Comportamento Adolescente e Educação

A saúde mental dos adolescentes está em crise


Por Carolina Delboni

A saúde mental dos adolescentes está em crise e ela só vai sair deste buraco se afeto, gentileza e escuta forem as principais vias na construção da relação entre eles e os adultos

Corre ao cinema ou às plataformas de streaming para assistir ao filme O Filho. Uma história inspirada em muitas histórias reais e que termina com uma dedicatória: "a Gabriel". Gabriel era um menino com depressão crônica, filho de pais separados, que abandonou a convivência em sociedade porque era dolorido demais viver.

Isso: dor da vida. Para alguns, viver é mais dolorido que morrer. Num determinado ponto do filme, Nicholas, como é chamado o personagem que vive o adolescente, é internado no hospital e os médicos psiquiatras insistem aos pais para mantê-lo ali, pois ele precisa de tratamento psiquiátrico e químico.

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Eu não vou contar como o filme se desenrola, obviamente, mas sugiro que assistam e prestem atenção aos inúmeros diálogos que o pai tem com o filho. À escuta, à disposição em estar presente, ao carinho, ao afeto, à segurança do abraço.

Independente do desenrolar da história, se faz presente uma relação respeitosa e amorosa entre pai e filho num momento em que este menino adolescente deprime de tanta dor em viver. Mas onde eu quero chegar? Continua comigo.

Ir mal em uma prova, não ser aceito num grupo de colegas, se achar feio em uma determinada roupa ou achar que não passará em uma boa faculdade são situações que, em um primeiro momento, parecem comuns na vida de um adolescente.

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Os exemplos corriqueiros que citei acima apareceram em relatos colhidos em Fairfax, nos Estados Unidos, em 2014, e foram contados no The Washington Post pela colunista Petula Dvorak recentemente. Apesar da aparente distância espacial e temporal com nossa realidade, as situações descritas apontam para uma atualidade em que adolescentes ainda enfrentam barreiras e falta de apoio para dar conta dos problemas de saúde mental. Falta suporte. Falta apoio. Falta escuta.

Em certos contextos - como o que vivemos atualmente e muito bem definiu o doutor em História Social, Dante Gallian quando diz que existe uma epidemia de transtornos mentais na sociedade e precisamos entender qual a vacina para isso - elas podem ganhar contornos assustadores.

No Brasil, um dos estudos mais usados para tratar desse assunto é a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A sua edição mais recente é de 2019 e mostra que cerca de um terço dos estudantes de 13 a 17 anos sentiam-se tristes na maioria das vezes ou sempre. E 21,4% sentiam que a vida não valia a pena ser vivida.

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Em 2019, 21% dos adolescentes entrevistado na pesquisa PenSe disseram que a vida não valia ser vivida  

Veja: "a vida não valia a pena ser vivida". Como pode este pensamento sair da cabeça de jovens num dos exatos momentos em que a vida mais pulsa? O que leva adolescentes, aqueles que a gente julga ser "o futuro", a desistir da vida? A perder o brilho nos olhos. Não é possível que este fato não te incomode.

O estudo contempla dados de 2019. Estamos falando de antes da pandemia e é inegável que após dois anos de isolamento social tivemos pioras significativas no brilho dos olhos de nossos jovens e eu te pergunto: como permitimos que a luz se apague justamente numa das fases mais explosivas e empolgantes da vida? Como?

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A pandemia do coronavírus levou esse grupo a novos casos de ansiedade e depressão, segundo apontou uma pesquisa da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), o que só agravou a fase já conturbada da vida que é a adolescência.

"A gente vem observando um aumento de manifestações de sofrimento. Há muita decepção e uma sensação de desespero junto disso", aponta Leila Salomão, professora do Instituto de Psicologia da USP.

Na busca por alternativas a esse cenário, faz-se necessária a importância de uma rede de apoio aos adolescentes. Dos pais aos amigos, educadores e colegas, vários são os pares que podem ficar atentos à saúde mental desse grupo.

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Mas aqui vai um alerta: os pais nem sempre são os mais preparados e procurados pelos filhos e muito disso está diretamente relacionado a um descompasso que existe entre os adultos e os adolescentes. E sabe por quê?

Porque o adulto tende a desvalorizar a dor do adolescente. Tende a minimizar o sofrimento do adolescente. Tende a menosprezar o sentimento que vive dentro do adolescente.

Eu já trouxe esse assunto aqui e talvez ele seja dos mais urgentes na atualidade. É preciso aprender a escutar a dor do outro com mais empatia e gentileza. É preciso descer do salto da autoridade parental para se relacionar com o filho adolescente de maneira mais próxima e humana.

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"O adulto precisa estar presente e compreender. O entorno precisa estar preparado para estabelecer um diálogo e compreensão sem muita invasão. Os filhos precisam sentir que podem contar com os pais", recomenda Leila Salomão.

Veja: "os filhos precisam sentir que podem contar com os pais". Seu filho conta com você? Seu filho te conta o que passa dentro da cabecinha dele? Ele fala das angústias, dos medos e receios?

Eu sei que você vai me dizer que adolescentes não falam, são monossilábicos, e eu vou discordar. Eles podem falar pouco ou menos do que os adultos gostariam, mas eles falam. E mais ainda, eles escutam. Capacidade essa quase em extinção na vida humana dos seres crescidos.

Nós, adultos, perdemos nossa capacidade de escutar o outro. A gente ouve com o sentido, mas não escuta com o sentimento. E dessa forma, a relação de confiança entre pais e filhos tão recomendada é comprometida quando os primeiros não têm plena noção do que está se passando com os segundos - inclusive fisicamente.

Isso porque a fase da adolescência traz por si só um sofrimento natural explicado por diversos fatores, entre eles as alterações hormonais e também pelo fato de a região do cérebro que "regula as emoções" ainda não estar completamente desenvolvida, o que pode acontecer até os 25 anos de idade.

Além disso, é o momento que o adolescente se depara com mais emoções sem ter experiência de vida suficiente para lidar com elas. Mas nem sempre os adultos têm noção de tudo isso. "De vez em quando ele vai falhar, é natural dentro desse processo, mas a gente tem pouca paciência com eles. Eles se sentem injustiçados e isso separa mais as gerações", diz a professora Sabine Pompéia, do departamento de Psicobiologia da Unifesp.

Lembra da caixinha de experiências que eu falei alguns textos atrás? É dela que estamos falando aqui. E o segredo desta relação está no equilíbrio entre a compreensão e a cobrança para que a gente possa empoderar o adolescente estimulando que ele gerencie suas próprias emoções.

"O ponto é: aceitar que ele seja assim, mas tentar corrigir. Tem que pegar no pé, mas estar aberto para acolher quando dá errado. Se não tem esse diálogo com os adultos, o adolescente se isola muito e ele fica em um risco muito maior [de se expor à depressão]", completa Sabine.

Nesse caminho, os pais podem cair na armadilha do "você está exagerando" quando o filho está lutando contra problemas de saúde mental. Mas como fazer diferente? Como conseguir ajudar o adolescente a fortalecer seu controle emocional nessa fase tão complicada da vida?

"Parte de como podemos ajudar os mais jovens é normalizando o estresse", indicou a psicóloga Lisa Damour em entrevista ao The Washington Post. Ela também lembra da importância de se mostrar aberto e caloroso mesmo nos momentos mais simples - aqueles que muitas vezes parece "banal" - da vida do adolescente.

Ou seja, não ser um pai ou mãe "limpador de para-brisa". O que estou querendo dizer? Em uma forte chuva, o limpador de para-brisa vai freneticamente de um lado para o outro para manter a visão do motorista mais clara possível, certo? Na relação entre pais e filhos, as coisas não devem funcionar exatamente assim.

Quando o adolescente se atrapalha na entrega de uma tarefa, por exemplo, ou se depara com algum outro problema, nem sempre é papel dos pais tomar as rédeas e resolver a situação sozinhos. Adolescentes devem ser estimulados a tirar proveito das experiências de erro. Nesses casos, funciona mais os pais se mostrarem abertos a escutar e reduzir a intensidade de pensamentos negativos do que sair secando chuva.

Também é preciso dar esperanças - no plural mesmo. O estresse acentuado pelo qual um adolescente passa é natural. Mas, quando ele passa do ponto - dando sinais comportamentais como apatia ou muita agitação - e chega a níveis de depressão e ansiedade, é importante que o adolescente saiba que aquilo não é permanente e que os sintomas de uma depressão não vão defini-lo.

Pergunte sobre pensamentos de automutilação. Nos últimos anos, a prática tem chamado atenção de pais e especialistas. No filme, O filho, o pai do adolescente Nicholas enlouquece quando vê que o menino continua a se cortar. Ele não entende o que pode estar acontecendo e pergunta insistentemente ao filho por quê ele faz aquilo.

Nicholas diz que é para tirar a dor que carrega dentro do peito. É para desfocar do sentimento que ele não consegue suportar e para isso, ele precisa produzir alguma outra dor. E é esta a resposta em 99% dos casos de mutilação de adolescentes.

O que fazer? A recomendação é ouvir, escutar e deixar claro que o adolescente tem apoio. A gente precisa começar a dar apoio aos adolescentes. A gente precisa começar a cuidar dos machucados que eles fazem.

Por que é que a gente corre e acode uma criança quando ela cai e não faz o mesmo com o adolescente? Adolescentes se machucam e também precisam de carinho, de band-aid dentro do peito. E como é que a gente faz isso? Mostrando que se importa.

O psiquiatra americano Jerome Motto percebeu que quando médicos enviavam mensagens de check-in atenciosos a seus pacientes, eles sentiam-se mais valorizados e, o que poderia ser um ato pequeno ou até burocrático, passou a ser uma ferramenta importante capaz de reduzir significativamente o risco de suicídio de uma pessoa - isto inclui um adolescente.

Onde estou querendo chegar? Ao início deste texto: em 2019, 21% dos nossos adolescentes disseram que a vida não valia a pena. Vivemos um colapso, uma crise de saúde mental na adolescência e as melhores ferramentas ainda são a escuta, o afeto e gentileza para com o outro.

A gente vive a negligência absoluta à saúde mental desta geração e ela já nos deu sinais de que não dá conta de tamanha dor, de tamanha violência. Adolescentes também precisam ser cuidados. E tenho certeza que somos capazes.

A saúde mental dos adolescentes está em crise e ela só vai sair deste buraco se afeto, gentileza e escuta forem as principais vias na construção da relação entre eles e os adultos

Corre ao cinema ou às plataformas de streaming para assistir ao filme O Filho. Uma história inspirada em muitas histórias reais e que termina com uma dedicatória: "a Gabriel". Gabriel era um menino com depressão crônica, filho de pais separados, que abandonou a convivência em sociedade porque era dolorido demais viver.

Isso: dor da vida. Para alguns, viver é mais dolorido que morrer. Num determinado ponto do filme, Nicholas, como é chamado o personagem que vive o adolescente, é internado no hospital e os médicos psiquiatras insistem aos pais para mantê-lo ali, pois ele precisa de tratamento psiquiátrico e químico.

Eu não vou contar como o filme se desenrola, obviamente, mas sugiro que assistam e prestem atenção aos inúmeros diálogos que o pai tem com o filho. À escuta, à disposição em estar presente, ao carinho, ao afeto, à segurança do abraço.

Independente do desenrolar da história, se faz presente uma relação respeitosa e amorosa entre pai e filho num momento em que este menino adolescente deprime de tanta dor em viver. Mas onde eu quero chegar? Continua comigo.

Ir mal em uma prova, não ser aceito num grupo de colegas, se achar feio em uma determinada roupa ou achar que não passará em uma boa faculdade são situações que, em um primeiro momento, parecem comuns na vida de um adolescente.

Os exemplos corriqueiros que citei acima apareceram em relatos colhidos em Fairfax, nos Estados Unidos, em 2014, e foram contados no The Washington Post pela colunista Petula Dvorak recentemente. Apesar da aparente distância espacial e temporal com nossa realidade, as situações descritas apontam para uma atualidade em que adolescentes ainda enfrentam barreiras e falta de apoio para dar conta dos problemas de saúde mental. Falta suporte. Falta apoio. Falta escuta.

Em certos contextos - como o que vivemos atualmente e muito bem definiu o doutor em História Social, Dante Gallian quando diz que existe uma epidemia de transtornos mentais na sociedade e precisamos entender qual a vacina para isso - elas podem ganhar contornos assustadores.

No Brasil, um dos estudos mais usados para tratar desse assunto é a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A sua edição mais recente é de 2019 e mostra que cerca de um terço dos estudantes de 13 a 17 anos sentiam-se tristes na maioria das vezes ou sempre. E 21,4% sentiam que a vida não valia a pena ser vivida.

Em 2019, 21% dos adolescentes entrevistado na pesquisa PenSe disseram que a vida não valia ser vivida  

Veja: "a vida não valia a pena ser vivida". Como pode este pensamento sair da cabeça de jovens num dos exatos momentos em que a vida mais pulsa? O que leva adolescentes, aqueles que a gente julga ser "o futuro", a desistir da vida? A perder o brilho nos olhos. Não é possível que este fato não te incomode.

O estudo contempla dados de 2019. Estamos falando de antes da pandemia e é inegável que após dois anos de isolamento social tivemos pioras significativas no brilho dos olhos de nossos jovens e eu te pergunto: como permitimos que a luz se apague justamente numa das fases mais explosivas e empolgantes da vida? Como?

A pandemia do coronavírus levou esse grupo a novos casos de ansiedade e depressão, segundo apontou uma pesquisa da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), o que só agravou a fase já conturbada da vida que é a adolescência.

"A gente vem observando um aumento de manifestações de sofrimento. Há muita decepção e uma sensação de desespero junto disso", aponta Leila Salomão, professora do Instituto de Psicologia da USP.

Na busca por alternativas a esse cenário, faz-se necessária a importância de uma rede de apoio aos adolescentes. Dos pais aos amigos, educadores e colegas, vários são os pares que podem ficar atentos à saúde mental desse grupo.

Mas aqui vai um alerta: os pais nem sempre são os mais preparados e procurados pelos filhos e muito disso está diretamente relacionado a um descompasso que existe entre os adultos e os adolescentes. E sabe por quê?

Porque o adulto tende a desvalorizar a dor do adolescente. Tende a minimizar o sofrimento do adolescente. Tende a menosprezar o sentimento que vive dentro do adolescente.

Eu já trouxe esse assunto aqui e talvez ele seja dos mais urgentes na atualidade. É preciso aprender a escutar a dor do outro com mais empatia e gentileza. É preciso descer do salto da autoridade parental para se relacionar com o filho adolescente de maneira mais próxima e humana.

"O adulto precisa estar presente e compreender. O entorno precisa estar preparado para estabelecer um diálogo e compreensão sem muita invasão. Os filhos precisam sentir que podem contar com os pais", recomenda Leila Salomão.

Veja: "os filhos precisam sentir que podem contar com os pais". Seu filho conta com você? Seu filho te conta o que passa dentro da cabecinha dele? Ele fala das angústias, dos medos e receios?

Eu sei que você vai me dizer que adolescentes não falam, são monossilábicos, e eu vou discordar. Eles podem falar pouco ou menos do que os adultos gostariam, mas eles falam. E mais ainda, eles escutam. Capacidade essa quase em extinção na vida humana dos seres crescidos.

Nós, adultos, perdemos nossa capacidade de escutar o outro. A gente ouve com o sentido, mas não escuta com o sentimento. E dessa forma, a relação de confiança entre pais e filhos tão recomendada é comprometida quando os primeiros não têm plena noção do que está se passando com os segundos - inclusive fisicamente.

Isso porque a fase da adolescência traz por si só um sofrimento natural explicado por diversos fatores, entre eles as alterações hormonais e também pelo fato de a região do cérebro que "regula as emoções" ainda não estar completamente desenvolvida, o que pode acontecer até os 25 anos de idade.

Além disso, é o momento que o adolescente se depara com mais emoções sem ter experiência de vida suficiente para lidar com elas. Mas nem sempre os adultos têm noção de tudo isso. "De vez em quando ele vai falhar, é natural dentro desse processo, mas a gente tem pouca paciência com eles. Eles se sentem injustiçados e isso separa mais as gerações", diz a professora Sabine Pompéia, do departamento de Psicobiologia da Unifesp.

Lembra da caixinha de experiências que eu falei alguns textos atrás? É dela que estamos falando aqui. E o segredo desta relação está no equilíbrio entre a compreensão e a cobrança para que a gente possa empoderar o adolescente estimulando que ele gerencie suas próprias emoções.

"O ponto é: aceitar que ele seja assim, mas tentar corrigir. Tem que pegar no pé, mas estar aberto para acolher quando dá errado. Se não tem esse diálogo com os adultos, o adolescente se isola muito e ele fica em um risco muito maior [de se expor à depressão]", completa Sabine.

Nesse caminho, os pais podem cair na armadilha do "você está exagerando" quando o filho está lutando contra problemas de saúde mental. Mas como fazer diferente? Como conseguir ajudar o adolescente a fortalecer seu controle emocional nessa fase tão complicada da vida?

"Parte de como podemos ajudar os mais jovens é normalizando o estresse", indicou a psicóloga Lisa Damour em entrevista ao The Washington Post. Ela também lembra da importância de se mostrar aberto e caloroso mesmo nos momentos mais simples - aqueles que muitas vezes parece "banal" - da vida do adolescente.

Ou seja, não ser um pai ou mãe "limpador de para-brisa". O que estou querendo dizer? Em uma forte chuva, o limpador de para-brisa vai freneticamente de um lado para o outro para manter a visão do motorista mais clara possível, certo? Na relação entre pais e filhos, as coisas não devem funcionar exatamente assim.

Quando o adolescente se atrapalha na entrega de uma tarefa, por exemplo, ou se depara com algum outro problema, nem sempre é papel dos pais tomar as rédeas e resolver a situação sozinhos. Adolescentes devem ser estimulados a tirar proveito das experiências de erro. Nesses casos, funciona mais os pais se mostrarem abertos a escutar e reduzir a intensidade de pensamentos negativos do que sair secando chuva.

Também é preciso dar esperanças - no plural mesmo. O estresse acentuado pelo qual um adolescente passa é natural. Mas, quando ele passa do ponto - dando sinais comportamentais como apatia ou muita agitação - e chega a níveis de depressão e ansiedade, é importante que o adolescente saiba que aquilo não é permanente e que os sintomas de uma depressão não vão defini-lo.

Pergunte sobre pensamentos de automutilação. Nos últimos anos, a prática tem chamado atenção de pais e especialistas. No filme, O filho, o pai do adolescente Nicholas enlouquece quando vê que o menino continua a se cortar. Ele não entende o que pode estar acontecendo e pergunta insistentemente ao filho por quê ele faz aquilo.

Nicholas diz que é para tirar a dor que carrega dentro do peito. É para desfocar do sentimento que ele não consegue suportar e para isso, ele precisa produzir alguma outra dor. E é esta a resposta em 99% dos casos de mutilação de adolescentes.

O que fazer? A recomendação é ouvir, escutar e deixar claro que o adolescente tem apoio. A gente precisa começar a dar apoio aos adolescentes. A gente precisa começar a cuidar dos machucados que eles fazem.

Por que é que a gente corre e acode uma criança quando ela cai e não faz o mesmo com o adolescente? Adolescentes se machucam e também precisam de carinho, de band-aid dentro do peito. E como é que a gente faz isso? Mostrando que se importa.

O psiquiatra americano Jerome Motto percebeu que quando médicos enviavam mensagens de check-in atenciosos a seus pacientes, eles sentiam-se mais valorizados e, o que poderia ser um ato pequeno ou até burocrático, passou a ser uma ferramenta importante capaz de reduzir significativamente o risco de suicídio de uma pessoa - isto inclui um adolescente.

Onde estou querendo chegar? Ao início deste texto: em 2019, 21% dos nossos adolescentes disseram que a vida não valia a pena. Vivemos um colapso, uma crise de saúde mental na adolescência e as melhores ferramentas ainda são a escuta, o afeto e gentileza para com o outro.

A gente vive a negligência absoluta à saúde mental desta geração e ela já nos deu sinais de que não dá conta de tamanha dor, de tamanha violência. Adolescentes também precisam ser cuidados. E tenho certeza que somos capazes.

A saúde mental dos adolescentes está em crise e ela só vai sair deste buraco se afeto, gentileza e escuta forem as principais vias na construção da relação entre eles e os adultos

Corre ao cinema ou às plataformas de streaming para assistir ao filme O Filho. Uma história inspirada em muitas histórias reais e que termina com uma dedicatória: "a Gabriel". Gabriel era um menino com depressão crônica, filho de pais separados, que abandonou a convivência em sociedade porque era dolorido demais viver.

Isso: dor da vida. Para alguns, viver é mais dolorido que morrer. Num determinado ponto do filme, Nicholas, como é chamado o personagem que vive o adolescente, é internado no hospital e os médicos psiquiatras insistem aos pais para mantê-lo ali, pois ele precisa de tratamento psiquiátrico e químico.

Eu não vou contar como o filme se desenrola, obviamente, mas sugiro que assistam e prestem atenção aos inúmeros diálogos que o pai tem com o filho. À escuta, à disposição em estar presente, ao carinho, ao afeto, à segurança do abraço.

Independente do desenrolar da história, se faz presente uma relação respeitosa e amorosa entre pai e filho num momento em que este menino adolescente deprime de tanta dor em viver. Mas onde eu quero chegar? Continua comigo.

Ir mal em uma prova, não ser aceito num grupo de colegas, se achar feio em uma determinada roupa ou achar que não passará em uma boa faculdade são situações que, em um primeiro momento, parecem comuns na vida de um adolescente.

Os exemplos corriqueiros que citei acima apareceram em relatos colhidos em Fairfax, nos Estados Unidos, em 2014, e foram contados no The Washington Post pela colunista Petula Dvorak recentemente. Apesar da aparente distância espacial e temporal com nossa realidade, as situações descritas apontam para uma atualidade em que adolescentes ainda enfrentam barreiras e falta de apoio para dar conta dos problemas de saúde mental. Falta suporte. Falta apoio. Falta escuta.

Em certos contextos - como o que vivemos atualmente e muito bem definiu o doutor em História Social, Dante Gallian quando diz que existe uma epidemia de transtornos mentais na sociedade e precisamos entender qual a vacina para isso - elas podem ganhar contornos assustadores.

No Brasil, um dos estudos mais usados para tratar desse assunto é a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A sua edição mais recente é de 2019 e mostra que cerca de um terço dos estudantes de 13 a 17 anos sentiam-se tristes na maioria das vezes ou sempre. E 21,4% sentiam que a vida não valia a pena ser vivida.

Em 2019, 21% dos adolescentes entrevistado na pesquisa PenSe disseram que a vida não valia ser vivida  

Veja: "a vida não valia a pena ser vivida". Como pode este pensamento sair da cabeça de jovens num dos exatos momentos em que a vida mais pulsa? O que leva adolescentes, aqueles que a gente julga ser "o futuro", a desistir da vida? A perder o brilho nos olhos. Não é possível que este fato não te incomode.

O estudo contempla dados de 2019. Estamos falando de antes da pandemia e é inegável que após dois anos de isolamento social tivemos pioras significativas no brilho dos olhos de nossos jovens e eu te pergunto: como permitimos que a luz se apague justamente numa das fases mais explosivas e empolgantes da vida? Como?

A pandemia do coronavírus levou esse grupo a novos casos de ansiedade e depressão, segundo apontou uma pesquisa da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), o que só agravou a fase já conturbada da vida que é a adolescência.

"A gente vem observando um aumento de manifestações de sofrimento. Há muita decepção e uma sensação de desespero junto disso", aponta Leila Salomão, professora do Instituto de Psicologia da USP.

Na busca por alternativas a esse cenário, faz-se necessária a importância de uma rede de apoio aos adolescentes. Dos pais aos amigos, educadores e colegas, vários são os pares que podem ficar atentos à saúde mental desse grupo.

Mas aqui vai um alerta: os pais nem sempre são os mais preparados e procurados pelos filhos e muito disso está diretamente relacionado a um descompasso que existe entre os adultos e os adolescentes. E sabe por quê?

Porque o adulto tende a desvalorizar a dor do adolescente. Tende a minimizar o sofrimento do adolescente. Tende a menosprezar o sentimento que vive dentro do adolescente.

Eu já trouxe esse assunto aqui e talvez ele seja dos mais urgentes na atualidade. É preciso aprender a escutar a dor do outro com mais empatia e gentileza. É preciso descer do salto da autoridade parental para se relacionar com o filho adolescente de maneira mais próxima e humana.

"O adulto precisa estar presente e compreender. O entorno precisa estar preparado para estabelecer um diálogo e compreensão sem muita invasão. Os filhos precisam sentir que podem contar com os pais", recomenda Leila Salomão.

Veja: "os filhos precisam sentir que podem contar com os pais". Seu filho conta com você? Seu filho te conta o que passa dentro da cabecinha dele? Ele fala das angústias, dos medos e receios?

Eu sei que você vai me dizer que adolescentes não falam, são monossilábicos, e eu vou discordar. Eles podem falar pouco ou menos do que os adultos gostariam, mas eles falam. E mais ainda, eles escutam. Capacidade essa quase em extinção na vida humana dos seres crescidos.

Nós, adultos, perdemos nossa capacidade de escutar o outro. A gente ouve com o sentido, mas não escuta com o sentimento. E dessa forma, a relação de confiança entre pais e filhos tão recomendada é comprometida quando os primeiros não têm plena noção do que está se passando com os segundos - inclusive fisicamente.

Isso porque a fase da adolescência traz por si só um sofrimento natural explicado por diversos fatores, entre eles as alterações hormonais e também pelo fato de a região do cérebro que "regula as emoções" ainda não estar completamente desenvolvida, o que pode acontecer até os 25 anos de idade.

Além disso, é o momento que o adolescente se depara com mais emoções sem ter experiência de vida suficiente para lidar com elas. Mas nem sempre os adultos têm noção de tudo isso. "De vez em quando ele vai falhar, é natural dentro desse processo, mas a gente tem pouca paciência com eles. Eles se sentem injustiçados e isso separa mais as gerações", diz a professora Sabine Pompéia, do departamento de Psicobiologia da Unifesp.

Lembra da caixinha de experiências que eu falei alguns textos atrás? É dela que estamos falando aqui. E o segredo desta relação está no equilíbrio entre a compreensão e a cobrança para que a gente possa empoderar o adolescente estimulando que ele gerencie suas próprias emoções.

"O ponto é: aceitar que ele seja assim, mas tentar corrigir. Tem que pegar no pé, mas estar aberto para acolher quando dá errado. Se não tem esse diálogo com os adultos, o adolescente se isola muito e ele fica em um risco muito maior [de se expor à depressão]", completa Sabine.

Nesse caminho, os pais podem cair na armadilha do "você está exagerando" quando o filho está lutando contra problemas de saúde mental. Mas como fazer diferente? Como conseguir ajudar o adolescente a fortalecer seu controle emocional nessa fase tão complicada da vida?

"Parte de como podemos ajudar os mais jovens é normalizando o estresse", indicou a psicóloga Lisa Damour em entrevista ao The Washington Post. Ela também lembra da importância de se mostrar aberto e caloroso mesmo nos momentos mais simples - aqueles que muitas vezes parece "banal" - da vida do adolescente.

Ou seja, não ser um pai ou mãe "limpador de para-brisa". O que estou querendo dizer? Em uma forte chuva, o limpador de para-brisa vai freneticamente de um lado para o outro para manter a visão do motorista mais clara possível, certo? Na relação entre pais e filhos, as coisas não devem funcionar exatamente assim.

Quando o adolescente se atrapalha na entrega de uma tarefa, por exemplo, ou se depara com algum outro problema, nem sempre é papel dos pais tomar as rédeas e resolver a situação sozinhos. Adolescentes devem ser estimulados a tirar proveito das experiências de erro. Nesses casos, funciona mais os pais se mostrarem abertos a escutar e reduzir a intensidade de pensamentos negativos do que sair secando chuva.

Também é preciso dar esperanças - no plural mesmo. O estresse acentuado pelo qual um adolescente passa é natural. Mas, quando ele passa do ponto - dando sinais comportamentais como apatia ou muita agitação - e chega a níveis de depressão e ansiedade, é importante que o adolescente saiba que aquilo não é permanente e que os sintomas de uma depressão não vão defini-lo.

Pergunte sobre pensamentos de automutilação. Nos últimos anos, a prática tem chamado atenção de pais e especialistas. No filme, O filho, o pai do adolescente Nicholas enlouquece quando vê que o menino continua a se cortar. Ele não entende o que pode estar acontecendo e pergunta insistentemente ao filho por quê ele faz aquilo.

Nicholas diz que é para tirar a dor que carrega dentro do peito. É para desfocar do sentimento que ele não consegue suportar e para isso, ele precisa produzir alguma outra dor. E é esta a resposta em 99% dos casos de mutilação de adolescentes.

O que fazer? A recomendação é ouvir, escutar e deixar claro que o adolescente tem apoio. A gente precisa começar a dar apoio aos adolescentes. A gente precisa começar a cuidar dos machucados que eles fazem.

Por que é que a gente corre e acode uma criança quando ela cai e não faz o mesmo com o adolescente? Adolescentes se machucam e também precisam de carinho, de band-aid dentro do peito. E como é que a gente faz isso? Mostrando que se importa.

O psiquiatra americano Jerome Motto percebeu que quando médicos enviavam mensagens de check-in atenciosos a seus pacientes, eles sentiam-se mais valorizados e, o que poderia ser um ato pequeno ou até burocrático, passou a ser uma ferramenta importante capaz de reduzir significativamente o risco de suicídio de uma pessoa - isto inclui um adolescente.

Onde estou querendo chegar? Ao início deste texto: em 2019, 21% dos nossos adolescentes disseram que a vida não valia a pena. Vivemos um colapso, uma crise de saúde mental na adolescência e as melhores ferramentas ainda são a escuta, o afeto e gentileza para com o outro.

A gente vive a negligência absoluta à saúde mental desta geração e ela já nos deu sinais de que não dá conta de tamanha dor, de tamanha violência. Adolescentes também precisam ser cuidados. E tenho certeza que somos capazes.

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