Havia alguma coisa esquisita com aquela minha nova paciente. Era elegante, segura de si - e, no entanto, mascava chicletes, devagar e ritmicamente, algo que raramente via em minhas sessões psiquiátricas. Estaria ela querendo esconder a ansiedade daquele primeiro encontro? Ou talvez só quisesse mostrar um estilo descontraído, cool?
Falamos longamente sobre o que a levou a me procurar. Depois, como faço com os novos pacientes, perguntei se ela já tinha usado medicamentos psiquiátricos ou substâncias psicoativas, com ou sem receita, legais ou ilegais. Sua resposta foi novidade para mim. Ela disse que mascava perto de 40 tabletes de nicotina por dia, e vinha fazendo isso havia uma década.
Respostas a essa minha pergunta são frequentemente esclarecedoras. Embora os médicos sejam treinados para receitar medicamentos convencionais, há e sempre houve "remédios" fora do receituário para problemas psiquiátricos. E a preferência por um tipo e não outro pode dar uma pista dos sintomas e mesmo da química cerebral do paciente.
Se um paciente me diz que dorme ao usar cocaína, ele pode ter um déficit de atenção. Se outro fuma maconha para se acalmar antes de uma importante reunião de negócios, isso me sugere fobia social ou alguma outra forma de ansiedade. Pessoas que usam quetamina para recreação talvez sejam depressivas, já que esse anestésico mostrou ter ação antidepressiva e vem sendo pesquisado para potencial uso terapêutico.
Estudar o uso de substâncias psicoativas pelos pacientes, da cocaína ao álcool e café, me dá uma visão da incrivelmente diferente neuroquímica do cérebro das pessoas. Um toma álcool e fica eufórico, espirituoso, extrovertido; outro pode ficar letárgico e nauseado. Para uns, a maconha aguça a atenção, permitindo acompanhar melhor as aulas e tirar boas notas; para outros, leva a ataques de paranoia; outros, ainda, fumam para ajudar a dormir. No entanto, essas substâncias atingem presumivelmente os mesmos receptores no cérebro de cada um.
Minha nova paciente explicou que começou a fumar na faculdade. O efeito era o de "uma chave que entra perfeitamente na fechadura". Seu cérebro ficava mais claro, os pensamentos, mais coerentes, o humor e a disposição melhoravam. Não querendo prejudicar os pulmões, ela logo mudou para a nicotina de mascar e estabilizou-se na mesma quantidade por mais de uma década - padrão que, descobri, é típico de usuários de longo prazo desse produto.
Perguntou-me o que achava de ela usar a droga. Minha resposta, curta, foi que eu não sabia. Mas quando, mais tarde, pensei em nossa conversa, achei particularmente impactante sua imagem da chave e da fechadura. Era a mesma que psiquiatras e neurofisiologistas usam para descrever as interações no cérebro entre neurotransmissores e seus receptores. De fato, neurônios têm receptores nos quais a nicotina se encaixa com exatidão, imitando as ações das próprias moléculas cerebrais.
Sofreria a paciente da falta do neurotransmissor que normalmente estimula esses receptores? Nesse caso, talvez a nicotina fosse um tratamento eficaz.
Pesquisas confirmaram a experiência de minha paciente com os efeitos psiquiátricos positivos da nicotina: foi comprovado que ela melhora a cognição, memória, atenção e humor, além de reduzir a ansiedade. Pessoas com doenças mentais graves, especialmente esquizofrenia e depressão, fumam muito mais que pessoas normais e têm mais dificuldade em parar - talvez porque a nicotina melhore alguns dos sintomas. E fumar pode mesmo trazer benefícios para a saúde: fumantes sofrem menor incidência do mal de Parkinson (é claro, no entanto, que os benefícios não se sobrepõem aos riscos).
Talvez minha paciente estivesse apenas descrevendo um vício. Não sabemos quanto a nicotina em tabletes é viciante. Como os emplastros de nicotina, os tabletes liberam a droga na corrente sanguínea e dali ela vai para o cérebro, em ritmo mais lento e com menos picos de elevação de pressão do que produzido pelo cigarro. Esse menor grau de oscilação faz a goma de mascar de nicotina muito menos viciante que o tabaco.
Minha paciente nem cogitava de ficar sem os tabletes, que comprava em grande quantidade para ter sempre um estoque seguro. É muito possível que, se tentasse parar de usá-los, teria uma crise de abstinência.
Pelo atual Manual de Diagnóstico e Estatística de Distúrbios Mentais (DSM-5), um vício (ou, segundo o nome oficial, "distúrbio de uso de substância") pode causar "ativação tão intensa do sistema de recompensa que atividades normais venham a ser negligenciadas". Essa mulher, no entanto - casada e com um filho, amigos e uma carreira de sucesso -, não estava certamente negligenciando suas "atividades normais".
A pergunta, a ser feita, no caso, não era se minha paciente deveria começar a usar nicotina, com risco de se viciar - mas o que fazer agora, que ela já usava. Estaria pondo em risco sua saúde?
A literatura sobre pesquisas, como costuma ser frequente, não esclarecia. A nicotina, em parte pela liberação de adrenalina, pode aumentar a frequência cardíaca e elevar a pressão arterial. Embora estudos com cobaias tenham levantado a possibilidade de que essas oscilações possam danificar os vasos sanguíneos, abrindo caminho para potenciais doenças cardiovasculares, a limitação de dados referente a seres humanos não confirmou esse risco (cigarros, no entanto, têm muitas outras substâncias que, atuando com a nicotina, danificam os vasos, deixando claros os riscos que fumar traz à saúde).
Falei com vários especialistas da área e todos concordaram que não foram documentados riscos sérios provocados por produtos de nicotina sem tabaco - além do vício.
Em outras palavras, a nicotina é como a maioria dos medicamentos que receito. Quase todos envolvem riscos e alguns, como Ritalin, Adderall e outros estimulantes, têm vários efeitos colaterais quase idênticos aos da nicotina, incluindo potencial adição. Para alguns pacientes, a medicação pode trazer melhoras quase miraculosas. Para outros, os benefícios são modestos. E os efeitos colaterais podem representar sérios riscos para a saúde.
Assim, como responder à pergunta de minha paciente? Discutimos minhas conclusões. Consequências de longo termo, como possíveis problemas cardíacos, não podiam ser descartadas. A decisão final sobre parar ou continuar a usar nicotina teria de ser dela. Eu não estava muito convicto de que ela deveria parar. Não surpreendentemente, não parou.
Muitos dias depois de nossa discussão, eu, curioso sobre essa interessante substância, fui à farmácia local e comprei goma de mascar de nicotina. Pareceu uma compra ilícita, com o farmacêutico pegando o produto embaixo do balcão. Minutos depois de pôr um tablete na boca, senti-me como se tivesse tomado uma xícara de café de alta octanagem.
Foi mais uma lição sobre quão pouco sabemos da química do cérebro de cada um. O que para uns é uma bênção farmacológica, para outros pode ser um estrago. Aquilo que deixava minha paciente calma e serena, deixou-me trêmulo e inquieto. Caminhei pelo parque durante uma hora antes de sentar num café e pedir uma taça de vinho. Precisava de algo para acalmar os nervos.
Tradução de Roberto Muniz