Problemas auditivos crescem entre os jovens e pesquisas já indicam um risco de aumento de demência entre a geração. Entenda o que isso significa e quais hábitos devem ser mudados
Nas ruas, no transporte, na escola e até em casa, é praticamente impossível ver um jovem sem fones de ouvido. O equipamento - ou acessório - que virou imprescindível para qualquer um conectado ao mundo online, vem sendo cada vez mais usado por crianças e adolescentes. Mas num contexto em que problemas auditivos crescem globalmente, especialistas alertam para alguns cuidados que devem ser tomados no momento de usar fones de ouvido.
No mundo, 1,5 bilhão de pessoas possuem algum grau de perda auditiva, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Entre especialistas, a expectativa é que esse número cresça nos próximos anos. A maioria é de casos leves, quase imperceptíveis dependendo da idade, o que reforça a importância de realizar periodicamente avaliações auditivas e de intervir com uma reabilitação, se necessário.
A fonoaudióloga Marcia Mota Ferreira diz que nunca atendeu e reabilitou tantos jovens por conta de problemas auditivos. Nesse caso, não é exagero associar o aumento à superexposição sonora que o ambiente digital traz. O fácil acesso à música e o crescimento da indústria dos games, que, com fones poderosos, isola os jogadores do "mundo real", são alguns fatores que expõem crianças e adolescentes ao risco de desenvolver problemas auditivos cada vez mais precocemente.
"Temos o compromisso de orientar os jovens. Usar o fone é muito bacana, mas se usar de forma inadequada, não será saudável. Este uso apresenta riscos porque nem sempre controlamos as intensidades [do som] e o tempo de uso", explica Marcia. No caso de crianças e adolescentes, o volume da música ou de qualquer outro conteúdo sonoro deve ser mais baixo em comparação aquele que um adulto escuta por conta da diferença de tamanho do canal auditivo.
Ainda existem poucos estudos que avaliam os impactos do uso de fones de ouvido em crianças e adolescentes. Mas já se sabe que, se o tempo de uso e a intensidade do volume forem exagerados, o risco de perda precoce e de queixas auditivas são factíveis. Um problema que antes era tipicamente associado ao envelhecimento, passa a ser também preocupação para os mais novos.
Inclusive, uma pesquisa conduzida em Rotterdam, na Holanda, apontou que uma em cada sete crianças apresentou sinais de perdas auditivas que poderiam estar associadas à exposição aos fones de ouvido. Outro estudo publicado na revista científica The Lancet, em 2020, mostrou que as perdas auditivas indicam maior risco para o aparecimento de quadros de demência em uma pessoa. Junto com ele, aparecem outros fatores como obesidade, baixo nível de educação e depressão.
Ainda é uma "extrapolação" falar que o uso exagerado de fones de ouvido na infância e adolescência causa demência, mas já se sabe que as perdas auditivas que aparecem ao longo da vida podem sim determinar o aparecimento desta condição por conta do alto nível de isolamento social.
Além da saúde física, um outro alerta que se faz para o uso de fones de ouvido está relacionado à saúde mental. Isso porque boa parte da nossa relação com o mundo se dá pela audição. É também por meio dela que a nossa comunicação acontece e que tomamos consciência do nosso próprio corpo no espaço a partir das pressões sonoras que sentimos no ambiente.
Por isso, quando um jovem coloca um fone de ouvido, seja para escutar sua música ou para jogar o seu jogo, ele pode estar se isolando do mundo externo e dos conflitos que ele apresenta. Sem a audição, o isolamento que era só mental em casos de depressão, por exemplo, vira também físico.
"Quando a gente está o tempo inteiro usando redutores de ruído, a gente tem uma noção espacial diferente. Tem um isolamento do mundo que começa no corpo e é sensorial", explica Marcia. Apesar dos riscos, ainda é difícil imaginar um mundo sem os fones de ouvido. Por isso, é possível seguir algumas orientações para fazer um uso mais saudável desses aparelhos.
Para crianças e adolescentes, a OMS recomenda uma quantidade de 75 dB por 80 horas semanais. Em celulares da Apple, por exemplo, é possível controlar essas medidas de tempo e intensidade por aplicativos como App Health, onde também se encontram mais informações sobre o uso correto dos fones de ouvido.
Para especialistas, quando o som começa a vazar, ou seja, quando uma pessoa que não está usando o equipamento começa a escutar o que se passa dentro do fone, há um risco. Quando o usuário também entra em um estado de isolamento completo, é hora de abaixar um pouco o som.
Em linhas gerais, o recomendado é nunca usar fones de ouvido com o volume máximo. É bom manter na metade ou um pouco acima da metade do limite sonoro do aparelho. Além disso, os pais também podem regular a exposição sonora dos filhos reduzindo o limite de volume máximo nas configurações do aparelho celular.
Quanto ao tipo de fone ideal, a fonoaudióloga Marcia recomenda headphones que oferecem uma vedação maior, porque, com isso, o som se dispersa menos e há menor necessidade de deixar o volume alto. Para crianças, os pais podem procurar linhas especiais com limitador de volume.
Marcia também alerta que é importante manter o acompanhamento da saúde auditiva em dia: "A exposição sonora aumentou muito, mas a realização de exames e diagnósticos de perdas auditivas ainda é baixo". Uma vez que o uso de fones de ouvido virou cotidiano, vale também inserir o exame na rotina e se adiantar à futuros problemas.
colaborou André Derviche