têm tentado fazer isso, realizando, por exemplo, projetos de excelência. De modo geral, o que precisa ser feito é ter mais publicações, que é essencialmente o que rankings avaliam. Para isso, é preciso ter mais dinheiro para pagar boa infraestrutura de pesquisa, equipamentos de última geração e, mais do que tudo isso, mais mão de obra: pós-doutores, pesquisadores, que possam realmente dar o fôlego para que as universidades conquistem isso.

Em um estudo que compara a Unicamp com o Massachusetts Institute of Tecnology, o MIT, mostramos que a Unicamp tem o mesmo número de professores (do MIT), mas, ao mesmo tempo, tem todas as áreas abrangentes. Já o MIT só tem engenharia. Temos a mesma quantidade de contribuição e colaboração com a indústria que o próprio MIT, mas qual a diferença em termos de quantidade de publicações? Dinheiro, recursos para pagar pós-doutorados, doutores e pesquisadores. Temos a base e a infraestrutura bem montadas, mas tem que manter isso, pagar bons salários para evitar fuga de cérebros, ter mais recursos para pagar pesquisadores, pós-doutores e, naturalmente, melhores bolsas para alunos de mestrado, doutorado, que são a força de trabalho que, de fato, faz a diferença. Não tem regra mágica. É simplesmente investimento.

A diferença de recursos fica clara no que se refere a universidades americanas ou inglesas. Mas outros países em desenvolvimento, como Índia e China, têm mais universidades entre as melhores. Qual nossa diferença para eles?

Lá também tem muito recurso. A China tinha como meta colocar várias das suas universidades no top 100 e o que fizeram foi injetar recurso nesse sistema. Se de fato quer posição melhor em rankings, tem de investir em pesquisa, recursos humanos, equipamento, capacitação para realmente avançar.

Além da pesquisa, quais outros aspectos deveriam ser levados em conta em rankings?

Por exemplo: como as universidades atuam e investem no seu entorno. No Brasil, muitas universidades têm hospitais e centros culturais que são, váerias vezes, os únicos em sua cidade ou região. Outro caso curioso: os rankings pontuam melhor quando há uma relação entre estudantes e professores pequena, ou seja, classes pequenas. Mas será que é esse mesmo o caso no Brasil? Será que nas universidades públicas não deveríamos privilegiar aquelas que atendem uma população maior? Devemos pensar como é o impacto das universidades em seu entorno, quanto de fato ela modifica uma realidade social. Contar o número de publicações, na minha opinião, não é suficiente.

Há, então, um papel social que as universidades de elite brasileiras, que são as públicas, exercem. Papel esse que não é cobrado das universidades de elite americanas?

Exatamente. Esse é um dos pontos. E não são só as públicas, as comunitárias mesmo, como as PUCs ou outras universidades que nós temos no Brasil, que realizam esse papel de maneira importante em vários aspectos da vida da sociedade.

E por que, aqui no Brasil, as nossas melhores universidades em pesquisa são as públicas, sendo que o que falta é recurso, que geralmente está justamente na iniciativa privada?

Porque aqui a lógica das privadas é de se sustentar simplesmente com recursos de matrículas, o que é muito difícil. As universidades privadas, em muitos casos, para ter um valor de mensalidade que seja possível de ser pago pelos estudantes e, ao mesmo tempo, que possa manter uma quantidade de estudantes razoável, elas precisam ter uma matrícula que não seja extorsiva, que não seja muito cara e, ao mesmo tempo, manter a excelência de professores. A realidade da grande maioria das universidades privadas é viver de sobrevivência, elas não têm recursos para poder atuar em pesquisa, não sobra dinheiro, elas sobrevivem realmente com muita dificuldade.

Nos Estados Unidos, além de matrículas muito caras, há uma cultura do endowment (doações), que mudam esse cenário de modo efetivo. Na pesquisa que comentei, fizemos uma estimativa, e no MIT, uma das melhores universidades no mundo, o recurso que vem das mensalidades dos estudantes é de apenas 10% do seu orçamento. A maior parte do orçamento vem de projetos com governo e empresas privadas. Mesmo uma universidade privada nos Estados Unidos com muita pesquisa depende fortemente do Estado, do governo, para grandes projetos. Nossa conclusão é que precisamos que o governo invista em universidades, públicas e privadas, para fomentar uma pesquisa de ponta.

Boa parte das nossas instituições de ensino superior privadas é voltada para um público de menor renda e cobram valores mais acessíveis. Mas há também algumas faculdades particulares com mensalidades bem altas e mais recursos, mas fora dos rankings. Por quê?

Sim, mas elas são mais exclusivas e têm infraestrutura que demanda custo (mais alto). Muitas delas já têm pesquisa bastante avançada, como FGV, Insper, que já têm níveis de pesquisa comparáveis às melhores universidades públicas do País. Mas, de fato, são universidades de elite. Não atendem à população de maneira geral. No cenário de quase 10 milhões de estudantes do País, é um número muito pequeno que vai para esse tipo de universidade.

Essas universidades ainda não têm uma estruturação e infraestrutura de laboratórios de pesquisa necessários para competir em nível internacional em diversas áreas . Para isso, precisa ter um passo a mais, ter projetos especialmente com o governo. O papel do Estado ainda é fundamental para fomentar pesquisa no Brasil. Por mais que se tenha o CNPq e a Fapesp no Estado de São Paulo, ainda não é suficiente para chegar nesses níveis de outros países em desenvolvimento.

E como algumas universidades conseguem se destacar e fazer diferente de outras particulares de elite, que cobram mensalidades até mais caras?

É uma questão da cultura da pesquisa. Na PUC, a pesquisa sempre foi muito valorizada para contratar novos professores, criar grupos de pesquisa. Os professores têm tempo e espaço para se dedicar à pesquisa. São professores contratados em 40 horas, mas que têm horas para dedicar à pesquisa, o que não é sempre realidade na maioria das universidades privadas brasileiras.

Qual critério avaliado nas universidades que o Brasil se destaca mundialmente?

A extensão universitária brasileira é modelo mundial. Há aí a possibilidade de atuar nas regiões em que as universidades atuam, com as comunidades, projetos culturais, artísticos.

Se a extensão universitária fosse levada mais em conta nos rankings, o Brasil estaria mais acima?

Sem dúvida. E não são muitos os países que têm ensino público gratuito de qualidade. A possibilidade de ter um ambiente diverso, uma capacidade de realmente buscar atender mais a população.

O Brasil tem melhorado sua posição em rankings globais que classificam universidades, mas isso não necessariamente traduz a qualidade dessas instituições. Essa é a visão de Marcelo Knobel, reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) de 2017 a 2021 e presidente do Insper em 2023. Especialista em ensino superior, hoje ele é professor de Física da Unicamp.

A instituição de Campinas é a 2ª melhor colocada do Brasil no levantamento da revista britânica Times Higher Education, o mesmo que colocou a Universidade de São Paulo (USP) de volta ao top 200 do mundo e na liderança da América Latina.

Knobel explica que o caminho para subir nos rankings de educação global inclui maior investimento em pesquisa, o principal foco dessas avaliações. Para ele, outros aspectos deveriam ser avaliados, como a extensão universitária e interação com a comunidade, o que colocaria o Brasil em melhor condição.

“Não tem regra mágica. É simplesmente investimento”, diz o ex-reitor da Unicamp e ex-presidente do Insper sobre melhoria do nível de pesquisa nas universidades brasileiras.

Entre os problemas que ele enxerga nos rankings, estão o uso de métodos limitados e nem sempre transparentes; ênfase excessiva em métricas de pesquisa e disciplinas em áreas como Tecnologia, Engenharia e Matemática; viés em favor de países, instituições e periódicos anglófonos; incentivo à competição em detrimento da cooperação; e pressão para melhorias constantes anualmente.

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo é um dos símbolos da USP na Cidade Universitária. Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

“Os rankings podem ser usados como feedback para entender como as universidades se posicionam junto a stakeholders mundiais, mas a posição deve ser consequência do trabalho da universidade no dia a dia, não uma busca em si. Porque há receitas que podem ser seguidas para levar a esse resultado. As universidades devem, em primeiro lugar, olhar para a sua missão, ver como estão servindo a sua comunidade, a sociedade, os estudantes”, afirma.

Embora o Brasil apareça com frequência no topo da América Latina em levantamentos do tipo - como os da THE e da Quacquarelli Symonds (QS), está distante das grandes potências educacionais (Estados Unidos e Reino Unido). Também fica atrás de outras nações em desenvolvimento, como China e índia.

Como avalia os rankings internacionais de educação e a classificação brasileira?

O ranking é uma metodologia que naturalmente já é conhecida, consolidada. A gente faz rankings para tudo: para filme, livro. Mas, de fato, é difícil traduzir a complexidade de uma universidade em uma nota. Cada universidade tem seu perfil, atende a um público diferente, maneiras de atuar diferentes. O ranking geralmente padroniza as universidades pela alta capacidade de pesquisa, e muitas não têm esse perfil. E todo ano sai que “tal universidade caiu duas casas; a outra subiu tanto”. São normais essas flutuações, porque depende um pouco das publicações dos autores, de vários fatores .

Temos de festejar que várias universidades brasileiras públicas, apesar de todas as dificuldades e cortes, estão na lista. Mostra resiliência das universidades públicas, mas sempre com o pé atrás com relação às metodologias, porque o ranking não traduz tudo o que a universidade pode ser.

Como as universidades brasileiras podem alcançar esse espaço na elite global? É possível estar nesse topo?

Existem várias formas. Muitos países têm tentado fazer isso, realizando, por exemplo, projetos de excelência. De modo geral, o que precisa ser feito é ter mais publicações, que é essencialmente o que rankings avaliam. Para isso, é preciso ter mais dinheiro para pagar boa infraestrutura de pesquisa, equipamentos de última geração e, mais do que tudo isso, mais mão de obra: pós-doutores, pesquisadores, que possam realmente dar o fôlego para que as universidades conquistem isso.

Em um estudo que compara a Unicamp com o Massachusetts Institute of Tecnology, o MIT, mostramos que a Unicamp tem o mesmo número de professores (do MIT), mas, ao mesmo tempo, tem todas as áreas abrangentes. Já o MIT só tem engenharia. Temos a mesma quantidade de contribuição e colaboração com a indústria que o próprio MIT, mas qual a diferença em termos de quantidade de publicações? Dinheiro, recursos para pagar pós-doutorados, doutores e pesquisadores. Temos a base e a infraestrutura bem montadas, mas tem que manter isso, pagar bons salários para evitar fuga de cérebros, ter mais recursos para pagar pesquisadores, pós-doutores e, naturalmente, melhores bolsas para alunos de mestrado, doutorado, que são a força de trabalho que, de fato, faz a diferença. Não tem regra mágica. É simplesmente investimento.

A diferença de recursos fica clara no que se refere a universidades americanas ou inglesas. Mas outros países em desenvolvimento, como Índia e China, têm mais universidades entre as melhores. Qual nossa diferença para eles?

Lá também tem muito recurso. A China tinha como meta colocar várias das suas universidades no top 100 e o que fizeram foi injetar recurso nesse sistema. Se de fato quer posição melhor em rankings, tem de investir em pesquisa, recursos humanos, equipamento, capacitação para realmente avançar.

Além da pesquisa, quais outros aspectos deveriam ser levados em conta em rankings?

Por exemplo: como as universidades atuam e investem no seu entorno. No Brasil, muitas universidades têm hospitais e centros culturais que são, váerias vezes, os únicos em sua cidade ou região. Outro caso curioso: os rankings pontuam melhor quando há uma relação entre estudantes e professores pequena, ou seja, classes pequenas. Mas será que é esse mesmo o caso no Brasil? Será que nas universidades públicas não deveríamos privilegiar aquelas que atendem uma população maior? Devemos pensar como é o impacto das universidades em seu entorno, quanto de fato ela modifica uma realidade social. Contar o número de publicações, na minha opinião, não é suficiente.

Há, então, um papel social que as universidades de elite brasileiras, que são as públicas, exercem. Papel esse que não é cobrado das universidades de elite americanas?

Exatamente. Esse é um dos pontos. E não são só as públicas, as comunitárias mesmo, como as PUCs ou outras universidades que nós temos no Brasil, que realizam esse papel de maneira importante em vários aspectos da vida da sociedade.

E por que, aqui no Brasil, as nossas melhores universidades em pesquisa são as públicas, sendo que o que falta é recurso, que geralmente está justamente na iniciativa privada?

Porque aqui a lógica das privadas é de se sustentar simplesmente com recursos de matrículas, o que é muito difícil. As universidades privadas, em muitos casos, para ter um valor de mensalidade que seja possível de ser pago pelos estudantes e, ao mesmo tempo, que possa manter uma quantidade de estudantes razoável, elas precisam ter uma matrícula que não seja extorsiva, que não seja muito cara e, ao mesmo tempo, manter a excelência de professores. A realidade da grande maioria das universidades privadas é viver de sobrevivência, elas não têm recursos para poder atuar em pesquisa, não sobra dinheiro, elas sobrevivem realmente com muita dificuldade.

Nos Estados Unidos, além de matrículas muito caras, há uma cultura do endowment (doações), que mudam esse cenário de modo efetivo. Na pesquisa que comentei, fizemos uma estimativa, e no MIT, uma das melhores universidades no mundo, o recurso que vem das mensalidades dos estudantes é de apenas 10% do seu orçamento. A maior parte do orçamento vem de projetos com governo e empresas privadas. Mesmo uma universidade privada nos Estados Unidos com muita pesquisa depende fortemente do Estado, do governo, para grandes projetos. Nossa conclusão é que precisamos que o governo invista em universidades, públicas e privadas, para fomentar uma pesquisa de ponta.

Boa parte das nossas instituições de ensino superior privadas é voltada para um público de menor renda e cobram valores mais acessíveis. Mas há também algumas faculdades particulares com mensalidades bem altas e mais recursos, mas fora dos rankings. Por quê?

Sim, mas elas são mais exclusivas e têm infraestrutura que demanda custo (mais alto). Muitas delas já têm pesquisa bastante avançada, como FGV, Insper, que já têm níveis de pesquisa comparáveis às melhores universidades públicas do País. Mas, de fato, são universidades de elite. Não atendem à população de maneira geral. No cenário de quase 10 milhões de estudantes do País, é um número muito pequeno que vai para esse tipo de universidade.

Essas universidades ainda não têm uma estruturação e infraestrutura de laboratórios de pesquisa necessários para competir em nível internacional em diversas áreas . Para isso, precisa ter um passo a mais, ter projetos especialmente com o governo. O papel do Estado ainda é fundamental para fomentar pesquisa no Brasil. Por mais que se tenha o CNPq e a Fapesp no Estado de São Paulo, ainda não é suficiente para chegar nesses níveis de outros países em desenvolvimento.

E como algumas universidades conseguem se destacar e fazer diferente de outras particulares de elite, que cobram mensalidades até mais caras?

É uma questão da cultura da pesquisa. Na PUC, a pesquisa sempre foi muito valorizada para contratar novos professores, criar grupos de pesquisa. Os professores têm tempo e espaço para se dedicar à pesquisa. São professores contratados em 40 horas, mas que têm horas para dedicar à pesquisa, o que não é sempre realidade na maioria das universidades privadas brasileiras.

Qual critério avaliado nas universidades que o Brasil se destaca mundialmente?

A extensão universitária brasileira é modelo mundial. Há aí a possibilidade de atuar nas regiões em que as universidades atuam, com as comunidades, projetos culturais, artísticos.

Se a extensão universitária fosse levada mais em conta nos rankings, o Brasil estaria mais acima?

Sem dúvida. E não são muitos os países que têm ensino público gratuito de qualidade. A possibilidade de ter um ambiente diverso, uma capacidade de realmente buscar atender mais a população.

O Brasil tem melhorado sua posição em rankings globais que classificam universidades, mas isso não necessariamente traduz a qualidade dessas instituições. Essa é a visão de Marcelo Knobel, reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) de 2017 a 2021 e presidente do Insper em 2023. Especialista em ensino superior, hoje ele é professor de Física da Unicamp.

A instituição de Campinas é a 2ª melhor colocada do Brasil no levantamento da revista britânica Times Higher Education, o mesmo que colocou a Universidade de São Paulo (USP) de volta ao top 200 do mundo e na liderança da América Latina.

Knobel explica que o caminho para subir nos rankings de educação global inclui maior investimento em pesquisa, o principal foco dessas avaliações. Para ele, outros aspectos deveriam ser avaliados, como a extensão universitária e interação com a comunidade, o que colocaria o Brasil em melhor condição.

“Não tem regra mágica. É simplesmente investimento”, diz o ex-reitor da Unicamp e ex-presidente do Insper sobre melhoria do nível de pesquisa nas universidades brasileiras.

Entre os problemas que ele enxerga nos rankings, estão o uso de métodos limitados e nem sempre transparentes; ênfase excessiva em métricas de pesquisa e disciplinas em áreas como Tecnologia, Engenharia e Matemática; viés em favor de países, instituições e periódicos anglófonos; incentivo à competição em detrimento da cooperação; e pressão para melhorias constantes anualmente.

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo é um dos símbolos da USP na Cidade Universitária. Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

“Os rankings podem ser usados como feedback para entender como as universidades se posicionam junto a stakeholders mundiais, mas a posição deve ser consequência do trabalho da universidade no dia a dia, não uma busca em si. Porque há receitas que podem ser seguidas para levar a esse resultado. As universidades devem, em primeiro lugar, olhar para a sua missão, ver como estão servindo a sua comunidade, a sociedade, os estudantes”, afirma.

Embora o Brasil apareça com frequência no topo da América Latina em levantamentos do tipo - como os da THE e da Quacquarelli Symonds (QS), está distante das grandes potências educacionais (Estados Unidos e Reino Unido). Também fica atrás de outras nações em desenvolvimento, como China e índia.

Como avalia os rankings internacionais de educação e a classificação brasileira?

O ranking é uma metodologia que naturalmente já é conhecida, consolidada. A gente faz rankings para tudo: para filme, livro. Mas, de fato, é difícil traduzir a complexidade de uma universidade em uma nota. Cada universidade tem seu perfil, atende a um público diferente, maneiras de atuar diferentes. O ranking geralmente padroniza as universidades pela alta capacidade de pesquisa, e muitas não têm esse perfil. E todo ano sai que “tal universidade caiu duas casas; a outra subiu tanto”. São normais essas flutuações, porque depende um pouco das publicações dos autores, de vários fatores .

Temos de festejar que várias universidades brasileiras públicas, apesar de todas as dificuldades e cortes, estão na lista. Mostra resiliência das universidades públicas, mas sempre com o pé atrás com relação às metodologias, porque o ranking não traduz tudo o que a universidade pode ser.

Como as universidades brasileiras podem alcançar esse espaço na elite global? É possível estar nesse topo?

Existem várias formas. Muitos países têm tentado fazer isso, realizando, por exemplo, projetos de excelência. De modo geral, o que precisa ser feito é ter mais publicações, que é essencialmente o que rankings avaliam. Para isso, é preciso ter mais dinheiro para pagar boa infraestrutura de pesquisa, equipamentos de última geração e, mais do que tudo isso, mais mão de obra: pós-doutores, pesquisadores, que possam realmente dar o fôlego para que as universidades conquistem isso.

Em um estudo que compara a Unicamp com o Massachusetts Institute of Tecnology, o MIT, mostramos que a Unicamp tem o mesmo número de professores (do MIT), mas, ao mesmo tempo, tem todas as áreas abrangentes. Já o MIT só tem engenharia. Temos a mesma quantidade de contribuição e colaboração com a indústria que o próprio MIT, mas qual a diferença em termos de quantidade de publicações? Dinheiro, recursos para pagar pós-doutorados, doutores e pesquisadores. Temos a base e a infraestrutura bem montadas, mas tem que manter isso, pagar bons salários para evitar fuga de cérebros, ter mais recursos para pagar pesquisadores, pós-doutores e, naturalmente, melhores bolsas para alunos de mestrado, doutorado, que são a força de trabalho que, de fato, faz a diferença. Não tem regra mágica. É simplesmente investimento.

A diferença de recursos fica clara no que se refere a universidades americanas ou inglesas. Mas outros países em desenvolvimento, como Índia e China, têm mais universidades entre as melhores. Qual nossa diferença para eles?

Lá também tem muito recurso. A China tinha como meta colocar várias das suas universidades no top 100 e o que fizeram foi injetar recurso nesse sistema. Se de fato quer posição melhor em rankings, tem de investir em pesquisa, recursos humanos, equipamento, capacitação para realmente avançar.

Além da pesquisa, quais outros aspectos deveriam ser levados em conta em rankings?

Por exemplo: como as universidades atuam e investem no seu entorno. No Brasil, muitas universidades têm hospitais e centros culturais que são, váerias vezes, os únicos em sua cidade ou região. Outro caso curioso: os rankings pontuam melhor quando há uma relação entre estudantes e professores pequena, ou seja, classes pequenas. Mas será que é esse mesmo o caso no Brasil? Será que nas universidades públicas não deveríamos privilegiar aquelas que atendem uma população maior? Devemos pensar como é o impacto das universidades em seu entorno, quanto de fato ela modifica uma realidade social. Contar o número de publicações, na minha opinião, não é suficiente.

Há, então, um papel social que as universidades de elite brasileiras, que são as públicas, exercem. Papel esse que não é cobrado das universidades de elite americanas?

Exatamente. Esse é um dos pontos. E não são só as públicas, as comunitárias mesmo, como as PUCs ou outras universidades que nós temos no Brasil, que realizam esse papel de maneira importante em vários aspectos da vida da sociedade.

E por que, aqui no Brasil, as nossas melhores universidades em pesquisa são as públicas, sendo que o que falta é recurso, que geralmente está justamente na iniciativa privada?

Porque aqui a lógica das privadas é de se sustentar simplesmente com recursos de matrículas, o que é muito difícil. As universidades privadas, em muitos casos, para ter um valor de mensalidade que seja possível de ser pago pelos estudantes e, ao mesmo tempo, que possa manter uma quantidade de estudantes razoável, elas precisam ter uma matrícula que não seja extorsiva, que não seja muito cara e, ao mesmo tempo, manter a excelência de professores. A realidade da grande maioria das universidades privadas é viver de sobrevivência, elas não têm recursos para poder atuar em pesquisa, não sobra dinheiro, elas sobrevivem realmente com muita dificuldade.

Nos Estados Unidos, além de matrículas muito caras, há uma cultura do endowment (doações), que mudam esse cenário de modo efetivo. Na pesquisa que comentei, fizemos uma estimativa, e no MIT, uma das melhores universidades no mundo, o recurso que vem das mensalidades dos estudantes é de apenas 10% do seu orçamento. A maior parte do orçamento vem de projetos com governo e empresas privadas. Mesmo uma universidade privada nos Estados Unidos com muita pesquisa depende fortemente do Estado, do governo, para grandes projetos. Nossa conclusão é que precisamos que o governo invista em universidades, públicas e privadas, para fomentar uma pesquisa de ponta.

Boa parte das nossas instituições de ensino superior privadas é voltada para um público de menor renda e cobram valores mais acessíveis. Mas há também algumas faculdades particulares com mensalidades bem altas e mais recursos, mas fora dos rankings. Por quê?

Sim, mas elas são mais exclusivas e têm infraestrutura que demanda custo (mais alto). Muitas delas já têm pesquisa bastante avançada, como FGV, Insper, que já têm níveis de pesquisa comparáveis às melhores universidades públicas do País. Mas, de fato, são universidades de elite. Não atendem à população de maneira geral. No cenário de quase 10 milhões de estudantes do País, é um número muito pequeno que vai para esse tipo de universidade.

Essas universidades ainda não têm uma estruturação e infraestrutura de laboratórios de pesquisa necessários para competir em nível internacional em diversas áreas . Para isso, precisa ter um passo a mais, ter projetos especialmente com o governo. O papel do Estado ainda é fundamental para fomentar pesquisa no Brasil. Por mais que se tenha o CNPq e a Fapesp no Estado de São Paulo, ainda não é suficiente para chegar nesses níveis de outros países em desenvolvimento.

E como algumas universidades conseguem se destacar e fazer diferente de outras particulares de elite, que cobram mensalidades até mais caras?

É uma questão da cultura da pesquisa. Na PUC, a pesquisa sempre foi muito valorizada para contratar novos professores, criar grupos de pesquisa. Os professores têm tempo e espaço para se dedicar à pesquisa. São professores contratados em 40 horas, mas que têm horas para dedicar à pesquisa, o que não é sempre realidade na maioria das universidades privadas brasileiras.

Qual critério avaliado nas universidades que o Brasil se destaca mundialmente?

A extensão universitária brasileira é modelo mundial. Há aí a possibilidade de atuar nas regiões em que as universidades atuam, com as comunidades, projetos culturais, artísticos.

Se a extensão universitária fosse levada mais em conta nos rankings, o Brasil estaria mais acima?

Sem dúvida. E não são muitos os países que têm ensino público gratuito de qualidade. A possibilidade de ter um ambiente diverso, uma capacidade de realmente buscar atender mais a população.

O Brasil tem melhorado sua posição em rankings globais que classificam universidades, mas isso não necessariamente traduz a qualidade dessas instituições. Essa é a visão de Marcelo Knobel, reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) de 2017 a 2021 e presidente do Insper em 2023. Especialista em ensino superior, hoje ele é professor de Física da Unicamp.

A instituição de Campinas é a 2ª melhor colocada do Brasil no levantamento da revista britânica Times Higher Education, o mesmo que colocou a Universidade de São Paulo (USP) de volta ao top 200 do mundo e na liderança da América Latina.

Knobel explica que o caminho para subir nos rankings de educação global inclui maior investimento em pesquisa, o principal foco dessas avaliações. Para ele, outros aspectos deveriam ser avaliados, como a extensão universitária e interação com a comunidade, o que colocaria o Brasil em melhor condição.

“Não tem regra mágica. É simplesmente investimento”, diz o ex-reitor da Unicamp e ex-presidente do Insper sobre melhoria do nível de pesquisa nas universidades brasileiras.

Entre os problemas que ele enxerga nos rankings, estão o uso de métodos limitados e nem sempre transparentes; ênfase excessiva em métricas de pesquisa e disciplinas em áreas como Tecnologia, Engenharia e Matemática; viés em favor de países, instituições e periódicos anglófonos; incentivo à competição em detrimento da cooperação; e pressão para melhorias constantes anualmente.

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo é um dos símbolos da USP na Cidade Universitária. Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

“Os rankings podem ser usados como feedback para entender como as universidades se posicionam junto a stakeholders mundiais, mas a posição deve ser consequência do trabalho da universidade no dia a dia, não uma busca em si. Porque há receitas que podem ser seguidas para levar a esse resultado. As universidades devem, em primeiro lugar, olhar para a sua missão, ver como estão servindo a sua comunidade, a sociedade, os estudantes”, afirma.

Embora o Brasil apareça com frequência no topo da América Latina em levantamentos do tipo - como os da THE e da Quacquarelli Symonds (QS), está distante das grandes potências educacionais (Estados Unidos e Reino Unido). Também fica atrás de outras nações em desenvolvimento, como China e índia.

Como avalia os rankings internacionais de educação e a classificação brasileira?

O ranking é uma metodologia que naturalmente já é conhecida, consolidada. A gente faz rankings para tudo: para filme, livro. Mas, de fato, é difícil traduzir a complexidade de uma universidade em uma nota. Cada universidade tem seu perfil, atende a um público diferente, maneiras de atuar diferentes. O ranking geralmente padroniza as universidades pela alta capacidade de pesquisa, e muitas não têm esse perfil. E todo ano sai que “tal universidade caiu duas casas; a outra subiu tanto”. São normais essas flutuações, porque depende um pouco das publicações dos autores, de vários fatores .

Temos de festejar que várias universidades brasileiras públicas, apesar de todas as dificuldades e cortes, estão na lista. Mostra resiliência das universidades públicas, mas sempre com o pé atrás com relação às metodologias, porque o ranking não traduz tudo o que a universidade pode ser.

Como as universidades brasileiras podem alcançar esse espaço na elite global? É possível estar nesse topo?

Existem várias formas. Muitos países têm tentado fazer isso, realizando, por exemplo, projetos de excelência. De modo geral, o que precisa ser feito é ter mais publicações, que é essencialmente o que rankings avaliam. Para isso, é preciso ter mais dinheiro para pagar boa infraestrutura de pesquisa, equipamentos de última geração e, mais do que tudo isso, mais mão de obra: pós-doutores, pesquisadores, que possam realmente dar o fôlego para que as universidades conquistem isso.

Em um estudo que compara a Unicamp com o Massachusetts Institute of Tecnology, o MIT, mostramos que a Unicamp tem o mesmo número de professores (do MIT), mas, ao mesmo tempo, tem todas as áreas abrangentes. Já o MIT só tem engenharia. Temos a mesma quantidade de contribuição e colaboração com a indústria que o próprio MIT, mas qual a diferença em termos de quantidade de publicações? Dinheiro, recursos para pagar pós-doutorados, doutores e pesquisadores. Temos a base e a infraestrutura bem montadas, mas tem que manter isso, pagar bons salários para evitar fuga de cérebros, ter mais recursos para pagar pesquisadores, pós-doutores e, naturalmente, melhores bolsas para alunos de mestrado, doutorado, que são a força de trabalho que, de fato, faz a diferença. Não tem regra mágica. É simplesmente investimento.

A diferença de recursos fica clara no que se refere a universidades americanas ou inglesas. Mas outros países em desenvolvimento, como Índia e China, têm mais universidades entre as melhores. Qual nossa diferença para eles?

Lá também tem muito recurso. A China tinha como meta colocar várias das suas universidades no top 100 e o que fizeram foi injetar recurso nesse sistema. Se de fato quer posição melhor em rankings, tem de investir em pesquisa, recursos humanos, equipamento, capacitação para realmente avançar.

Além da pesquisa, quais outros aspectos deveriam ser levados em conta em rankings?

Por exemplo: como as universidades atuam e investem no seu entorno. No Brasil, muitas universidades têm hospitais e centros culturais que são, váerias vezes, os únicos em sua cidade ou região. Outro caso curioso: os rankings pontuam melhor quando há uma relação entre estudantes e professores pequena, ou seja, classes pequenas. Mas será que é esse mesmo o caso no Brasil? Será que nas universidades públicas não deveríamos privilegiar aquelas que atendem uma população maior? Devemos pensar como é o impacto das universidades em seu entorno, quanto de fato ela modifica uma realidade social. Contar o número de publicações, na minha opinião, não é suficiente.

Há, então, um papel social que as universidades de elite brasileiras, que são as públicas, exercem. Papel esse que não é cobrado das universidades de elite americanas?

Exatamente. Esse é um dos pontos. E não são só as públicas, as comunitárias mesmo, como as PUCs ou outras universidades que nós temos no Brasil, que realizam esse papel de maneira importante em vários aspectos da vida da sociedade.

E por que, aqui no Brasil, as nossas melhores universidades em pesquisa são as públicas, sendo que o que falta é recurso, que geralmente está justamente na iniciativa privada?

Porque aqui a lógica das privadas é de se sustentar simplesmente com recursos de matrículas, o que é muito difícil. As universidades privadas, em muitos casos, para ter um valor de mensalidade que seja possível de ser pago pelos estudantes e, ao mesmo tempo, que possa manter uma quantidade de estudantes razoável, elas precisam ter uma matrícula que não seja extorsiva, que não seja muito cara e, ao mesmo tempo, manter a excelência de professores. A realidade da grande maioria das universidades privadas é viver de sobrevivência, elas não têm recursos para poder atuar em pesquisa, não sobra dinheiro, elas sobrevivem realmente com muita dificuldade.

Nos Estados Unidos, além de matrículas muito caras, há uma cultura do endowment (doações), que mudam esse cenário de modo efetivo. Na pesquisa que comentei, fizemos uma estimativa, e no MIT, uma das melhores universidades no mundo, o recurso que vem das mensalidades dos estudantes é de apenas 10% do seu orçamento. A maior parte do orçamento vem de projetos com governo e empresas privadas. Mesmo uma universidade privada nos Estados Unidos com muita pesquisa depende fortemente do Estado, do governo, para grandes projetos. Nossa conclusão é que precisamos que o governo invista em universidades, públicas e privadas, para fomentar uma pesquisa de ponta.

Boa parte das nossas instituições de ensino superior privadas é voltada para um público de menor renda e cobram valores mais acessíveis. Mas há também algumas faculdades particulares com mensalidades bem altas e mais recursos, mas fora dos rankings. Por quê?

Sim, mas elas são mais exclusivas e têm infraestrutura que demanda custo (mais alto). Muitas delas já têm pesquisa bastante avançada, como FGV, Insper, que já têm níveis de pesquisa comparáveis às melhores universidades públicas do País. Mas, de fato, são universidades de elite. Não atendem à população de maneira geral. No cenário de quase 10 milhões de estudantes do País, é um número muito pequeno que vai para esse tipo de universidade.

Essas universidades ainda não têm uma estruturação e infraestrutura de laboratórios de pesquisa necessários para competir em nível internacional em diversas áreas . Para isso, precisa ter um passo a mais, ter projetos especialmente com o governo. O papel do Estado ainda é fundamental para fomentar pesquisa no Brasil. Por mais que se tenha o CNPq e a Fapesp no Estado de São Paulo, ainda não é suficiente para chegar nesses níveis de outros países em desenvolvimento.

E como algumas universidades conseguem se destacar e fazer diferente de outras particulares de elite, que cobram mensalidades até mais caras?

É uma questão da cultura da pesquisa. Na PUC, a pesquisa sempre foi muito valorizada para contratar novos professores, criar grupos de pesquisa. Os professores têm tempo e espaço para se dedicar à pesquisa. São professores contratados em 40 horas, mas que têm horas para dedicar à pesquisa, o que não é sempre realidade na maioria das universidades privadas brasileiras.

Qual critério avaliado nas universidades que o Brasil se destaca mundialmente?

A extensão universitária brasileira é modelo mundial. Há aí a possibilidade de atuar nas regiões em que as universidades atuam, com as comunidades, projetos culturais, artísticos.

Se a extensão universitária fosse levada mais em conta nos rankings, o Brasil estaria mais acima?

Sem dúvida. E não são muitos os países que têm ensino público gratuito de qualidade. A possibilidade de ter um ambiente diverso, uma capacidade de realmente buscar atender mais a população.

Entrevista por Isabela Moya

Repórter de Educação no Estadão, já escreveu também sobre Saúde na Agência Estado. Formada em Jornalismo pela UFSC, pós-graduanda em Política e Relações Internacionais pela FESP-SP e especializada em Jornalismo Econômico pela FGV.

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