Sexualidade e deficiência: por que ainda é um tabu falar sobre o assunto?


A ideia de que deficientes são incapazes de sentir e proporcionar prazer inviabiliza e enfraquece um debate fundamental para a inclusão no Brasil

Por Jéssica Lopez
Atualização:

Falar sobre sexualidade ainda é um tabu. Esse assunto se torna mais delicado quando é abordado para ser discutido em relação à pessoas com deficiência. A ideia errada de que essa parcela da população seja incapaz de sentir e proporcionar prazer, de poder casar, ter filhos e usufruir de direitos sexuais, inviabiliza e enfraquece um debate fundamental para a inclusão no Brasil.

A bancária Eliziane Pereira Graciano, que tem paralisia cerebral, relata as muitas vezes que pessoas que não possuem deficiência a olhavam com admiração por realizar tarefas comuns. “Muita gente olha com curiosidade, às vezes com preconceito e em alguns casos até inveja, pois eu sempre batalhei e estudei muito pra alcançar meus objetivos e a pessoa com deficiência têm muita dificuldade neste quesito pois sempre precisa fazer algo além para provar que é tão boa quanto - quem não tem deficiência. - O olhar de pena das pessoas é o que mais me incomoda”, relata ela.

Casada há quinze anos e com dois filhos, a paralisia cerebral a afetou no lado direito do corpo. “Zero coordenação motora. Comecei a fazer vídeos mostrando como eu me viro no dia a dia com o braço esquerdo”.

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Segundo a Lei Brasileira de Inclusão 13.146, de 6 de Julho de 2015, o conceito de pessoa com deficiência leva em conta alguns indicadores como impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; fatores socioambientais, psicológicos, pessoais e a restrição na participação. O instrumento usado para avaliar essas condições é o Índice de Funcionalidade Brasileiro Modificado (IFBrM). A assessora técnica de assistência social da Federação Nacional das Apaes, (Fenapaes), Ivone Maggioni Fiore, explica o conceito de pessoa com deficiência à luz das diretrizes da instituição.

“A Rede Apae Brasil é orientada pela perspectiva biopsicossocial de deficiência, representada nas normas legais vigentes, entre elas, a Lei Brasileira de Inclusão. Nessa concepção, os impedimentos de natureza corporal são vistos como condições da diversidade humana. A situação de deficiência se estabelece somente quando barreiras sociais, físicas e atitudinais, ao ignorarem esses impedimentos, desencadeiam experiências de desigualdade que obstruem a participação. Nesse contexto, explica-se a situação de deficiência como uma questão de direitos humanos e remete à superação das desigualdades sociais que se expressam nas formas de discriminação, opressão e negação de acessibilidade”.

Portadora de paralisia cerebral, Eliziane é casada há quinze anos e tem dois filhos. Foto: Arquivo Pessoal
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Lucas Sobral Marcondes, advogado que possui mielomeningocele, síndrome conhecida como espinha bífida, relata que dentre os maiores enfrentamentos que já teve em relação a sua vida afetiva e sexual, atualmente, a auto aceitação ainda é um processo em desenvolvimento. “Entender que eu sou uma pessoa que merece amar e ser amado, que sou digno de ter uma vida social e sexual saudável. Enfrentar as barreiras mentais que eu criei ao longo dos anos como uma forma de fugir da realidade, como uma forma de evitar os meus demônios, de confrontar o meu medo de ser visto como uma pessoa com deficiência. A grande questão, no meu caso, é realmente a autoestima e auto aceitação do meu corpo, de quem eu sou”, reflete ele.

Para a psicóloga e doutora em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo, Unifesp, Teresa Helena Schoen, abordar a sexualidade de pessoas com deficiência ainda é algo restrito, pois é um tema que envolve várias questões como valores familiares e a consideração de ser algo dentro de uma esfera somente privada. “Poucos profissionais sentem-se aptos para trabalhar esse tema com as pessoas com deficiência. Além do mais, há uma crença geral de que essas pessoas são assexuadas, não tem desejos. Por outro lado, há outro pensamento que expressa que são super sexuais, não tem controle, então precisam ser reprimidas. Há aqueles que acreditam que se não falar, não existe. Nenhuma dessas crenças é verdadeira. Pessoas com deficiência necessitam de educação sexual, tanto no que diz respeito ao entendimento do seu corpo - quais são e para que servem os órgãos - quanto para identificar suas emoções e desejos”.

A psicóloga continua explicando que falar sobre o tema, também perpassa por outros assuntos inerentes ao ambiente e situações específicas. “Como fazer, por exemplo, quando se está menstruada? Como trocar e descartar o absorvente, como deixar o banheiro limpo, lençóis, roupas e toalhas? Como lidar com uma ereção? E se for em sala de aula? E se for no ônibus? Ou seja, a educação sexual deve levar em conta o comportamento adaptativo, para que a pessoa com deficiência consiga resolver seus problemas, respeitar as outras pessoas e ainda colaborar com sua família ou comunidade”, explica Teresa.

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Nesse contexto, o debate sobre a sexualidade torna-se fundamental, mais ainda quando o âmbito atinge essa população. Para Ivone Maggioni Fiore, é necessário compreender que esse é um tema inerente ao ser humano e que com a mesma naturalidade que é abordado para pessoas sem deficiência, deve ser entendido para a população PCD. “Dessa forma, é tão importante quanto com qualquer criança e adolescente falar sobre formas de prevenção a situações de abuso e violência como forma preventiva, assim como falar dos afetos e das potencialidades de se relacionar, até ao desenvolvimento orgânico e suas mudanças, prevenção a Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), Aids e gravidez. Faz parte da autonomia o exercício e a manifestação dos seus afetos. Todas as pessoas possuem dimensões da afetividade e da sexualidade. Falar sobre esses assuntos exige uma atenção do uso e adequação das linguagens necessárias, de acordo com a compreensão de cada um. Faz parte do desenvolvimento da autonomia o exercício e manifestação dos seus afetos”, ensina Ivone.

A importância de falar sobre sexualidade ganha uma proporção maior na medida que percebemos como o tema ainda causa constrangimento. A relevância se torna fundamental quando o assunto é relacionado à pessoa com deficiência. Entretanto, para ele ganhar visibilidade é necessário ter uma abrangência maior nos campos de políticas públicas em educação, saúde e assistência social e também entender que esse não é um tema restrito somente a profissionais, mas às famílias envolvidas e a toda a sociedade.

Lucas é advogado e tem espinha bífida Foto: Instagram/@lucas.mielo
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Direitos Assegurados por Lei

Ivone Fiore aponta quais são os direitos sexuais e reprodutivos das pessoas com deficiência assegurados por lei. “A Lei Brasileira de Inclusão, em seu artigo sexto, mostra que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa com deficiência para: casar-se e constituir união estável; exercer direitos sexuais e reprodutivos; ter o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”.

Para Lucas Marcondes, falar de sexualidade faz parte da vida e abordar esse tema em relação às pessoas com deficiência é um dos processos de inclusão. “Todas as formas de relações, sejam amorosas, sexuais, de amizade, amizades virtuais, fazem parte do dia a dia de todo mundo e com as pessoas com deficiência isso não é diferente. Nós temos nossos desejos, vontades e formas de expressão. Falar sobre isso, sem tabus, é uma forma de dar visibilidade não apenas para a questão da sexualidade, mas da inclusão. É uma forma de construir novos entendimentos, novas ideias, e assim abrir espaço na sociedade. Estamos falando em direitos humanos aqui”, pontua o advogado.

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O olhar para as necessidades da pessoa com deficiência ainda é pouco explorado. Para Eliziane, a falta de informações gera mais insegurança nas mulheres que são PCDs. Diferente dela, muitas abandonam o sonho de serem mães por se acharem incapazes de cuidar de uma outra vida. “A maternidade é um sonho de boa parte das mulheres, seja pela vontade de construir uma família ou pela experiência do tão sonhado amor incondicional de mãe, motivos não faltam e quando o assunto é com as que têm alguma deficiência, não é diferente. Infelizmente ainda é algo pouco comentado”.

Um bom enfrentamento do tabu em relação a sexualidade das pessoas com deficiência passa por investimentos em políticas públicas de educação, saúde e assistência social. Os especialistas são unânimes; é um assunto que precisa também ser tratado de forma didática em todos os âmbitos da sociedade, na cultura de cada pessoa, envolvendo familiares, amigos, para assim se evitar explorações e abusos e abrir caminhos para experiências que possam proporcionar o descobrimento de afetos e da sexualidade plena de cada pessoa.

O respeito à diversidade também é muito importante. Para Ivone Fiore o entendimento e o exercício civilizatório são caminhos para a superação dos problemas existentes. “Vencer as barreiras atitudinais, em especial o preconceito, é elevar o conhecimento, o convívio social, a solidariedade humana, a alteridade, que são virtudes que podem ser exercitadas em processos educacionais, sejam eles formais, nas escolas, como nas redes familiares, mas também nas mídias, em eventos culturais. Essas barreiras só podem ser transpostas por meio de mudanças das atitudes, em especial na vida social”.

Falar sobre sexualidade ainda é um tabu. Esse assunto se torna mais delicado quando é abordado para ser discutido em relação à pessoas com deficiência. A ideia errada de que essa parcela da população seja incapaz de sentir e proporcionar prazer, de poder casar, ter filhos e usufruir de direitos sexuais, inviabiliza e enfraquece um debate fundamental para a inclusão no Brasil.

A bancária Eliziane Pereira Graciano, que tem paralisia cerebral, relata as muitas vezes que pessoas que não possuem deficiência a olhavam com admiração por realizar tarefas comuns. “Muita gente olha com curiosidade, às vezes com preconceito e em alguns casos até inveja, pois eu sempre batalhei e estudei muito pra alcançar meus objetivos e a pessoa com deficiência têm muita dificuldade neste quesito pois sempre precisa fazer algo além para provar que é tão boa quanto - quem não tem deficiência. - O olhar de pena das pessoas é o que mais me incomoda”, relata ela.

Casada há quinze anos e com dois filhos, a paralisia cerebral a afetou no lado direito do corpo. “Zero coordenação motora. Comecei a fazer vídeos mostrando como eu me viro no dia a dia com o braço esquerdo”.

Segundo a Lei Brasileira de Inclusão 13.146, de 6 de Julho de 2015, o conceito de pessoa com deficiência leva em conta alguns indicadores como impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; fatores socioambientais, psicológicos, pessoais e a restrição na participação. O instrumento usado para avaliar essas condições é o Índice de Funcionalidade Brasileiro Modificado (IFBrM). A assessora técnica de assistência social da Federação Nacional das Apaes, (Fenapaes), Ivone Maggioni Fiore, explica o conceito de pessoa com deficiência à luz das diretrizes da instituição.

“A Rede Apae Brasil é orientada pela perspectiva biopsicossocial de deficiência, representada nas normas legais vigentes, entre elas, a Lei Brasileira de Inclusão. Nessa concepção, os impedimentos de natureza corporal são vistos como condições da diversidade humana. A situação de deficiência se estabelece somente quando barreiras sociais, físicas e atitudinais, ao ignorarem esses impedimentos, desencadeiam experiências de desigualdade que obstruem a participação. Nesse contexto, explica-se a situação de deficiência como uma questão de direitos humanos e remete à superação das desigualdades sociais que se expressam nas formas de discriminação, opressão e negação de acessibilidade”.

Portadora de paralisia cerebral, Eliziane é casada há quinze anos e tem dois filhos. Foto: Arquivo Pessoal

Lucas Sobral Marcondes, advogado que possui mielomeningocele, síndrome conhecida como espinha bífida, relata que dentre os maiores enfrentamentos que já teve em relação a sua vida afetiva e sexual, atualmente, a auto aceitação ainda é um processo em desenvolvimento. “Entender que eu sou uma pessoa que merece amar e ser amado, que sou digno de ter uma vida social e sexual saudável. Enfrentar as barreiras mentais que eu criei ao longo dos anos como uma forma de fugir da realidade, como uma forma de evitar os meus demônios, de confrontar o meu medo de ser visto como uma pessoa com deficiência. A grande questão, no meu caso, é realmente a autoestima e auto aceitação do meu corpo, de quem eu sou”, reflete ele.

Para a psicóloga e doutora em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo, Unifesp, Teresa Helena Schoen, abordar a sexualidade de pessoas com deficiência ainda é algo restrito, pois é um tema que envolve várias questões como valores familiares e a consideração de ser algo dentro de uma esfera somente privada. “Poucos profissionais sentem-se aptos para trabalhar esse tema com as pessoas com deficiência. Além do mais, há uma crença geral de que essas pessoas são assexuadas, não tem desejos. Por outro lado, há outro pensamento que expressa que são super sexuais, não tem controle, então precisam ser reprimidas. Há aqueles que acreditam que se não falar, não existe. Nenhuma dessas crenças é verdadeira. Pessoas com deficiência necessitam de educação sexual, tanto no que diz respeito ao entendimento do seu corpo - quais são e para que servem os órgãos - quanto para identificar suas emoções e desejos”.

A psicóloga continua explicando que falar sobre o tema, também perpassa por outros assuntos inerentes ao ambiente e situações específicas. “Como fazer, por exemplo, quando se está menstruada? Como trocar e descartar o absorvente, como deixar o banheiro limpo, lençóis, roupas e toalhas? Como lidar com uma ereção? E se for em sala de aula? E se for no ônibus? Ou seja, a educação sexual deve levar em conta o comportamento adaptativo, para que a pessoa com deficiência consiga resolver seus problemas, respeitar as outras pessoas e ainda colaborar com sua família ou comunidade”, explica Teresa.

Nesse contexto, o debate sobre a sexualidade torna-se fundamental, mais ainda quando o âmbito atinge essa população. Para Ivone Maggioni Fiore, é necessário compreender que esse é um tema inerente ao ser humano e que com a mesma naturalidade que é abordado para pessoas sem deficiência, deve ser entendido para a população PCD. “Dessa forma, é tão importante quanto com qualquer criança e adolescente falar sobre formas de prevenção a situações de abuso e violência como forma preventiva, assim como falar dos afetos e das potencialidades de se relacionar, até ao desenvolvimento orgânico e suas mudanças, prevenção a Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), Aids e gravidez. Faz parte da autonomia o exercício e a manifestação dos seus afetos. Todas as pessoas possuem dimensões da afetividade e da sexualidade. Falar sobre esses assuntos exige uma atenção do uso e adequação das linguagens necessárias, de acordo com a compreensão de cada um. Faz parte do desenvolvimento da autonomia o exercício e manifestação dos seus afetos”, ensina Ivone.

A importância de falar sobre sexualidade ganha uma proporção maior na medida que percebemos como o tema ainda causa constrangimento. A relevância se torna fundamental quando o assunto é relacionado à pessoa com deficiência. Entretanto, para ele ganhar visibilidade é necessário ter uma abrangência maior nos campos de políticas públicas em educação, saúde e assistência social e também entender que esse não é um tema restrito somente a profissionais, mas às famílias envolvidas e a toda a sociedade.

Lucas é advogado e tem espinha bífida Foto: Instagram/@lucas.mielo

Direitos Assegurados por Lei

Ivone Fiore aponta quais são os direitos sexuais e reprodutivos das pessoas com deficiência assegurados por lei. “A Lei Brasileira de Inclusão, em seu artigo sexto, mostra que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa com deficiência para: casar-se e constituir união estável; exercer direitos sexuais e reprodutivos; ter o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”.

Para Lucas Marcondes, falar de sexualidade faz parte da vida e abordar esse tema em relação às pessoas com deficiência é um dos processos de inclusão. “Todas as formas de relações, sejam amorosas, sexuais, de amizade, amizades virtuais, fazem parte do dia a dia de todo mundo e com as pessoas com deficiência isso não é diferente. Nós temos nossos desejos, vontades e formas de expressão. Falar sobre isso, sem tabus, é uma forma de dar visibilidade não apenas para a questão da sexualidade, mas da inclusão. É uma forma de construir novos entendimentos, novas ideias, e assim abrir espaço na sociedade. Estamos falando em direitos humanos aqui”, pontua o advogado.

O olhar para as necessidades da pessoa com deficiência ainda é pouco explorado. Para Eliziane, a falta de informações gera mais insegurança nas mulheres que são PCDs. Diferente dela, muitas abandonam o sonho de serem mães por se acharem incapazes de cuidar de uma outra vida. “A maternidade é um sonho de boa parte das mulheres, seja pela vontade de construir uma família ou pela experiência do tão sonhado amor incondicional de mãe, motivos não faltam e quando o assunto é com as que têm alguma deficiência, não é diferente. Infelizmente ainda é algo pouco comentado”.

Um bom enfrentamento do tabu em relação a sexualidade das pessoas com deficiência passa por investimentos em políticas públicas de educação, saúde e assistência social. Os especialistas são unânimes; é um assunto que precisa também ser tratado de forma didática em todos os âmbitos da sociedade, na cultura de cada pessoa, envolvendo familiares, amigos, para assim se evitar explorações e abusos e abrir caminhos para experiências que possam proporcionar o descobrimento de afetos e da sexualidade plena de cada pessoa.

O respeito à diversidade também é muito importante. Para Ivone Fiore o entendimento e o exercício civilizatório são caminhos para a superação dos problemas existentes. “Vencer as barreiras atitudinais, em especial o preconceito, é elevar o conhecimento, o convívio social, a solidariedade humana, a alteridade, que são virtudes que podem ser exercitadas em processos educacionais, sejam eles formais, nas escolas, como nas redes familiares, mas também nas mídias, em eventos culturais. Essas barreiras só podem ser transpostas por meio de mudanças das atitudes, em especial na vida social”.

Falar sobre sexualidade ainda é um tabu. Esse assunto se torna mais delicado quando é abordado para ser discutido em relação à pessoas com deficiência. A ideia errada de que essa parcela da população seja incapaz de sentir e proporcionar prazer, de poder casar, ter filhos e usufruir de direitos sexuais, inviabiliza e enfraquece um debate fundamental para a inclusão no Brasil.

A bancária Eliziane Pereira Graciano, que tem paralisia cerebral, relata as muitas vezes que pessoas que não possuem deficiência a olhavam com admiração por realizar tarefas comuns. “Muita gente olha com curiosidade, às vezes com preconceito e em alguns casos até inveja, pois eu sempre batalhei e estudei muito pra alcançar meus objetivos e a pessoa com deficiência têm muita dificuldade neste quesito pois sempre precisa fazer algo além para provar que é tão boa quanto - quem não tem deficiência. - O olhar de pena das pessoas é o que mais me incomoda”, relata ela.

Casada há quinze anos e com dois filhos, a paralisia cerebral a afetou no lado direito do corpo. “Zero coordenação motora. Comecei a fazer vídeos mostrando como eu me viro no dia a dia com o braço esquerdo”.

Segundo a Lei Brasileira de Inclusão 13.146, de 6 de Julho de 2015, o conceito de pessoa com deficiência leva em conta alguns indicadores como impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; fatores socioambientais, psicológicos, pessoais e a restrição na participação. O instrumento usado para avaliar essas condições é o Índice de Funcionalidade Brasileiro Modificado (IFBrM). A assessora técnica de assistência social da Federação Nacional das Apaes, (Fenapaes), Ivone Maggioni Fiore, explica o conceito de pessoa com deficiência à luz das diretrizes da instituição.

“A Rede Apae Brasil é orientada pela perspectiva biopsicossocial de deficiência, representada nas normas legais vigentes, entre elas, a Lei Brasileira de Inclusão. Nessa concepção, os impedimentos de natureza corporal são vistos como condições da diversidade humana. A situação de deficiência se estabelece somente quando barreiras sociais, físicas e atitudinais, ao ignorarem esses impedimentos, desencadeiam experiências de desigualdade que obstruem a participação. Nesse contexto, explica-se a situação de deficiência como uma questão de direitos humanos e remete à superação das desigualdades sociais que se expressam nas formas de discriminação, opressão e negação de acessibilidade”.

Portadora de paralisia cerebral, Eliziane é casada há quinze anos e tem dois filhos. Foto: Arquivo Pessoal

Lucas Sobral Marcondes, advogado que possui mielomeningocele, síndrome conhecida como espinha bífida, relata que dentre os maiores enfrentamentos que já teve em relação a sua vida afetiva e sexual, atualmente, a auto aceitação ainda é um processo em desenvolvimento. “Entender que eu sou uma pessoa que merece amar e ser amado, que sou digno de ter uma vida social e sexual saudável. Enfrentar as barreiras mentais que eu criei ao longo dos anos como uma forma de fugir da realidade, como uma forma de evitar os meus demônios, de confrontar o meu medo de ser visto como uma pessoa com deficiência. A grande questão, no meu caso, é realmente a autoestima e auto aceitação do meu corpo, de quem eu sou”, reflete ele.

Para a psicóloga e doutora em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo, Unifesp, Teresa Helena Schoen, abordar a sexualidade de pessoas com deficiência ainda é algo restrito, pois é um tema que envolve várias questões como valores familiares e a consideração de ser algo dentro de uma esfera somente privada. “Poucos profissionais sentem-se aptos para trabalhar esse tema com as pessoas com deficiência. Além do mais, há uma crença geral de que essas pessoas são assexuadas, não tem desejos. Por outro lado, há outro pensamento que expressa que são super sexuais, não tem controle, então precisam ser reprimidas. Há aqueles que acreditam que se não falar, não existe. Nenhuma dessas crenças é verdadeira. Pessoas com deficiência necessitam de educação sexual, tanto no que diz respeito ao entendimento do seu corpo - quais são e para que servem os órgãos - quanto para identificar suas emoções e desejos”.

A psicóloga continua explicando que falar sobre o tema, também perpassa por outros assuntos inerentes ao ambiente e situações específicas. “Como fazer, por exemplo, quando se está menstruada? Como trocar e descartar o absorvente, como deixar o banheiro limpo, lençóis, roupas e toalhas? Como lidar com uma ereção? E se for em sala de aula? E se for no ônibus? Ou seja, a educação sexual deve levar em conta o comportamento adaptativo, para que a pessoa com deficiência consiga resolver seus problemas, respeitar as outras pessoas e ainda colaborar com sua família ou comunidade”, explica Teresa.

Nesse contexto, o debate sobre a sexualidade torna-se fundamental, mais ainda quando o âmbito atinge essa população. Para Ivone Maggioni Fiore, é necessário compreender que esse é um tema inerente ao ser humano e que com a mesma naturalidade que é abordado para pessoas sem deficiência, deve ser entendido para a população PCD. “Dessa forma, é tão importante quanto com qualquer criança e adolescente falar sobre formas de prevenção a situações de abuso e violência como forma preventiva, assim como falar dos afetos e das potencialidades de se relacionar, até ao desenvolvimento orgânico e suas mudanças, prevenção a Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), Aids e gravidez. Faz parte da autonomia o exercício e a manifestação dos seus afetos. Todas as pessoas possuem dimensões da afetividade e da sexualidade. Falar sobre esses assuntos exige uma atenção do uso e adequação das linguagens necessárias, de acordo com a compreensão de cada um. Faz parte do desenvolvimento da autonomia o exercício e manifestação dos seus afetos”, ensina Ivone.

A importância de falar sobre sexualidade ganha uma proporção maior na medida que percebemos como o tema ainda causa constrangimento. A relevância se torna fundamental quando o assunto é relacionado à pessoa com deficiência. Entretanto, para ele ganhar visibilidade é necessário ter uma abrangência maior nos campos de políticas públicas em educação, saúde e assistência social e também entender que esse não é um tema restrito somente a profissionais, mas às famílias envolvidas e a toda a sociedade.

Lucas é advogado e tem espinha bífida Foto: Instagram/@lucas.mielo

Direitos Assegurados por Lei

Ivone Fiore aponta quais são os direitos sexuais e reprodutivos das pessoas com deficiência assegurados por lei. “A Lei Brasileira de Inclusão, em seu artigo sexto, mostra que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa com deficiência para: casar-se e constituir união estável; exercer direitos sexuais e reprodutivos; ter o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”.

Para Lucas Marcondes, falar de sexualidade faz parte da vida e abordar esse tema em relação às pessoas com deficiência é um dos processos de inclusão. “Todas as formas de relações, sejam amorosas, sexuais, de amizade, amizades virtuais, fazem parte do dia a dia de todo mundo e com as pessoas com deficiência isso não é diferente. Nós temos nossos desejos, vontades e formas de expressão. Falar sobre isso, sem tabus, é uma forma de dar visibilidade não apenas para a questão da sexualidade, mas da inclusão. É uma forma de construir novos entendimentos, novas ideias, e assim abrir espaço na sociedade. Estamos falando em direitos humanos aqui”, pontua o advogado.

O olhar para as necessidades da pessoa com deficiência ainda é pouco explorado. Para Eliziane, a falta de informações gera mais insegurança nas mulheres que são PCDs. Diferente dela, muitas abandonam o sonho de serem mães por se acharem incapazes de cuidar de uma outra vida. “A maternidade é um sonho de boa parte das mulheres, seja pela vontade de construir uma família ou pela experiência do tão sonhado amor incondicional de mãe, motivos não faltam e quando o assunto é com as que têm alguma deficiência, não é diferente. Infelizmente ainda é algo pouco comentado”.

Um bom enfrentamento do tabu em relação a sexualidade das pessoas com deficiência passa por investimentos em políticas públicas de educação, saúde e assistência social. Os especialistas são unânimes; é um assunto que precisa também ser tratado de forma didática em todos os âmbitos da sociedade, na cultura de cada pessoa, envolvendo familiares, amigos, para assim se evitar explorações e abusos e abrir caminhos para experiências que possam proporcionar o descobrimento de afetos e da sexualidade plena de cada pessoa.

O respeito à diversidade também é muito importante. Para Ivone Fiore o entendimento e o exercício civilizatório são caminhos para a superação dos problemas existentes. “Vencer as barreiras atitudinais, em especial o preconceito, é elevar o conhecimento, o convívio social, a solidariedade humana, a alteridade, que são virtudes que podem ser exercitadas em processos educacionais, sejam eles formais, nas escolas, como nas redes familiares, mas também nas mídias, em eventos culturais. Essas barreiras só podem ser transpostas por meio de mudanças das atitudes, em especial na vida social”.

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