Violência pode ser 'extraordinariamente' contagiosa, diz cientista que estudou massacres em escolas


Para Sherry Towers, desafio é separar ameaças divulgadas em redes sociais de intenções reais

Por Leon Ferrari
Atualização:

O fenômeno de contágio está presente em todos os tipos de comportamento humano. Pânico, medo e violência podem ser “extraordinariamente” contagiosos. É o que afirma a cientista de dados canadense Sherry Towers. Professora associada ao Institute For Advanced Sustainability Studies, na Alemanha, ela foi uma das primeiras a usar modelo de contágio para analisar a prevalência de massacres e tiroteios em escolas nos Estados Unidos, em uma pesquisa publicada em 2015.

Sherry mostrou que assassinatos em massa envolvendo armas de fogo são incitados por eventos semelhantes no passado imediato. Embora não tenham estudado como se dá o contágio, eles podem estar associados à atenção midiática aos incidentes - a probabilidade cai conforme a cobertura diminui. Ameaças de massacres, como as registradas em colégios brasileiros, também são comuns nos Estados Unidos e no Canadá, diz Sherry. O desafio nesses casos é separar o que são ameaças infundadas de intenções reais.  

Memorial às vítimas do massacre na Robb Elementary School em Uvalde, Texas; ataque deixou 21 mortos Foto: Memorial às vítimas do massacre na Robb Elementary School em Uvalde, Texas. Foto: Tannen Maury/ EFE
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O que é o contágio em massacres e tiroteios em escolas? E o que seu estudo publicado de 2015 descobriu?

Esses massacres acontecem com uma regularidade chocante nos Estados Unidos. Queríamos olhar para isso de uma perspectiva de modelagem de contágio para ver se havia um agrupamento incomum no tempo. Analisamos tiroteios em escolas separadamente e depois massacres. E descobrimos que, de fato, havia evidências de que eles estavam agrupados e cerca de 20% a 30%, em ambos os casos, pareciam ter sido inspirados por um evento relativamente recente no passado. Você não pode apontar para um específico e dizer que sim, a menos que haja um manifesto deixado para trás, você só pode ver em média.

Quando fizemos o estudo, não examinamos como o contágio acontece, mas inferimos - porque não havia aglomeração geográfica, mas estavam se aglomerando no tempo - que a atenção da mídia de massa prestada a esses incidentes foi talvez o que estava dando ideia às pessoas para cometer um ato semelhante.

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Há contágio em todos os tipos de comportamentos humanos, é o que nos torna humanos e impulsiona nossa sociedade. Uma semelhança de pensamento sobre certos tópicos, como a maneira de nos vestirmos, como comemos, qual é o nosso sistema moral, coisas dessa natureza. Somos uma espécie pré-programada para estar atentos ao que os outros ao nosso redor estão fazendo. Infelizmente, isso também se transforma em violência. A violência pode ser extraordinariamente contagiosa.

Você disse que a violência é muito contagiosa. Por quê?

Poderíamos ter muitos pesquisadores gastando suas carreiras inteiras procurando por que certas ações ou emoções humanas são mais contagiosas do que outras. Violência e contágio estão presentes em todas as culturas, não é apenas na cultura americana que você tem esse tipo de contágio. A capacidade de perpetrar violência varia de cultura para cultura pela disponibilidade de ferramentas.

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No estudo, vocês falam da grande mídia, mas as mídias sociais, como Instagram, Twitter, Facebook, desempenham um papel no contágio?

Quando fizemos nosso estudo em 2015, as mídias sociais já estavam por aí, mas ano após ano, elas têm explodido, e a maioria das pessoas realmente vai às mídias sociais para obter suas notícias e, claro, há a dinâmica das pessoas apenas falando nas mídias sociais, memes se tornando virais ou tweets se tornando virais. Isso também é extremamente contagioso e é difícil quantificar os efeitos da mídia social.

Como espécie, estamos realmente muito sintonizados, especialmente, com pânico e medo. Não teríamos sobrevivido como espécie se ignorássemos completamente que os outros ao nosso redor estavam demonstrando pânico ou medo. Quando você olha para a disseminação de notícias falsas, que muitas vezes têm a intenção de espalhar pânico ou medo, e quando você olha para a disseminação da verificação de fatos nas mídias sociais, elas (a verificação de fatos) não são tão contagiosas, porque não inspiram pânico ou medo. Não somos tão programados para espalhar lógica, não sei qual é a razão para isso.

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No estudo, vocês associaram a prevalência estadual de posse de armas de fogo à incidência de massacres e tiroteios em escolas. No Brasil, há política pró-armamento do governo, que tem gerado o aumento do acesso. Podemos pensar que estamos mais em risco com isso?

Como perpetrar (um massacre) sem a ferramenta apropriada? Com uma faca o número de pessoas que pode conseguir matar é muito menor do que se tivesse uma arma de alta potência com muitas balas nela. Portanto, não é surpreendente que as taxas per capita foram positivamente correlacionadas de forma significativa com a disponibilidade de armas de fogo. Não é nada surpreendente. Quando você olha para países, vê a mesma coisa.

Sherry Towers avalia que massacres ocorrem com regularidade chocante nos Estados Unidos Foto: Arquivo pessoal
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Nos últimos meses, temos visto uma onda insurgente de ameaças de massacre em escolas, sejam riscadas nas paredes ou por meio de redes sociais. Por ora, nenhuma se concretizou. Como podemos interpretar essas ameaças?

Isso (ameças) não é uma coisa incomum tanto no Canadá quanto nos EUA, desde muito tempo atrás. Não era incomum pessoas ligando para ameaças de bomba principalmente nas universidades durante o período de provas. E quase universalmente as ameaças de bomba acabavam sendo falsas. Mas, é claro, eles têm de fechar a universidade e trazer a polícia e seus cães para tentar descobrir se realmente existe uma bomba.

No Brasil, não sei se as ameaças estão agrupadas temporalmente em torno das épocas de provas ou pode ser que estudantes apenas se empolguem em assustar as pessoas. Esses alunos que podem estar vivendo socialmente à margem, que podem não ter absolutamente nenhuma intenção de perpetrar essas coisas, mas veem como divertido assustar as pessoas. Então eles têm essa ideia (da grande mídia ou por meio das redes sociais) da maneira perfeita de assustar as pessoas que é muito difícil de rastrear, que é escrever na parede do banheiro, uma ameaça: “Isso é fácil e nunca serei detectado”. Não me surpreende que isso seja contagioso.

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Agora a questão é: como você faz a avaliação de ameaças? É difícil separar as ameaças da verdade.

O fenômeno de contágio está presente em todos os tipos de comportamento humano. Pânico, medo e violência podem ser “extraordinariamente” contagiosos. É o que afirma a cientista de dados canadense Sherry Towers. Professora associada ao Institute For Advanced Sustainability Studies, na Alemanha, ela foi uma das primeiras a usar modelo de contágio para analisar a prevalência de massacres e tiroteios em escolas nos Estados Unidos, em uma pesquisa publicada em 2015.

Sherry mostrou que assassinatos em massa envolvendo armas de fogo são incitados por eventos semelhantes no passado imediato. Embora não tenham estudado como se dá o contágio, eles podem estar associados à atenção midiática aos incidentes - a probabilidade cai conforme a cobertura diminui. Ameaças de massacres, como as registradas em colégios brasileiros, também são comuns nos Estados Unidos e no Canadá, diz Sherry. O desafio nesses casos é separar o que são ameaças infundadas de intenções reais.  

Memorial às vítimas do massacre na Robb Elementary School em Uvalde, Texas; ataque deixou 21 mortos Foto: Memorial às vítimas do massacre na Robb Elementary School em Uvalde, Texas. Foto: Tannen Maury/ EFE

O que é o contágio em massacres e tiroteios em escolas? E o que seu estudo publicado de 2015 descobriu?

Esses massacres acontecem com uma regularidade chocante nos Estados Unidos. Queríamos olhar para isso de uma perspectiva de modelagem de contágio para ver se havia um agrupamento incomum no tempo. Analisamos tiroteios em escolas separadamente e depois massacres. E descobrimos que, de fato, havia evidências de que eles estavam agrupados e cerca de 20% a 30%, em ambos os casos, pareciam ter sido inspirados por um evento relativamente recente no passado. Você não pode apontar para um específico e dizer que sim, a menos que haja um manifesto deixado para trás, você só pode ver em média.

Quando fizemos o estudo, não examinamos como o contágio acontece, mas inferimos - porque não havia aglomeração geográfica, mas estavam se aglomerando no tempo - que a atenção da mídia de massa prestada a esses incidentes foi talvez o que estava dando ideia às pessoas para cometer um ato semelhante.

Há contágio em todos os tipos de comportamentos humanos, é o que nos torna humanos e impulsiona nossa sociedade. Uma semelhança de pensamento sobre certos tópicos, como a maneira de nos vestirmos, como comemos, qual é o nosso sistema moral, coisas dessa natureza. Somos uma espécie pré-programada para estar atentos ao que os outros ao nosso redor estão fazendo. Infelizmente, isso também se transforma em violência. A violência pode ser extraordinariamente contagiosa.

Você disse que a violência é muito contagiosa. Por quê?

Poderíamos ter muitos pesquisadores gastando suas carreiras inteiras procurando por que certas ações ou emoções humanas são mais contagiosas do que outras. Violência e contágio estão presentes em todas as culturas, não é apenas na cultura americana que você tem esse tipo de contágio. A capacidade de perpetrar violência varia de cultura para cultura pela disponibilidade de ferramentas.

No estudo, vocês falam da grande mídia, mas as mídias sociais, como Instagram, Twitter, Facebook, desempenham um papel no contágio?

Quando fizemos nosso estudo em 2015, as mídias sociais já estavam por aí, mas ano após ano, elas têm explodido, e a maioria das pessoas realmente vai às mídias sociais para obter suas notícias e, claro, há a dinâmica das pessoas apenas falando nas mídias sociais, memes se tornando virais ou tweets se tornando virais. Isso também é extremamente contagioso e é difícil quantificar os efeitos da mídia social.

Como espécie, estamos realmente muito sintonizados, especialmente, com pânico e medo. Não teríamos sobrevivido como espécie se ignorássemos completamente que os outros ao nosso redor estavam demonstrando pânico ou medo. Quando você olha para a disseminação de notícias falsas, que muitas vezes têm a intenção de espalhar pânico ou medo, e quando você olha para a disseminação da verificação de fatos nas mídias sociais, elas (a verificação de fatos) não são tão contagiosas, porque não inspiram pânico ou medo. Não somos tão programados para espalhar lógica, não sei qual é a razão para isso.

No estudo, vocês associaram a prevalência estadual de posse de armas de fogo à incidência de massacres e tiroteios em escolas. No Brasil, há política pró-armamento do governo, que tem gerado o aumento do acesso. Podemos pensar que estamos mais em risco com isso?

Como perpetrar (um massacre) sem a ferramenta apropriada? Com uma faca o número de pessoas que pode conseguir matar é muito menor do que se tivesse uma arma de alta potência com muitas balas nela. Portanto, não é surpreendente que as taxas per capita foram positivamente correlacionadas de forma significativa com a disponibilidade de armas de fogo. Não é nada surpreendente. Quando você olha para países, vê a mesma coisa.

Sherry Towers avalia que massacres ocorrem com regularidade chocante nos Estados Unidos Foto: Arquivo pessoal

Nos últimos meses, temos visto uma onda insurgente de ameaças de massacre em escolas, sejam riscadas nas paredes ou por meio de redes sociais. Por ora, nenhuma se concretizou. Como podemos interpretar essas ameaças?

Isso (ameças) não é uma coisa incomum tanto no Canadá quanto nos EUA, desde muito tempo atrás. Não era incomum pessoas ligando para ameaças de bomba principalmente nas universidades durante o período de provas. E quase universalmente as ameaças de bomba acabavam sendo falsas. Mas, é claro, eles têm de fechar a universidade e trazer a polícia e seus cães para tentar descobrir se realmente existe uma bomba.

No Brasil, não sei se as ameaças estão agrupadas temporalmente em torno das épocas de provas ou pode ser que estudantes apenas se empolguem em assustar as pessoas. Esses alunos que podem estar vivendo socialmente à margem, que podem não ter absolutamente nenhuma intenção de perpetrar essas coisas, mas veem como divertido assustar as pessoas. Então eles têm essa ideia (da grande mídia ou por meio das redes sociais) da maneira perfeita de assustar as pessoas que é muito difícil de rastrear, que é escrever na parede do banheiro, uma ameaça: “Isso é fácil e nunca serei detectado”. Não me surpreende que isso seja contagioso.

Agora a questão é: como você faz a avaliação de ameaças? É difícil separar as ameaças da verdade.

O fenômeno de contágio está presente em todos os tipos de comportamento humano. Pânico, medo e violência podem ser “extraordinariamente” contagiosos. É o que afirma a cientista de dados canadense Sherry Towers. Professora associada ao Institute For Advanced Sustainability Studies, na Alemanha, ela foi uma das primeiras a usar modelo de contágio para analisar a prevalência de massacres e tiroteios em escolas nos Estados Unidos, em uma pesquisa publicada em 2015.

Sherry mostrou que assassinatos em massa envolvendo armas de fogo são incitados por eventos semelhantes no passado imediato. Embora não tenham estudado como se dá o contágio, eles podem estar associados à atenção midiática aos incidentes - a probabilidade cai conforme a cobertura diminui. Ameaças de massacres, como as registradas em colégios brasileiros, também são comuns nos Estados Unidos e no Canadá, diz Sherry. O desafio nesses casos é separar o que são ameaças infundadas de intenções reais.  

Memorial às vítimas do massacre na Robb Elementary School em Uvalde, Texas; ataque deixou 21 mortos Foto: Memorial às vítimas do massacre na Robb Elementary School em Uvalde, Texas. Foto: Tannen Maury/ EFE

O que é o contágio em massacres e tiroteios em escolas? E o que seu estudo publicado de 2015 descobriu?

Esses massacres acontecem com uma regularidade chocante nos Estados Unidos. Queríamos olhar para isso de uma perspectiva de modelagem de contágio para ver se havia um agrupamento incomum no tempo. Analisamos tiroteios em escolas separadamente e depois massacres. E descobrimos que, de fato, havia evidências de que eles estavam agrupados e cerca de 20% a 30%, em ambos os casos, pareciam ter sido inspirados por um evento relativamente recente no passado. Você não pode apontar para um específico e dizer que sim, a menos que haja um manifesto deixado para trás, você só pode ver em média.

Quando fizemos o estudo, não examinamos como o contágio acontece, mas inferimos - porque não havia aglomeração geográfica, mas estavam se aglomerando no tempo - que a atenção da mídia de massa prestada a esses incidentes foi talvez o que estava dando ideia às pessoas para cometer um ato semelhante.

Há contágio em todos os tipos de comportamentos humanos, é o que nos torna humanos e impulsiona nossa sociedade. Uma semelhança de pensamento sobre certos tópicos, como a maneira de nos vestirmos, como comemos, qual é o nosso sistema moral, coisas dessa natureza. Somos uma espécie pré-programada para estar atentos ao que os outros ao nosso redor estão fazendo. Infelizmente, isso também se transforma em violência. A violência pode ser extraordinariamente contagiosa.

Você disse que a violência é muito contagiosa. Por quê?

Poderíamos ter muitos pesquisadores gastando suas carreiras inteiras procurando por que certas ações ou emoções humanas são mais contagiosas do que outras. Violência e contágio estão presentes em todas as culturas, não é apenas na cultura americana que você tem esse tipo de contágio. A capacidade de perpetrar violência varia de cultura para cultura pela disponibilidade de ferramentas.

No estudo, vocês falam da grande mídia, mas as mídias sociais, como Instagram, Twitter, Facebook, desempenham um papel no contágio?

Quando fizemos nosso estudo em 2015, as mídias sociais já estavam por aí, mas ano após ano, elas têm explodido, e a maioria das pessoas realmente vai às mídias sociais para obter suas notícias e, claro, há a dinâmica das pessoas apenas falando nas mídias sociais, memes se tornando virais ou tweets se tornando virais. Isso também é extremamente contagioso e é difícil quantificar os efeitos da mídia social.

Como espécie, estamos realmente muito sintonizados, especialmente, com pânico e medo. Não teríamos sobrevivido como espécie se ignorássemos completamente que os outros ao nosso redor estavam demonstrando pânico ou medo. Quando você olha para a disseminação de notícias falsas, que muitas vezes têm a intenção de espalhar pânico ou medo, e quando você olha para a disseminação da verificação de fatos nas mídias sociais, elas (a verificação de fatos) não são tão contagiosas, porque não inspiram pânico ou medo. Não somos tão programados para espalhar lógica, não sei qual é a razão para isso.

No estudo, vocês associaram a prevalência estadual de posse de armas de fogo à incidência de massacres e tiroteios em escolas. No Brasil, há política pró-armamento do governo, que tem gerado o aumento do acesso. Podemos pensar que estamos mais em risco com isso?

Como perpetrar (um massacre) sem a ferramenta apropriada? Com uma faca o número de pessoas que pode conseguir matar é muito menor do que se tivesse uma arma de alta potência com muitas balas nela. Portanto, não é surpreendente que as taxas per capita foram positivamente correlacionadas de forma significativa com a disponibilidade de armas de fogo. Não é nada surpreendente. Quando você olha para países, vê a mesma coisa.

Sherry Towers avalia que massacres ocorrem com regularidade chocante nos Estados Unidos Foto: Arquivo pessoal

Nos últimos meses, temos visto uma onda insurgente de ameaças de massacre em escolas, sejam riscadas nas paredes ou por meio de redes sociais. Por ora, nenhuma se concretizou. Como podemos interpretar essas ameaças?

Isso (ameças) não é uma coisa incomum tanto no Canadá quanto nos EUA, desde muito tempo atrás. Não era incomum pessoas ligando para ameaças de bomba principalmente nas universidades durante o período de provas. E quase universalmente as ameaças de bomba acabavam sendo falsas. Mas, é claro, eles têm de fechar a universidade e trazer a polícia e seus cães para tentar descobrir se realmente existe uma bomba.

No Brasil, não sei se as ameaças estão agrupadas temporalmente em torno das épocas de provas ou pode ser que estudantes apenas se empolguem em assustar as pessoas. Esses alunos que podem estar vivendo socialmente à margem, que podem não ter absolutamente nenhuma intenção de perpetrar essas coisas, mas veem como divertido assustar as pessoas. Então eles têm essa ideia (da grande mídia ou por meio das redes sociais) da maneira perfeita de assustar as pessoas que é muito difícil de rastrear, que é escrever na parede do banheiro, uma ameaça: “Isso é fácil e nunca serei detectado”. Não me surpreende que isso seja contagioso.

Agora a questão é: como você faz a avaliação de ameaças? É difícil separar as ameaças da verdade.

O fenômeno de contágio está presente em todos os tipos de comportamento humano. Pânico, medo e violência podem ser “extraordinariamente” contagiosos. É o que afirma a cientista de dados canadense Sherry Towers. Professora associada ao Institute For Advanced Sustainability Studies, na Alemanha, ela foi uma das primeiras a usar modelo de contágio para analisar a prevalência de massacres e tiroteios em escolas nos Estados Unidos, em uma pesquisa publicada em 2015.

Sherry mostrou que assassinatos em massa envolvendo armas de fogo são incitados por eventos semelhantes no passado imediato. Embora não tenham estudado como se dá o contágio, eles podem estar associados à atenção midiática aos incidentes - a probabilidade cai conforme a cobertura diminui. Ameaças de massacres, como as registradas em colégios brasileiros, também são comuns nos Estados Unidos e no Canadá, diz Sherry. O desafio nesses casos é separar o que são ameaças infundadas de intenções reais.  

Memorial às vítimas do massacre na Robb Elementary School em Uvalde, Texas; ataque deixou 21 mortos Foto: Memorial às vítimas do massacre na Robb Elementary School em Uvalde, Texas. Foto: Tannen Maury/ EFE

O que é o contágio em massacres e tiroteios em escolas? E o que seu estudo publicado de 2015 descobriu?

Esses massacres acontecem com uma regularidade chocante nos Estados Unidos. Queríamos olhar para isso de uma perspectiva de modelagem de contágio para ver se havia um agrupamento incomum no tempo. Analisamos tiroteios em escolas separadamente e depois massacres. E descobrimos que, de fato, havia evidências de que eles estavam agrupados e cerca de 20% a 30%, em ambos os casos, pareciam ter sido inspirados por um evento relativamente recente no passado. Você não pode apontar para um específico e dizer que sim, a menos que haja um manifesto deixado para trás, você só pode ver em média.

Quando fizemos o estudo, não examinamos como o contágio acontece, mas inferimos - porque não havia aglomeração geográfica, mas estavam se aglomerando no tempo - que a atenção da mídia de massa prestada a esses incidentes foi talvez o que estava dando ideia às pessoas para cometer um ato semelhante.

Há contágio em todos os tipos de comportamentos humanos, é o que nos torna humanos e impulsiona nossa sociedade. Uma semelhança de pensamento sobre certos tópicos, como a maneira de nos vestirmos, como comemos, qual é o nosso sistema moral, coisas dessa natureza. Somos uma espécie pré-programada para estar atentos ao que os outros ao nosso redor estão fazendo. Infelizmente, isso também se transforma em violência. A violência pode ser extraordinariamente contagiosa.

Você disse que a violência é muito contagiosa. Por quê?

Poderíamos ter muitos pesquisadores gastando suas carreiras inteiras procurando por que certas ações ou emoções humanas são mais contagiosas do que outras. Violência e contágio estão presentes em todas as culturas, não é apenas na cultura americana que você tem esse tipo de contágio. A capacidade de perpetrar violência varia de cultura para cultura pela disponibilidade de ferramentas.

No estudo, vocês falam da grande mídia, mas as mídias sociais, como Instagram, Twitter, Facebook, desempenham um papel no contágio?

Quando fizemos nosso estudo em 2015, as mídias sociais já estavam por aí, mas ano após ano, elas têm explodido, e a maioria das pessoas realmente vai às mídias sociais para obter suas notícias e, claro, há a dinâmica das pessoas apenas falando nas mídias sociais, memes se tornando virais ou tweets se tornando virais. Isso também é extremamente contagioso e é difícil quantificar os efeitos da mídia social.

Como espécie, estamos realmente muito sintonizados, especialmente, com pânico e medo. Não teríamos sobrevivido como espécie se ignorássemos completamente que os outros ao nosso redor estavam demonstrando pânico ou medo. Quando você olha para a disseminação de notícias falsas, que muitas vezes têm a intenção de espalhar pânico ou medo, e quando você olha para a disseminação da verificação de fatos nas mídias sociais, elas (a verificação de fatos) não são tão contagiosas, porque não inspiram pânico ou medo. Não somos tão programados para espalhar lógica, não sei qual é a razão para isso.

No estudo, vocês associaram a prevalência estadual de posse de armas de fogo à incidência de massacres e tiroteios em escolas. No Brasil, há política pró-armamento do governo, que tem gerado o aumento do acesso. Podemos pensar que estamos mais em risco com isso?

Como perpetrar (um massacre) sem a ferramenta apropriada? Com uma faca o número de pessoas que pode conseguir matar é muito menor do que se tivesse uma arma de alta potência com muitas balas nela. Portanto, não é surpreendente que as taxas per capita foram positivamente correlacionadas de forma significativa com a disponibilidade de armas de fogo. Não é nada surpreendente. Quando você olha para países, vê a mesma coisa.

Sherry Towers avalia que massacres ocorrem com regularidade chocante nos Estados Unidos Foto: Arquivo pessoal

Nos últimos meses, temos visto uma onda insurgente de ameaças de massacre em escolas, sejam riscadas nas paredes ou por meio de redes sociais. Por ora, nenhuma se concretizou. Como podemos interpretar essas ameaças?

Isso (ameças) não é uma coisa incomum tanto no Canadá quanto nos EUA, desde muito tempo atrás. Não era incomum pessoas ligando para ameaças de bomba principalmente nas universidades durante o período de provas. E quase universalmente as ameaças de bomba acabavam sendo falsas. Mas, é claro, eles têm de fechar a universidade e trazer a polícia e seus cães para tentar descobrir se realmente existe uma bomba.

No Brasil, não sei se as ameaças estão agrupadas temporalmente em torno das épocas de provas ou pode ser que estudantes apenas se empolguem em assustar as pessoas. Esses alunos que podem estar vivendo socialmente à margem, que podem não ter absolutamente nenhuma intenção de perpetrar essas coisas, mas veem como divertido assustar as pessoas. Então eles têm essa ideia (da grande mídia ou por meio das redes sociais) da maneira perfeita de assustar as pessoas que é muito difícil de rastrear, que é escrever na parede do banheiro, uma ameaça: “Isso é fácil e nunca serei detectado”. Não me surpreende que isso seja contagioso.

Agora a questão é: como você faz a avaliação de ameaças? É difícil separar as ameaças da verdade.

O fenômeno de contágio está presente em todos os tipos de comportamento humano. Pânico, medo e violência podem ser “extraordinariamente” contagiosos. É o que afirma a cientista de dados canadense Sherry Towers. Professora associada ao Institute For Advanced Sustainability Studies, na Alemanha, ela foi uma das primeiras a usar modelo de contágio para analisar a prevalência de massacres e tiroteios em escolas nos Estados Unidos, em uma pesquisa publicada em 2015.

Sherry mostrou que assassinatos em massa envolvendo armas de fogo são incitados por eventos semelhantes no passado imediato. Embora não tenham estudado como se dá o contágio, eles podem estar associados à atenção midiática aos incidentes - a probabilidade cai conforme a cobertura diminui. Ameaças de massacres, como as registradas em colégios brasileiros, também são comuns nos Estados Unidos e no Canadá, diz Sherry. O desafio nesses casos é separar o que são ameaças infundadas de intenções reais.  

Memorial às vítimas do massacre na Robb Elementary School em Uvalde, Texas; ataque deixou 21 mortos Foto: Memorial às vítimas do massacre na Robb Elementary School em Uvalde, Texas. Foto: Tannen Maury/ EFE

O que é o contágio em massacres e tiroteios em escolas? E o que seu estudo publicado de 2015 descobriu?

Esses massacres acontecem com uma regularidade chocante nos Estados Unidos. Queríamos olhar para isso de uma perspectiva de modelagem de contágio para ver se havia um agrupamento incomum no tempo. Analisamos tiroteios em escolas separadamente e depois massacres. E descobrimos que, de fato, havia evidências de que eles estavam agrupados e cerca de 20% a 30%, em ambos os casos, pareciam ter sido inspirados por um evento relativamente recente no passado. Você não pode apontar para um específico e dizer que sim, a menos que haja um manifesto deixado para trás, você só pode ver em média.

Quando fizemos o estudo, não examinamos como o contágio acontece, mas inferimos - porque não havia aglomeração geográfica, mas estavam se aglomerando no tempo - que a atenção da mídia de massa prestada a esses incidentes foi talvez o que estava dando ideia às pessoas para cometer um ato semelhante.

Há contágio em todos os tipos de comportamentos humanos, é o que nos torna humanos e impulsiona nossa sociedade. Uma semelhança de pensamento sobre certos tópicos, como a maneira de nos vestirmos, como comemos, qual é o nosso sistema moral, coisas dessa natureza. Somos uma espécie pré-programada para estar atentos ao que os outros ao nosso redor estão fazendo. Infelizmente, isso também se transforma em violência. A violência pode ser extraordinariamente contagiosa.

Você disse que a violência é muito contagiosa. Por quê?

Poderíamos ter muitos pesquisadores gastando suas carreiras inteiras procurando por que certas ações ou emoções humanas são mais contagiosas do que outras. Violência e contágio estão presentes em todas as culturas, não é apenas na cultura americana que você tem esse tipo de contágio. A capacidade de perpetrar violência varia de cultura para cultura pela disponibilidade de ferramentas.

No estudo, vocês falam da grande mídia, mas as mídias sociais, como Instagram, Twitter, Facebook, desempenham um papel no contágio?

Quando fizemos nosso estudo em 2015, as mídias sociais já estavam por aí, mas ano após ano, elas têm explodido, e a maioria das pessoas realmente vai às mídias sociais para obter suas notícias e, claro, há a dinâmica das pessoas apenas falando nas mídias sociais, memes se tornando virais ou tweets se tornando virais. Isso também é extremamente contagioso e é difícil quantificar os efeitos da mídia social.

Como espécie, estamos realmente muito sintonizados, especialmente, com pânico e medo. Não teríamos sobrevivido como espécie se ignorássemos completamente que os outros ao nosso redor estavam demonstrando pânico ou medo. Quando você olha para a disseminação de notícias falsas, que muitas vezes têm a intenção de espalhar pânico ou medo, e quando você olha para a disseminação da verificação de fatos nas mídias sociais, elas (a verificação de fatos) não são tão contagiosas, porque não inspiram pânico ou medo. Não somos tão programados para espalhar lógica, não sei qual é a razão para isso.

No estudo, vocês associaram a prevalência estadual de posse de armas de fogo à incidência de massacres e tiroteios em escolas. No Brasil, há política pró-armamento do governo, que tem gerado o aumento do acesso. Podemos pensar que estamos mais em risco com isso?

Como perpetrar (um massacre) sem a ferramenta apropriada? Com uma faca o número de pessoas que pode conseguir matar é muito menor do que se tivesse uma arma de alta potência com muitas balas nela. Portanto, não é surpreendente que as taxas per capita foram positivamente correlacionadas de forma significativa com a disponibilidade de armas de fogo. Não é nada surpreendente. Quando você olha para países, vê a mesma coisa.

Sherry Towers avalia que massacres ocorrem com regularidade chocante nos Estados Unidos Foto: Arquivo pessoal

Nos últimos meses, temos visto uma onda insurgente de ameaças de massacre em escolas, sejam riscadas nas paredes ou por meio de redes sociais. Por ora, nenhuma se concretizou. Como podemos interpretar essas ameaças?

Isso (ameças) não é uma coisa incomum tanto no Canadá quanto nos EUA, desde muito tempo atrás. Não era incomum pessoas ligando para ameaças de bomba principalmente nas universidades durante o período de provas. E quase universalmente as ameaças de bomba acabavam sendo falsas. Mas, é claro, eles têm de fechar a universidade e trazer a polícia e seus cães para tentar descobrir se realmente existe uma bomba.

No Brasil, não sei se as ameaças estão agrupadas temporalmente em torno das épocas de provas ou pode ser que estudantes apenas se empolguem em assustar as pessoas. Esses alunos que podem estar vivendo socialmente à margem, que podem não ter absolutamente nenhuma intenção de perpetrar essas coisas, mas veem como divertido assustar as pessoas. Então eles têm essa ideia (da grande mídia ou por meio das redes sociais) da maneira perfeita de assustar as pessoas que é muito difícil de rastrear, que é escrever na parede do banheiro, uma ameaça: “Isso é fácil e nunca serei detectado”. Não me surpreende que isso seja contagioso.

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