Comportamento Adolescente e Educação

Body positivity invade as Olimpíadas contra o ideal de 'corpo perfeito' das atletas femininas


Por Carolina Delboni

Contra críticas e olhares "tortos" aos diversos corpos femininos que circulam pelas Olimpíadas, atletas lançam campanha incentivando o body positivity na tentativa que quebrar padrões estéticos que, muitas vezes, chegam a tirar meninas do esporte de alto rendimento

Época de Olimpíadas em Paris e o assunto não tem como ser outro. Mas para além dos recordes batidos, das medalhas, dos times que avançam e dos atletas que se destacam, tem outro assunto que não ganha os holofotes e que merece atenção: é a busca pelo corpo ideal. Só que não o corpo ideal que performa bem em pistas, quadras ou piscinas, e sim o que esteticamente segue os padrões.

Pois é, atletas brasileiras, principalmente meninas adolescentes, são as que mais enfrentam os desafios da balança e do espelho. E quase a metade, 46%, das que praticam algum esporte, entre os 11 e 17 anos, acabam desistindo por conta da insatisfação com o corpo, de acordo com a pesquisa global Confiança Corporal no Esporte, conduzido pela Nike em parceria com a Dove.

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Destas, 46% das meninas que abandonaram o esporte ouviram que não tinham o corpo adequado para praticá-lo, e 54% foram desencorajadas por acharem que não eram boas o suficiente. Fora questões como ciclo menstrual, gravidez e pressões culturais.

Uma das grandes questões que está por trás desse efeito negativo é que tudo isso acontece bem na adolescência, uma fase de formação da autoestima. É mais do que natural - e esperado - que haja insegurança nessa idade. Aquela sensação de que você está errada, seu corpo é feio, seu cabelo é horroroso e ninguém te acha bonita parece sobressair aos momentos em que a menina consegue se perceber bonita.

Quando todo este contexto atravessa a linha de chegada do esporte, a coisa pode se complicar ainda mais. Existe um mito de que para praticar certos esportes é preciso ter certos corpos. Por exemplo, quem nada deve ter costas largas e fortes; quem pratica ginástica olímpica, pernas musculosas e corpo pequeno. Vôlei e basquete, altura e membros alongados.

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A atleta olímpica americana Illona Maher, 27 anos, lançou a hashtag body positivity em seu Instagram durante os jogos de rugby. A jogadora viralizou com seus inúmeros vídeos sobre o assunto e chamou atenção reforçando que todo tipo de corpo pode estar em Paris. "Todo corpo, toda estética é bonita. A altura de uma jogadora de vôlei, as pernas das ginastas, os músculos do rugby, todo fazem coisas espetáculares", disse num dos vídeos.

Os estereótipos são infinitos e para mudar o cenário é importante que tanto essas meninas, como seus pais e treinadores, busquem exemplos positivos e inspiradores para estimular a autoestima, seja por meio de campeãs olímpicas ou membros da própria família.

46% das meninas desistem do esporte por insatisfação ao corpo. Foto Baba Imagem/ Adobe Stock  
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Saúde física e mental em sintonia é a fórmula para o desempenho

Sob a liderança das especialistas, Carla De Pierro, psicóloga clínica do COB - e Tathiana Parmigiano, ginecologista do esporte e médica feminina do COB, o projeto "Cada Uma É Uma" busca colocar saúde física e mental em sintonia. Como? Buscando gerar um ambiente saudável e positivo para que meninas se sintam respeitadas em sua individualidade e mais preparadas para lidar com as adversidades que irão surgir - dentro e fora do esporte. O objetivo é desenvolver confiança e gerar autoestima.

A proposta é olhar para a mulher como uma unidade integrada de mente e corpo, reconhecendo que ambos interagem constantemente, podendo ajudar ou se atrapalhar, impactando positiva ou negativamente sua vida. "Mulheres que se conhecem melhor e recebem apoio médico e emocional conseguem identificar pontos de atenção, como alimentação, estresse e ansiedade," comenta a psicóloga Carla De Pierro, pós-graduada pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) em Saúde Mental de Atletas de Elite.

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Conforme a especialista, quando meninas são vistas na sua individualidade, considerando emoções, fisiologia e contexto, elas podem usar essas informações a seu favor para estar bem e performar em qualquer área, seja no esporte, profissão, maternidade ou relações afetivas. "O objetivo do projeto é divulgar informação e gerar autoconhecimento, promovendo atitudes e decisões que tragam saúde física e emocional," ressalta.

Isso porque, diariamente, elas enfrentam pressões externas, além de desafios biológicos que afetam a prática esportiva. O ciclo menstrual, por exemplo, pode causar variações de peso, retenção de líquidos e mudanças de humor, o que impacta diretamente no desempenho e percepção do corpo.

"A parte ginecológica está associada ao ciclo menstrual e à menstruação propriamente dita. O foco dos cuidados ginecológicos tem sido sempre o de minimizar os efeitos negativos do ciclo menstrual, como cólicas, fluxo intenso e TPM, especialmente com meninas que manifestam necessidade de ajuda ou que são identificadas mediante uma busca ativa que nós fazemos," relata a ginecologista.

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Para a médica, reconhecer a individualidade de cada uma é fundamental. "Nem todas as mulheres experimentam a menstruação como algo ruim, desconfortável ou doloroso. Algumas se sentem bem e até mais fortes durante o período. Nosso objetivo, porém, é evitar generalizações, respeitando as experiências individuais, mesmo em contextos de esportes coletivos, mostrando que cada mulher deve se autoavaliar e fazer escolhas baseadas no que é melhor para si," diz Tahiana.

Para De Pierro, a proximidade das Olimpíadas e o estresse que um campeonato desta dimensão gera, pode intensificar questões e transtornos que algumas atletas já tenham. Por isso, a necessidade de cuidar do psicológico.

"Meninas que estão sendo acompanhadas e tratadas podem evitar crises de bulimia ou manter uma alimentação adequada mesmo após anorexia. Só que o estresse pode fazer com que elas retornem a padrões anteriores, procurando sentir que têm algum controle interno, quando o mundo exterior está fora de controle," comenta Carla.

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A especialista diz que no caso de atletas olímpicos, o acompanhamento constante, além de uma preparação física e alimentação saudável, pode prevenir as recaídas. "Sem esse suporte, a atleta pode ter recaídas, aumentando a rigidez alimentar, diminuindo a ingestão de alimentos e/ou aumentando a frequência de episódios de bulimia," comenta.

Conforme Tathiana, que tem formação em Medicina Esportiva, o foco do 'Cada Uma É Uma' é fazer com que as meninas e mulheres entendam que para ter performance é preciso ter saúde. "A nossa ideia foi divulgar informações cientificas para que essas meninas possam se orientar de maneira correta," esclarece. "Com isso a gente educa e orienta de maneira correta, evitando mal entendidos e práticas prejudiciais como dietas radicais ou refeições descompensadas".

Para ela, é essencial desconstruir o ideal de corpo. "O foco deve estar no desempenho e na saúde do corpo, não na obtenção de um biotipo específico. Nosso objetivo é que as meninas compreendam a importância de um corpo saudável e funcional," enfatiza a médica.

Educação: ferramenta essencial contra desinformação

A educação continua sendo a principal ferramenta para combater mitos e desinformações, frequentemente propagados nas redes sociais. Além disso, é importante criar um ambiente acolhedor e aberto para discutir sobre menstruação, gravidez, entre outros assuntos, garantindo que as meninas não abandonem o esporte por não estarem seguras ou devidamente informadas.

"É importante desmistificar a ideia de que menstruar é algo negativo. Hoje, há a possibilidade de escolher menstruar ou não, assim como de quando engravidar. Essa é uma decisão que deve ser individualizada para não prejudicar a saúde da mulher. Nosso ponto é minimizar sintomas negativos, ao mesmo tempo que respeitamos aquelas que se sentem confortáveis menstruando. Tudo isso deve ser feito com informações apropriadas," afirma a ginecologista.

Da mesma forma, existe uma pauta em relação à preservação da fertilidade e à possibilidade de congelamento de óvulos, especialmente para atletas que desejam ser mães no futuro. "Essas meninas têm sonhos, elas querem ser mães, então, dependendo da idade, precisamos preservar a fertilidade," analisa Tathiana.

Além disso, a questão da busca por um biotipo magro deve ser orientada com cautela e atenção à nutrição. "Uma das intervenções com a mulher atleta é ajudá-la a entender seu corpo como um instrumento de trabalho, essencial para conquistar suas metas. Promovemos uma relação saudável e de parceria com o corpo, que é fonte de força, resiliência e superação de limites," afirma Carla.

Para as especialistas, é importante estimular o equilíbrio entre treino, estresse, pressão e recuperação física e emocional, destacando a relevância de um corpo saudável que precisa ser alimentado, descansado e cuidado. O equilíbrio é fundamental para todas as mulheres, especialmente para as atletas.

"Com apoio médico e emocional, conseguimos ajudá-las a identificar e a cuidar de seus pontos de atenção. Se em algum momento lá atrás não existia esse cuidado de saúde mental, hoje em dia, pelo menos no Comitê Olímpico brasileiro existe e a gente se preocupa em levar o maior número de meninas e mulheres para lá. Quanto maior e melhor a estabilidade emocional, maior e melhor a performance física e esta combinação é pré-requisito para chegar ao alto rendimento," avalia Carla De Pierro.

Contra críticas e olhares "tortos" aos diversos corpos femininos que circulam pelas Olimpíadas, atletas lançam campanha incentivando o body positivity na tentativa que quebrar padrões estéticos que, muitas vezes, chegam a tirar meninas do esporte de alto rendimento

Época de Olimpíadas em Paris e o assunto não tem como ser outro. Mas para além dos recordes batidos, das medalhas, dos times que avançam e dos atletas que se destacam, tem outro assunto que não ganha os holofotes e que merece atenção: é a busca pelo corpo ideal. Só que não o corpo ideal que performa bem em pistas, quadras ou piscinas, e sim o que esteticamente segue os padrões.

Pois é, atletas brasileiras, principalmente meninas adolescentes, são as que mais enfrentam os desafios da balança e do espelho. E quase a metade, 46%, das que praticam algum esporte, entre os 11 e 17 anos, acabam desistindo por conta da insatisfação com o corpo, de acordo com a pesquisa global Confiança Corporal no Esporte, conduzido pela Nike em parceria com a Dove.

Destas, 46% das meninas que abandonaram o esporte ouviram que não tinham o corpo adequado para praticá-lo, e 54% foram desencorajadas por acharem que não eram boas o suficiente. Fora questões como ciclo menstrual, gravidez e pressões culturais.

Uma das grandes questões que está por trás desse efeito negativo é que tudo isso acontece bem na adolescência, uma fase de formação da autoestima. É mais do que natural - e esperado - que haja insegurança nessa idade. Aquela sensação de que você está errada, seu corpo é feio, seu cabelo é horroroso e ninguém te acha bonita parece sobressair aos momentos em que a menina consegue se perceber bonita.

Quando todo este contexto atravessa a linha de chegada do esporte, a coisa pode se complicar ainda mais. Existe um mito de que para praticar certos esportes é preciso ter certos corpos. Por exemplo, quem nada deve ter costas largas e fortes; quem pratica ginástica olímpica, pernas musculosas e corpo pequeno. Vôlei e basquete, altura e membros alongados.

A atleta olímpica americana Illona Maher, 27 anos, lançou a hashtag body positivity em seu Instagram durante os jogos de rugby. A jogadora viralizou com seus inúmeros vídeos sobre o assunto e chamou atenção reforçando que todo tipo de corpo pode estar em Paris. "Todo corpo, toda estética é bonita. A altura de uma jogadora de vôlei, as pernas das ginastas, os músculos do rugby, todo fazem coisas espetáculares", disse num dos vídeos.

Os estereótipos são infinitos e para mudar o cenário é importante que tanto essas meninas, como seus pais e treinadores, busquem exemplos positivos e inspiradores para estimular a autoestima, seja por meio de campeãs olímpicas ou membros da própria família.

46% das meninas desistem do esporte por insatisfação ao corpo. Foto Baba Imagem/ Adobe Stock  

Saúde física e mental em sintonia é a fórmula para o desempenho

Sob a liderança das especialistas, Carla De Pierro, psicóloga clínica do COB - e Tathiana Parmigiano, ginecologista do esporte e médica feminina do COB, o projeto "Cada Uma É Uma" busca colocar saúde física e mental em sintonia. Como? Buscando gerar um ambiente saudável e positivo para que meninas se sintam respeitadas em sua individualidade e mais preparadas para lidar com as adversidades que irão surgir - dentro e fora do esporte. O objetivo é desenvolver confiança e gerar autoestima.

A proposta é olhar para a mulher como uma unidade integrada de mente e corpo, reconhecendo que ambos interagem constantemente, podendo ajudar ou se atrapalhar, impactando positiva ou negativamente sua vida. "Mulheres que se conhecem melhor e recebem apoio médico e emocional conseguem identificar pontos de atenção, como alimentação, estresse e ansiedade," comenta a psicóloga Carla De Pierro, pós-graduada pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) em Saúde Mental de Atletas de Elite.

Conforme a especialista, quando meninas são vistas na sua individualidade, considerando emoções, fisiologia e contexto, elas podem usar essas informações a seu favor para estar bem e performar em qualquer área, seja no esporte, profissão, maternidade ou relações afetivas. "O objetivo do projeto é divulgar informação e gerar autoconhecimento, promovendo atitudes e decisões que tragam saúde física e emocional," ressalta.

Isso porque, diariamente, elas enfrentam pressões externas, além de desafios biológicos que afetam a prática esportiva. O ciclo menstrual, por exemplo, pode causar variações de peso, retenção de líquidos e mudanças de humor, o que impacta diretamente no desempenho e percepção do corpo.

"A parte ginecológica está associada ao ciclo menstrual e à menstruação propriamente dita. O foco dos cuidados ginecológicos tem sido sempre o de minimizar os efeitos negativos do ciclo menstrual, como cólicas, fluxo intenso e TPM, especialmente com meninas que manifestam necessidade de ajuda ou que são identificadas mediante uma busca ativa que nós fazemos," relata a ginecologista.

Para a médica, reconhecer a individualidade de cada uma é fundamental. "Nem todas as mulheres experimentam a menstruação como algo ruim, desconfortável ou doloroso. Algumas se sentem bem e até mais fortes durante o período. Nosso objetivo, porém, é evitar generalizações, respeitando as experiências individuais, mesmo em contextos de esportes coletivos, mostrando que cada mulher deve se autoavaliar e fazer escolhas baseadas no que é melhor para si," diz Tahiana.

Para De Pierro, a proximidade das Olimpíadas e o estresse que um campeonato desta dimensão gera, pode intensificar questões e transtornos que algumas atletas já tenham. Por isso, a necessidade de cuidar do psicológico.

"Meninas que estão sendo acompanhadas e tratadas podem evitar crises de bulimia ou manter uma alimentação adequada mesmo após anorexia. Só que o estresse pode fazer com que elas retornem a padrões anteriores, procurando sentir que têm algum controle interno, quando o mundo exterior está fora de controle," comenta Carla.

A especialista diz que no caso de atletas olímpicos, o acompanhamento constante, além de uma preparação física e alimentação saudável, pode prevenir as recaídas. "Sem esse suporte, a atleta pode ter recaídas, aumentando a rigidez alimentar, diminuindo a ingestão de alimentos e/ou aumentando a frequência de episódios de bulimia," comenta.

Conforme Tathiana, que tem formação em Medicina Esportiva, o foco do 'Cada Uma É Uma' é fazer com que as meninas e mulheres entendam que para ter performance é preciso ter saúde. "A nossa ideia foi divulgar informações cientificas para que essas meninas possam se orientar de maneira correta," esclarece. "Com isso a gente educa e orienta de maneira correta, evitando mal entendidos e práticas prejudiciais como dietas radicais ou refeições descompensadas".

Para ela, é essencial desconstruir o ideal de corpo. "O foco deve estar no desempenho e na saúde do corpo, não na obtenção de um biotipo específico. Nosso objetivo é que as meninas compreendam a importância de um corpo saudável e funcional," enfatiza a médica.

Educação: ferramenta essencial contra desinformação

A educação continua sendo a principal ferramenta para combater mitos e desinformações, frequentemente propagados nas redes sociais. Além disso, é importante criar um ambiente acolhedor e aberto para discutir sobre menstruação, gravidez, entre outros assuntos, garantindo que as meninas não abandonem o esporte por não estarem seguras ou devidamente informadas.

"É importante desmistificar a ideia de que menstruar é algo negativo. Hoje, há a possibilidade de escolher menstruar ou não, assim como de quando engravidar. Essa é uma decisão que deve ser individualizada para não prejudicar a saúde da mulher. Nosso ponto é minimizar sintomas negativos, ao mesmo tempo que respeitamos aquelas que se sentem confortáveis menstruando. Tudo isso deve ser feito com informações apropriadas," afirma a ginecologista.

Da mesma forma, existe uma pauta em relação à preservação da fertilidade e à possibilidade de congelamento de óvulos, especialmente para atletas que desejam ser mães no futuro. "Essas meninas têm sonhos, elas querem ser mães, então, dependendo da idade, precisamos preservar a fertilidade," analisa Tathiana.

Além disso, a questão da busca por um biotipo magro deve ser orientada com cautela e atenção à nutrição. "Uma das intervenções com a mulher atleta é ajudá-la a entender seu corpo como um instrumento de trabalho, essencial para conquistar suas metas. Promovemos uma relação saudável e de parceria com o corpo, que é fonte de força, resiliência e superação de limites," afirma Carla.

Para as especialistas, é importante estimular o equilíbrio entre treino, estresse, pressão e recuperação física e emocional, destacando a relevância de um corpo saudável que precisa ser alimentado, descansado e cuidado. O equilíbrio é fundamental para todas as mulheres, especialmente para as atletas.

"Com apoio médico e emocional, conseguimos ajudá-las a identificar e a cuidar de seus pontos de atenção. Se em algum momento lá atrás não existia esse cuidado de saúde mental, hoje em dia, pelo menos no Comitê Olímpico brasileiro existe e a gente se preocupa em levar o maior número de meninas e mulheres para lá. Quanto maior e melhor a estabilidade emocional, maior e melhor a performance física e esta combinação é pré-requisito para chegar ao alto rendimento," avalia Carla De Pierro.

Contra críticas e olhares "tortos" aos diversos corpos femininos que circulam pelas Olimpíadas, atletas lançam campanha incentivando o body positivity na tentativa que quebrar padrões estéticos que, muitas vezes, chegam a tirar meninas do esporte de alto rendimento

Época de Olimpíadas em Paris e o assunto não tem como ser outro. Mas para além dos recordes batidos, das medalhas, dos times que avançam e dos atletas que se destacam, tem outro assunto que não ganha os holofotes e que merece atenção: é a busca pelo corpo ideal. Só que não o corpo ideal que performa bem em pistas, quadras ou piscinas, e sim o que esteticamente segue os padrões.

Pois é, atletas brasileiras, principalmente meninas adolescentes, são as que mais enfrentam os desafios da balança e do espelho. E quase a metade, 46%, das que praticam algum esporte, entre os 11 e 17 anos, acabam desistindo por conta da insatisfação com o corpo, de acordo com a pesquisa global Confiança Corporal no Esporte, conduzido pela Nike em parceria com a Dove.

Destas, 46% das meninas que abandonaram o esporte ouviram que não tinham o corpo adequado para praticá-lo, e 54% foram desencorajadas por acharem que não eram boas o suficiente. Fora questões como ciclo menstrual, gravidez e pressões culturais.

Uma das grandes questões que está por trás desse efeito negativo é que tudo isso acontece bem na adolescência, uma fase de formação da autoestima. É mais do que natural - e esperado - que haja insegurança nessa idade. Aquela sensação de que você está errada, seu corpo é feio, seu cabelo é horroroso e ninguém te acha bonita parece sobressair aos momentos em que a menina consegue se perceber bonita.

Quando todo este contexto atravessa a linha de chegada do esporte, a coisa pode se complicar ainda mais. Existe um mito de que para praticar certos esportes é preciso ter certos corpos. Por exemplo, quem nada deve ter costas largas e fortes; quem pratica ginástica olímpica, pernas musculosas e corpo pequeno. Vôlei e basquete, altura e membros alongados.

A atleta olímpica americana Illona Maher, 27 anos, lançou a hashtag body positivity em seu Instagram durante os jogos de rugby. A jogadora viralizou com seus inúmeros vídeos sobre o assunto e chamou atenção reforçando que todo tipo de corpo pode estar em Paris. "Todo corpo, toda estética é bonita. A altura de uma jogadora de vôlei, as pernas das ginastas, os músculos do rugby, todo fazem coisas espetáculares", disse num dos vídeos.

Os estereótipos são infinitos e para mudar o cenário é importante que tanto essas meninas, como seus pais e treinadores, busquem exemplos positivos e inspiradores para estimular a autoestima, seja por meio de campeãs olímpicas ou membros da própria família.

46% das meninas desistem do esporte por insatisfação ao corpo. Foto Baba Imagem/ Adobe Stock  

Saúde física e mental em sintonia é a fórmula para o desempenho

Sob a liderança das especialistas, Carla De Pierro, psicóloga clínica do COB - e Tathiana Parmigiano, ginecologista do esporte e médica feminina do COB, o projeto "Cada Uma É Uma" busca colocar saúde física e mental em sintonia. Como? Buscando gerar um ambiente saudável e positivo para que meninas se sintam respeitadas em sua individualidade e mais preparadas para lidar com as adversidades que irão surgir - dentro e fora do esporte. O objetivo é desenvolver confiança e gerar autoestima.

A proposta é olhar para a mulher como uma unidade integrada de mente e corpo, reconhecendo que ambos interagem constantemente, podendo ajudar ou se atrapalhar, impactando positiva ou negativamente sua vida. "Mulheres que se conhecem melhor e recebem apoio médico e emocional conseguem identificar pontos de atenção, como alimentação, estresse e ansiedade," comenta a psicóloga Carla De Pierro, pós-graduada pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) em Saúde Mental de Atletas de Elite.

Conforme a especialista, quando meninas são vistas na sua individualidade, considerando emoções, fisiologia e contexto, elas podem usar essas informações a seu favor para estar bem e performar em qualquer área, seja no esporte, profissão, maternidade ou relações afetivas. "O objetivo do projeto é divulgar informação e gerar autoconhecimento, promovendo atitudes e decisões que tragam saúde física e emocional," ressalta.

Isso porque, diariamente, elas enfrentam pressões externas, além de desafios biológicos que afetam a prática esportiva. O ciclo menstrual, por exemplo, pode causar variações de peso, retenção de líquidos e mudanças de humor, o que impacta diretamente no desempenho e percepção do corpo.

"A parte ginecológica está associada ao ciclo menstrual e à menstruação propriamente dita. O foco dos cuidados ginecológicos tem sido sempre o de minimizar os efeitos negativos do ciclo menstrual, como cólicas, fluxo intenso e TPM, especialmente com meninas que manifestam necessidade de ajuda ou que são identificadas mediante uma busca ativa que nós fazemos," relata a ginecologista.

Para a médica, reconhecer a individualidade de cada uma é fundamental. "Nem todas as mulheres experimentam a menstruação como algo ruim, desconfortável ou doloroso. Algumas se sentem bem e até mais fortes durante o período. Nosso objetivo, porém, é evitar generalizações, respeitando as experiências individuais, mesmo em contextos de esportes coletivos, mostrando que cada mulher deve se autoavaliar e fazer escolhas baseadas no que é melhor para si," diz Tahiana.

Para De Pierro, a proximidade das Olimpíadas e o estresse que um campeonato desta dimensão gera, pode intensificar questões e transtornos que algumas atletas já tenham. Por isso, a necessidade de cuidar do psicológico.

"Meninas que estão sendo acompanhadas e tratadas podem evitar crises de bulimia ou manter uma alimentação adequada mesmo após anorexia. Só que o estresse pode fazer com que elas retornem a padrões anteriores, procurando sentir que têm algum controle interno, quando o mundo exterior está fora de controle," comenta Carla.

A especialista diz que no caso de atletas olímpicos, o acompanhamento constante, além de uma preparação física e alimentação saudável, pode prevenir as recaídas. "Sem esse suporte, a atleta pode ter recaídas, aumentando a rigidez alimentar, diminuindo a ingestão de alimentos e/ou aumentando a frequência de episódios de bulimia," comenta.

Conforme Tathiana, que tem formação em Medicina Esportiva, o foco do 'Cada Uma É Uma' é fazer com que as meninas e mulheres entendam que para ter performance é preciso ter saúde. "A nossa ideia foi divulgar informações cientificas para que essas meninas possam se orientar de maneira correta," esclarece. "Com isso a gente educa e orienta de maneira correta, evitando mal entendidos e práticas prejudiciais como dietas radicais ou refeições descompensadas".

Para ela, é essencial desconstruir o ideal de corpo. "O foco deve estar no desempenho e na saúde do corpo, não na obtenção de um biotipo específico. Nosso objetivo é que as meninas compreendam a importância de um corpo saudável e funcional," enfatiza a médica.

Educação: ferramenta essencial contra desinformação

A educação continua sendo a principal ferramenta para combater mitos e desinformações, frequentemente propagados nas redes sociais. Além disso, é importante criar um ambiente acolhedor e aberto para discutir sobre menstruação, gravidez, entre outros assuntos, garantindo que as meninas não abandonem o esporte por não estarem seguras ou devidamente informadas.

"É importante desmistificar a ideia de que menstruar é algo negativo. Hoje, há a possibilidade de escolher menstruar ou não, assim como de quando engravidar. Essa é uma decisão que deve ser individualizada para não prejudicar a saúde da mulher. Nosso ponto é minimizar sintomas negativos, ao mesmo tempo que respeitamos aquelas que se sentem confortáveis menstruando. Tudo isso deve ser feito com informações apropriadas," afirma a ginecologista.

Da mesma forma, existe uma pauta em relação à preservação da fertilidade e à possibilidade de congelamento de óvulos, especialmente para atletas que desejam ser mães no futuro. "Essas meninas têm sonhos, elas querem ser mães, então, dependendo da idade, precisamos preservar a fertilidade," analisa Tathiana.

Além disso, a questão da busca por um biotipo magro deve ser orientada com cautela e atenção à nutrição. "Uma das intervenções com a mulher atleta é ajudá-la a entender seu corpo como um instrumento de trabalho, essencial para conquistar suas metas. Promovemos uma relação saudável e de parceria com o corpo, que é fonte de força, resiliência e superação de limites," afirma Carla.

Para as especialistas, é importante estimular o equilíbrio entre treino, estresse, pressão e recuperação física e emocional, destacando a relevância de um corpo saudável que precisa ser alimentado, descansado e cuidado. O equilíbrio é fundamental para todas as mulheres, especialmente para as atletas.

"Com apoio médico e emocional, conseguimos ajudá-las a identificar e a cuidar de seus pontos de atenção. Se em algum momento lá atrás não existia esse cuidado de saúde mental, hoje em dia, pelo menos no Comitê Olímpico brasileiro existe e a gente se preocupa em levar o maior número de meninas e mulheres para lá. Quanto maior e melhor a estabilidade emocional, maior e melhor a performance física e esta combinação é pré-requisito para chegar ao alto rendimento," avalia Carla De Pierro.

Contra críticas e olhares "tortos" aos diversos corpos femininos que circulam pelas Olimpíadas, atletas lançam campanha incentivando o body positivity na tentativa que quebrar padrões estéticos que, muitas vezes, chegam a tirar meninas do esporte de alto rendimento

Época de Olimpíadas em Paris e o assunto não tem como ser outro. Mas para além dos recordes batidos, das medalhas, dos times que avançam e dos atletas que se destacam, tem outro assunto que não ganha os holofotes e que merece atenção: é a busca pelo corpo ideal. Só que não o corpo ideal que performa bem em pistas, quadras ou piscinas, e sim o que esteticamente segue os padrões.

Pois é, atletas brasileiras, principalmente meninas adolescentes, são as que mais enfrentam os desafios da balança e do espelho. E quase a metade, 46%, das que praticam algum esporte, entre os 11 e 17 anos, acabam desistindo por conta da insatisfação com o corpo, de acordo com a pesquisa global Confiança Corporal no Esporte, conduzido pela Nike em parceria com a Dove.

Destas, 46% das meninas que abandonaram o esporte ouviram que não tinham o corpo adequado para praticá-lo, e 54% foram desencorajadas por acharem que não eram boas o suficiente. Fora questões como ciclo menstrual, gravidez e pressões culturais.

Uma das grandes questões que está por trás desse efeito negativo é que tudo isso acontece bem na adolescência, uma fase de formação da autoestima. É mais do que natural - e esperado - que haja insegurança nessa idade. Aquela sensação de que você está errada, seu corpo é feio, seu cabelo é horroroso e ninguém te acha bonita parece sobressair aos momentos em que a menina consegue se perceber bonita.

Quando todo este contexto atravessa a linha de chegada do esporte, a coisa pode se complicar ainda mais. Existe um mito de que para praticar certos esportes é preciso ter certos corpos. Por exemplo, quem nada deve ter costas largas e fortes; quem pratica ginástica olímpica, pernas musculosas e corpo pequeno. Vôlei e basquete, altura e membros alongados.

A atleta olímpica americana Illona Maher, 27 anos, lançou a hashtag body positivity em seu Instagram durante os jogos de rugby. A jogadora viralizou com seus inúmeros vídeos sobre o assunto e chamou atenção reforçando que todo tipo de corpo pode estar em Paris. "Todo corpo, toda estética é bonita. A altura de uma jogadora de vôlei, as pernas das ginastas, os músculos do rugby, todo fazem coisas espetáculares", disse num dos vídeos.

Os estereótipos são infinitos e para mudar o cenário é importante que tanto essas meninas, como seus pais e treinadores, busquem exemplos positivos e inspiradores para estimular a autoestima, seja por meio de campeãs olímpicas ou membros da própria família.

46% das meninas desistem do esporte por insatisfação ao corpo. Foto Baba Imagem/ Adobe Stock  

Saúde física e mental em sintonia é a fórmula para o desempenho

Sob a liderança das especialistas, Carla De Pierro, psicóloga clínica do COB - e Tathiana Parmigiano, ginecologista do esporte e médica feminina do COB, o projeto "Cada Uma É Uma" busca colocar saúde física e mental em sintonia. Como? Buscando gerar um ambiente saudável e positivo para que meninas se sintam respeitadas em sua individualidade e mais preparadas para lidar com as adversidades que irão surgir - dentro e fora do esporte. O objetivo é desenvolver confiança e gerar autoestima.

A proposta é olhar para a mulher como uma unidade integrada de mente e corpo, reconhecendo que ambos interagem constantemente, podendo ajudar ou se atrapalhar, impactando positiva ou negativamente sua vida. "Mulheres que se conhecem melhor e recebem apoio médico e emocional conseguem identificar pontos de atenção, como alimentação, estresse e ansiedade," comenta a psicóloga Carla De Pierro, pós-graduada pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) em Saúde Mental de Atletas de Elite.

Conforme a especialista, quando meninas são vistas na sua individualidade, considerando emoções, fisiologia e contexto, elas podem usar essas informações a seu favor para estar bem e performar em qualquer área, seja no esporte, profissão, maternidade ou relações afetivas. "O objetivo do projeto é divulgar informação e gerar autoconhecimento, promovendo atitudes e decisões que tragam saúde física e emocional," ressalta.

Isso porque, diariamente, elas enfrentam pressões externas, além de desafios biológicos que afetam a prática esportiva. O ciclo menstrual, por exemplo, pode causar variações de peso, retenção de líquidos e mudanças de humor, o que impacta diretamente no desempenho e percepção do corpo.

"A parte ginecológica está associada ao ciclo menstrual e à menstruação propriamente dita. O foco dos cuidados ginecológicos tem sido sempre o de minimizar os efeitos negativos do ciclo menstrual, como cólicas, fluxo intenso e TPM, especialmente com meninas que manifestam necessidade de ajuda ou que são identificadas mediante uma busca ativa que nós fazemos," relata a ginecologista.

Para a médica, reconhecer a individualidade de cada uma é fundamental. "Nem todas as mulheres experimentam a menstruação como algo ruim, desconfortável ou doloroso. Algumas se sentem bem e até mais fortes durante o período. Nosso objetivo, porém, é evitar generalizações, respeitando as experiências individuais, mesmo em contextos de esportes coletivos, mostrando que cada mulher deve se autoavaliar e fazer escolhas baseadas no que é melhor para si," diz Tahiana.

Para De Pierro, a proximidade das Olimpíadas e o estresse que um campeonato desta dimensão gera, pode intensificar questões e transtornos que algumas atletas já tenham. Por isso, a necessidade de cuidar do psicológico.

"Meninas que estão sendo acompanhadas e tratadas podem evitar crises de bulimia ou manter uma alimentação adequada mesmo após anorexia. Só que o estresse pode fazer com que elas retornem a padrões anteriores, procurando sentir que têm algum controle interno, quando o mundo exterior está fora de controle," comenta Carla.

A especialista diz que no caso de atletas olímpicos, o acompanhamento constante, além de uma preparação física e alimentação saudável, pode prevenir as recaídas. "Sem esse suporte, a atleta pode ter recaídas, aumentando a rigidez alimentar, diminuindo a ingestão de alimentos e/ou aumentando a frequência de episódios de bulimia," comenta.

Conforme Tathiana, que tem formação em Medicina Esportiva, o foco do 'Cada Uma É Uma' é fazer com que as meninas e mulheres entendam que para ter performance é preciso ter saúde. "A nossa ideia foi divulgar informações cientificas para que essas meninas possam se orientar de maneira correta," esclarece. "Com isso a gente educa e orienta de maneira correta, evitando mal entendidos e práticas prejudiciais como dietas radicais ou refeições descompensadas".

Para ela, é essencial desconstruir o ideal de corpo. "O foco deve estar no desempenho e na saúde do corpo, não na obtenção de um biotipo específico. Nosso objetivo é que as meninas compreendam a importância de um corpo saudável e funcional," enfatiza a médica.

Educação: ferramenta essencial contra desinformação

A educação continua sendo a principal ferramenta para combater mitos e desinformações, frequentemente propagados nas redes sociais. Além disso, é importante criar um ambiente acolhedor e aberto para discutir sobre menstruação, gravidez, entre outros assuntos, garantindo que as meninas não abandonem o esporte por não estarem seguras ou devidamente informadas.

"É importante desmistificar a ideia de que menstruar é algo negativo. Hoje, há a possibilidade de escolher menstruar ou não, assim como de quando engravidar. Essa é uma decisão que deve ser individualizada para não prejudicar a saúde da mulher. Nosso ponto é minimizar sintomas negativos, ao mesmo tempo que respeitamos aquelas que se sentem confortáveis menstruando. Tudo isso deve ser feito com informações apropriadas," afirma a ginecologista.

Da mesma forma, existe uma pauta em relação à preservação da fertilidade e à possibilidade de congelamento de óvulos, especialmente para atletas que desejam ser mães no futuro. "Essas meninas têm sonhos, elas querem ser mães, então, dependendo da idade, precisamos preservar a fertilidade," analisa Tathiana.

Além disso, a questão da busca por um biotipo magro deve ser orientada com cautela e atenção à nutrição. "Uma das intervenções com a mulher atleta é ajudá-la a entender seu corpo como um instrumento de trabalho, essencial para conquistar suas metas. Promovemos uma relação saudável e de parceria com o corpo, que é fonte de força, resiliência e superação de limites," afirma Carla.

Para as especialistas, é importante estimular o equilíbrio entre treino, estresse, pressão e recuperação física e emocional, destacando a relevância de um corpo saudável que precisa ser alimentado, descansado e cuidado. O equilíbrio é fundamental para todas as mulheres, especialmente para as atletas.

"Com apoio médico e emocional, conseguimos ajudá-las a identificar e a cuidar de seus pontos de atenção. Se em algum momento lá atrás não existia esse cuidado de saúde mental, hoje em dia, pelo menos no Comitê Olímpico brasileiro existe e a gente se preocupa em levar o maior número de meninas e mulheres para lá. Quanto maior e melhor a estabilidade emocional, maior e melhor a performance física e esta combinação é pré-requisito para chegar ao alto rendimento," avalia Carla De Pierro.

Contra críticas e olhares "tortos" aos diversos corpos femininos que circulam pelas Olimpíadas, atletas lançam campanha incentivando o body positivity na tentativa que quebrar padrões estéticos que, muitas vezes, chegam a tirar meninas do esporte de alto rendimento

Época de Olimpíadas em Paris e o assunto não tem como ser outro. Mas para além dos recordes batidos, das medalhas, dos times que avançam e dos atletas que se destacam, tem outro assunto que não ganha os holofotes e que merece atenção: é a busca pelo corpo ideal. Só que não o corpo ideal que performa bem em pistas, quadras ou piscinas, e sim o que esteticamente segue os padrões.

Pois é, atletas brasileiras, principalmente meninas adolescentes, são as que mais enfrentam os desafios da balança e do espelho. E quase a metade, 46%, das que praticam algum esporte, entre os 11 e 17 anos, acabam desistindo por conta da insatisfação com o corpo, de acordo com a pesquisa global Confiança Corporal no Esporte, conduzido pela Nike em parceria com a Dove.

Destas, 46% das meninas que abandonaram o esporte ouviram que não tinham o corpo adequado para praticá-lo, e 54% foram desencorajadas por acharem que não eram boas o suficiente. Fora questões como ciclo menstrual, gravidez e pressões culturais.

Uma das grandes questões que está por trás desse efeito negativo é que tudo isso acontece bem na adolescência, uma fase de formação da autoestima. É mais do que natural - e esperado - que haja insegurança nessa idade. Aquela sensação de que você está errada, seu corpo é feio, seu cabelo é horroroso e ninguém te acha bonita parece sobressair aos momentos em que a menina consegue se perceber bonita.

Quando todo este contexto atravessa a linha de chegada do esporte, a coisa pode se complicar ainda mais. Existe um mito de que para praticar certos esportes é preciso ter certos corpos. Por exemplo, quem nada deve ter costas largas e fortes; quem pratica ginástica olímpica, pernas musculosas e corpo pequeno. Vôlei e basquete, altura e membros alongados.

A atleta olímpica americana Illona Maher, 27 anos, lançou a hashtag body positivity em seu Instagram durante os jogos de rugby. A jogadora viralizou com seus inúmeros vídeos sobre o assunto e chamou atenção reforçando que todo tipo de corpo pode estar em Paris. "Todo corpo, toda estética é bonita. A altura de uma jogadora de vôlei, as pernas das ginastas, os músculos do rugby, todo fazem coisas espetáculares", disse num dos vídeos.

Os estereótipos são infinitos e para mudar o cenário é importante que tanto essas meninas, como seus pais e treinadores, busquem exemplos positivos e inspiradores para estimular a autoestima, seja por meio de campeãs olímpicas ou membros da própria família.

46% das meninas desistem do esporte por insatisfação ao corpo. Foto Baba Imagem/ Adobe Stock  

Saúde física e mental em sintonia é a fórmula para o desempenho

Sob a liderança das especialistas, Carla De Pierro, psicóloga clínica do COB - e Tathiana Parmigiano, ginecologista do esporte e médica feminina do COB, o projeto "Cada Uma É Uma" busca colocar saúde física e mental em sintonia. Como? Buscando gerar um ambiente saudável e positivo para que meninas se sintam respeitadas em sua individualidade e mais preparadas para lidar com as adversidades que irão surgir - dentro e fora do esporte. O objetivo é desenvolver confiança e gerar autoestima.

A proposta é olhar para a mulher como uma unidade integrada de mente e corpo, reconhecendo que ambos interagem constantemente, podendo ajudar ou se atrapalhar, impactando positiva ou negativamente sua vida. "Mulheres que se conhecem melhor e recebem apoio médico e emocional conseguem identificar pontos de atenção, como alimentação, estresse e ansiedade," comenta a psicóloga Carla De Pierro, pós-graduada pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) em Saúde Mental de Atletas de Elite.

Conforme a especialista, quando meninas são vistas na sua individualidade, considerando emoções, fisiologia e contexto, elas podem usar essas informações a seu favor para estar bem e performar em qualquer área, seja no esporte, profissão, maternidade ou relações afetivas. "O objetivo do projeto é divulgar informação e gerar autoconhecimento, promovendo atitudes e decisões que tragam saúde física e emocional," ressalta.

Isso porque, diariamente, elas enfrentam pressões externas, além de desafios biológicos que afetam a prática esportiva. O ciclo menstrual, por exemplo, pode causar variações de peso, retenção de líquidos e mudanças de humor, o que impacta diretamente no desempenho e percepção do corpo.

"A parte ginecológica está associada ao ciclo menstrual e à menstruação propriamente dita. O foco dos cuidados ginecológicos tem sido sempre o de minimizar os efeitos negativos do ciclo menstrual, como cólicas, fluxo intenso e TPM, especialmente com meninas que manifestam necessidade de ajuda ou que são identificadas mediante uma busca ativa que nós fazemos," relata a ginecologista.

Para a médica, reconhecer a individualidade de cada uma é fundamental. "Nem todas as mulheres experimentam a menstruação como algo ruim, desconfortável ou doloroso. Algumas se sentem bem e até mais fortes durante o período. Nosso objetivo, porém, é evitar generalizações, respeitando as experiências individuais, mesmo em contextos de esportes coletivos, mostrando que cada mulher deve se autoavaliar e fazer escolhas baseadas no que é melhor para si," diz Tahiana.

Para De Pierro, a proximidade das Olimpíadas e o estresse que um campeonato desta dimensão gera, pode intensificar questões e transtornos que algumas atletas já tenham. Por isso, a necessidade de cuidar do psicológico.

"Meninas que estão sendo acompanhadas e tratadas podem evitar crises de bulimia ou manter uma alimentação adequada mesmo após anorexia. Só que o estresse pode fazer com que elas retornem a padrões anteriores, procurando sentir que têm algum controle interno, quando o mundo exterior está fora de controle," comenta Carla.

A especialista diz que no caso de atletas olímpicos, o acompanhamento constante, além de uma preparação física e alimentação saudável, pode prevenir as recaídas. "Sem esse suporte, a atleta pode ter recaídas, aumentando a rigidez alimentar, diminuindo a ingestão de alimentos e/ou aumentando a frequência de episódios de bulimia," comenta.

Conforme Tathiana, que tem formação em Medicina Esportiva, o foco do 'Cada Uma É Uma' é fazer com que as meninas e mulheres entendam que para ter performance é preciso ter saúde. "A nossa ideia foi divulgar informações cientificas para que essas meninas possam se orientar de maneira correta," esclarece. "Com isso a gente educa e orienta de maneira correta, evitando mal entendidos e práticas prejudiciais como dietas radicais ou refeições descompensadas".

Para ela, é essencial desconstruir o ideal de corpo. "O foco deve estar no desempenho e na saúde do corpo, não na obtenção de um biotipo específico. Nosso objetivo é que as meninas compreendam a importância de um corpo saudável e funcional," enfatiza a médica.

Educação: ferramenta essencial contra desinformação

A educação continua sendo a principal ferramenta para combater mitos e desinformações, frequentemente propagados nas redes sociais. Além disso, é importante criar um ambiente acolhedor e aberto para discutir sobre menstruação, gravidez, entre outros assuntos, garantindo que as meninas não abandonem o esporte por não estarem seguras ou devidamente informadas.

"É importante desmistificar a ideia de que menstruar é algo negativo. Hoje, há a possibilidade de escolher menstruar ou não, assim como de quando engravidar. Essa é uma decisão que deve ser individualizada para não prejudicar a saúde da mulher. Nosso ponto é minimizar sintomas negativos, ao mesmo tempo que respeitamos aquelas que se sentem confortáveis menstruando. Tudo isso deve ser feito com informações apropriadas," afirma a ginecologista.

Da mesma forma, existe uma pauta em relação à preservação da fertilidade e à possibilidade de congelamento de óvulos, especialmente para atletas que desejam ser mães no futuro. "Essas meninas têm sonhos, elas querem ser mães, então, dependendo da idade, precisamos preservar a fertilidade," analisa Tathiana.

Além disso, a questão da busca por um biotipo magro deve ser orientada com cautela e atenção à nutrição. "Uma das intervenções com a mulher atleta é ajudá-la a entender seu corpo como um instrumento de trabalho, essencial para conquistar suas metas. Promovemos uma relação saudável e de parceria com o corpo, que é fonte de força, resiliência e superação de limites," afirma Carla.

Para as especialistas, é importante estimular o equilíbrio entre treino, estresse, pressão e recuperação física e emocional, destacando a relevância de um corpo saudável que precisa ser alimentado, descansado e cuidado. O equilíbrio é fundamental para todas as mulheres, especialmente para as atletas.

"Com apoio médico e emocional, conseguimos ajudá-las a identificar e a cuidar de seus pontos de atenção. Se em algum momento lá atrás não existia esse cuidado de saúde mental, hoje em dia, pelo menos no Comitê Olímpico brasileiro existe e a gente se preocupa em levar o maior número de meninas e mulheres para lá. Quanto maior e melhor a estabilidade emocional, maior e melhor a performance física e esta combinação é pré-requisito para chegar ao alto rendimento," avalia Carla De Pierro.

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