Vergonha, medo, preconceito, bullying são algumas das razões pelas quais adolescentes demoram para buscar ajuda quando o assunto é depressão ou ansiedade. Especialistas trazem alertas e revelam caminhos para quebrar a discriminação
Tem quem ache que é frescura, tem quem ache que é loucura. Fato é que, além de enfrentar as próprias implicações dos transtornos mentais, adolescentes precisam lidar com os olhares discriminatórios dos colegas e das pessoas que convive. Muitas vezes o preconceito passa a ser o maior empecilho para pedir ajuda e buscar tratamento quando o assunto é ansiedade, depressão ou algum outro transtorno.
"O Gabriel começou a ter depressão na pandemia e o retorno às aulas presenciais, apesar de ajudarem ele a retomar a rotina da vida, foi muito complicado porque exigiu uma exposição no grupo", conta Vanessa Mascarenhas, mãe do adolescente de 16 anos. "Ele tinha vergonha e medo do que os colegas podiam pensar e precisou de muito tempo e ajuda dos amigos mais próximos pra que ele pudesse se sentir seguro na escola".
Já Valentina, 17 anos, não teve a mesma "sorte". A dificuldade em voltar a se relacionar com os amigos da escola criou uma distância da adolescente com o grupo e, para piorar o cenário, ela teve 3 surtos dentro da instituição, o que acabou assustando ainda mais os colegas e aumentando os estigmas.
"A gente demorou pra entender que a Valentina precisava de ajuda, que deveríamos procurar ajuda de um psiquiatra", fala Daniela Lopes, mãe da adolescente. "Ele teve alguns momentos de depressão ao longo da pandemia, mas achamos que era só voltar pra escola que as coisas melhorariam, mas foi piorando", conta.
O caminho entre desenvolver, reconhecer e tratar um transtorno mental está cheio de obstáculos e o estigma aparece como uma das principais barreiras. É ele que dificulta ao paciente não só reconhecer sua condição, como também buscar ajuda. E entre o público adolescente, sujeito a uma pressão social maior, as barreiras podem aumentar.
"Meu filho dizia que ia sarar sozinho", conta Vanessa. "Ele demorou para aceitar ajuda de um profissional e entender que precisava ter acompanhamento médico e usar medicação por um tempo. Ele não queria de jeito nenhum. Parece que tinha medo de que descobrissem que estava tomando remédio e fosse chamado de maluco, coisas assim".
Falar em estigma é falar de uma marca negativa sobre alguma condição e, consequentemente, sobre o grupo de pessoas que a possui. "O estigma está relacionado a ideias superficiais e negativas sobre algo e por conta disso, excluir a pessoa parece ser uma solução. Isso acontece bastante nos transtornos mentais", afirma o doutor Mauro Victor Medeiros, do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Instituto de Psiquiatria da USP.
Mas apesar da pandemia ter contribuído para os índices de ansiedade e depressão aumentasse entre os jovens brasileiros, cerca de 36% segundo estudo da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Medeiros explica como esse mesmo período apareceu como janela de oportunidade.
"As pessoas entraram mais em contato com o sofrimento em saúde mental. Senti que as pessoas passaram a falar muito sobre o assunto e estão começando a entrar em contato e, portanto, revendo conceitos e crenças. É uma super oportunidade para quebrar estigmas e avançar nos tratamentos", diz.
Em países de média e baixa renda, como o Brasil, a falta de diagnóstico e tratamento atinge cerca de 70% das pessoas com depressão. Os dados foram divulgados na revista The Lancet e para se ter ideia, a estigmatização é responsável por 11,3% da subnotificação nos casos de depressão em adultos, segundo dados do Vigitel 2021.
A relação entre jovens e adolescentes com a saúde mental e seus cuidados também têm sido alvo de inúmeros estudos. Um levantamento da Unicef mostrou que 47% dos adolescentes entrevistados já sentiram necessidade de buscar ajuda. Destes, 40% não recorreram a ninguém, pois se sentiram inseguros. Entre os que buscaram, amigos, psicólogos e/ou psiquiatras foram os mais procurados.
E tá aqui uma dica valiosa quando a doença atinge os mais jovens: a busca por amigos. Andressa Rossato, mãe de dois adolescentes, contou com a ajuda das amigas da filha, Valéria, 15 anos, quando a menina passou a ter crises de ansiedade na escola. Segundo ela, o grupo foi fundamental para que ela entendesse que não havia nada de errado com aquela situação.
"Minha filha morria de vergonha que os amigos presenciassem uma de suas crises. Ela vivia escondida no recreio e saia da sala de aula a qualquer sinal de ansiedade, mas só foi piorando e as amigas que ajudavam ela a se acalmar. Diziam, 'Valeria, não tem problema, ninguém vai ficar falando de você, calma'", conta a mãe.
Uma questão que se coloca também é que o estigma não necessariamente vem de fora para dentro, ou seja, do ambiente com relação ao indivíduo. Dr. Mauro explica que o processo de inferiorização pode acontecer internamente. "O estigma ajuda as pessoas a construírem o autoestigma também, que é basicamente ter crenças distorcidas e valores negativos, o que gera muito sofrimento e exclusão da própria pessoa".
Para dr. Guilherme Polanczyk, psiquiatra em Infância e Adolescência, a fase da adolescência tem seus agravantes. "Eles estão sob influência social muito forte tanto do grupo, quanto de outros contextos sociais. Estão formando a identidade deles e também mais inseguros em relação às capacidades", explica.
Escola e família são, certamente, fatores de influência, além da internet com redes sociais e canais de streaming. A figura de influenciadores e celebridades ganha um alcance considerável quando a gente olha para esta geração que busca neles referências tanto estéticas quanto morais.
Portanto, toda postagem tem peso e os famosos podem atuar tanto para o lado positivo da quebra de barreiras quanto para a sustentação dos estigmas. Mas é quando uma celebridade aparece nas redes e torna pública sua condição de saúde mental que as coisas podem ganhar novas perspectivas.
Em janeiro de 2022, Felipe Neto contou em seu canal que estava com depressão e que os amigos estavam se revezando para não o deixar sozinho. Na época, ele fez apelo aos fãs para que buscassem ajuda também e é aqui que está a chave importante do youtuber: usar sua imagem e sua força para quebrar estigmas de doenças vistas de maneira distorcidas e prejudiciais.
"Quando ídolos ou quando pessoas que são referências para os adolescentes abrem que têm problemas de saúde mental, é algo super importante para reduzir estigma", explica dr. Guilherme. Sem falar na possibilidade de ampliar o conhecimento das pessoas de maneira geral a determinado assunto.
"Há uma necessidade de as pessoas entenderem do que se trata para que elas possam se sentir mais seguras e falar a respeito, mas são processos complexos. Temos uma resistência para chegar em um atendimento, depois uma resistência para falar sobre os problemas, depois há uma dificuldade para aceitar o diagnóstico", explica Polanczyk.
As resistências são inúmeras. De aceitar e compreender o transtorno, enfrentar os olhares das pessoas, buscar atendimento e achar um tratamento que caiba na condição social daquela pessoa. Segundo dados da UNICEF, apenas 2% dos jovens entrevistados que buscaram ajuda, o fizeram com profissionais do SUS. Os mais conhecidos foram o Centro de Referência em Assistência Social (Cras) e o Centro de Atenção Psicossocial (Caps).
O dado pode ser um indicativo de outra forma de estigmatização: aquela estrutural, mais especificamente aquela que diz respeito ao acesso, tanto do ponto de vista de conhecer os serviços de cuidado à saúde mental quanto de usufruir deles.
É em meio a esse cenário que especialistas reafirmam o papel das políticas públicas: "Se você não tem profissionais treinados e acesso a serviços, é impossível ter diagnóstico e tratamento. O fato de ter um financiamento menor tem a ver com estigma, mas tem a ver com vários outros fatores em termos de políticas públicas", explica dr. Guilherme fazendo referência aos programas públicos de cuidado da saúde mental.
De ponta a ponta, parece realmente não ser fácil enfrentar, não só as consequências que os transtornos mentais trazem para o dia a dia de um jovem, mas o percurso a se cumprir até conseguir chegar ao tratamento e seguir até o fim, sem abandono.
E talvez este seja o maior alerta para as pessoas que convivem com o jovem que está enfrentando um quadro de depressão ou ansiedade: ajudá-lo e apoiá-lo na quebra de todas essas barreiras que dificultam e, muitas vezes, impedem o tratamento. Este papel é nosso, de quem está do lado acompanhando.
* colaborou André Derviche