A cena quase cinematográfica de um homem por volta de 60 anos levando a mão ao peito, com expressão assustada e muita dor, não é o único retrato de um enfarte. Essa cena, por sinal, pode ser muito diferente da que algumas mulheres vão presenciar ao estarem prestes a ter um ataque do coração.
As doenças cardíacas ainda são frequentemente retratadas como problemas masculinos - um resquício das décadas anteriores, quando isso ainda se aplicava à realidade. De acordo com dados da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), na década de 1970 as mulheres representavam apenas 10% das mortes por enfarte entre os adultos. Hoje, esse número já passa dos 40%.
Entre os fatores que contribuíram para a equiparação com os homens, avaliam os médicos, está a mudança no estilo de vida. “Com a possibilidade de a mulher entrar mais no mercado de trabalho, ela fica inserida em um ambiente com mais estresse e competitividade”, explica o doutor Celso Amodeo, diretor de Comunicação da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Com isso, mudou também a alimentação - que atualmente costuma ser mais rápida e gordurosa - e aumentou o sedentarismo.
No entanto, a mudança no estilo de vida é apenas uma das causas, alerta o médico. O tabagismo tem se tornado um dos maiores responsáveis por doenças do coração nas mulheres, afirma Amoedo. Roberto Cury, cardiologista do laboratório Alta Excelência Diagnóstica, também considera esse ponto muito relevante. “Estudos vêm mostrando que o tabagismo e a diabete têm um impacto ainda maior na mulher do que no homem”, relata. Um estudo da Universidade de Michigan publicado no American Journal of Cardiology, por exemplo, comprovou que, após um episódio agudo - como um enfarte -, as mulheres fumantes têm risco maior de sofrer complicações do que os homens fumantes.
Com a descoberta desses riscos e o aumento na proporção de morte por enfarte nas mulheres se comparado aos homens, diversos especialistas vêm defendendo uma atenção maior aos sintomas ‘femininos’. “Na mulher, pode haver falta de ar, cansaço excessivo, dor na boca do estômago, que podem estar associados ou não aos sintomas mais comuns. Por isso, elas geralmente demoram mais para se dirigir a um pronto-socorro”, explica Cury.
Além disso, ao chegar à emergência sem os sintomas clássicos, a mulher pode ser diagnosticada erroneamente. “Muitas vezes, o eletrocardiograma normal descarta o enfarte clássico, e não há alterações nas enzimas, mas ela pode estar com lesões críticas. Por isso, os hospitais têm um protocolo básico para se seguir a investigação, dependendo do risco”, complementa o especialista.
Amodeo adiciona que os sintomas precisam ser levados a sério. “A gente observa que o sintoma da mulher acaba sendo subvalorizado, porque a mulher é vista como alguém que já tem mais queixas normalmente.” Cury relata que é importante seguir o protocolo e não desistir da investigação. Um dos exames que podem ser feitos quando não há alterações em enzimas e o eletrocardiograma descarta enfarte é a tomografia da coronária, afirma Cury.
Prevenção. Além de não fumar, a alimentação balanceada, com pouca gordura e sal, é importante na prevenção de doenças cardíacas. Amodeo recomenda o menor consumo possível de alimentos industrializados e a prática de um dieta fracionada - ou seja, não comer apenas três vezes ao dia, em grandes refeições, mas sim fazer pequenos lanches saudáveis entre café da manhã, almoço e jantar.
Além disso, os especialistas recomendam que as mulheres conversem com seus ginecologistas sobre a composição das pílulas anticoncepcionais receitadas, além de redobrar a atenção quando há histórico familiar de problemas do coração. Exames preventivos são essenciais.