Comportamento Adolescente e Educação

Flipinha: festa literária infantil reafirma a importância do ensino das culturas afro-brasileiras e indígenas


Por Carolina Delboni

Acabou domingo, dia 27, a 20º. Festa Literária Internacional de Paraty, com praças, quintais, tendas e espaços públicos cheios de crianças, famílias, educadores e escritores reforçando a importância do festival

"Quando parávamos na rodagem, minha mãe sempre dizia que a gente podia comer mais um pouquinho porque farinha de baiano a gente come com a mão, assim. Isso é tradição, então obrigada pela farinha da lata, recordação de minha vó Erundina".

A professora, que fez o depoimento, agradecia a escritora Júlia Medeiros que, ao lado de Everson Bertucci e Mafuane Oliveira, participavam da Ciranda dos autores, na Flipinha, braço educativo da Flip, que aconteceu entre 23 e 27 de novembro, em Paraty.

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 Foto: Estadão

A roda de conversa se chamava Saudando os mais velhos e tinha, como pano de fundo, a reverência aos avós, as histórias que eles nos contam e trazem como parte das histórias que também nos compõem. E não foi apenas a professora que estava ali na plateia que se emocionou com as histórias dos livros dos autores.

Mais do que as crianças, os adultos, fossem eles pais ou educadores, foram os que mais se viram nas páginas dos livros que foram trazidos para o centro da conversa. As três obras propõem um encontro especial de gerações e um presente para uma avó querida - e quem não tem uma avó mais que querida? - e provocam a discussão sobre os valores e saberes que podem ser o centro de nossa convivência cotidiana: o que os mais velhos ensinam é conhecimento de grande valor.

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Ali, naquela roda, não ficou dúvida alguma de que os mais velhos trazem com eles muita sabedoria e que este conhecimento tem um valor formativo e emocional aos mais novos. Não teve quem não recordasse de uma história, de um cheiro de comida, da casa no interior com chão vermelho e até mesmo das avós que usavam dentadura e colocavam o "sorriso" para dormir no copo d'água.

São avós e avôs que criam muitas das memórias de infância que se carrega ao longo da vida e é inevitável que eles sejam "material" da literatura. E tá aí uma competência da literatura infantil: a capacidade de tocar em lugares, mesmo os mais difíceis e assustadores, sempre com afeto.

Os livros infantis, para além de serem escritos e lidos para crianças, são escolhidos e comprados pelos adultos que, por maneiras e vieses diversos, se veem espelhados nas páginas de uma determinada história ou outra.

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A maneira poética, menos dolorida e até mais fantasiosa que escritores de livros infantis têm ao abordar temas que são duros ou delicados é uma ferramenta potente que está presente na linguagem. E a literatura infantil é tão forte que é capaz de romper o suposto selo indicativo de idade. É para todos.

Estavam todos ali naquela ciranda sobre avós que, ao final, ganharam uma salva de palmas do público. "Vivam as avós! Viva!".

 Foto: Estadão
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Falar sobre ancestralidade, discutir não só de onde viemos, mas principalmente, a cultura e as raízes que carregamos foi um dos pilares da Flipinha que, este ano teve, assim como na Flip, a escritora e primeira romancista negra brasileira, Maria Firmino dos Reis, como homenageada.

"Em um momento em que se faz tão necessário combater o racismo e toda forma de preconceito em nosso país, é muito importante ter conhecimento de personagens reais que marcaram a nossa história por se posicionar contra injustiças de forma pioneira", fala a autora de "Maria Firmina, a menina abolicionista", Andréa Oliveira, livro lançado na Feira Literária.

"É importante que as crianças cresçam com referências sem perder de vista a fantasia que uma história como a dela pode despertar, inspirar e emprestar poder. E se estamos falando de Maria Firmina hoje e ela é a grande homenageada do maior evento literário do país - e mais uma vez sendo a primeira mulher negra em um lugar de destaque - além de ser uma das autoras brasileiras mais estudadas, é porque sua obra tem poder", completa.

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Com um número maior de autores negros nos palcos, nas cirandas e nas mesas, a 20º. edição da Flip/ Flipinha reitera a importância do ensino das culturas afro-brasileiras e indígenas e marca a edição com uma maior inclusão e participação racial e de gênero. Pauta das mais urgentes para o século que vivemos.

Se transformar escolas em espaços antirracistas é um propósito real de mudança é preciso repensar currículo, formar educadores, letrar e incluir. E o papel da literatura, principalmente dentro das escolas, é vital.

De certa forma, diferente da literatura para adultos, a infantil carrega funções. Tem livros para dormir, livros para entender a morte. Livros para falar do medo, dos monstros, da invisibilidade. Livros para entender os sentimentos. Para falar de empoderamento feminino, de ancestralidade e de racismo.

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Responder às questões que emergem na sociedade parece fazer parte do escopo da literatura infantil e, talvez, por isto, é das mais procuradas pelos adultos, sejam eles pais, avós ou educadores ao escolher um livro para uma criança. Uma combinação entre o que a história conta e o encantamento que provoca.

Como foi a roda de cantoria conduzida pela artista preta Ana Paula, na Casa Poéticas Negras, um dos muitos espaços independentes em Paraty que também sediaram programações voltadas aos públicos infantis e adultos.

No gramado do quintal da casa azul, crianças da escola municipal cantavam 'Vamos viajar até onde o sol possa nos guiar, vamos para a África', música do Mundo Bita, quando a educadora Ana Paula perguntou a eles se a África era um continente ou um país. "Continente", responderam em voz alta.

"E como a gente vai pra lá?", perguntou a cantora. Uma criança disse que eles iam precisar de passaporte e foi aí que começou outra parte da roda: uma contação de história.

A oralidade é uma marca muito forte da cultura africana e trazê-la para roda é resgatar, não só a forma, mas a importância deste "passar de histórias" dos mais velhos aos mais novos. É uma herança que carrega o importante papel de manutenção das raízes e ancestralidade.

E voltamos aqui ao início deste texto, a roda das avós, às histórias que elas nos contam, que ocupam páginas da literatura e que nos fazem lembrar - e reafirmar - quem somos e de onde viemos.

No conto popular africano do pássaro Uru, ele ensina que "quando se olha para o passado, a gente aprende com ele para poder avançar e construir nosso futuro e é nele que a gente vai pegar carona pra ir lá pra aldeia da menina Kiri", fala Ana Paula já puxando uma nova canção.

De pé, sentadas, esticadas, as crianças cantam junto. Participam. Completamente tomadas pela história que está sendo contada, pelo ambiente que foi pensado para elas, pela oportunidade de fazerem parte de um evento tão importante na cidade que é delas.

Não tem quem não se emocione. Não tem como não entender a força e a importância da literatura na formação de uma criança. Nas suas garantias de direitos. Ao poderem participar de uma roda de leitura elas têm a possibilidade de partilhar cultura, conviver com o outro, se expressar, se conhecer, explorar o entorno e também brincar.

É assim que criança aprende. É assim que se garante o aprendizado dos "conteúdos" às crianças pequenas e um livro na mão é uma ferramenta poderosíssima de transformação social e cultural.

O poeta Manoel de Barros escreveu que "a importância de uma coisa, há de ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós" e talvez - ou certamente - esta é a melhor frase para definir os cinco dias de Flipinha que, se encerra, mas deixa muita bagagem em cada um que teve oportunidade de escutar uma história.

Acabou domingo, dia 27, a 20º. Festa Literária Internacional de Paraty, com praças, quintais, tendas e espaços públicos cheios de crianças, famílias, educadores e escritores reforçando a importância do festival

"Quando parávamos na rodagem, minha mãe sempre dizia que a gente podia comer mais um pouquinho porque farinha de baiano a gente come com a mão, assim. Isso é tradição, então obrigada pela farinha da lata, recordação de minha vó Erundina".

A professora, que fez o depoimento, agradecia a escritora Júlia Medeiros que, ao lado de Everson Bertucci e Mafuane Oliveira, participavam da Ciranda dos autores, na Flipinha, braço educativo da Flip, que aconteceu entre 23 e 27 de novembro, em Paraty.

 Foto: Estadão

A roda de conversa se chamava Saudando os mais velhos e tinha, como pano de fundo, a reverência aos avós, as histórias que eles nos contam e trazem como parte das histórias que também nos compõem. E não foi apenas a professora que estava ali na plateia que se emocionou com as histórias dos livros dos autores.

Mais do que as crianças, os adultos, fossem eles pais ou educadores, foram os que mais se viram nas páginas dos livros que foram trazidos para o centro da conversa. As três obras propõem um encontro especial de gerações e um presente para uma avó querida - e quem não tem uma avó mais que querida? - e provocam a discussão sobre os valores e saberes que podem ser o centro de nossa convivência cotidiana: o que os mais velhos ensinam é conhecimento de grande valor.

Ali, naquela roda, não ficou dúvida alguma de que os mais velhos trazem com eles muita sabedoria e que este conhecimento tem um valor formativo e emocional aos mais novos. Não teve quem não recordasse de uma história, de um cheiro de comida, da casa no interior com chão vermelho e até mesmo das avós que usavam dentadura e colocavam o "sorriso" para dormir no copo d'água.

São avós e avôs que criam muitas das memórias de infância que se carrega ao longo da vida e é inevitável que eles sejam "material" da literatura. E tá aí uma competência da literatura infantil: a capacidade de tocar em lugares, mesmo os mais difíceis e assustadores, sempre com afeto.

Os livros infantis, para além de serem escritos e lidos para crianças, são escolhidos e comprados pelos adultos que, por maneiras e vieses diversos, se veem espelhados nas páginas de uma determinada história ou outra.

A maneira poética, menos dolorida e até mais fantasiosa que escritores de livros infantis têm ao abordar temas que são duros ou delicados é uma ferramenta potente que está presente na linguagem. E a literatura infantil é tão forte que é capaz de romper o suposto selo indicativo de idade. É para todos.

Estavam todos ali naquela ciranda sobre avós que, ao final, ganharam uma salva de palmas do público. "Vivam as avós! Viva!".

 Foto: Estadão

Falar sobre ancestralidade, discutir não só de onde viemos, mas principalmente, a cultura e as raízes que carregamos foi um dos pilares da Flipinha que, este ano teve, assim como na Flip, a escritora e primeira romancista negra brasileira, Maria Firmino dos Reis, como homenageada.

"Em um momento em que se faz tão necessário combater o racismo e toda forma de preconceito em nosso país, é muito importante ter conhecimento de personagens reais que marcaram a nossa história por se posicionar contra injustiças de forma pioneira", fala a autora de "Maria Firmina, a menina abolicionista", Andréa Oliveira, livro lançado na Feira Literária.

"É importante que as crianças cresçam com referências sem perder de vista a fantasia que uma história como a dela pode despertar, inspirar e emprestar poder. E se estamos falando de Maria Firmina hoje e ela é a grande homenageada do maior evento literário do país - e mais uma vez sendo a primeira mulher negra em um lugar de destaque - além de ser uma das autoras brasileiras mais estudadas, é porque sua obra tem poder", completa.

Com um número maior de autores negros nos palcos, nas cirandas e nas mesas, a 20º. edição da Flip/ Flipinha reitera a importância do ensino das culturas afro-brasileiras e indígenas e marca a edição com uma maior inclusão e participação racial e de gênero. Pauta das mais urgentes para o século que vivemos.

Se transformar escolas em espaços antirracistas é um propósito real de mudança é preciso repensar currículo, formar educadores, letrar e incluir. E o papel da literatura, principalmente dentro das escolas, é vital.

De certa forma, diferente da literatura para adultos, a infantil carrega funções. Tem livros para dormir, livros para entender a morte. Livros para falar do medo, dos monstros, da invisibilidade. Livros para entender os sentimentos. Para falar de empoderamento feminino, de ancestralidade e de racismo.

Responder às questões que emergem na sociedade parece fazer parte do escopo da literatura infantil e, talvez, por isto, é das mais procuradas pelos adultos, sejam eles pais, avós ou educadores ao escolher um livro para uma criança. Uma combinação entre o que a história conta e o encantamento que provoca.

Como foi a roda de cantoria conduzida pela artista preta Ana Paula, na Casa Poéticas Negras, um dos muitos espaços independentes em Paraty que também sediaram programações voltadas aos públicos infantis e adultos.

No gramado do quintal da casa azul, crianças da escola municipal cantavam 'Vamos viajar até onde o sol possa nos guiar, vamos para a África', música do Mundo Bita, quando a educadora Ana Paula perguntou a eles se a África era um continente ou um país. "Continente", responderam em voz alta.

"E como a gente vai pra lá?", perguntou a cantora. Uma criança disse que eles iam precisar de passaporte e foi aí que começou outra parte da roda: uma contação de história.

A oralidade é uma marca muito forte da cultura africana e trazê-la para roda é resgatar, não só a forma, mas a importância deste "passar de histórias" dos mais velhos aos mais novos. É uma herança que carrega o importante papel de manutenção das raízes e ancestralidade.

E voltamos aqui ao início deste texto, a roda das avós, às histórias que elas nos contam, que ocupam páginas da literatura e que nos fazem lembrar - e reafirmar - quem somos e de onde viemos.

No conto popular africano do pássaro Uru, ele ensina que "quando se olha para o passado, a gente aprende com ele para poder avançar e construir nosso futuro e é nele que a gente vai pegar carona pra ir lá pra aldeia da menina Kiri", fala Ana Paula já puxando uma nova canção.

De pé, sentadas, esticadas, as crianças cantam junto. Participam. Completamente tomadas pela história que está sendo contada, pelo ambiente que foi pensado para elas, pela oportunidade de fazerem parte de um evento tão importante na cidade que é delas.

Não tem quem não se emocione. Não tem como não entender a força e a importância da literatura na formação de uma criança. Nas suas garantias de direitos. Ao poderem participar de uma roda de leitura elas têm a possibilidade de partilhar cultura, conviver com o outro, se expressar, se conhecer, explorar o entorno e também brincar.

É assim que criança aprende. É assim que se garante o aprendizado dos "conteúdos" às crianças pequenas e um livro na mão é uma ferramenta poderosíssima de transformação social e cultural.

O poeta Manoel de Barros escreveu que "a importância de uma coisa, há de ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós" e talvez - ou certamente - esta é a melhor frase para definir os cinco dias de Flipinha que, se encerra, mas deixa muita bagagem em cada um que teve oportunidade de escutar uma história.

Acabou domingo, dia 27, a 20º. Festa Literária Internacional de Paraty, com praças, quintais, tendas e espaços públicos cheios de crianças, famílias, educadores e escritores reforçando a importância do festival

"Quando parávamos na rodagem, minha mãe sempre dizia que a gente podia comer mais um pouquinho porque farinha de baiano a gente come com a mão, assim. Isso é tradição, então obrigada pela farinha da lata, recordação de minha vó Erundina".

A professora, que fez o depoimento, agradecia a escritora Júlia Medeiros que, ao lado de Everson Bertucci e Mafuane Oliveira, participavam da Ciranda dos autores, na Flipinha, braço educativo da Flip, que aconteceu entre 23 e 27 de novembro, em Paraty.

 Foto: Estadão

A roda de conversa se chamava Saudando os mais velhos e tinha, como pano de fundo, a reverência aos avós, as histórias que eles nos contam e trazem como parte das histórias que também nos compõem. E não foi apenas a professora que estava ali na plateia que se emocionou com as histórias dos livros dos autores.

Mais do que as crianças, os adultos, fossem eles pais ou educadores, foram os que mais se viram nas páginas dos livros que foram trazidos para o centro da conversa. As três obras propõem um encontro especial de gerações e um presente para uma avó querida - e quem não tem uma avó mais que querida? - e provocam a discussão sobre os valores e saberes que podem ser o centro de nossa convivência cotidiana: o que os mais velhos ensinam é conhecimento de grande valor.

Ali, naquela roda, não ficou dúvida alguma de que os mais velhos trazem com eles muita sabedoria e que este conhecimento tem um valor formativo e emocional aos mais novos. Não teve quem não recordasse de uma história, de um cheiro de comida, da casa no interior com chão vermelho e até mesmo das avós que usavam dentadura e colocavam o "sorriso" para dormir no copo d'água.

São avós e avôs que criam muitas das memórias de infância que se carrega ao longo da vida e é inevitável que eles sejam "material" da literatura. E tá aí uma competência da literatura infantil: a capacidade de tocar em lugares, mesmo os mais difíceis e assustadores, sempre com afeto.

Os livros infantis, para além de serem escritos e lidos para crianças, são escolhidos e comprados pelos adultos que, por maneiras e vieses diversos, se veem espelhados nas páginas de uma determinada história ou outra.

A maneira poética, menos dolorida e até mais fantasiosa que escritores de livros infantis têm ao abordar temas que são duros ou delicados é uma ferramenta potente que está presente na linguagem. E a literatura infantil é tão forte que é capaz de romper o suposto selo indicativo de idade. É para todos.

Estavam todos ali naquela ciranda sobre avós que, ao final, ganharam uma salva de palmas do público. "Vivam as avós! Viva!".

 Foto: Estadão

Falar sobre ancestralidade, discutir não só de onde viemos, mas principalmente, a cultura e as raízes que carregamos foi um dos pilares da Flipinha que, este ano teve, assim como na Flip, a escritora e primeira romancista negra brasileira, Maria Firmino dos Reis, como homenageada.

"Em um momento em que se faz tão necessário combater o racismo e toda forma de preconceito em nosso país, é muito importante ter conhecimento de personagens reais que marcaram a nossa história por se posicionar contra injustiças de forma pioneira", fala a autora de "Maria Firmina, a menina abolicionista", Andréa Oliveira, livro lançado na Feira Literária.

"É importante que as crianças cresçam com referências sem perder de vista a fantasia que uma história como a dela pode despertar, inspirar e emprestar poder. E se estamos falando de Maria Firmina hoje e ela é a grande homenageada do maior evento literário do país - e mais uma vez sendo a primeira mulher negra em um lugar de destaque - além de ser uma das autoras brasileiras mais estudadas, é porque sua obra tem poder", completa.

Com um número maior de autores negros nos palcos, nas cirandas e nas mesas, a 20º. edição da Flip/ Flipinha reitera a importância do ensino das culturas afro-brasileiras e indígenas e marca a edição com uma maior inclusão e participação racial e de gênero. Pauta das mais urgentes para o século que vivemos.

Se transformar escolas em espaços antirracistas é um propósito real de mudança é preciso repensar currículo, formar educadores, letrar e incluir. E o papel da literatura, principalmente dentro das escolas, é vital.

De certa forma, diferente da literatura para adultos, a infantil carrega funções. Tem livros para dormir, livros para entender a morte. Livros para falar do medo, dos monstros, da invisibilidade. Livros para entender os sentimentos. Para falar de empoderamento feminino, de ancestralidade e de racismo.

Responder às questões que emergem na sociedade parece fazer parte do escopo da literatura infantil e, talvez, por isto, é das mais procuradas pelos adultos, sejam eles pais, avós ou educadores ao escolher um livro para uma criança. Uma combinação entre o que a história conta e o encantamento que provoca.

Como foi a roda de cantoria conduzida pela artista preta Ana Paula, na Casa Poéticas Negras, um dos muitos espaços independentes em Paraty que também sediaram programações voltadas aos públicos infantis e adultos.

No gramado do quintal da casa azul, crianças da escola municipal cantavam 'Vamos viajar até onde o sol possa nos guiar, vamos para a África', música do Mundo Bita, quando a educadora Ana Paula perguntou a eles se a África era um continente ou um país. "Continente", responderam em voz alta.

"E como a gente vai pra lá?", perguntou a cantora. Uma criança disse que eles iam precisar de passaporte e foi aí que começou outra parte da roda: uma contação de história.

A oralidade é uma marca muito forte da cultura africana e trazê-la para roda é resgatar, não só a forma, mas a importância deste "passar de histórias" dos mais velhos aos mais novos. É uma herança que carrega o importante papel de manutenção das raízes e ancestralidade.

E voltamos aqui ao início deste texto, a roda das avós, às histórias que elas nos contam, que ocupam páginas da literatura e que nos fazem lembrar - e reafirmar - quem somos e de onde viemos.

No conto popular africano do pássaro Uru, ele ensina que "quando se olha para o passado, a gente aprende com ele para poder avançar e construir nosso futuro e é nele que a gente vai pegar carona pra ir lá pra aldeia da menina Kiri", fala Ana Paula já puxando uma nova canção.

De pé, sentadas, esticadas, as crianças cantam junto. Participam. Completamente tomadas pela história que está sendo contada, pelo ambiente que foi pensado para elas, pela oportunidade de fazerem parte de um evento tão importante na cidade que é delas.

Não tem quem não se emocione. Não tem como não entender a força e a importância da literatura na formação de uma criança. Nas suas garantias de direitos. Ao poderem participar de uma roda de leitura elas têm a possibilidade de partilhar cultura, conviver com o outro, se expressar, se conhecer, explorar o entorno e também brincar.

É assim que criança aprende. É assim que se garante o aprendizado dos "conteúdos" às crianças pequenas e um livro na mão é uma ferramenta poderosíssima de transformação social e cultural.

O poeta Manoel de Barros escreveu que "a importância de uma coisa, há de ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós" e talvez - ou certamente - esta é a melhor frase para definir os cinco dias de Flipinha que, se encerra, mas deixa muita bagagem em cada um que teve oportunidade de escutar uma história.

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