É quase unanimidade ver adolescentes consumindo energéticos em baladas. Dá ânimo, aumenta a disposição e garante mais tempo acordado. Mas a bebida que parece inofensiva tem contraindicações para a faixa etária. Saiba o que dizem os especialistas
Não é raro ver adolescentes segurando latinhas de energético, principalmente se estiverem na balada com os amigos. A bebida gaseificada que contém um alto teor de cafeína e açúcar, taurina e guaraná, promete manter os jovens acordados por mais tempo, além de turbinar a diversão, especialmente quando misturadas com álcool. Alguns também recorrem a esses energéticos na busca por um melhor desempenho físico durante os treinos na academia.
Adolescentes estão sempre experimentando, afinal, essa é uma fase marcada pela busca intensa de identidade e aceitação social. Então, quando eles optam por energéticos, não é uma escolha aleatória, mas também uma combinação de fatores, incluindo o ritmo acelerado da vida moderna, que parece exigir deles uma energia sem fim. Tem a correria da escola, a maratona de estudos para o vestibular, as festas com amigos e por aí vai.
Um estudo de 2013 realizado pela Agência Europeia de Segurança Alimentar (EFSA), mostrou que (68%) dos adolescentes entre 10 e 18 anos, e 18% das crianças entre 3 a 10 anos, já experimentaram bebidas energéticas pelo menos uma vez no ano. E não para por aí: (12%) desses adolescentes beberam mais de um litro dessas bebidas num único dia. A pesquisa ainda sugere sobre a cafeína, orientando que o consumo não deveria ultrapassar 3 ml por cada quilo do peso corporal - tipo, uns 150 ml se você pesar 50 quilos. Quanto ao açúcar, essas bebidas não ficam para trás: têm de 27,5 a 60 gramas por latinha, dependendo se é de 250 ml ou 500 ml.
Há muito tempo, os jovens começaram a consumir os energéticos por meio da influência do esporte, uma vez que tais bebidas eram - (e ainda são) - anunciadas como saudáveis, especialmente por sua ligação com as atividades esportivas. Haja vista o tanto de patrocínio que existe de marcas de energéticos neste meio. Mas, a verdade, é que a bebida pode trazer mais prejuízos do que vantagens para a saúde.
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) é categórica sobre crianças e adolescentes tomando bebidas energéticas. "A recomendação da instituição é a de zero consumo", reforça o médico e pediatra Gustavo Moreira, que comanda o Departamento Científico de Sono da SBP.
O médico alerta que essas bebidas são só dor de cabeça quando o assunto é saúde física. "Devido aos altos níveis de açúcar e ácido, ela pode danificar os dentes, dissolvendo o esmalte e causando cáries, além de aumentar o risco de obesidade," explica. "Mas o maior problema é o excesso de cafeína e guaraná, dois estimulantes potentes que podem levar a palpitações, sudorese e afetar o sistema nervoso central (SNC), trazendo ainda mais ansiedade," avisa.
Além disso, quando misturados às bebidas alcoólicas tornam-se um coquetel perigoso para a saúde. O doutor Gustavo explica que o álcool traz uma sensação de alegria, embora não seja igual para todas as pessoas. "Tem 30% que não sentem isso. Mas, ao tomar o energético, elas vão sentir um efeito estimulante e relaxante por conta do álcool, levando as pessoas a subestimar seu nível de embriaguez e a ingerir mais álcool. Ah, e é bom lembrar que o consumo de álcool é recomendado somente depois dos 18 anos."
O que há por trás do comportamento O psicólogo Marcelo Veiga esclarece que existem várias razões e até uma complexidade nesta questão. "Os adolescentes vão estar sempre atrás de algo que transgride a ordem em que eles estão, querendo ou não, os energéticos são o primeiro acesso de quase uma ideia de droga na vida, porque depois vai ser a bebida alcoólica."
Ele também menciona que a questão dos energéticos e sua mistura com álcool vai além dos jovens. "Acima de tudo, estamos vivendo numa sociedade, que está moldando seu comportamento com drogas, o tempo inteiro, e os adolescentes estão vendo isso. Eles veem os pais tomando antidepressivos para aguentar o dia, medicamentos para melhorar o desempenho no trabalho e, depois, eles ainda vão acompanhar estes pais que tomam calmante para lidar com a insônia, consumirem álcool ou cigarro no final de semana. Inclusive, os próprios adolescentes já têm acesso à ritalina, entre outras drogas que alteram algum tipo de desempenho" acrescenta.
Para o pediatra Gustavo, os adolescentes podem sentir-se sobrecarregados pela demanda excessiva de atividades impostas pela sociedade. "Eles usam energéticos para aguentar mais tempo acordados e turbinar tanto o desempenho nos estudos, quanto a resistência nas baladas. O jeito certo de lidar com isso seria ter um sono de qualidade, dormir, mesmo. Assim dá para evitar a dependência dessas bebidas".
De geração para geração: ciclo se repete Veiga analisa e faz uma crítica também sobre a medicalização extrema da sociedade atual. Precisamos parar de pensar. Se considerarmos o mundo dos adultos, vemos uma sociedade que reforça cada vez mais a ideia de autoexploração num limite terrível. Parece que, para 'dar certo', a pessoa precisa estar sempre no limite, exausta, fazendo de tudo. É como se fosse obrigatório ter a saúde perfeita, um trabalho incrível, um desempenho excepcional, estar em forma e ser extremamente atraente. Estamos sob uma pressão que é praticamente sobre-humana."
Entre os entraves apontados pelo psicólogo, estão as redes sociais. Para ele, as pessoas estão adoecendo com elas. "As mídias sociais ficam reproduzindo uma ideia de perfeição o tempo todo. E isso de maneira profunda, vai falando de uma vida, em que se você não modula para uma droga, você não consegue sobreviver. Não é à toa que estamos tendo uma epidemia de depressão e ansiedade," reflete.
Na visão do especialista, os adolescentes não ficam isentos dessa nova realidade criada pela sociedade. "Eles estão vendo isso acontecer e, estão também querendo entrar neste território, por conta de seu perfil exploratório, não no campo do trabalho, mas o de não ter limite com nada. Os adolescentes vão ter sempre essa função social de reproduzir uma coisa que está na sociedade. E eles não só reproduzem, como são disruptivos e vão mais longe," avalia.
Para ele, os jovens que já têm um desejo de entrar na vida adulta, estar numa sociedade drogada não é muito distante da realidade deles, não. "Logo, o energético vem muito nessa ideia de que é 'um algo a mais'. Eles já têm uma energia gigantesca, supostamente conseguem atravessar as noites, se divertirem mais, então, eles reproduzindo um comportamento que já está por aí, diz"
Do ponto de vista psicológico, Veiga acredita que, nesta sociedade onde tudo parece estar fora de controle e levado ao extremo, acabamos confundindo a verdadeira felicidade com a sensação de excitação. "A excitação virou um substituto do que consideramos 'ser feliz', e isso é uma coisa muito dura. Parece que estamos fugindo da tranquilidade, como se ela não pudesse trazer felicidade ou novas emoções. Há uma pressão social constante por uma vida cheia de agitação."
Regulamentação da bebida A maioria dos países, incluindo o Brasil, não disponibiliza a recomendação quanto à idade mínima para o consumo de cafeína, segundo aponta o documento criado pelo Departamento Científico de Nutrologia da SBP (2022). "O ideal para uma criança é que pela manhã ela tome um pouquinho de café com leite e para o adolescente, apenas um cafezinho depois do almoço," recomenda o doutor Gustavo.
Para o pediatra e diretor clínico do Instituto do Sono, o papel dos pais e de educadores é orientar os adolescentes, especialmente, sobre os danos à saúde que os energéticos podem causar. ‘A gente sabe que eles já têm poder de escolha e se quiserem comprar a bebida, vão dar um jeitinho. Mas é importante ter a conscientização. Eu também incluo os professores, porque esse tema precisa estar na sala de aula.’”