No Brasil, a cesariana é a via de parto mais comum, representando 55,5% dos procedimentos realizados no país, segundo dados do Ministério da Saúde. Porém, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) o índice razoável de cesáreas deve ser somente entre 10 a 15% dos nascimentos.
O ginecologista, obstetra e fundador do programa Parto Sem Medo, Alberto Guimarães, explica que, além de proporcionar uma melhor recuperação para a mãe, o parto normal também é mais benéfico para o bebê, causando menos complicações na primeira infância e o sistema imunológico é mais fortalecido.
“O melhor é que seja um parto assistido, onde a mulher se sinta acolhida, tendo autonomia, junto com esclarecimento de informações, para que ela tenha acesso a todo conhecimento, especialmente no pré-natal”, afirma ele.
Para a psicóloga e psicanalista membro da Rede de Atenção e Pesquisa em Psicanálise e Parto (Rappa) Andréa Atilano, o parto humanizado é um movimento que trouxe muitas conquistas para mães e bebês, produzindo um olhar transformador para os modos de parir e nascer. Porém, é necessário ter cuidado com a idealização do parto normal.
“Percebemos que há um discurso super valorizado do parto normal que o coloca em um lugar idealizado. Quando associamos à via de parto ideais de sucesso e garantias de realização e, por algum motivo, algo sai fora do esperado e o bebê nasce por uma cesárea, algumas mulheres acabam vivendo a sensação de fracasso, tristeza e frustração”, explica ela. Este é o caso de Marina Rodrigues*, de 31 anos.
A idealização do parto normal
Marina estava com 39 semanas de gestação quando entrou em trabalho de parto do seu filho João*, no dia 28 de setembro de 2020. Em entrevista ao Estadão, ela contou que, durante a gravidez, estudou muito, assistiu inúmeras lives de médicos e, por querer uma equipe humanizada no nascimento do filho, contratou uma doula e optou por um coletivo de médicas obstetras e parteiras especializados no assunto.
Rodrigues conta que, apesar de não estar ansiosa ou tensa no final da gravidez, ela sentia muita dor nas costas, cansaço e esgotamento, devido ao excesso de informações que ela recebia.
“Eu sentia que se eu não pesquisasse antes, não ia dar conta de cuidar do bebê, procurar informações e lidar com o puerpério, que também é difícil. Quanto mais eu lia, parecia que nunca era suficiente para estar preparada. Como se eu precisasse fazer um doutorado para poder ser mãe e ninguém me cobrou disso, era eu me cobrando, eu querendo ter acesso ao maior número de informações para quando meu bebê chegasse”, disse ela.
No dia do nascimento, Marina passou por 21 horas de trabalho de parto, que se iniciou em um sábado, com um leve sangramento, e continuou no dia seguinte, com fortes cólicas até o rompimento da bolsa. A mãe optou por ficar no chuveiro, para diminuir a dor das contrações, mas viu seu processo mudar totalmente de rumo quando sofreu uma queda no banho.
“Fui tomada de um medo súbito, fiquei muito nervosa, me desconcentrei bastante, mesmo minha doula dizendo que estava tudo bem. Demorei muito para me acalmar, comecei a ficar preocupada e ela me disse que seria importante avaliar como o meu bebê estava, já que minha bolsa tinha estourado às 3h da manhã. Então fomos ao hospital”, afirmou ela.
Chegando lá, a mãe de João* descobriu que estava com um dedo de dilatação. Sentindo uma dor intensa, ela pediu para ser anestesiada, porém a intervenção não teve o resultado que esperava. Foi então que ela decidiu realizar a cesárea.
“Eu tinha estudado muito pouco sobre a cesárea e parei para pensar porque eu queria optar pelo parto normal mais do que tudo. Para mim, o principal era que meu bebê nascesse quando se sentisse pronto, não queria tirá-lo antes da hora, mas quando deu 23h eu percebi que não aguentava mais sentir aquela dor e não teria energia para mais 20 horas de parto”, explicou.
Ela contou que, apesar da equipe ser eficiente e ter lhe explicado tudo que estava fazendo, ela se sentiu assustada. Ficou ainda mais nervosa ao perceber que podia assistir ao procedimento cirúrgico pelo reflexo no teto da sala. Devido a adrenalina e anestesia, Marina tremia muito e passou mal do estômago.
No pós-parto, Marina teve dores no corte e dificuldades na amamentação. “Eu pensava: ‘não consegui parir meu filho, agora não estou conseguindo amamentá-lo e, devido a dor no corte, eu não conseguia pegar ele por muito tempo. Nas primeiras semanas, fiquei muito triste, porque tinha a sensação de que eu era fraca. Todo mundo tinha conseguido, menos eu, e essa dor é culpa minha, porque eu escolhi a cesárea. Quando meu bebê nasceu, uma das primeiras coisas que disse foi: ‘desculpa filho, não consegui ir até o final’. A preparação para o parto foi muito empoderadora para mim, mas, quando não consegui chegar até o final, me senti uma mãe ruim”, disse.
A psicóloga Andréa explica que o momento do parto é uma experiência que escapa do controle. “Não estamos apenas diante de um corpo parindo, mas de uma mulher que comparece com sua subjetividade. O parto idealizado sempre será diferente do real”, afirma.
“Aliás, a própria ideia de um parto espetacular, heroico, pode ser muito opressora. Este é um evento fisiológico e as intercorrências não podem ser todas eliminadas. Assim, o ideal é aliar esse fato com informação e uma equipe acolhedora”, acrescenta ela.
Atualmente, Marina não sente mais a dor da cesariana. Ela afirma que mudou o olhar que tinha sobre o seu parto e entende que fez o melhor que podia no contexto que estava. Rodrigues reconhece ainda que, no Brasil, há um número maior do que o necessário de cesáreas, porém, em alguns casos, como o dela, o procedimento foi preciso, pelo bem da sua saúde mental.
“A construção da parentalidade é marcada por uma intensidade de afetos, um turbilhão de sentimentos que invadem cada um de uma forma singular. Precisamos oferecer espaço para que as mães entrem em contato com seus limites, não entendendo-os como fracassos, mas, sim, marcas pessoais que ajudarão na construção dos sentidos únicos do seu ‘ser mãe/pai’. É a partir daí que escolhas poderão ser feitas”, conclui a psicóloga.
*Estagiária sob supervisão de Charlise Morais*Os nomes da mãe e do filho são fictícios para preservar suas identidades