Na semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher eu desejo escutar muitas frases como a deste título nas escolas e fora delas
Estou há dias pensando como escrever esse texto sem fazer uma correlação direta entre o Dia Internacional da Mulher e o movimento de mulheres - e meninas - feministas que lutam - sim, ainda temos que usar esta palavra porque quando não existe garantia de direito é preciso brigar por ele - por uma sociedade menos machista que violenta a mulher em tantas esferas.
Estou há dias pensando como escrever um texto menos espinhoso para conseguir falar com um número maior de pessoas que têm aversão ao termo "feminismo" ou "feminista". Pessoas essas que rapidamente justificam suas crenças desmoralizando o movimento e propagando estereótipos dessa mulher que ainda precisa lutar, pelo que deveria ser por princípio, em 2023.
Estamos em 2023 e nas últimas semanas tivemos - temos - uma série de matérias, manchetes e reportagens de episódios machistas. Situações em que a mulher sofre violência, seja física, psicológica e até judicial. Mulheres que são intimadas judicialmente a não exporem seus agressores sob pena de multa ou perda de algum de seus direitos - como se este fato, por si só, já não fosse uma violação ao seu direito.
Mulheres que são estupradas por jogadores de futebol milionários que pagam advogados capazes de produzir argumentações incansáveis de acusações às próprias vítimas. "Defesa de Daniel Alves pede teste psicológico em jovem que o acusa de estupro". Teste psicológico? Claro! Como não, mulheres são loucas, certo? Mulheres são histéricas, perdem a cabeça, ela deve ter algum problema, como ninguém pensou nisso antes.
Como ninguém pensou ainda que existe uma correlação entre a cultura do futebol e a violência contra a mulher? Não bastam faixas de manifestações antes de início de jogo. É preciso atuar de maneira ativa através da educação. Deveriam existir contrapartidas de marcas patrocinadoras para bancar esses caras. Deveria ser obrigatório semanas intensivas com rodas de conversa, palestras e atividades para pensar temas como masculinidade tóxica, direito das mulheres, violência, consentimento, educação sexual.
Do contrário, as manchetes continuarão a dizer "Defesa afirma que não houve estupro porque mulher estava lubrificada; médicos condenam o argumento". Para além da argumentação violenta, falta conhecimento sobre lubrificação feminina, sobre o corpo da mulher, sobre mulher.
É uma sequência de violências em "defesa" de um acusado. Veja, ele é o acusado de uma violência que já foi comprovada ou precisamos de algo a mais além de todas as provas colhidas pela investigação até agora? Como bem pontuou a jornalista Cris Fibe, "estamos cansadas de saber que defesa de acusado de abuso (e feminicídio) tenta desqualificar a vítima. Mas minha pergunta é: como devemos tratar disso na imprensa?".
Uma violência que se perpetua em diversas camadas e instâncias sociais. A mulher, insistentemente, tem que provar que está falando a verdade. Tem que brigar, lutar para não ter seus direitos mínimos violados - e violentados - todo santo dia.
Porque, aos que adoram uma estatística para provar ou justificar o que podem ser "impressões", 18 milhões de mulheres foram vítimas de violência em 2022, segundo a 4º. Edição da pesquisa Visível e Invisível: A Vitimização de Mulheres no Brasil, feita pelo DataFolha em parceria com o Fórum de Segurança Pública.
Para a socióloga e diretora-executiva do Fórum, Samira Bueno, "o Brasil está diante de um aumento da violência contra a mulher". "São mais de 50 mil vítimas por dia, um estádio de futebol lotado", afirma em entrevista ao Estadão.
Segundo o estudo, a violência que atinge meninas e mulheres tem como raiz os diferentes valores atribuídos culturalmente a mulheres e homens que determinam expectativas sobre seus comportamentos. É o que a gente chama de estrutural. Vou explicar.
A sociedade foi organizada de tal forma que, em sua lógica, em sua estrutura de funcionamento, cabe à mulher servir ao homem. Ser uma boa esposa, uma boa mãe, uma boa lavadeira, uma boa cozinheira, uma boa servidora, uma boa submissa, uma boa muda, uma boa corna, uma boa de cama, uma boa centena de coisas que satisfaçam os desejos masculinos.
"Ah, mas homem é assim mesmo", quem nunca escutou e se calou - ou se conformou - com frases desse tipo? Ou "fica quieta, finge que não viu e continua casada". Mulheres se calam, mulheres se submetem às violências infinitas e incontáveis porque aprenderam, de inúmeras maneiras, que é assim pra ser.
Mas vou te contar uma coisa: não é. E por isso, justamente por isso, as escolas, as ruas e a vida deve ser povoada de meninas feministas.
Que espalham cartazes com seus direitos pelos corredores das escolas, que enfrentam os meninos dizendo "não, isso não", que formam coletivos feministas para se empoderarem dentro do ambiente escolar e aprenderem sobre seus direitos e garantias.
Que possam levar pautas, assuntos, até então não discutidos ou falados para um número maior de pessoas, inclusive para dentro de casa e para gestão das escolas. Que essas meninas consigam formar, junto delas, uma geração de meninos que vai chegar na vida jovem adulta com a compreensão exata do que significa igualdade de gênero, o que significa respeito, o que significa "não é não".
Os meninos, ainda, se incomodam com "as meninas que são todas feministas". Às vezes, acham que é "um exagero" porque "tudo agora é machismo". Nem tudo é machismo, mas tudo sempre foi em torno do macho, portanto há de se estudar a própria história, o próprio comportamento para entender por que meninas em plena adolescência têm colocado limites de forma tão acirrada.
Muitas vezes é preciso dar visibilidade a determinadas pautas - e isso não costuma ser de forma amena - para que o assunto comece a ser debatido e compreendido para, daí sim, poder pensar nas mudanças e transformações necessárias.
Quando eu não sei que algo é um problema, ou uma violação de direito, como eu faço para garanti-los? Se eu não sei que determinada ação, gesto ou fala é uma violência contra a mulher e/ ou a menina, como eu faço para barrar esse tipo de agressão? É preciso ensinar para aprender e denunciar.
O empoderamento feminino dentro das escolas é, certamente, uma das medidas capazes de contribuir para o desenvolvimento de meninas mais preparadas e seguras não apenas sob suas garantias e direitos, mas também para atuarem na sociedade de maneira a transformá-la.
Da mesma forma, o movimento colabora e contribui para a educação - e formação - de meninos menos machistas, que entendam que a violência contra a mulher não é uma forma aceitável de se relacionar em nenhuma instância da vida.
Assim como para que meninos entendam - e se permitam - demonstrar seus sentimentos sem medo de sofrerem preconceitos homofóbicos, por exemplo. Por mais meninos sensíveis, que possam chorar sem a pressão social de "serem machos".
Macho que é macho não precisa bater em mulher pra provar nada. Macho que é macho não destrói a autoestima da mulher pra se sentir poderoso e mantê-la submissa. Macho que é macho não precisa por "o pau na mesa" - aliás, veja só que expressão feia e machista.
E bom, obviamente esse texto não foi capaz de conter os termos que causam aversão. Porque obviamente minha aversão maior é contra essa propagação e permissividade de violências contra a mulher e a menina. Talvez porque não dê para existir como mulher sem levantar esta bandeira. Ser feminista hoje é um ato vital para garantir a própria existência e a resistência contra tantas violências - e são muitas, muitas violências.
É preciso ser feminista até transformar, até mudar. Até que qualquer escolha que uma mulher faça possa simplesmente ser uma escolha. Porque nenhum homem deveria ter o poder de violar a escolha de uma mulher. E nenhum homem deveria poder violar uma mulher. Mulheres não são violáveis.
Repito: mulheres não são violáveis. Mas vivem - vivem - se protegendo da violência masculina. Que tenhamos muitos #coletivosfeministas , que tenhamos muitas mulheres de mãos dadas. Que tenhamos muitas mulheres e meninas juntas. Porque é preciso ser feminista em 2023 para transformar.