A enfermeira e doula Mayra Barbosa não se esquece do modo como a médica que era responsável por seu pré-natal a tratou quando estava grávida de seu primeiro filho. “A obstetra do posto era conhecida por falas grosseiras e muita falta de empatia. Eu era hipertensa crônica e fui negligenciada nas duas gravidezes. Não tive acesso ao protocolo de profilaxia de pré-eclâmpsia, apenas fui medicada quando a pressão já estava alterada”, relembra ela.
Usuária do Sistema Único de Saúde, (SUS), Mayra relata que não pode escolher o time de médicos que iria acompanhá-la no processo do pré-natal até o parto, o que a deixou vulnerável a passar por violência obstétrica. “Na primeira gravidez, quando fui encaminhada para maternidade, a médica que me internou foi de uma grosseria que não esqueço. O parto foi induzido, e o único profissional disposto a me ajudar me encontrou em um estado de exaustão física e emocional. Quando finalmente entrei no período expulsivo, fui levada pra sala de parto e fizeram uma episiotomia em mim”.
O procedimento que Mayra se refere, a episiotomia, é um incisão feita na região do períneo para ampliar o canal do parto. A justificativa dada por alguns profissionais para fazerem uso do recurso é uma emergência que ajudaria a mãe no processo de indução do bebê para fora, entretanto, não existe necessidade de ser feito.
A episiotomia é apenas uma das várias maneiras que existem em praticar violência obstétrica contra a parturiente. Negar protocolos médicos, remédios, não permitir a entrada de acompanhantes na sala do parto, afastar a possibilidade de ter uma doula dando apoio à gestante em todo o processo e frases de assédio como “não chora não que ano que vem você estará aqui de novo” ou “na hora que você estava fazendo não estava gritando desse jeito, né?” também caracterizam a violência obstétrica, que é um conjunto de maus tratos físicos e verbais dirigidos à mãe no processo antes e durante o parto.
A advogada Maria Luiza Gorga, doutora em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Direito Médico, diz que o ideal para que a gestante não passe por violência obstétrica é tomar alguns cuidados, dentre eles, que o ginecologista que acompanhou a paciente em todo o processo do pré-natal também esteja presente no momento do parto. “É importante que a parturiente esteja com acompanhante. É direito dela isso, amparado pela lei. A ausência dele também é uma faceta da violência obstétrica. Levar uma doula, se possível, também é permitido. Conversar antes com o médico, dizer o que gosta e o que não gosta, o que quer e o que não deseja. Todas essas, são medidas que nós tentamos estabelecer alguns parâmetros para amparar a gestante”, pontua a advogada.
Como escolher o melhor time para acompanhar a gestação?
A médica obstetra Laura Penteado, diretora clínica da Theia, dá dicas de como a gestante pode escolher o melhor time para um momento tão importante como o parto. Ela ressalta que cada parturiente tem uma experiência individual. Preferências, indicações baseadas na estrutura física, psicológica e na cultura da paciente devem ser observadas com muita atenção.
“O que mais vai dar tranquilidade para mulher é a informação. Ir atrás dela, entender o que ela quer e como ela quer. É super importante a mulher fazer um plano de parto, porque nele você vai colocar o que planeja. Eu até brinco falando que se tem uma coisa que o parto não segue é um plano, mas isso ajuda a alinhar expectativas. Dizer o que você espera desse momento, entender com a sua equipe onde cada intervenção pode ser realizada e qual o seu limite. Porque, às vezes, o que uma paciente não quer, a outra vai querer”, ensina Laura.
A importância da mulher escolher o seu time abrange também sua rede de apoio. É essencial que a família, amigos, pessoas próximas a parturiente saibam cada processo a ser feito no pré-natal, a fim de evitar qualquer tipo de violência obstétrica, desde as verbais e sutis, às mais escancaradas. Essa conscientização evitará que a gestante desenvolva, entre outras doenças, a depressão pós-parto.
“O pós-parto é um momento em que os hormônios estão numa fragilidade maior, tem um risco ali. A mulher fica com um humor um pouco mais reprimido. Então, parturientes que sofreram violência têm um maior risco de não criar um vínculo com o bebê nesses primeiros dias. Acaba tendo uma possibilidade maior de depressão pós parto e de não conseguir se vincular bem a esse recém-nascido”, acrescenta Laura.
A obstetra continua explicando que cada caso é individual, mas se porventura a paciente passar por violência, ela pode se sentir incapaz. “Dependendo do grau, isso causa uma vergonha na mulher, de não ter conseguido se impor durante aquela decisão e acaba deixando ela mais insegura na posição de mãe, principalmente as que estão tendo filhos pela primeira vez”.
A importância e o trabalho da Doula
Mayra ressalta a importância de se ter uma doula em todo o processo de gravidez. Desde o pré-natal até o nascimento da criança. “Muitas mulheres são enganadas por médicos fofinhos, mas que na verdade querem agendar cesárea mesmo não havendo real indicação, simplesmente por comodidade. Tenha uma doula que te auxilie a fazer escolhas fundamentadas em informações baseadas em evidências”.
A doula ajuda a família a se preparar para a chegada do bebê, com informações e na construção do plano de parto da mulher. “A presença de uma doula diminui a ocorrência de violência obstétrica, ela permanece ao lado da gestante o tempo todo, ajudando com massagens, sugerindo posições e dando suporte também ao acompanhante, incentivando sua participação ativa no trabalho de parto. Auxilia também no pós-parto com a amamentação e outras orientações”, acrescenta Mayra.
A advogada Maria Luiza também ensina que caso tenha passado por alguma violência obstétrica, a lei ampara as parturientes e seus acompanhantes. “A gestante pode gravar ou filmar o que está acontecendo no momento. Quem está com ela também pode registrar essas agressões. Ela pode pedir o prontuário dela, com todas as anotações. É um direito da paciente. Pode denunciar tanto no hospital, já que toda instituição tem de ter um Comitê de Ética, como recorrer ao conselho da classe. Aqui em São Paulo, por exemplo, temos o Conselho Regional de Medicina (Cremesp). Tudo isso é gratuito, o acesso é muito fácil”.
A parturiente ainda pode recorrer ao poder judiciário. Dependendo da natureza das agressões sofridas, ela ou sua rede de apoio podem fazer um boletim de ocorrência. “Se ela foi xingada, pode alegar crime contra a honra, lesão corporal se for o caso, desde algo mais leve até prejuízos gravíssimos como a perda de um órgão, no caso do útero”, alerta Maria Luiza.
O hospital, médicos e a equipe médica também podem ser responsabilizados criminalmente. A gestante pode e deve buscar uma reparação, seja material ou moral.