O anúncio da Under Armour estrelado por Gisele Bundchen não foi o ponto de virada, mas contribuiu com a decisão tomada por Devon Mish de lançar sua própria marca de roupas esportivas três meses atrás. No comercial, que recebeu cerca de 2,5 milhões de visualizações no YouTube, a modelo aparece usando legging da Under Armour e um sutiã esportivo enquanto transpira no treino de kickboxing. Ao surrar o saco de areia com movimentos vigorosos, os comentários dos espectadores são exibidos nas paredes ao redor dela - alguns positivos, muitos negativos. E ela os ignora.
Trata-se de uma mensagem de poder feminino por meio do atletismo suarento. E isso causou estranhamento em Devon. "Veja como são os comerciais. Mulheres correndo numa maratona. Gisele praticando boxe. Estão todas suando", diz Devon. "Não gosto de transpirar. Não gosto da sensação de suar. Não tenho como objetivo ser uma atleta de ponta."
Depois que as roupas de ginástica deixaram a academia e ganharam as ruas, isso significou que todas as marcas, de Nike a Athleta, passaram a vestir as mulheres como guerreiras - mesmo aquelas que só estão buscando a roupa lavada. Devon estava pronta para uma reviravolta estilística. Ela ansiava por um retorno filosófico e estético das roupas esportivas femininas da época anterior à ênfase ao título de Campeã de Pentatlo Amador. Assim, ela criou a Devon Maryn - batizada em homenagem à filha - que celebra ironicamente as "listras cor de rosa, bijuterias e cabelão".
Devon não é avessa aos exercícios. Chegar aos 30 anos e dar à luz o terceiro filho foram motivação suficiente para queimar algumas calorias e botar as endorfinas para circular. Assim, ela participa de aulas de spinning e corre na esteira. E ela transpira, mas não gosta nada disso. Sem dúvida, não estava em seus planos vestir um modelo preto como o de Gisele para transpirar ainda mais. Como se fosse uma atleta.
Nascida na Califórnia, Devon se mudou para Odenton, Maryland, dez anos atrás. Ela descreve sua estética como motivacional. São roupas para mulheres que poderiam se interessar por artigos esportivos da Kate Spade ou Lilly Pulitzer. Assim, além de muito rosa, há também estampas com âncoras e lagostas. "Todos pensam no lado atlético e arrojado da moda esportiva", diz Devon. "Temos shorts que podem ser usados na academia, mas também durante as férias, na praia."
Devon faz parte da grande parcela da população para a qual as roupas de ioga se tornaram o novo jeans. As leggings de lycra agora são vistas em maior número no mercado do que na academia. De fato, foi a moda atlética que possibilitou o recente aumento na renda da indústria de artigos esportivos. As leggings e os sutiãs esportivos respondem agora por 16% - ou US$ 33,7 bilhões (cerca de R$ 91 bilhões) - do mercado de artigos esportivos, avaliado em US$ 206,3 bilhões (R$ 557 bilhões, aproximadamente), de acordo com o NPD Group, que rastreia e analisa dados do varejo. Foi a linha de roupas esportivas/confortáveis de Alexander Wang para a H&M que fez o site da loja sair do ar brevemente.
Se há explicações para esse fenômeno, além da crescente informalidade das roupas que usamos em público e a continuidade que muitas vezes envolve nossa ida matinal à academia, seguida das tarefas da tarde que emendam no jantar e na hora de dormir, ao menos uma delas é a frustração com o único tipo de moda casual que costumávamos ter.
"Acho que as mulheres estão se esforçando demais para caber nos jeans apertados. Assim, o lado confortável das roupas esportivas é um alívio", diz Ira Schwartz, coproprietário da marca nova-iorquina de roupas para atividades ao ar livre Free Country, com a mulher, Jody. Afinal, quem quer vestir uma calça Spanx apenas para levar o cachorro para passear?
Assim, a paisagem logo ficou repleta de incontáveis leggings Lululemon, com o colorido contraste de suas cintas. A indústria dos artigos esportivos logo deu vazão a uma série de empresas de roupas esportivas de alto padrão produzindo roupas de corrida de US$ 400 (R$ cerca de R$ 1,1 mil) e sutiãs esportivos que poderiam ser confundidos com roupas de sadomasoquismo. Há leggings que dão a impressão de serem feitas de couro e outras têm moldes misturando outros tecidos sintéticos. A SoulCycle incorpora um crânio com ossos na linguagem de sua marca. A ênfase tem sido num estilo arrojado, sexy e aerodinâmico. E um exemplo dessa estética foi a recente decisão da Puma de contratar a cantora Rihanna como diretora de criação, algo que pode levar ao mercado leggings transparentes e sutiãs esportivos cobertos de brilhantes para a mulher batalhadora que se enxerga como espécie de Atena moderna.
As roupas esportivas contemporâneas buscam fazer as mulheres parecerem heroicas e poderosas - mesmo que elas estejam simplesmente erguendo uma xícara de café com leite até a boca durante o brunch. De fato, basta acessar o site da Carbon38, especializada em roupas esportivas na vanguarda da moda, para ver uma celebração dos abdominais definidos, corpos oleosos, estilos urbanos descolados e lycra.
Mas Devon queria apenas uma calça de ioga que não fosse voltada para o suor, os gemidos e a respiração ofegante. Ela não queria roupas que a fizessem parecer durona nem destemida, ou alguém que adora pular no step e fazer exercícios repetitivos. Nada disso: ela queria calças esportivas que deixassem tudo isso para trás e fossem simplesmente bonitas. Roupas esportivas que parassem de fingir que estão vestindo as mulheres para algo que elas na verdade não fazem.
"Se analisarmos os consumidores com frieza, veremos que eles não estão em busca de inspiração", diz Schwartz. A maioria deles não é obcecada pelo crossfit nem faz a dieta do paleolítico. Gostam de se exercitar ocasionalmente, talvez tenham feito uma resolução de ano novo para voltar à academia. "Como fazer o consumidor ficar com boa aparência?" Devon acha que um toque de cor de rosa pode ajudar.
Tradução de Augusto Calil