Ataque em escola de SP: ‘Vai acontecer de novo, só não se sabe onde’, diz especialista


Telma Vinha, da Unicamp, defende uma política nacional que prepare professores para lidar com conflitos e com a radicalização da juventude

Por Renata Cafardo
Atualização:
Foto: Antoninho Perri/Unicamp
Entrevista comTelma VinhaEspecialista em convivência escolar e formação ética

A especialista em convivência escolar e formação ética, Telma Vinha, que pesquisa violência nas escolas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), diz que não há política pública no Brasil para prevenir novos ataques. “Vai acontecer de novo, só não se sabe onde”, alerta.

Casos como o da Escola Estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, zona oeste de São Paulo, onde um adolescente de 13 anos matou uma professora a facadas, começaram a aparecer no Brasil nos anos 2000 e se intensificaram recentemente. Segundo ela, nem os professores nem as polícias sabem lidar com problemas de violência que combinam conflitos na escola e articulação nas redes sociais. “Se os primeiros conflitos fossem resolvidos do jeito certo e não ignorados ou só punidos pela escola, isso poderia ser diferente”

Para ela, além de uma política nacional de mediação de conflitos, com formação de professores para atuar com conversas, redes de ajuda de colegas da mesma idade e intervenções individuais, é preciso lidar com a “radicalização da juventude”. “A raiva do menino é exacerbada e funciona muito como câmara de eco em plataformas da internet. Se antes tinha que entrar em deep web para ter acesso, hoje é muito mais fácil, está no Twitter, WhatsApp, Tik Tok, Discord”, diz ela, que explica que os adolescentes são estimulados a cultivar o ódio e ensinados sobre agir para praticar ataques.

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“Não adianta só dizer que o pai tem de acompanhar a internet. Imagina que pai de escola pública sabe o que é Discord?”, aponta a pesquisadora. “É até ingenuidade propor esse tipo de coisa diante da complexidade do que tá acontecendo.” Leia os principais trechos da entrevista:

Como analisa a alta no número de ataques a escolas no Brasil?

Acende um alerta muito grande porque a gente sabe que vai acontecer de novo. Só não sabe onde. Antigamente esses casos aconteciam muito mais devido a bullying, sofrimento, agressão. Isso permanece, mas atualmente são muito mais movidos por uma radicalização da juventude. A gente classifica os ataques em dois tipos: o primeiro são os motivados principalmente por vingança, raiva, que é o que aconteceu em São Paulo. Mas todos têm planejamento. Não é que acontece uma briga e tiro um estilete, entende? É algo que a pessoa volta para mostrar o que é capaz, para se vingar. Existe premeditação, planejamento, que geralmente é aprendido na internet. Como faz um coquetel molotov, por exemplo. O outro tipo de ataque tem também sofrimento na escola, por isso que ele volta para escola, não para qualquer outro lugar, mas é cometido por adolescentes usuários de uma cultura extremista. Tem o objetivo de fazer o maior número de vítimas.

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E isso é estimulado em plataformas da internet?

Eles fazem parte de uma articulação de uma espécie de comunidade mórbida. Se antes esses meninos tinham de entrar em deep web para ter acesso, hoje é muito mais fácil. Isso está no Twitter, WhatsApp, Tik Tok, Discord. Eles são cooptados em jogos, por exemplo, e vão para várias plataformas que ensinam ataque, que radicalizam uma tendência que o jovem já tem. Por exemplo: Eu estou com raiva e aí quando vou conversar lá, ninguém diz ‘não é assim, nada a ver, vamos conversar’. O que fazem mesmo é atacar fortemente e dizer: ‘você tem razão, vai lá, mete a mão’.

Isso acontece em jogos online, como Minecraft, Roblox?

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Sim. Quando entram no jogo online, por exemplo, não é nada difícil. Tem os games e a conversa dos chats. E lá ele fala, a pessoa ganha o cara com a raiva, ele xinga mulher, xinga negro e outro fala ‘é isso mesmo’. A raiva do menino é exacerbada e funciona muito como câmara de eco. Eles também entram em comunidade chamadas TCC, que significa true crime community (comunidade de crime real). São comunidades de subcultura online, que têm células fascistas. Isso tudo é muito mais complexo porque envolve a desradicalização da juventude. Não é simples de resolver. Não adianta dizer que o pai tem de acompanhar a internet. Imagina que pai de escola pública sabe o que é Discord? É até ingenuidade propor esse tipo de coisa diante da complexidade do que está acontecendo.

Pesquisadora da Unicamp especialista em violência nas escolas, Telma Vinhas Foto: Antoninho Perri/Unicamp

O que é possível a sociedade fazer?

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Uma das coisas que você vê claramente é o problema de flexibilização das armas, que favorece muito a letalidade do ataque. Em muitos dos casos que ocorreram no Brasil, usaram armas de parentes. Tem de haver mudança no sentido de não só a diminuição das armas, dos calibres, como responsabilizar o dono da arma. Outra coisa são as plataformas da internet. Você fica chocado se entra em plataformas, como o Twitter. Os meninos colocam claramente o que vão fazer. As pessoas vão sendo cooptadas. Se você denuncia para a plataforma, ela não sabe o que fazer. Elas (as plataformas digitais) têm de ser responsabilizadas.

Muitos anunciam os ataques na internet, como no caso do agressor da Thomazia Montoro.

Exatamente. E quando esses meninos anunciam antes, geralmente é sério. Não pode ignorar achando que é brincadeira. Mas voltando às recomendações, é preciso fechar essas academias e institutos mirins militares, que oferecem aula de curso de tiro. Além disso, é preciso fortalecer e ampliar serviços de saúde mental, muitas vezes esse agressores são diagnosticados. E também é importante a mídia não divulgar informações sobre o assassino, porque as comunidades mórbidas, cada vez que ocorre isso, comemoram, valorizam. Estudos internacionais mostram que a cada novo ataque acontecem mais três.

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E nas escolas, que trabalho precisa ser feito de prevenção?

A gente sabe que aumentar a vigilância e segurança na escola não funciona. Para se ter ideia, em Barreiras, na Bahia, aconteceu em uma escola cívico militar. A segurança e proteção da escola têm de existir em regiões vulneráveis, mas ela tem de ser aberta à comunidade, é parte do território. As escolas precisam melhorar a qualidade da convivência porque, em todos os casos, têm sofrimento na escola, todos. A gente defende fortemente políticas públicas na área da convivência escolar, da convivência democrática, que ajudem os professores a sentirem capazes de lidar com conflito. Os meninos estão brigando e o que a escola faz? Ela separa, dá dura, porque não sabe o que fazer. O Brasil não tem essas políticas, o que a gente tem é militarização das escolas. E além disso, que se forme um clima escolar melhor e que eles se sintam pertencentes. Porque o que a radicalização faz é ouvir os meninos. Precisa de preparo, formação para que os professores estudem com eles o que é radicalização, o que é extremismo, como podem ser cooptados, as falácias que têm nesses grupos. Não há saída simples, mas existe um conjunto de ações possíveis de serem feitas que são preventivas. Não podemos admitir, a escola tem de ser lugar de proteção.

Como os professores devem agir?

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Os professores são admiráveis, mas não adianta se não tiver uma política, planejamento, intencionalidade de transformação. A convivência tem de ser planejada, ter o objetivo de redução do bullying, diagnóstico, atividades com propósito. Se tem aquele aluno tal, cria-se um planejamento individual. Se os primeiros conflitos fossem resolvidos do jeito certo e não ignorados pela escola ou punidos, isso poderia ser diferente. O que acontece com os adolescentes é que, conforme crescem, eles contam cada vez menos para os adultos o seus problemas, porque, para eles, contar para os adultos piora a situação. Acabam resolvendo com as competências que eles, na verdade, não têm. É preciso fazer mediação de conflito, assembleias do grupo para falar sobre os problemas, equipes de ajuda preparadas para ver quando alguém está com dificuldades, intervindo entre os pares, colegas da mesma idade que estão junto, no recreio, evitando provocações.

Nas suas pesquisas, há um perfil de escola em que ocorrem os ataques?

Não. A gente vê que isso poderia acontecer em qualquer escola. Mas vê também que tinha o bullying, que os meninos não se sentiam pertencentes, que havia punições humilhantes. A melhoria da qualidade das relações de convivência na escola justamente para criar um vínculo com esses meninos é importante. Um trabalho em que os conflitos sejam oportunidade de aprendizagem da convivência numa sociedade democrática.

Do ponto de vista da segurança, o que é indicado?

Aumentar a inteligência da polícia, monitoramento de redes. Por exemplo, se tem alguém suspeito, precisa de um canal para denunciar. Hoje você denuncia à polícia do bairro e eles não têm a menor ideia de como fazer, como investigar esse tipo de coisa na internet. .

A radicalização no Brasil nos últimos anos contribuiu também para o alta de casos?

A gente tem um ambiente que incentiva violência. Pessoas fazem discurso de ódio e depois dizem que não têm nada a ver com isso. Tem todo um ambiente que autoriza a violência. E esses meninos, quando agem, sentem fazer parte de algo maior. Eles têm uma causa, uma ideia de que ‘a vida me deve’, justificando que não têm êxito porque ‘os pretos pegaram as minhas vagas, porque as mulheres são isso ou aquilo’. Lidar com isso só com senso comum é ingenuidade. É papel do MEC (Ministério da Educação) capitanear uma proposta, tocando a escola e, ao mesmo tempo, a segurança pública.

A especialista em convivência escolar e formação ética, Telma Vinha, que pesquisa violência nas escolas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), diz que não há política pública no Brasil para prevenir novos ataques. “Vai acontecer de novo, só não se sabe onde”, alerta.

Casos como o da Escola Estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, zona oeste de São Paulo, onde um adolescente de 13 anos matou uma professora a facadas, começaram a aparecer no Brasil nos anos 2000 e se intensificaram recentemente. Segundo ela, nem os professores nem as polícias sabem lidar com problemas de violência que combinam conflitos na escola e articulação nas redes sociais. “Se os primeiros conflitos fossem resolvidos do jeito certo e não ignorados ou só punidos pela escola, isso poderia ser diferente”

Para ela, além de uma política nacional de mediação de conflitos, com formação de professores para atuar com conversas, redes de ajuda de colegas da mesma idade e intervenções individuais, é preciso lidar com a “radicalização da juventude”. “A raiva do menino é exacerbada e funciona muito como câmara de eco em plataformas da internet. Se antes tinha que entrar em deep web para ter acesso, hoje é muito mais fácil, está no Twitter, WhatsApp, Tik Tok, Discord”, diz ela, que explica que os adolescentes são estimulados a cultivar o ódio e ensinados sobre agir para praticar ataques.

“Não adianta só dizer que o pai tem de acompanhar a internet. Imagina que pai de escola pública sabe o que é Discord?”, aponta a pesquisadora. “É até ingenuidade propor esse tipo de coisa diante da complexidade do que tá acontecendo.” Leia os principais trechos da entrevista:

Como analisa a alta no número de ataques a escolas no Brasil?

Acende um alerta muito grande porque a gente sabe que vai acontecer de novo. Só não sabe onde. Antigamente esses casos aconteciam muito mais devido a bullying, sofrimento, agressão. Isso permanece, mas atualmente são muito mais movidos por uma radicalização da juventude. A gente classifica os ataques em dois tipos: o primeiro são os motivados principalmente por vingança, raiva, que é o que aconteceu em São Paulo. Mas todos têm planejamento. Não é que acontece uma briga e tiro um estilete, entende? É algo que a pessoa volta para mostrar o que é capaz, para se vingar. Existe premeditação, planejamento, que geralmente é aprendido na internet. Como faz um coquetel molotov, por exemplo. O outro tipo de ataque tem também sofrimento na escola, por isso que ele volta para escola, não para qualquer outro lugar, mas é cometido por adolescentes usuários de uma cultura extremista. Tem o objetivo de fazer o maior número de vítimas.

E isso é estimulado em plataformas da internet?

Eles fazem parte de uma articulação de uma espécie de comunidade mórbida. Se antes esses meninos tinham de entrar em deep web para ter acesso, hoje é muito mais fácil. Isso está no Twitter, WhatsApp, Tik Tok, Discord. Eles são cooptados em jogos, por exemplo, e vão para várias plataformas que ensinam ataque, que radicalizam uma tendência que o jovem já tem. Por exemplo: Eu estou com raiva e aí quando vou conversar lá, ninguém diz ‘não é assim, nada a ver, vamos conversar’. O que fazem mesmo é atacar fortemente e dizer: ‘você tem razão, vai lá, mete a mão’.

Isso acontece em jogos online, como Minecraft, Roblox?

Sim. Quando entram no jogo online, por exemplo, não é nada difícil. Tem os games e a conversa dos chats. E lá ele fala, a pessoa ganha o cara com a raiva, ele xinga mulher, xinga negro e outro fala ‘é isso mesmo’. A raiva do menino é exacerbada e funciona muito como câmara de eco. Eles também entram em comunidade chamadas TCC, que significa true crime community (comunidade de crime real). São comunidades de subcultura online, que têm células fascistas. Isso tudo é muito mais complexo porque envolve a desradicalização da juventude. Não é simples de resolver. Não adianta dizer que o pai tem de acompanhar a internet. Imagina que pai de escola pública sabe o que é Discord? É até ingenuidade propor esse tipo de coisa diante da complexidade do que está acontecendo.

Pesquisadora da Unicamp especialista em violência nas escolas, Telma Vinhas Foto: Antoninho Perri/Unicamp

O que é possível a sociedade fazer?

Uma das coisas que você vê claramente é o problema de flexibilização das armas, que favorece muito a letalidade do ataque. Em muitos dos casos que ocorreram no Brasil, usaram armas de parentes. Tem de haver mudança no sentido de não só a diminuição das armas, dos calibres, como responsabilizar o dono da arma. Outra coisa são as plataformas da internet. Você fica chocado se entra em plataformas, como o Twitter. Os meninos colocam claramente o que vão fazer. As pessoas vão sendo cooptadas. Se você denuncia para a plataforma, ela não sabe o que fazer. Elas (as plataformas digitais) têm de ser responsabilizadas.

Muitos anunciam os ataques na internet, como no caso do agressor da Thomazia Montoro.

Exatamente. E quando esses meninos anunciam antes, geralmente é sério. Não pode ignorar achando que é brincadeira. Mas voltando às recomendações, é preciso fechar essas academias e institutos mirins militares, que oferecem aula de curso de tiro. Além disso, é preciso fortalecer e ampliar serviços de saúde mental, muitas vezes esse agressores são diagnosticados. E também é importante a mídia não divulgar informações sobre o assassino, porque as comunidades mórbidas, cada vez que ocorre isso, comemoram, valorizam. Estudos internacionais mostram que a cada novo ataque acontecem mais três.

E nas escolas, que trabalho precisa ser feito de prevenção?

A gente sabe que aumentar a vigilância e segurança na escola não funciona. Para se ter ideia, em Barreiras, na Bahia, aconteceu em uma escola cívico militar. A segurança e proteção da escola têm de existir em regiões vulneráveis, mas ela tem de ser aberta à comunidade, é parte do território. As escolas precisam melhorar a qualidade da convivência porque, em todos os casos, têm sofrimento na escola, todos. A gente defende fortemente políticas públicas na área da convivência escolar, da convivência democrática, que ajudem os professores a sentirem capazes de lidar com conflito. Os meninos estão brigando e o que a escola faz? Ela separa, dá dura, porque não sabe o que fazer. O Brasil não tem essas políticas, o que a gente tem é militarização das escolas. E além disso, que se forme um clima escolar melhor e que eles se sintam pertencentes. Porque o que a radicalização faz é ouvir os meninos. Precisa de preparo, formação para que os professores estudem com eles o que é radicalização, o que é extremismo, como podem ser cooptados, as falácias que têm nesses grupos. Não há saída simples, mas existe um conjunto de ações possíveis de serem feitas que são preventivas. Não podemos admitir, a escola tem de ser lugar de proteção.

Como os professores devem agir?

Os professores são admiráveis, mas não adianta se não tiver uma política, planejamento, intencionalidade de transformação. A convivência tem de ser planejada, ter o objetivo de redução do bullying, diagnóstico, atividades com propósito. Se tem aquele aluno tal, cria-se um planejamento individual. Se os primeiros conflitos fossem resolvidos do jeito certo e não ignorados pela escola ou punidos, isso poderia ser diferente. O que acontece com os adolescentes é que, conforme crescem, eles contam cada vez menos para os adultos o seus problemas, porque, para eles, contar para os adultos piora a situação. Acabam resolvendo com as competências que eles, na verdade, não têm. É preciso fazer mediação de conflito, assembleias do grupo para falar sobre os problemas, equipes de ajuda preparadas para ver quando alguém está com dificuldades, intervindo entre os pares, colegas da mesma idade que estão junto, no recreio, evitando provocações.

Nas suas pesquisas, há um perfil de escola em que ocorrem os ataques?

Não. A gente vê que isso poderia acontecer em qualquer escola. Mas vê também que tinha o bullying, que os meninos não se sentiam pertencentes, que havia punições humilhantes. A melhoria da qualidade das relações de convivência na escola justamente para criar um vínculo com esses meninos é importante. Um trabalho em que os conflitos sejam oportunidade de aprendizagem da convivência numa sociedade democrática.

Do ponto de vista da segurança, o que é indicado?

Aumentar a inteligência da polícia, monitoramento de redes. Por exemplo, se tem alguém suspeito, precisa de um canal para denunciar. Hoje você denuncia à polícia do bairro e eles não têm a menor ideia de como fazer, como investigar esse tipo de coisa na internet. .

A radicalização no Brasil nos últimos anos contribuiu também para o alta de casos?

A gente tem um ambiente que incentiva violência. Pessoas fazem discurso de ódio e depois dizem que não têm nada a ver com isso. Tem todo um ambiente que autoriza a violência. E esses meninos, quando agem, sentem fazer parte de algo maior. Eles têm uma causa, uma ideia de que ‘a vida me deve’, justificando que não têm êxito porque ‘os pretos pegaram as minhas vagas, porque as mulheres são isso ou aquilo’. Lidar com isso só com senso comum é ingenuidade. É papel do MEC (Ministério da Educação) capitanear uma proposta, tocando a escola e, ao mesmo tempo, a segurança pública.

A especialista em convivência escolar e formação ética, Telma Vinha, que pesquisa violência nas escolas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), diz que não há política pública no Brasil para prevenir novos ataques. “Vai acontecer de novo, só não se sabe onde”, alerta.

Casos como o da Escola Estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, zona oeste de São Paulo, onde um adolescente de 13 anos matou uma professora a facadas, começaram a aparecer no Brasil nos anos 2000 e se intensificaram recentemente. Segundo ela, nem os professores nem as polícias sabem lidar com problemas de violência que combinam conflitos na escola e articulação nas redes sociais. “Se os primeiros conflitos fossem resolvidos do jeito certo e não ignorados ou só punidos pela escola, isso poderia ser diferente”

Para ela, além de uma política nacional de mediação de conflitos, com formação de professores para atuar com conversas, redes de ajuda de colegas da mesma idade e intervenções individuais, é preciso lidar com a “radicalização da juventude”. “A raiva do menino é exacerbada e funciona muito como câmara de eco em plataformas da internet. Se antes tinha que entrar em deep web para ter acesso, hoje é muito mais fácil, está no Twitter, WhatsApp, Tik Tok, Discord”, diz ela, que explica que os adolescentes são estimulados a cultivar o ódio e ensinados sobre agir para praticar ataques.

“Não adianta só dizer que o pai tem de acompanhar a internet. Imagina que pai de escola pública sabe o que é Discord?”, aponta a pesquisadora. “É até ingenuidade propor esse tipo de coisa diante da complexidade do que tá acontecendo.” Leia os principais trechos da entrevista:

Como analisa a alta no número de ataques a escolas no Brasil?

Acende um alerta muito grande porque a gente sabe que vai acontecer de novo. Só não sabe onde. Antigamente esses casos aconteciam muito mais devido a bullying, sofrimento, agressão. Isso permanece, mas atualmente são muito mais movidos por uma radicalização da juventude. A gente classifica os ataques em dois tipos: o primeiro são os motivados principalmente por vingança, raiva, que é o que aconteceu em São Paulo. Mas todos têm planejamento. Não é que acontece uma briga e tiro um estilete, entende? É algo que a pessoa volta para mostrar o que é capaz, para se vingar. Existe premeditação, planejamento, que geralmente é aprendido na internet. Como faz um coquetel molotov, por exemplo. O outro tipo de ataque tem também sofrimento na escola, por isso que ele volta para escola, não para qualquer outro lugar, mas é cometido por adolescentes usuários de uma cultura extremista. Tem o objetivo de fazer o maior número de vítimas.

E isso é estimulado em plataformas da internet?

Eles fazem parte de uma articulação de uma espécie de comunidade mórbida. Se antes esses meninos tinham de entrar em deep web para ter acesso, hoje é muito mais fácil. Isso está no Twitter, WhatsApp, Tik Tok, Discord. Eles são cooptados em jogos, por exemplo, e vão para várias plataformas que ensinam ataque, que radicalizam uma tendência que o jovem já tem. Por exemplo: Eu estou com raiva e aí quando vou conversar lá, ninguém diz ‘não é assim, nada a ver, vamos conversar’. O que fazem mesmo é atacar fortemente e dizer: ‘você tem razão, vai lá, mete a mão’.

Isso acontece em jogos online, como Minecraft, Roblox?

Sim. Quando entram no jogo online, por exemplo, não é nada difícil. Tem os games e a conversa dos chats. E lá ele fala, a pessoa ganha o cara com a raiva, ele xinga mulher, xinga negro e outro fala ‘é isso mesmo’. A raiva do menino é exacerbada e funciona muito como câmara de eco. Eles também entram em comunidade chamadas TCC, que significa true crime community (comunidade de crime real). São comunidades de subcultura online, que têm células fascistas. Isso tudo é muito mais complexo porque envolve a desradicalização da juventude. Não é simples de resolver. Não adianta dizer que o pai tem de acompanhar a internet. Imagina que pai de escola pública sabe o que é Discord? É até ingenuidade propor esse tipo de coisa diante da complexidade do que está acontecendo.

Pesquisadora da Unicamp especialista em violência nas escolas, Telma Vinhas Foto: Antoninho Perri/Unicamp

O que é possível a sociedade fazer?

Uma das coisas que você vê claramente é o problema de flexibilização das armas, que favorece muito a letalidade do ataque. Em muitos dos casos que ocorreram no Brasil, usaram armas de parentes. Tem de haver mudança no sentido de não só a diminuição das armas, dos calibres, como responsabilizar o dono da arma. Outra coisa são as plataformas da internet. Você fica chocado se entra em plataformas, como o Twitter. Os meninos colocam claramente o que vão fazer. As pessoas vão sendo cooptadas. Se você denuncia para a plataforma, ela não sabe o que fazer. Elas (as plataformas digitais) têm de ser responsabilizadas.

Muitos anunciam os ataques na internet, como no caso do agressor da Thomazia Montoro.

Exatamente. E quando esses meninos anunciam antes, geralmente é sério. Não pode ignorar achando que é brincadeira. Mas voltando às recomendações, é preciso fechar essas academias e institutos mirins militares, que oferecem aula de curso de tiro. Além disso, é preciso fortalecer e ampliar serviços de saúde mental, muitas vezes esse agressores são diagnosticados. E também é importante a mídia não divulgar informações sobre o assassino, porque as comunidades mórbidas, cada vez que ocorre isso, comemoram, valorizam. Estudos internacionais mostram que a cada novo ataque acontecem mais três.

E nas escolas, que trabalho precisa ser feito de prevenção?

A gente sabe que aumentar a vigilância e segurança na escola não funciona. Para se ter ideia, em Barreiras, na Bahia, aconteceu em uma escola cívico militar. A segurança e proteção da escola têm de existir em regiões vulneráveis, mas ela tem de ser aberta à comunidade, é parte do território. As escolas precisam melhorar a qualidade da convivência porque, em todos os casos, têm sofrimento na escola, todos. A gente defende fortemente políticas públicas na área da convivência escolar, da convivência democrática, que ajudem os professores a sentirem capazes de lidar com conflito. Os meninos estão brigando e o que a escola faz? Ela separa, dá dura, porque não sabe o que fazer. O Brasil não tem essas políticas, o que a gente tem é militarização das escolas. E além disso, que se forme um clima escolar melhor e que eles se sintam pertencentes. Porque o que a radicalização faz é ouvir os meninos. Precisa de preparo, formação para que os professores estudem com eles o que é radicalização, o que é extremismo, como podem ser cooptados, as falácias que têm nesses grupos. Não há saída simples, mas existe um conjunto de ações possíveis de serem feitas que são preventivas. Não podemos admitir, a escola tem de ser lugar de proteção.

Como os professores devem agir?

Os professores são admiráveis, mas não adianta se não tiver uma política, planejamento, intencionalidade de transformação. A convivência tem de ser planejada, ter o objetivo de redução do bullying, diagnóstico, atividades com propósito. Se tem aquele aluno tal, cria-se um planejamento individual. Se os primeiros conflitos fossem resolvidos do jeito certo e não ignorados pela escola ou punidos, isso poderia ser diferente. O que acontece com os adolescentes é que, conforme crescem, eles contam cada vez menos para os adultos o seus problemas, porque, para eles, contar para os adultos piora a situação. Acabam resolvendo com as competências que eles, na verdade, não têm. É preciso fazer mediação de conflito, assembleias do grupo para falar sobre os problemas, equipes de ajuda preparadas para ver quando alguém está com dificuldades, intervindo entre os pares, colegas da mesma idade que estão junto, no recreio, evitando provocações.

Nas suas pesquisas, há um perfil de escola em que ocorrem os ataques?

Não. A gente vê que isso poderia acontecer em qualquer escola. Mas vê também que tinha o bullying, que os meninos não se sentiam pertencentes, que havia punições humilhantes. A melhoria da qualidade das relações de convivência na escola justamente para criar um vínculo com esses meninos é importante. Um trabalho em que os conflitos sejam oportunidade de aprendizagem da convivência numa sociedade democrática.

Do ponto de vista da segurança, o que é indicado?

Aumentar a inteligência da polícia, monitoramento de redes. Por exemplo, se tem alguém suspeito, precisa de um canal para denunciar. Hoje você denuncia à polícia do bairro e eles não têm a menor ideia de como fazer, como investigar esse tipo de coisa na internet. .

A radicalização no Brasil nos últimos anos contribuiu também para o alta de casos?

A gente tem um ambiente que incentiva violência. Pessoas fazem discurso de ódio e depois dizem que não têm nada a ver com isso. Tem todo um ambiente que autoriza a violência. E esses meninos, quando agem, sentem fazer parte de algo maior. Eles têm uma causa, uma ideia de que ‘a vida me deve’, justificando que não têm êxito porque ‘os pretos pegaram as minhas vagas, porque as mulheres são isso ou aquilo’. Lidar com isso só com senso comum é ingenuidade. É papel do MEC (Ministério da Educação) capitanear uma proposta, tocando a escola e, ao mesmo tempo, a segurança pública.

Entrevista por Renata Cafardo

Repórter especial do ‘Estadão’ e fundadora da Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca)

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