Comportamento Adolescente e Educação

Abandono digital: racismo cometido por adolescentes acende crime


Por Carolina Delboni
Atualização:

Se a internet é um grande espaço onde o público e o privado vivem se esbarrando, 'liberar geral' é dar passe livre para que se coloquem em situações de vulnerabilidade, pratiquem violências e sejam violentados. Entenda por que a omissão pode configurar crime

Racismo é crime, seja ele praticado por adultos, crianças ou adolescentes. E de quem é a responsabilidade quando quem o comete é menor de idade? Sem dúvida alguma, dos adultos responsáveis.

Criar um filho não é fácil. Educar, menos ainda. Exige de mães, pais e responsáveis legais uma demanda que é exaustiva e, muitas vezes, na tentativa de conseguir alguns minutos - ou horas - de descanso, acabam por liberar o uso de eletrônicos sem controle algum.

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Mas quando o "liberar geral" provoca violências em outros ou na própria criança ou adolescente configura-se o que é chamado de "abandono digital", quando se negligência o cuidado e a proteção instituída pelo ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente.

Considerado crime pela justiça, o abandono digital se caracteriza de inúmeras formas e, obviamente, a prática de violências ou o sofrimento delas é o de maior responsabilidade.

Semana passada, um episódio de racismo praticado por adolescentes num grupo de WhatsApp ganhou as mídias e acendeu a discussão sobre medidas mais rígidas que as escolas precisam tomar frente a estes crimes.

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Agora, para além da responsabilidade das escolas frente ao racismo e outras xenofobia praticadas por alunos, está a responsabilidade dos pais e da sociedade de maneira ampla e diversa. É preciso dialogar, letrar, ensinar e combater o racismo dentro e fora das escolas porque ele nada mais é que um reflexo social.

E quando o crime acontece através das redes sociais ou canais de comunicação da internet, temos mais uma responsabilidade que é a de checar por onde os filhos andam. Fazemos isso ao perguntar sobre a casa do amigo, a ida ao shopping, à praça e os inúmeros lugares por onde eles circulam. Pais checam com quem os filhos vão e com quem estão. Por que não fazer o mesmo com as relações virtuais?

O abandono digital, termo usado pela justiça, é crime. Desatenção parental com relação à segurança dos filhos no ambiente virtual é uma versão contemporânea do abandono físico de crianças e adolescentes pelos responsáveis legais.

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Se, por um lado, o mundão online oferece um mar de possibilidades e experiências positivas aos mais jovens, por outro, nesse mesmo espaço, crianças e adolescentes estão expostos a uma série de riscos, que vão do cyberbullying à praticas violência sexual e racismo. Sem falar em consequências como vício tecnológico e, casos mais graves ainda, o suicídio.

 Foto: Estadão

Segundo o levantamento TIC Kids Online Brasil 2021, 93% das crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos de idade já estão online e 22% dos jovens de 11 a 17 anos tiveram acesso a conteúdos sensíveis, como cenas de violência, formas de cometer suicídio e de machucar a si mesmo.

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Além disso, 14% viram material de conteúdo sexual, 8% disseram se sentir incomodados após o contato com as imagens, 19% já receberam mensagens com teor sexual e 38% passaram por situações online consideradas ofensivas - um aumento de 30% no comparativo com a pesquisa de 2019.

Dentro deste cenário, outra estatística alarmante: apenas 14% reportaram essas situações para pessoas da sua idade, somente 12% relataram os ocorridos aos pais ou responsáveis e 7% não compartilharam nada disso com ninguém. Ou seja, uma vez que o seu filho está on, estar off - não ter a mais vaga ideia do que ele faz nas redes sociais, quais canais assiste, não instalar nenhum tipo de filtro de controle de parentalidade e/ ou abrir contas para crianças em locais permitidos para maiores - configura abandono digital. E é aqui que precisa existir uma virada de chave urgente.

"A internet foi planejada para ser uma rede de informações e transmissão de conhecimentos, relacionamentos, dados e fatos para adultos e profissionais de diversas áreas. Mas, não foi adequada e é compreensiva às crianças e aos adolescentes, que ainda estão em desenvolvimento cerebral, mental, social e emocional", defende Dra. Evelyn Eisenstein, coordenadora do Grupo de Trabalho em Saúde Digital da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

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De acordo com a especialista, a Organização Mundial de Saúde (OMS) define abandono como uma forma de violência. "Não há vácuo entre o mundo real e o digital e da mesma maneira que você não abandona uma criança ou adolescente em uma esquina de qualquer rua, também não pode largá-los em frente às telas do celular, notebook ou computador sem regras de segurança e privacidade", explica.

No ambiente físico ou no virtual, fato é que crianças e adolescentes estão sujeitos a inúmeras violências e assim como eles podem ser os violentados, podem ser os agressores. O bullying, por exemplo, é invariavelmente praticado por eles mesmos.

Rodrigo Nejm, psicólogo, diretor de Educação da Safernet, lembra que, infelizmente, achando que estão apenas "zoando com os amigos", muitos adolescentes acabam praticando violências como racismo, homofobia, intolerância ou até mesmo atos infracionais equivalentes ao crime de calúnia, difamação e injúria - quando, por exemplo, criam páginas falsas para humilhar uma professora ou atacar um colega da escola.

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Mas é preciso entender que não existe "zoeira" com o colega. Precisamos começar a dar nomes corretos às práticas de racismo, gordofobia, xenofobia, fascismo e as outras tantas violências que podem ser praticadas. Adolescentes não estão blindados de serem os agressores e praticantes do que é abominável em pleno ano de 2022.

Eles precisam ser responsabilizados dentro do que a Lei permite que o sejam. E é inevitável que essa conta recaia sobre os pais, uma vez que é a eles que se atribui a responsabilidade legal pelo que os filhos fazem na internet - assim como atribuímos o que acontece nas ruas, na escola e por aí em diante. E assim como os pais sabem a rotina dos filhos durante o dia - onde vão, com quem, etc - também devem se preocupar em conhecer a rotina digital.

"Para adolescentes, proibir o uso não é a melhor alternativa, tampouco utilizar programas de espionagem", fala Rodrigo. "O ideal é ter conversas francas sobre limites e pedir para os filhos mostrarem o que curtem na internet, o que fazem nas redes, sempre de uma maneira transparente e dialogada".

Adolescentes, principalmente, já não querem mais compartilhar a vida social com os pais, com frequência se sentem sufocados pela quantidade de perguntas e interpretam quase qualquer uma como invasão de privacidade. Portanto, a sugestão pode parecer "missão impossível", mas se seu filho entender que a ideia não é espioná-lo, mas protegê-lo, a conversa pode funcionar.

Outra solução interessante é fazer uso dos novos mecanismos que redes sociais como Instagram e TikTok disponibilizaram aqui no Brasil, para os pais vincularem a conta dos filhos às suas e terem algum tipo de controle, sempre respeitando a privacidade dos adolescentes.

E quando se trata de crianças menores de 13 anos, canais como o YouTube, têm suas versões para crianças e também oferecem ferramentas de segurança parental que facilitam o monitoramento dos pais. Mas, sabemos, só isto não basta. É preciso observar, entrar nos canais, sentar ao lado e assistir o que eles estão assistindo, ver, dialogar.

Fazemos isto na escola, no clube, na praça. É preciso fazer nos jogos, nos canais de desenho e relacionamento. E é a soma deste olhar, deste cuidado que contribui para a configuração ou não de abandono digital.

Para Rodrigo, da SaferNet, a regra de ouro é, desde os primeiros acessos da criança no ambiente digital, deixá-la ciente de que não existe tempo ilimitado na internet, existem conteúdos que são perigosos e que essa é uma atividade que precisa ser feita com supervisão de um adulto. Se nesse debut com as telas já forem estabelecidos acordos e regras, o assunto fica mais descomplicado quando chegarem à adolescência.

"Também é importante que os pais deixem a postura de 'fiscais de tela', que boqueiam, proíbem e tiram da tomada, e passem a ser mais mentores", ressalta. "Não obrigatoriamente estando ao lado o tempo todo, mas, sim, reforçando a importância de uma presença digital respeitosa e cuidadosa, para que se protejam e também cuidem dos outros, de seus colegas e seus pares".

Seguindo uma linha de raciocínio parecida, Maria Mello, coordenadora do programa Criança e Consumo do Instituto Alana, reforça a importância de proteger as crianças "na" internet e não "da" internet. Mas ela lembra que, uma vez que os direitos das crianças e dos adolescentes forem ameaçados, inclusive por falta, omissão ou abuso dos responsáveis, estão previstas uma série de ações judiciais, que vão desde a assinatura de termo de responsabilidade, recebimento de apoio e acompanhamento familiar, a medidas educativas com encaminhamento dos pais ou responsáveis a cursos e programas orientacionais.

Em casos mais graves, a criança ou o adolescente são levados para acolhimento institucional ou família substitutiva. Parece pesado, não é? Existem casos extremos que pedem medidas extremas, mas vale lembrar que o Artigo 227 da Constituição Federal declara responsabilidade compartilhada entre famílias, Estado e sociedade na garantia dos direitos de crianças e adolescentes, entre outros, à educação, lazer, cultura, respeito e proteção contra toda forma de exploração e violência.

Lembra do conceito da aldeia para criar uma criança? É isto. Existe uma co-responsabilidade e Maria Melo alerta para uma questão seríssima que é a publicidade dirigida às crianças e aos adolescentes nos diversos canais da internet.

"A replicação da ideia de que os pais são os principais responsáveis, contribui para que as plataformas digitais, e anunciantes, pensando em publicidade infantil, não tomem para si a responsabilidade que é delas. Sem dúvida, esse tema precisa ser melhor compreendido pelas famílias, mas é absolutamente injusto pressupor que mães - mais mães do que pais, aliás, porque o cuidado infelizmente ainda é muito centrado nas mães - tenham condições iguais de disputar com o apelo das plataformas", diz.

"Até porque, vale lembrar, o Brasil possui números elevados de analfabetização digital, de modo que os Estados não podem se furtar do dever de garantir literacia digital e o acesso à conexão para aqueles que ainda não desfrutam do ambiente digital", complementa.

Garantir proteção digital é, de fato, um dever compartilhado. Lembra do conceito da aldeia para cuidar de uma criança? É isto, ainda que as famílias tenham maior responsabilidade e cabe a elas a não omissão deste cuidar, educar e ensinar a transitar e se relacionar no ambiente virtual. A terceirização da educação de um filho não é uma opção quando se decide tê-lo.

Se a internet é um grande espaço onde o público e o privado vivem se esbarrando, 'liberar geral' é dar passe livre para que se coloquem em situações de vulnerabilidade, pratiquem violências e sejam violentados. Entenda por que a omissão pode configurar crime

Racismo é crime, seja ele praticado por adultos, crianças ou adolescentes. E de quem é a responsabilidade quando quem o comete é menor de idade? Sem dúvida alguma, dos adultos responsáveis.

Criar um filho não é fácil. Educar, menos ainda. Exige de mães, pais e responsáveis legais uma demanda que é exaustiva e, muitas vezes, na tentativa de conseguir alguns minutos - ou horas - de descanso, acabam por liberar o uso de eletrônicos sem controle algum.

Mas quando o "liberar geral" provoca violências em outros ou na própria criança ou adolescente configura-se o que é chamado de "abandono digital", quando se negligência o cuidado e a proteção instituída pelo ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente.

Considerado crime pela justiça, o abandono digital se caracteriza de inúmeras formas e, obviamente, a prática de violências ou o sofrimento delas é o de maior responsabilidade.

Semana passada, um episódio de racismo praticado por adolescentes num grupo de WhatsApp ganhou as mídias e acendeu a discussão sobre medidas mais rígidas que as escolas precisam tomar frente a estes crimes.

Agora, para além da responsabilidade das escolas frente ao racismo e outras xenofobia praticadas por alunos, está a responsabilidade dos pais e da sociedade de maneira ampla e diversa. É preciso dialogar, letrar, ensinar e combater o racismo dentro e fora das escolas porque ele nada mais é que um reflexo social.

E quando o crime acontece através das redes sociais ou canais de comunicação da internet, temos mais uma responsabilidade que é a de checar por onde os filhos andam. Fazemos isso ao perguntar sobre a casa do amigo, a ida ao shopping, à praça e os inúmeros lugares por onde eles circulam. Pais checam com quem os filhos vão e com quem estão. Por que não fazer o mesmo com as relações virtuais?

O abandono digital, termo usado pela justiça, é crime. Desatenção parental com relação à segurança dos filhos no ambiente virtual é uma versão contemporânea do abandono físico de crianças e adolescentes pelos responsáveis legais.

Se, por um lado, o mundão online oferece um mar de possibilidades e experiências positivas aos mais jovens, por outro, nesse mesmo espaço, crianças e adolescentes estão expostos a uma série de riscos, que vão do cyberbullying à praticas violência sexual e racismo. Sem falar em consequências como vício tecnológico e, casos mais graves ainda, o suicídio.

 Foto: Estadão

Segundo o levantamento TIC Kids Online Brasil 2021, 93% das crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos de idade já estão online e 22% dos jovens de 11 a 17 anos tiveram acesso a conteúdos sensíveis, como cenas de violência, formas de cometer suicídio e de machucar a si mesmo.

Além disso, 14% viram material de conteúdo sexual, 8% disseram se sentir incomodados após o contato com as imagens, 19% já receberam mensagens com teor sexual e 38% passaram por situações online consideradas ofensivas - um aumento de 30% no comparativo com a pesquisa de 2019.

Dentro deste cenário, outra estatística alarmante: apenas 14% reportaram essas situações para pessoas da sua idade, somente 12% relataram os ocorridos aos pais ou responsáveis e 7% não compartilharam nada disso com ninguém. Ou seja, uma vez que o seu filho está on, estar off - não ter a mais vaga ideia do que ele faz nas redes sociais, quais canais assiste, não instalar nenhum tipo de filtro de controle de parentalidade e/ ou abrir contas para crianças em locais permitidos para maiores - configura abandono digital. E é aqui que precisa existir uma virada de chave urgente.

"A internet foi planejada para ser uma rede de informações e transmissão de conhecimentos, relacionamentos, dados e fatos para adultos e profissionais de diversas áreas. Mas, não foi adequada e é compreensiva às crianças e aos adolescentes, que ainda estão em desenvolvimento cerebral, mental, social e emocional", defende Dra. Evelyn Eisenstein, coordenadora do Grupo de Trabalho em Saúde Digital da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

De acordo com a especialista, a Organização Mundial de Saúde (OMS) define abandono como uma forma de violência. "Não há vácuo entre o mundo real e o digital e da mesma maneira que você não abandona uma criança ou adolescente em uma esquina de qualquer rua, também não pode largá-los em frente às telas do celular, notebook ou computador sem regras de segurança e privacidade", explica.

No ambiente físico ou no virtual, fato é que crianças e adolescentes estão sujeitos a inúmeras violências e assim como eles podem ser os violentados, podem ser os agressores. O bullying, por exemplo, é invariavelmente praticado por eles mesmos.

Rodrigo Nejm, psicólogo, diretor de Educação da Safernet, lembra que, infelizmente, achando que estão apenas "zoando com os amigos", muitos adolescentes acabam praticando violências como racismo, homofobia, intolerância ou até mesmo atos infracionais equivalentes ao crime de calúnia, difamação e injúria - quando, por exemplo, criam páginas falsas para humilhar uma professora ou atacar um colega da escola.

Mas é preciso entender que não existe "zoeira" com o colega. Precisamos começar a dar nomes corretos às práticas de racismo, gordofobia, xenofobia, fascismo e as outras tantas violências que podem ser praticadas. Adolescentes não estão blindados de serem os agressores e praticantes do que é abominável em pleno ano de 2022.

Eles precisam ser responsabilizados dentro do que a Lei permite que o sejam. E é inevitável que essa conta recaia sobre os pais, uma vez que é a eles que se atribui a responsabilidade legal pelo que os filhos fazem na internet - assim como atribuímos o que acontece nas ruas, na escola e por aí em diante. E assim como os pais sabem a rotina dos filhos durante o dia - onde vão, com quem, etc - também devem se preocupar em conhecer a rotina digital.

"Para adolescentes, proibir o uso não é a melhor alternativa, tampouco utilizar programas de espionagem", fala Rodrigo. "O ideal é ter conversas francas sobre limites e pedir para os filhos mostrarem o que curtem na internet, o que fazem nas redes, sempre de uma maneira transparente e dialogada".

Adolescentes, principalmente, já não querem mais compartilhar a vida social com os pais, com frequência se sentem sufocados pela quantidade de perguntas e interpretam quase qualquer uma como invasão de privacidade. Portanto, a sugestão pode parecer "missão impossível", mas se seu filho entender que a ideia não é espioná-lo, mas protegê-lo, a conversa pode funcionar.

Outra solução interessante é fazer uso dos novos mecanismos que redes sociais como Instagram e TikTok disponibilizaram aqui no Brasil, para os pais vincularem a conta dos filhos às suas e terem algum tipo de controle, sempre respeitando a privacidade dos adolescentes.

E quando se trata de crianças menores de 13 anos, canais como o YouTube, têm suas versões para crianças e também oferecem ferramentas de segurança parental que facilitam o monitoramento dos pais. Mas, sabemos, só isto não basta. É preciso observar, entrar nos canais, sentar ao lado e assistir o que eles estão assistindo, ver, dialogar.

Fazemos isto na escola, no clube, na praça. É preciso fazer nos jogos, nos canais de desenho e relacionamento. E é a soma deste olhar, deste cuidado que contribui para a configuração ou não de abandono digital.

Para Rodrigo, da SaferNet, a regra de ouro é, desde os primeiros acessos da criança no ambiente digital, deixá-la ciente de que não existe tempo ilimitado na internet, existem conteúdos que são perigosos e que essa é uma atividade que precisa ser feita com supervisão de um adulto. Se nesse debut com as telas já forem estabelecidos acordos e regras, o assunto fica mais descomplicado quando chegarem à adolescência.

"Também é importante que os pais deixem a postura de 'fiscais de tela', que boqueiam, proíbem e tiram da tomada, e passem a ser mais mentores", ressalta. "Não obrigatoriamente estando ao lado o tempo todo, mas, sim, reforçando a importância de uma presença digital respeitosa e cuidadosa, para que se protejam e também cuidem dos outros, de seus colegas e seus pares".

Seguindo uma linha de raciocínio parecida, Maria Mello, coordenadora do programa Criança e Consumo do Instituto Alana, reforça a importância de proteger as crianças "na" internet e não "da" internet. Mas ela lembra que, uma vez que os direitos das crianças e dos adolescentes forem ameaçados, inclusive por falta, omissão ou abuso dos responsáveis, estão previstas uma série de ações judiciais, que vão desde a assinatura de termo de responsabilidade, recebimento de apoio e acompanhamento familiar, a medidas educativas com encaminhamento dos pais ou responsáveis a cursos e programas orientacionais.

Em casos mais graves, a criança ou o adolescente são levados para acolhimento institucional ou família substitutiva. Parece pesado, não é? Existem casos extremos que pedem medidas extremas, mas vale lembrar que o Artigo 227 da Constituição Federal declara responsabilidade compartilhada entre famílias, Estado e sociedade na garantia dos direitos de crianças e adolescentes, entre outros, à educação, lazer, cultura, respeito e proteção contra toda forma de exploração e violência.

Lembra do conceito da aldeia para criar uma criança? É isto. Existe uma co-responsabilidade e Maria Melo alerta para uma questão seríssima que é a publicidade dirigida às crianças e aos adolescentes nos diversos canais da internet.

"A replicação da ideia de que os pais são os principais responsáveis, contribui para que as plataformas digitais, e anunciantes, pensando em publicidade infantil, não tomem para si a responsabilidade que é delas. Sem dúvida, esse tema precisa ser melhor compreendido pelas famílias, mas é absolutamente injusto pressupor que mães - mais mães do que pais, aliás, porque o cuidado infelizmente ainda é muito centrado nas mães - tenham condições iguais de disputar com o apelo das plataformas", diz.

"Até porque, vale lembrar, o Brasil possui números elevados de analfabetização digital, de modo que os Estados não podem se furtar do dever de garantir literacia digital e o acesso à conexão para aqueles que ainda não desfrutam do ambiente digital", complementa.

Garantir proteção digital é, de fato, um dever compartilhado. Lembra do conceito da aldeia para cuidar de uma criança? É isto, ainda que as famílias tenham maior responsabilidade e cabe a elas a não omissão deste cuidar, educar e ensinar a transitar e se relacionar no ambiente virtual. A terceirização da educação de um filho não é uma opção quando se decide tê-lo.

Se a internet é um grande espaço onde o público e o privado vivem se esbarrando, 'liberar geral' é dar passe livre para que se coloquem em situações de vulnerabilidade, pratiquem violências e sejam violentados. Entenda por que a omissão pode configurar crime

Racismo é crime, seja ele praticado por adultos, crianças ou adolescentes. E de quem é a responsabilidade quando quem o comete é menor de idade? Sem dúvida alguma, dos adultos responsáveis.

Criar um filho não é fácil. Educar, menos ainda. Exige de mães, pais e responsáveis legais uma demanda que é exaustiva e, muitas vezes, na tentativa de conseguir alguns minutos - ou horas - de descanso, acabam por liberar o uso de eletrônicos sem controle algum.

Mas quando o "liberar geral" provoca violências em outros ou na própria criança ou adolescente configura-se o que é chamado de "abandono digital", quando se negligência o cuidado e a proteção instituída pelo ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente.

Considerado crime pela justiça, o abandono digital se caracteriza de inúmeras formas e, obviamente, a prática de violências ou o sofrimento delas é o de maior responsabilidade.

Semana passada, um episódio de racismo praticado por adolescentes num grupo de WhatsApp ganhou as mídias e acendeu a discussão sobre medidas mais rígidas que as escolas precisam tomar frente a estes crimes.

Agora, para além da responsabilidade das escolas frente ao racismo e outras xenofobia praticadas por alunos, está a responsabilidade dos pais e da sociedade de maneira ampla e diversa. É preciso dialogar, letrar, ensinar e combater o racismo dentro e fora das escolas porque ele nada mais é que um reflexo social.

E quando o crime acontece através das redes sociais ou canais de comunicação da internet, temos mais uma responsabilidade que é a de checar por onde os filhos andam. Fazemos isso ao perguntar sobre a casa do amigo, a ida ao shopping, à praça e os inúmeros lugares por onde eles circulam. Pais checam com quem os filhos vão e com quem estão. Por que não fazer o mesmo com as relações virtuais?

O abandono digital, termo usado pela justiça, é crime. Desatenção parental com relação à segurança dos filhos no ambiente virtual é uma versão contemporânea do abandono físico de crianças e adolescentes pelos responsáveis legais.

Se, por um lado, o mundão online oferece um mar de possibilidades e experiências positivas aos mais jovens, por outro, nesse mesmo espaço, crianças e adolescentes estão expostos a uma série de riscos, que vão do cyberbullying à praticas violência sexual e racismo. Sem falar em consequências como vício tecnológico e, casos mais graves ainda, o suicídio.

 Foto: Estadão

Segundo o levantamento TIC Kids Online Brasil 2021, 93% das crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos de idade já estão online e 22% dos jovens de 11 a 17 anos tiveram acesso a conteúdos sensíveis, como cenas de violência, formas de cometer suicídio e de machucar a si mesmo.

Além disso, 14% viram material de conteúdo sexual, 8% disseram se sentir incomodados após o contato com as imagens, 19% já receberam mensagens com teor sexual e 38% passaram por situações online consideradas ofensivas - um aumento de 30% no comparativo com a pesquisa de 2019.

Dentro deste cenário, outra estatística alarmante: apenas 14% reportaram essas situações para pessoas da sua idade, somente 12% relataram os ocorridos aos pais ou responsáveis e 7% não compartilharam nada disso com ninguém. Ou seja, uma vez que o seu filho está on, estar off - não ter a mais vaga ideia do que ele faz nas redes sociais, quais canais assiste, não instalar nenhum tipo de filtro de controle de parentalidade e/ ou abrir contas para crianças em locais permitidos para maiores - configura abandono digital. E é aqui que precisa existir uma virada de chave urgente.

"A internet foi planejada para ser uma rede de informações e transmissão de conhecimentos, relacionamentos, dados e fatos para adultos e profissionais de diversas áreas. Mas, não foi adequada e é compreensiva às crianças e aos adolescentes, que ainda estão em desenvolvimento cerebral, mental, social e emocional", defende Dra. Evelyn Eisenstein, coordenadora do Grupo de Trabalho em Saúde Digital da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

De acordo com a especialista, a Organização Mundial de Saúde (OMS) define abandono como uma forma de violência. "Não há vácuo entre o mundo real e o digital e da mesma maneira que você não abandona uma criança ou adolescente em uma esquina de qualquer rua, também não pode largá-los em frente às telas do celular, notebook ou computador sem regras de segurança e privacidade", explica.

No ambiente físico ou no virtual, fato é que crianças e adolescentes estão sujeitos a inúmeras violências e assim como eles podem ser os violentados, podem ser os agressores. O bullying, por exemplo, é invariavelmente praticado por eles mesmos.

Rodrigo Nejm, psicólogo, diretor de Educação da Safernet, lembra que, infelizmente, achando que estão apenas "zoando com os amigos", muitos adolescentes acabam praticando violências como racismo, homofobia, intolerância ou até mesmo atos infracionais equivalentes ao crime de calúnia, difamação e injúria - quando, por exemplo, criam páginas falsas para humilhar uma professora ou atacar um colega da escola.

Mas é preciso entender que não existe "zoeira" com o colega. Precisamos começar a dar nomes corretos às práticas de racismo, gordofobia, xenofobia, fascismo e as outras tantas violências que podem ser praticadas. Adolescentes não estão blindados de serem os agressores e praticantes do que é abominável em pleno ano de 2022.

Eles precisam ser responsabilizados dentro do que a Lei permite que o sejam. E é inevitável que essa conta recaia sobre os pais, uma vez que é a eles que se atribui a responsabilidade legal pelo que os filhos fazem na internet - assim como atribuímos o que acontece nas ruas, na escola e por aí em diante. E assim como os pais sabem a rotina dos filhos durante o dia - onde vão, com quem, etc - também devem se preocupar em conhecer a rotina digital.

"Para adolescentes, proibir o uso não é a melhor alternativa, tampouco utilizar programas de espionagem", fala Rodrigo. "O ideal é ter conversas francas sobre limites e pedir para os filhos mostrarem o que curtem na internet, o que fazem nas redes, sempre de uma maneira transparente e dialogada".

Adolescentes, principalmente, já não querem mais compartilhar a vida social com os pais, com frequência se sentem sufocados pela quantidade de perguntas e interpretam quase qualquer uma como invasão de privacidade. Portanto, a sugestão pode parecer "missão impossível", mas se seu filho entender que a ideia não é espioná-lo, mas protegê-lo, a conversa pode funcionar.

Outra solução interessante é fazer uso dos novos mecanismos que redes sociais como Instagram e TikTok disponibilizaram aqui no Brasil, para os pais vincularem a conta dos filhos às suas e terem algum tipo de controle, sempre respeitando a privacidade dos adolescentes.

E quando se trata de crianças menores de 13 anos, canais como o YouTube, têm suas versões para crianças e também oferecem ferramentas de segurança parental que facilitam o monitoramento dos pais. Mas, sabemos, só isto não basta. É preciso observar, entrar nos canais, sentar ao lado e assistir o que eles estão assistindo, ver, dialogar.

Fazemos isto na escola, no clube, na praça. É preciso fazer nos jogos, nos canais de desenho e relacionamento. E é a soma deste olhar, deste cuidado que contribui para a configuração ou não de abandono digital.

Para Rodrigo, da SaferNet, a regra de ouro é, desde os primeiros acessos da criança no ambiente digital, deixá-la ciente de que não existe tempo ilimitado na internet, existem conteúdos que são perigosos e que essa é uma atividade que precisa ser feita com supervisão de um adulto. Se nesse debut com as telas já forem estabelecidos acordos e regras, o assunto fica mais descomplicado quando chegarem à adolescência.

"Também é importante que os pais deixem a postura de 'fiscais de tela', que boqueiam, proíbem e tiram da tomada, e passem a ser mais mentores", ressalta. "Não obrigatoriamente estando ao lado o tempo todo, mas, sim, reforçando a importância de uma presença digital respeitosa e cuidadosa, para que se protejam e também cuidem dos outros, de seus colegas e seus pares".

Seguindo uma linha de raciocínio parecida, Maria Mello, coordenadora do programa Criança e Consumo do Instituto Alana, reforça a importância de proteger as crianças "na" internet e não "da" internet. Mas ela lembra que, uma vez que os direitos das crianças e dos adolescentes forem ameaçados, inclusive por falta, omissão ou abuso dos responsáveis, estão previstas uma série de ações judiciais, que vão desde a assinatura de termo de responsabilidade, recebimento de apoio e acompanhamento familiar, a medidas educativas com encaminhamento dos pais ou responsáveis a cursos e programas orientacionais.

Em casos mais graves, a criança ou o adolescente são levados para acolhimento institucional ou família substitutiva. Parece pesado, não é? Existem casos extremos que pedem medidas extremas, mas vale lembrar que o Artigo 227 da Constituição Federal declara responsabilidade compartilhada entre famílias, Estado e sociedade na garantia dos direitos de crianças e adolescentes, entre outros, à educação, lazer, cultura, respeito e proteção contra toda forma de exploração e violência.

Lembra do conceito da aldeia para criar uma criança? É isto. Existe uma co-responsabilidade e Maria Melo alerta para uma questão seríssima que é a publicidade dirigida às crianças e aos adolescentes nos diversos canais da internet.

"A replicação da ideia de que os pais são os principais responsáveis, contribui para que as plataformas digitais, e anunciantes, pensando em publicidade infantil, não tomem para si a responsabilidade que é delas. Sem dúvida, esse tema precisa ser melhor compreendido pelas famílias, mas é absolutamente injusto pressupor que mães - mais mães do que pais, aliás, porque o cuidado infelizmente ainda é muito centrado nas mães - tenham condições iguais de disputar com o apelo das plataformas", diz.

"Até porque, vale lembrar, o Brasil possui números elevados de analfabetização digital, de modo que os Estados não podem se furtar do dever de garantir literacia digital e o acesso à conexão para aqueles que ainda não desfrutam do ambiente digital", complementa.

Garantir proteção digital é, de fato, um dever compartilhado. Lembra do conceito da aldeia para cuidar de uma criança? É isto, ainda que as famílias tenham maior responsabilidade e cabe a elas a não omissão deste cuidar, educar e ensinar a transitar e se relacionar no ambiente virtual. A terceirização da educação de um filho não é uma opção quando se decide tê-lo.

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