Choro, exigências e necessidade de atenção em excesso: conheça os bebês high need


Conceito de médico norte-americano é cada vez mais conhecido por mães e pediatras brasileiros, mas muitos ainda acham que comportamento é apenas 'birra'

Por Hyndara Freitas
Atualização:
Bebês 'high need', ou de 'alta demanda', choram demais, pedem muita atenção e têm dificuldade de ficar longe da mãe. Foto: Pixabay

Eles choram demais, mamam demais, não aceitam esperar, têm dificuldade de dormir, não suportam ficar longe da mãe e querem atenção incessantemente. Ao primeiro olhar, muitos diriam que bebês assim apenas fazem 'birra', mas outra linha de pensamento acredita que existem bebês de 'alta necessidade', ou 'high need', no termo em inglês. 

O termo foi cunhado pelo pediatra americano William Sears, no livro The Baby Book. Nas páginas, ele conta que algumas mães que iam ao seu consultório relatavam queixas sobre a alta demanda dos filhos, que persistia mesmo após os primeiros meses de vida. Então, quando teve sua quarta filha, o médico finalmente entendeu aquelas mães: existem bebês que realmente exigem mais que outros. 

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"Eu não podia sair do campo de visão dele, que era um choro sem fim. Para eu tomar banho, tinha que pôr o carrinho com ele na frente do box, pra ele continuar me vendo e ouvindo minha voz. Nunca ia pra o colo de ninguém. Se um estranho falasse com ele, era um choro até ele sair do ambiente. Ele mamava sem cessar, de vomitar a mamada e em segundos chorar porque queria mamar de novo. Quando ele tinha mais ou menos uns dois meses, eu cheguei a anotar, em um período de 24 horas, ele chorou 18 horas. Havia dias que eram mais de 40 minutos seguidos de choro", relembra Ângela Correia (nome fictício), de 34 anos, mãe de uma criança high need de cinco anos.

Já Beth Andrade (nome fictício), mãe de um menino de nove anos, percebeu que seu bebê era muito intenso desde o nascimento. "Todos falavam que, após os três meses de idade, ele melhoraria, inclusive a pediatra. Porém, ele completou três meses e nada mudou. Quando está de bom humor, ele é mega simpático mas, quando não, é insuportável. O sling era sua casa. Dormir à noite, nunca! Mama o tempo todo, até porque eu deixo em livre demanda. Fica gritando e chora durante o dia e durante a noite, sem motivos. Aos sete meses, eu já estava exausta, no meu limite. A pediatra continuava falando que alguns bebês são assim, mas eu não me conformava, porque vi o nascimento e crescimento de quatro sobrinhos e sei que dá trabalho, mas nunca havia visto essa intensidade. Ele me suga de uma forma que, às vezes, penso que vou enlouquecer. Aí comecei a pesquisar loucamente na internet, até que achei artigos sobre bebês high need. A cada linha que lia, via meu filho!", conta Beth.

Sandra Martins (nome fictício) é mãe de uma menina de dois anos e dois meses que, desde os primeiros meses de vida, sempre exigiu muito, o que fez com que ela buscasse diversos exames e profissionais. "Após ter passado por diversos pediatras, exames clínicos e laboratoriais, médico homeopata, feito tratamento com acupuntura, floral, depois de ter falado com benzedeira, apelado para o espiritismo... passei a buscar na internet sobre bebês exaustivamente agitados e inconsoláveis. Eis que me deparei com o artigo do doutor Sears falando sobre isso. E bati o martelo que era isso - e chorei, chorei, chorei", disse.

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Essas mães são algumas das participantes do grupo de Facebook High Need Babies Brasil, que conta com mais de 2 mil membros e é o único do tipo no País. Criado por três mães de bebês HN, como são chamados pelos membros, o grupo serve como uma plataforma de apoio, onde mães tiram dúvidas, reclamam, desabafam e se ajudam. 

Uma das criadoras do grupo, Kecia Katzer, lembra que relutou em acreditar na teoria do médico, até que teve um filho que exigia muito dela. "Eu leio e pesquiso muito sobre desenvolvimento e comportamento infantil. Encontrei o livro do pediatra pioneiro nesse estudo, doutor Sears, por acaso. Porém, ao ler o livro sobre o termo inicialmente, achei um tanto exagerada a forma que ele colocava os comportamentos dos bebê porque, para mim, até então, todo bebê tinha aqueles comportamentos, acreditava serem naturais e instintivos. É aquela coisa: você não entende o que é um high need até ter um", comenta.

Porém a visão de Kecia mudou assim que teve seu segundo filho, Bernardo, que hoje tem quatro anos. "Em junho de 2013, tão logo reli os traços descritos pelo Sears como sendo high need babies, reconheci meu filho neles", relembra. Então seu primeiro instinto foi procurar um grupo específico sobre o tema - mas, para sua surpresa, não encontrou nenhum no Brasil.

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"Chamei as três mães que participavam da conversa e decidimos criar um grupo para apoio. Conversando, descobrimos que era unânime o sentimento de culpa, de impotência e de exaustão. Tínhamos certeza absoluta que não éramos as únicas e que as mães desses bebês precisam de apoio, assim como nós estávamos precisando. Na maioria dos grupos de maternidade há muito julgamento, muita falta de empatia, e propagação de maternidade utópica.  As mães não têm a liberdade para falar que se sentem frustradas com alguns comportamentos de seus filhos, que perdem a paciência as vezes, e que, muitas vezes, não fazem ideia do que fazer com determinados comportamentos. Uma mãe de high need vive isso diariamente, com uma intensidade indescritível, e dói muito ver mães perfeitas, com seus filhos comportadíssimos, totalmente dentro dos padrões, e você ter que ficar quieta, porque não é sua realidade e você não faz ideia de como proceder", conta Kecia. A criadora conta que a intenção do grupo é justamente acolher e mostrar para as mulheres que o que elas passam é comum e não há nada de errado.

E saber que há outras mães com o mesmo problema é realmente confortante. "Sinto menos culpa. Consigo compreender melhor meu bebê e, sempre que acho que vou perder a paciência, penso: 'É a personalidade dele, tenha paciência high também'. Dizem que é culpa da mãe, e a mãe acaba acreditando nisso. Quando você entende o que seu bebê realmente é, você não fica mais justificando nada para os outros, porque eles não entenderiam mesmo. Você ignora muitos comentários e, assim, sofre menos. Você começa a observá-lo com outro olhar, não como um bebê problemático ou doente, mas como um bebê com necessidades diferentes. Então você também passa a ser uma mãe diferenciada", desabafa Beth.

Ângela também sentiu menos culpa após descobrir mais sobre o conceito, e tenta difundir essas informações com seus familiares e amigos. "Eu comecei a enviar os links de textos que encontrava na internet para a minha família e amigos mais próximos, para eles começarem a entender melhor as características do meu filho, e tentar evitar tantos julgamentos porque, querendo ou não, quem não entende essas características em uma criança, acaba julgando os pais", explica. Já Sandra acredita que saber disso conforta a mãe, ao mostrar que ela não está sozinha.

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Opinião médica. As mães relatam que ainda há muita dificuldade em fazer os pediatras entenderem os bebês high need. O conceito ainda é pouco difundido entre médicos brasileiros mas, aos poucos, pediatras, psicólogos e psiquiatras têm estudado mais sobre o assunto.

"No começo, nenhum dos pediatras com quem conversei sobre bebês high need sabia ou aceitava essa teoria de comportamento. Porém agora, o pediatra que acompanha meu filho já tem um certo conhecimento, mas também não é 100% competente para lidar com essas características", conta Ângela.

A pediatra Rafaella Calmon, do hospital Leforte, é uma das profissionais que acreditam no conceito do médico William Seyers. "Muitos dos colegas [de profissão] têm bastante dificuldade de identificar os sinais, acham que é uma frescura, que a mãe está exagerando. Felizmente, cada vez há mais aporte bibliográfico sobre o assunto. O termo high need não é muito conhecido, mas, se as mães pesquisam no Google sobre bebês que choram muito, precisam de atenção toda hora, não dormem direito, não gostam de esperar, geralmente elas vão chegar ao conceito de Seyers", opina a pediatra.

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Rafaella diz que, às vezes, é necessário um apoio psicológico não só para o bebê, mas também para a mãe. Porém, o mais importante é uma rede de apoio, principalmente familiar. "Dividir tarefas é algo muito importante, as mães têm que se sentir um pouco livres desse excesso de demanda do filho. Ela direciona todo esse cuidado do bebê para si, então ela e o bebê acabam se isolando do resto do mundo. É importante que ela tenha com quem conversar, que a família se informe também, que faça as coisas em conjunto", indica.

De acordo com o livro de William Seyers, alguns sinais de bebês high need são: hiperatividade, intensidade, mamam frequentemente, acordam frequentemente, não aceitam esperar, são insatisfeitos, imprevisíveis (o que funcionou ontem, pode não funcionar amanhã, por exemplo), não se acalmam sozinhos e são sensíveis a separação.

Segundo a pediatra, os high need costumam melhorar o comportamento a partir dos três anos, quando começam a interagir mais com outras pessoas, como colegas de escola ou creche. Porém, não há uma idade certa para isso mudar. "O importante é que a criança conviva com outras crianças da idade dela, porque, assim, a dependência da mãe pode diminuir um pouco", explica.

Bebês 'high need', ou de 'alta demanda', choram demais, pedem muita atenção e têm dificuldade de ficar longe da mãe. Foto: Pixabay

Eles choram demais, mamam demais, não aceitam esperar, têm dificuldade de dormir, não suportam ficar longe da mãe e querem atenção incessantemente. Ao primeiro olhar, muitos diriam que bebês assim apenas fazem 'birra', mas outra linha de pensamento acredita que existem bebês de 'alta necessidade', ou 'high need', no termo em inglês. 

O termo foi cunhado pelo pediatra americano William Sears, no livro The Baby Book. Nas páginas, ele conta que algumas mães que iam ao seu consultório relatavam queixas sobre a alta demanda dos filhos, que persistia mesmo após os primeiros meses de vida. Então, quando teve sua quarta filha, o médico finalmente entendeu aquelas mães: existem bebês que realmente exigem mais que outros. 

"Eu não podia sair do campo de visão dele, que era um choro sem fim. Para eu tomar banho, tinha que pôr o carrinho com ele na frente do box, pra ele continuar me vendo e ouvindo minha voz. Nunca ia pra o colo de ninguém. Se um estranho falasse com ele, era um choro até ele sair do ambiente. Ele mamava sem cessar, de vomitar a mamada e em segundos chorar porque queria mamar de novo. Quando ele tinha mais ou menos uns dois meses, eu cheguei a anotar, em um período de 24 horas, ele chorou 18 horas. Havia dias que eram mais de 40 minutos seguidos de choro", relembra Ângela Correia (nome fictício), de 34 anos, mãe de uma criança high need de cinco anos.

Já Beth Andrade (nome fictício), mãe de um menino de nove anos, percebeu que seu bebê era muito intenso desde o nascimento. "Todos falavam que, após os três meses de idade, ele melhoraria, inclusive a pediatra. Porém, ele completou três meses e nada mudou. Quando está de bom humor, ele é mega simpático mas, quando não, é insuportável. O sling era sua casa. Dormir à noite, nunca! Mama o tempo todo, até porque eu deixo em livre demanda. Fica gritando e chora durante o dia e durante a noite, sem motivos. Aos sete meses, eu já estava exausta, no meu limite. A pediatra continuava falando que alguns bebês são assim, mas eu não me conformava, porque vi o nascimento e crescimento de quatro sobrinhos e sei que dá trabalho, mas nunca havia visto essa intensidade. Ele me suga de uma forma que, às vezes, penso que vou enlouquecer. Aí comecei a pesquisar loucamente na internet, até que achei artigos sobre bebês high need. A cada linha que lia, via meu filho!", conta Beth.

Sandra Martins (nome fictício) é mãe de uma menina de dois anos e dois meses que, desde os primeiros meses de vida, sempre exigiu muito, o que fez com que ela buscasse diversos exames e profissionais. "Após ter passado por diversos pediatras, exames clínicos e laboratoriais, médico homeopata, feito tratamento com acupuntura, floral, depois de ter falado com benzedeira, apelado para o espiritismo... passei a buscar na internet sobre bebês exaustivamente agitados e inconsoláveis. Eis que me deparei com o artigo do doutor Sears falando sobre isso. E bati o martelo que era isso - e chorei, chorei, chorei", disse.

Essas mães são algumas das participantes do grupo de Facebook High Need Babies Brasil, que conta com mais de 2 mil membros e é o único do tipo no País. Criado por três mães de bebês HN, como são chamados pelos membros, o grupo serve como uma plataforma de apoio, onde mães tiram dúvidas, reclamam, desabafam e se ajudam. 

Uma das criadoras do grupo, Kecia Katzer, lembra que relutou em acreditar na teoria do médico, até que teve um filho que exigia muito dela. "Eu leio e pesquiso muito sobre desenvolvimento e comportamento infantil. Encontrei o livro do pediatra pioneiro nesse estudo, doutor Sears, por acaso. Porém, ao ler o livro sobre o termo inicialmente, achei um tanto exagerada a forma que ele colocava os comportamentos dos bebê porque, para mim, até então, todo bebê tinha aqueles comportamentos, acreditava serem naturais e instintivos. É aquela coisa: você não entende o que é um high need até ter um", comenta.

Porém a visão de Kecia mudou assim que teve seu segundo filho, Bernardo, que hoje tem quatro anos. "Em junho de 2013, tão logo reli os traços descritos pelo Sears como sendo high need babies, reconheci meu filho neles", relembra. Então seu primeiro instinto foi procurar um grupo específico sobre o tema - mas, para sua surpresa, não encontrou nenhum no Brasil.

"Chamei as três mães que participavam da conversa e decidimos criar um grupo para apoio. Conversando, descobrimos que era unânime o sentimento de culpa, de impotência e de exaustão. Tínhamos certeza absoluta que não éramos as únicas e que as mães desses bebês precisam de apoio, assim como nós estávamos precisando. Na maioria dos grupos de maternidade há muito julgamento, muita falta de empatia, e propagação de maternidade utópica.  As mães não têm a liberdade para falar que se sentem frustradas com alguns comportamentos de seus filhos, que perdem a paciência as vezes, e que, muitas vezes, não fazem ideia do que fazer com determinados comportamentos. Uma mãe de high need vive isso diariamente, com uma intensidade indescritível, e dói muito ver mães perfeitas, com seus filhos comportadíssimos, totalmente dentro dos padrões, e você ter que ficar quieta, porque não é sua realidade e você não faz ideia de como proceder", conta Kecia. A criadora conta que a intenção do grupo é justamente acolher e mostrar para as mulheres que o que elas passam é comum e não há nada de errado.

E saber que há outras mães com o mesmo problema é realmente confortante. "Sinto menos culpa. Consigo compreender melhor meu bebê e, sempre que acho que vou perder a paciência, penso: 'É a personalidade dele, tenha paciência high também'. Dizem que é culpa da mãe, e a mãe acaba acreditando nisso. Quando você entende o que seu bebê realmente é, você não fica mais justificando nada para os outros, porque eles não entenderiam mesmo. Você ignora muitos comentários e, assim, sofre menos. Você começa a observá-lo com outro olhar, não como um bebê problemático ou doente, mas como um bebê com necessidades diferentes. Então você também passa a ser uma mãe diferenciada", desabafa Beth.

Ângela também sentiu menos culpa após descobrir mais sobre o conceito, e tenta difundir essas informações com seus familiares e amigos. "Eu comecei a enviar os links de textos que encontrava na internet para a minha família e amigos mais próximos, para eles começarem a entender melhor as características do meu filho, e tentar evitar tantos julgamentos porque, querendo ou não, quem não entende essas características em uma criança, acaba julgando os pais", explica. Já Sandra acredita que saber disso conforta a mãe, ao mostrar que ela não está sozinha.

Opinião médica. As mães relatam que ainda há muita dificuldade em fazer os pediatras entenderem os bebês high need. O conceito ainda é pouco difundido entre médicos brasileiros mas, aos poucos, pediatras, psicólogos e psiquiatras têm estudado mais sobre o assunto.

"No começo, nenhum dos pediatras com quem conversei sobre bebês high need sabia ou aceitava essa teoria de comportamento. Porém agora, o pediatra que acompanha meu filho já tem um certo conhecimento, mas também não é 100% competente para lidar com essas características", conta Ângela.

A pediatra Rafaella Calmon, do hospital Leforte, é uma das profissionais que acreditam no conceito do médico William Seyers. "Muitos dos colegas [de profissão] têm bastante dificuldade de identificar os sinais, acham que é uma frescura, que a mãe está exagerando. Felizmente, cada vez há mais aporte bibliográfico sobre o assunto. O termo high need não é muito conhecido, mas, se as mães pesquisam no Google sobre bebês que choram muito, precisam de atenção toda hora, não dormem direito, não gostam de esperar, geralmente elas vão chegar ao conceito de Seyers", opina a pediatra.

Rafaella diz que, às vezes, é necessário um apoio psicológico não só para o bebê, mas também para a mãe. Porém, o mais importante é uma rede de apoio, principalmente familiar. "Dividir tarefas é algo muito importante, as mães têm que se sentir um pouco livres desse excesso de demanda do filho. Ela direciona todo esse cuidado do bebê para si, então ela e o bebê acabam se isolando do resto do mundo. É importante que ela tenha com quem conversar, que a família se informe também, que faça as coisas em conjunto", indica.

De acordo com o livro de William Seyers, alguns sinais de bebês high need são: hiperatividade, intensidade, mamam frequentemente, acordam frequentemente, não aceitam esperar, são insatisfeitos, imprevisíveis (o que funcionou ontem, pode não funcionar amanhã, por exemplo), não se acalmam sozinhos e são sensíveis a separação.

Segundo a pediatra, os high need costumam melhorar o comportamento a partir dos três anos, quando começam a interagir mais com outras pessoas, como colegas de escola ou creche. Porém, não há uma idade certa para isso mudar. "O importante é que a criança conviva com outras crianças da idade dela, porque, assim, a dependência da mãe pode diminuir um pouco", explica.

Bebês 'high need', ou de 'alta demanda', choram demais, pedem muita atenção e têm dificuldade de ficar longe da mãe. Foto: Pixabay

Eles choram demais, mamam demais, não aceitam esperar, têm dificuldade de dormir, não suportam ficar longe da mãe e querem atenção incessantemente. Ao primeiro olhar, muitos diriam que bebês assim apenas fazem 'birra', mas outra linha de pensamento acredita que existem bebês de 'alta necessidade', ou 'high need', no termo em inglês. 

O termo foi cunhado pelo pediatra americano William Sears, no livro The Baby Book. Nas páginas, ele conta que algumas mães que iam ao seu consultório relatavam queixas sobre a alta demanda dos filhos, que persistia mesmo após os primeiros meses de vida. Então, quando teve sua quarta filha, o médico finalmente entendeu aquelas mães: existem bebês que realmente exigem mais que outros. 

"Eu não podia sair do campo de visão dele, que era um choro sem fim. Para eu tomar banho, tinha que pôr o carrinho com ele na frente do box, pra ele continuar me vendo e ouvindo minha voz. Nunca ia pra o colo de ninguém. Se um estranho falasse com ele, era um choro até ele sair do ambiente. Ele mamava sem cessar, de vomitar a mamada e em segundos chorar porque queria mamar de novo. Quando ele tinha mais ou menos uns dois meses, eu cheguei a anotar, em um período de 24 horas, ele chorou 18 horas. Havia dias que eram mais de 40 minutos seguidos de choro", relembra Ângela Correia (nome fictício), de 34 anos, mãe de uma criança high need de cinco anos.

Já Beth Andrade (nome fictício), mãe de um menino de nove anos, percebeu que seu bebê era muito intenso desde o nascimento. "Todos falavam que, após os três meses de idade, ele melhoraria, inclusive a pediatra. Porém, ele completou três meses e nada mudou. Quando está de bom humor, ele é mega simpático mas, quando não, é insuportável. O sling era sua casa. Dormir à noite, nunca! Mama o tempo todo, até porque eu deixo em livre demanda. Fica gritando e chora durante o dia e durante a noite, sem motivos. Aos sete meses, eu já estava exausta, no meu limite. A pediatra continuava falando que alguns bebês são assim, mas eu não me conformava, porque vi o nascimento e crescimento de quatro sobrinhos e sei que dá trabalho, mas nunca havia visto essa intensidade. Ele me suga de uma forma que, às vezes, penso que vou enlouquecer. Aí comecei a pesquisar loucamente na internet, até que achei artigos sobre bebês high need. A cada linha que lia, via meu filho!", conta Beth.

Sandra Martins (nome fictício) é mãe de uma menina de dois anos e dois meses que, desde os primeiros meses de vida, sempre exigiu muito, o que fez com que ela buscasse diversos exames e profissionais. "Após ter passado por diversos pediatras, exames clínicos e laboratoriais, médico homeopata, feito tratamento com acupuntura, floral, depois de ter falado com benzedeira, apelado para o espiritismo... passei a buscar na internet sobre bebês exaustivamente agitados e inconsoláveis. Eis que me deparei com o artigo do doutor Sears falando sobre isso. E bati o martelo que era isso - e chorei, chorei, chorei", disse.

Essas mães são algumas das participantes do grupo de Facebook High Need Babies Brasil, que conta com mais de 2 mil membros e é o único do tipo no País. Criado por três mães de bebês HN, como são chamados pelos membros, o grupo serve como uma plataforma de apoio, onde mães tiram dúvidas, reclamam, desabafam e se ajudam. 

Uma das criadoras do grupo, Kecia Katzer, lembra que relutou em acreditar na teoria do médico, até que teve um filho que exigia muito dela. "Eu leio e pesquiso muito sobre desenvolvimento e comportamento infantil. Encontrei o livro do pediatra pioneiro nesse estudo, doutor Sears, por acaso. Porém, ao ler o livro sobre o termo inicialmente, achei um tanto exagerada a forma que ele colocava os comportamentos dos bebê porque, para mim, até então, todo bebê tinha aqueles comportamentos, acreditava serem naturais e instintivos. É aquela coisa: você não entende o que é um high need até ter um", comenta.

Porém a visão de Kecia mudou assim que teve seu segundo filho, Bernardo, que hoje tem quatro anos. "Em junho de 2013, tão logo reli os traços descritos pelo Sears como sendo high need babies, reconheci meu filho neles", relembra. Então seu primeiro instinto foi procurar um grupo específico sobre o tema - mas, para sua surpresa, não encontrou nenhum no Brasil.

"Chamei as três mães que participavam da conversa e decidimos criar um grupo para apoio. Conversando, descobrimos que era unânime o sentimento de culpa, de impotência e de exaustão. Tínhamos certeza absoluta que não éramos as únicas e que as mães desses bebês precisam de apoio, assim como nós estávamos precisando. Na maioria dos grupos de maternidade há muito julgamento, muita falta de empatia, e propagação de maternidade utópica.  As mães não têm a liberdade para falar que se sentem frustradas com alguns comportamentos de seus filhos, que perdem a paciência as vezes, e que, muitas vezes, não fazem ideia do que fazer com determinados comportamentos. Uma mãe de high need vive isso diariamente, com uma intensidade indescritível, e dói muito ver mães perfeitas, com seus filhos comportadíssimos, totalmente dentro dos padrões, e você ter que ficar quieta, porque não é sua realidade e você não faz ideia de como proceder", conta Kecia. A criadora conta que a intenção do grupo é justamente acolher e mostrar para as mulheres que o que elas passam é comum e não há nada de errado.

E saber que há outras mães com o mesmo problema é realmente confortante. "Sinto menos culpa. Consigo compreender melhor meu bebê e, sempre que acho que vou perder a paciência, penso: 'É a personalidade dele, tenha paciência high também'. Dizem que é culpa da mãe, e a mãe acaba acreditando nisso. Quando você entende o que seu bebê realmente é, você não fica mais justificando nada para os outros, porque eles não entenderiam mesmo. Você ignora muitos comentários e, assim, sofre menos. Você começa a observá-lo com outro olhar, não como um bebê problemático ou doente, mas como um bebê com necessidades diferentes. Então você também passa a ser uma mãe diferenciada", desabafa Beth.

Ângela também sentiu menos culpa após descobrir mais sobre o conceito, e tenta difundir essas informações com seus familiares e amigos. "Eu comecei a enviar os links de textos que encontrava na internet para a minha família e amigos mais próximos, para eles começarem a entender melhor as características do meu filho, e tentar evitar tantos julgamentos porque, querendo ou não, quem não entende essas características em uma criança, acaba julgando os pais", explica. Já Sandra acredita que saber disso conforta a mãe, ao mostrar que ela não está sozinha.

Opinião médica. As mães relatam que ainda há muita dificuldade em fazer os pediatras entenderem os bebês high need. O conceito ainda é pouco difundido entre médicos brasileiros mas, aos poucos, pediatras, psicólogos e psiquiatras têm estudado mais sobre o assunto.

"No começo, nenhum dos pediatras com quem conversei sobre bebês high need sabia ou aceitava essa teoria de comportamento. Porém agora, o pediatra que acompanha meu filho já tem um certo conhecimento, mas também não é 100% competente para lidar com essas características", conta Ângela.

A pediatra Rafaella Calmon, do hospital Leforte, é uma das profissionais que acreditam no conceito do médico William Seyers. "Muitos dos colegas [de profissão] têm bastante dificuldade de identificar os sinais, acham que é uma frescura, que a mãe está exagerando. Felizmente, cada vez há mais aporte bibliográfico sobre o assunto. O termo high need não é muito conhecido, mas, se as mães pesquisam no Google sobre bebês que choram muito, precisam de atenção toda hora, não dormem direito, não gostam de esperar, geralmente elas vão chegar ao conceito de Seyers", opina a pediatra.

Rafaella diz que, às vezes, é necessário um apoio psicológico não só para o bebê, mas também para a mãe. Porém, o mais importante é uma rede de apoio, principalmente familiar. "Dividir tarefas é algo muito importante, as mães têm que se sentir um pouco livres desse excesso de demanda do filho. Ela direciona todo esse cuidado do bebê para si, então ela e o bebê acabam se isolando do resto do mundo. É importante que ela tenha com quem conversar, que a família se informe também, que faça as coisas em conjunto", indica.

De acordo com o livro de William Seyers, alguns sinais de bebês high need são: hiperatividade, intensidade, mamam frequentemente, acordam frequentemente, não aceitam esperar, são insatisfeitos, imprevisíveis (o que funcionou ontem, pode não funcionar amanhã, por exemplo), não se acalmam sozinhos e são sensíveis a separação.

Segundo a pediatra, os high need costumam melhorar o comportamento a partir dos três anos, quando começam a interagir mais com outras pessoas, como colegas de escola ou creche. Porém, não há uma idade certa para isso mudar. "O importante é que a criança conviva com outras crianças da idade dela, porque, assim, a dependência da mãe pode diminuir um pouco", explica.

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