Comportamento Adolescente e Educação

Gravidez na adolescência


Por Carolina Delboni

O cenário da gravidez na adolescência e da maternidade precoce no Brasil é complexo e antes de tomar medidas, é preciso saber sobre

Compreender o cenário da gravidez na adolescência e da maternidade precoce no Brasil é uma tarefa complexa e requer um exercício cuidadoso que considera diversos olhares. Existem profundas desigualdades de gênero, escolaridade, raça/etnia, território, status econômico e outras tantas diferenças. Gravidez na adolescência é um sintoma de sociedade que precisa de ajustes. Porque não dá pra normatizar algo que está longe de o ser por razões óbvias.

E o assunto está em pauta na mídia e na boca da população. O Governo lançou a campanha em que propõe abstinência sexual como medida preventiva. As críticas vieram de todos os lados e, por um instante positivo, reacendeu a conversa na população. E ontem foi Dia Internacional da Mulher. Meninas que engravidam com 8, 12 e 15 anos mais do que merecem que a gente pare e olhe com cuidado e carinho. Sem pré-conceitos e julgamentos.

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Falar de gravidez é pensar na vida de meninas e meninos, nas informações que recebem sobre seus corpos. É refletir que há palavras pouco faladas. Proibidas quase. Sexualidade é uma delas. Quem fala sobre em casa? E sexo? Muito menos. Adultos que tiveram desafios para viver sua sexualidade seguem com essa dificuldade. E os assuntos seguem velados entre famílias. O que quando não é elaborado, se manifesta em censura. Seja no repreender a sexualidade dos adolescentes, seja no proibir que façam sexo.

No Brasil, a gravidez entre adolescentes vem diminuindo nas últimas duas décadas, mas ainda somos a maior taxa de mães adolescentes (10 a 19 anos), da América Latina. E a maior taxa de maternidade precoce (abaixo dos 15), no Cone Sul. 22.146 meninas em 2017. O Brasil é o 4o país do mundo em números absolutos de casamento infantil (registrado ou união estável). 16.786 estupros registrados entre meninas abaixo de 19 anos em 2017. Como é que a gente normatiza, ou naturaliza, esses números?! Não dá. Não pode.

E quem são essas mães? Quem são essas meninas? Segundo o IBGE, 69% são negras (pretas ou pardas), 59,7% delas não trabalhavam ou estudavam; 37% estavam na condição de filha na casa e 35,8% residem no nordeste do país. E tem mais! A gente ainda pode acrescentar aí a decorrência dessa gravidez. Amor? Paixão? Fogo de adolescente? Hormônios? Hum....

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Gravidez na adolescência decorre de violência sexual. De exploração sexual, de casamento infantil, de relação sexual em que a menina não sabia as consequências, a prática de costumes que a naturalizam e violência e desigualdade de poder na relação. Será que é uma medida educativa dizer aos jovens que não transem? Será que sugerir um ingresso tardio a vida sexual evita estupro ou exploração sexual? Quem o faz tem a preocupação de engravidar uma menina? Não meus caros leitores. Definitivamente, não.

Conversamos com Nicole Campos, gerente técnica de programas da Plan International Brasil. A Plan é uma organização não governamental que há 80 anos desenvolve programas e projetos com o objetivo de capacitar e empoderar crianças, adolescentes e suas comunidades, para que adquiram competências e habilidades que os ajudem a transformar suas realidades.

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Nicole Campos da Plan Internacional Brasil  Foto: Estadão

Gravidez na adolescência é reflexo do quê? Quando não é intencional, a gravidez na adolescência é a manifestação explícita da vulnerabilidade de direitos humanos, especialmente dos direitos sexuais e reprodutivos das adolescentes.

Um dado mostra que a gravidez no Brasil vem diminuindo há duas décadas. A que isso se deve? A taxa de fecundidade no Brasil tem diminuído ao longo dos anos, com uma queda de 18,6% de 2004 para 2014. Segundo especialistas no tema, a concepção moderna de maternidade, as novas configurações dos papéis sociais das mulheres ao longo das últimas décadas e a pílula contraceptiva são fatores que explicam a queda da fecundidade. No caso da adolescência somam-se ainda ações de educação e prevenção, como por exemplo a inclusão do tema da educação em sexualidade em escolas e campanhas de mobilização sobre gravidez não intencional.

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E o que faz aumentar o número de gravidezes em meninas negras e periféricas? Esse fato é consequência de um contexto maior de violências estruturais presentes na sociedade brasileira, que apresenta um desenvolvimento econômico, social e cultural marcado pelo patriarcalismo, pela colonização, pela escravidão e pelo abuso e exploração sexual das mulheres negras. Essas violências estruturais se manifestam em um quadro de injustiças sociais, disparidades econômicas, exclusões e falta de oportunidades que afetam especialmente as chamadas "minorias sociais", tais como as meninas negras das periferias. Boa parte das meninas negras brasileiras vive em territórios que apresentam grandes vulnerabilidades sociais, com pouco ou nenhum acesso a políticas públicas de qualidade, como qualificação profissional, educação e saúde. Dentre as barreiras que elas enfrentam para fazer valer o seu direito de decidir se, quando e com quem querem ter filhas/os, podemos citar o racismo institucional e interpessoal, a falta de conhecimento e as violações de seus direitos e as violências de gênero, que se transfiguram em desconhecimento sobre o funcionamento dos seus corpos e das consequências sobre as relações sexuais, não acesso aos meios para prevenir uma gravidez, situações de abuso e exploração sexual e relações abusivas com parceiros que não assumem a co-responsabilidade pela prevenção da gravidez e do cuidado com as crianças.

Por que educação sexual é importante? E o que isso significa? Educação Sexual se trata de promover direitos e não de incitar crianças a fazerem sexo. Existe uma orientação técnica internacional sobre educação sexual elaborada pela UNESCO que enfoca as dimensões sociológicas, psicológicas e fisiológicas da sexualidade, adotando, portanto, uma perspectiva mais integral do tema, sobretudo uma perspectiva de direitos humanos, que vai além das abordagens mais comuns que se concentram em tabus, proibições ou em discursos biologizantes e científicos do corpo, que silenciam questões importantes como o prazer, o desejo e a diversidade sexual. A educação sexual adequada à idade é importante para constituir sujeitos que sejam capazes de decidir se, quando e com quem querem ter filhas/os, que usufruem de seus direitos sexuais e reprodutivos livremente, gozando de boa saúde sexual e reprodutiva. Um programa de educação sexual adequado à idade, que segue as orientações da UNESCO, ensina crianças de 5 a 8 anos, por exemplo, que existem diversos tipos de famílias, que o respeito ajuda a manter o equilíbrio dentro da família, que comunicação é importante em relacionamentos familiares, que amigos podem ser de qualquer sexo, etnia, idade, classe social, podem ter ou não deficiências, que as amizades são baseadas em confiança, respeito, compartilhamento, empatia e solidariedade.

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Grupo Formação Nosso Corpo Plan Foto: Estadão

Violência sexual e exploração são causas de gravidez na adolescência. Como políticas publicas deveriam, ou poderiam, olhar para esses dados? A violência e a exploração sexual de meninas são um fenômeno complexo e ainda persiste a subnotificação. Entre as meninas mais novas, os maiores abusadores são familiares e pessoas próximas delas. É necessário analisar a raiz desse problema, compreender as violências estruturais da nossa sociedade e promover mudanças sociais, políticas, jurídicas e culturais para "desnaturalizar" o "estado de violência" contra meninas e mulheres. Combater o adultocentrismo e as violências baseadas em gênero é um começo, além claro de reforçar o trabalho integrado entre poder público e a sociedade.

Outro dado mostra que meninas que estão fora da escola e com mais tempo ocioso estão mais expostas. De novo, qual responsabilidade social do Governo? Para onde as políticas publicas deveriam olhar? Existem duas questões que deveriam ser alvo do governo: 1) investir mais na infraestrutura e na qualidade de programas e políticas sociais nos territórios que apresentam maior vulnerabilidade social e econômica; 2) Adotar um olhar sensível de gênero e interseccionalidade (que cruza outros marcadores sociais como idade, raça/etnia, território, etc) em seus programas e políticas. Exemplo disso poderia ser a incorporação de um programa de educação sexual integral nas escolas, serviços de saúde mais acolhedores para adolescentes que promovam seus direitos sexuais e direitos reprodutivos, programas de esporte que levem em consideração as relações de poder nos territórios e o combate aos estereótipos de gênero, capacitação para profissionais da educação sobre promoção da igualdade de gênero e prevenção das violências na escola.

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O machismo, e as entranhas dele na cultura, é outro fator que contribui para essa gravidez. O que é preciso, além do conscientizar? Qual papel da sociedade e do Governo? É preciso ir além da conscientização/sensibilização. A transformação para uma sociedade mais igualitária de gênero depende de mudanças sociais, políticas, jurídicas e culturais que estejam em coerência. Um direito é concretizado por meio de políticas públicas e, por isso, é preciso atenção especial e investimento governamental para promover os direitos das mulheres, de LGBTQIA+ e de outras minorias sociais. É necessário que a sociedade cumpra com seus deveres, que influencie positivamente seus membros e pressione seus governantes, que eleja representantes que tenham um projeto político que promova direitos para toda a população (e não somente para interesses de segmentos privilegiados), que monitore a implementação das políticas públicas e proponha mudanças em processos participativos.

Como trazer os meninos e os homens para dentro dessa conversa? Principalmente, como parte dela. Programas de governo devem ter um olhar atento à participação de meninos e homens para promoção de outras masculinidades que sejam antimachistas. Meninos e homens devem entender os custos da masculinidade tóxica para sua saúde física e emocional e para as outras pessoas, além de compreender que a igualdade de gênero beneficia todas, todos e todes.

Por que é importante reduzir a gravidez na adolescência? O que isso impacta? Em função do seu estágio de desenvolvimento físico, emocional e social, as meninas entre 10 e 19 anos podem sofrer severas consequências a partir de uma gravidez, que vão desde riscos relacionados à sua saúde e de seu bebê, abandono e desempenho escolar, falta de oportunidades e estigmatização. Os impactos na economia do país podem ser observados na área da saúde (com gravidezes e partos complicados, tratamento de bebês prematuros e com problemas de saúde), consequências emocionais que podem levar a vícios e tratamentos, além da baixa qualificação, produtividade e renda.

O cenário da gravidez na adolescência e da maternidade precoce no Brasil é complexo e antes de tomar medidas, é preciso saber sobre

Compreender o cenário da gravidez na adolescência e da maternidade precoce no Brasil é uma tarefa complexa e requer um exercício cuidadoso que considera diversos olhares. Existem profundas desigualdades de gênero, escolaridade, raça/etnia, território, status econômico e outras tantas diferenças. Gravidez na adolescência é um sintoma de sociedade que precisa de ajustes. Porque não dá pra normatizar algo que está longe de o ser por razões óbvias.

E o assunto está em pauta na mídia e na boca da população. O Governo lançou a campanha em que propõe abstinência sexual como medida preventiva. As críticas vieram de todos os lados e, por um instante positivo, reacendeu a conversa na população. E ontem foi Dia Internacional da Mulher. Meninas que engravidam com 8, 12 e 15 anos mais do que merecem que a gente pare e olhe com cuidado e carinho. Sem pré-conceitos e julgamentos.

Falar de gravidez é pensar na vida de meninas e meninos, nas informações que recebem sobre seus corpos. É refletir que há palavras pouco faladas. Proibidas quase. Sexualidade é uma delas. Quem fala sobre em casa? E sexo? Muito menos. Adultos que tiveram desafios para viver sua sexualidade seguem com essa dificuldade. E os assuntos seguem velados entre famílias. O que quando não é elaborado, se manifesta em censura. Seja no repreender a sexualidade dos adolescentes, seja no proibir que façam sexo.

No Brasil, a gravidez entre adolescentes vem diminuindo nas últimas duas décadas, mas ainda somos a maior taxa de mães adolescentes (10 a 19 anos), da América Latina. E a maior taxa de maternidade precoce (abaixo dos 15), no Cone Sul. 22.146 meninas em 2017. O Brasil é o 4o país do mundo em números absolutos de casamento infantil (registrado ou união estável). 16.786 estupros registrados entre meninas abaixo de 19 anos em 2017. Como é que a gente normatiza, ou naturaliza, esses números?! Não dá. Não pode.

E quem são essas mães? Quem são essas meninas? Segundo o IBGE, 69% são negras (pretas ou pardas), 59,7% delas não trabalhavam ou estudavam; 37% estavam na condição de filha na casa e 35,8% residem no nordeste do país. E tem mais! A gente ainda pode acrescentar aí a decorrência dessa gravidez. Amor? Paixão? Fogo de adolescente? Hormônios? Hum....

Gravidez na adolescência decorre de violência sexual. De exploração sexual, de casamento infantil, de relação sexual em que a menina não sabia as consequências, a prática de costumes que a naturalizam e violência e desigualdade de poder na relação. Será que é uma medida educativa dizer aos jovens que não transem? Será que sugerir um ingresso tardio a vida sexual evita estupro ou exploração sexual? Quem o faz tem a preocupação de engravidar uma menina? Não meus caros leitores. Definitivamente, não.

Conversamos com Nicole Campos, gerente técnica de programas da Plan International Brasil. A Plan é uma organização não governamental que há 80 anos desenvolve programas e projetos com o objetivo de capacitar e empoderar crianças, adolescentes e suas comunidades, para que adquiram competências e habilidades que os ajudem a transformar suas realidades.

Nicole Campos da Plan Internacional Brasil  Foto: Estadão

Gravidez na adolescência é reflexo do quê? Quando não é intencional, a gravidez na adolescência é a manifestação explícita da vulnerabilidade de direitos humanos, especialmente dos direitos sexuais e reprodutivos das adolescentes.

Um dado mostra que a gravidez no Brasil vem diminuindo há duas décadas. A que isso se deve? A taxa de fecundidade no Brasil tem diminuído ao longo dos anos, com uma queda de 18,6% de 2004 para 2014. Segundo especialistas no tema, a concepção moderna de maternidade, as novas configurações dos papéis sociais das mulheres ao longo das últimas décadas e a pílula contraceptiva são fatores que explicam a queda da fecundidade. No caso da adolescência somam-se ainda ações de educação e prevenção, como por exemplo a inclusão do tema da educação em sexualidade em escolas e campanhas de mobilização sobre gravidez não intencional.

E o que faz aumentar o número de gravidezes em meninas negras e periféricas? Esse fato é consequência de um contexto maior de violências estruturais presentes na sociedade brasileira, que apresenta um desenvolvimento econômico, social e cultural marcado pelo patriarcalismo, pela colonização, pela escravidão e pelo abuso e exploração sexual das mulheres negras. Essas violências estruturais se manifestam em um quadro de injustiças sociais, disparidades econômicas, exclusões e falta de oportunidades que afetam especialmente as chamadas "minorias sociais", tais como as meninas negras das periferias. Boa parte das meninas negras brasileiras vive em territórios que apresentam grandes vulnerabilidades sociais, com pouco ou nenhum acesso a políticas públicas de qualidade, como qualificação profissional, educação e saúde. Dentre as barreiras que elas enfrentam para fazer valer o seu direito de decidir se, quando e com quem querem ter filhas/os, podemos citar o racismo institucional e interpessoal, a falta de conhecimento e as violações de seus direitos e as violências de gênero, que se transfiguram em desconhecimento sobre o funcionamento dos seus corpos e das consequências sobre as relações sexuais, não acesso aos meios para prevenir uma gravidez, situações de abuso e exploração sexual e relações abusivas com parceiros que não assumem a co-responsabilidade pela prevenção da gravidez e do cuidado com as crianças.

Por que educação sexual é importante? E o que isso significa? Educação Sexual se trata de promover direitos e não de incitar crianças a fazerem sexo. Existe uma orientação técnica internacional sobre educação sexual elaborada pela UNESCO que enfoca as dimensões sociológicas, psicológicas e fisiológicas da sexualidade, adotando, portanto, uma perspectiva mais integral do tema, sobretudo uma perspectiva de direitos humanos, que vai além das abordagens mais comuns que se concentram em tabus, proibições ou em discursos biologizantes e científicos do corpo, que silenciam questões importantes como o prazer, o desejo e a diversidade sexual. A educação sexual adequada à idade é importante para constituir sujeitos que sejam capazes de decidir se, quando e com quem querem ter filhas/os, que usufruem de seus direitos sexuais e reprodutivos livremente, gozando de boa saúde sexual e reprodutiva. Um programa de educação sexual adequado à idade, que segue as orientações da UNESCO, ensina crianças de 5 a 8 anos, por exemplo, que existem diversos tipos de famílias, que o respeito ajuda a manter o equilíbrio dentro da família, que comunicação é importante em relacionamentos familiares, que amigos podem ser de qualquer sexo, etnia, idade, classe social, podem ter ou não deficiências, que as amizades são baseadas em confiança, respeito, compartilhamento, empatia e solidariedade.

Grupo Formação Nosso Corpo Plan Foto: Estadão

Violência sexual e exploração são causas de gravidez na adolescência. Como políticas publicas deveriam, ou poderiam, olhar para esses dados? A violência e a exploração sexual de meninas são um fenômeno complexo e ainda persiste a subnotificação. Entre as meninas mais novas, os maiores abusadores são familiares e pessoas próximas delas. É necessário analisar a raiz desse problema, compreender as violências estruturais da nossa sociedade e promover mudanças sociais, políticas, jurídicas e culturais para "desnaturalizar" o "estado de violência" contra meninas e mulheres. Combater o adultocentrismo e as violências baseadas em gênero é um começo, além claro de reforçar o trabalho integrado entre poder público e a sociedade.

Outro dado mostra que meninas que estão fora da escola e com mais tempo ocioso estão mais expostas. De novo, qual responsabilidade social do Governo? Para onde as políticas publicas deveriam olhar? Existem duas questões que deveriam ser alvo do governo: 1) investir mais na infraestrutura e na qualidade de programas e políticas sociais nos territórios que apresentam maior vulnerabilidade social e econômica; 2) Adotar um olhar sensível de gênero e interseccionalidade (que cruza outros marcadores sociais como idade, raça/etnia, território, etc) em seus programas e políticas. Exemplo disso poderia ser a incorporação de um programa de educação sexual integral nas escolas, serviços de saúde mais acolhedores para adolescentes que promovam seus direitos sexuais e direitos reprodutivos, programas de esporte que levem em consideração as relações de poder nos territórios e o combate aos estereótipos de gênero, capacitação para profissionais da educação sobre promoção da igualdade de gênero e prevenção das violências na escola.

O machismo, e as entranhas dele na cultura, é outro fator que contribui para essa gravidez. O que é preciso, além do conscientizar? Qual papel da sociedade e do Governo? É preciso ir além da conscientização/sensibilização. A transformação para uma sociedade mais igualitária de gênero depende de mudanças sociais, políticas, jurídicas e culturais que estejam em coerência. Um direito é concretizado por meio de políticas públicas e, por isso, é preciso atenção especial e investimento governamental para promover os direitos das mulheres, de LGBTQIA+ e de outras minorias sociais. É necessário que a sociedade cumpra com seus deveres, que influencie positivamente seus membros e pressione seus governantes, que eleja representantes que tenham um projeto político que promova direitos para toda a população (e não somente para interesses de segmentos privilegiados), que monitore a implementação das políticas públicas e proponha mudanças em processos participativos.

Como trazer os meninos e os homens para dentro dessa conversa? Principalmente, como parte dela. Programas de governo devem ter um olhar atento à participação de meninos e homens para promoção de outras masculinidades que sejam antimachistas. Meninos e homens devem entender os custos da masculinidade tóxica para sua saúde física e emocional e para as outras pessoas, além de compreender que a igualdade de gênero beneficia todas, todos e todes.

Por que é importante reduzir a gravidez na adolescência? O que isso impacta? Em função do seu estágio de desenvolvimento físico, emocional e social, as meninas entre 10 e 19 anos podem sofrer severas consequências a partir de uma gravidez, que vão desde riscos relacionados à sua saúde e de seu bebê, abandono e desempenho escolar, falta de oportunidades e estigmatização. Os impactos na economia do país podem ser observados na área da saúde (com gravidezes e partos complicados, tratamento de bebês prematuros e com problemas de saúde), consequências emocionais que podem levar a vícios e tratamentos, além da baixa qualificação, produtividade e renda.

O cenário da gravidez na adolescência e da maternidade precoce no Brasil é complexo e antes de tomar medidas, é preciso saber sobre

Compreender o cenário da gravidez na adolescência e da maternidade precoce no Brasil é uma tarefa complexa e requer um exercício cuidadoso que considera diversos olhares. Existem profundas desigualdades de gênero, escolaridade, raça/etnia, território, status econômico e outras tantas diferenças. Gravidez na adolescência é um sintoma de sociedade que precisa de ajustes. Porque não dá pra normatizar algo que está longe de o ser por razões óbvias.

E o assunto está em pauta na mídia e na boca da população. O Governo lançou a campanha em que propõe abstinência sexual como medida preventiva. As críticas vieram de todos os lados e, por um instante positivo, reacendeu a conversa na população. E ontem foi Dia Internacional da Mulher. Meninas que engravidam com 8, 12 e 15 anos mais do que merecem que a gente pare e olhe com cuidado e carinho. Sem pré-conceitos e julgamentos.

Falar de gravidez é pensar na vida de meninas e meninos, nas informações que recebem sobre seus corpos. É refletir que há palavras pouco faladas. Proibidas quase. Sexualidade é uma delas. Quem fala sobre em casa? E sexo? Muito menos. Adultos que tiveram desafios para viver sua sexualidade seguem com essa dificuldade. E os assuntos seguem velados entre famílias. O que quando não é elaborado, se manifesta em censura. Seja no repreender a sexualidade dos adolescentes, seja no proibir que façam sexo.

No Brasil, a gravidez entre adolescentes vem diminuindo nas últimas duas décadas, mas ainda somos a maior taxa de mães adolescentes (10 a 19 anos), da América Latina. E a maior taxa de maternidade precoce (abaixo dos 15), no Cone Sul. 22.146 meninas em 2017. O Brasil é o 4o país do mundo em números absolutos de casamento infantil (registrado ou união estável). 16.786 estupros registrados entre meninas abaixo de 19 anos em 2017. Como é que a gente normatiza, ou naturaliza, esses números?! Não dá. Não pode.

E quem são essas mães? Quem são essas meninas? Segundo o IBGE, 69% são negras (pretas ou pardas), 59,7% delas não trabalhavam ou estudavam; 37% estavam na condição de filha na casa e 35,8% residem no nordeste do país. E tem mais! A gente ainda pode acrescentar aí a decorrência dessa gravidez. Amor? Paixão? Fogo de adolescente? Hormônios? Hum....

Gravidez na adolescência decorre de violência sexual. De exploração sexual, de casamento infantil, de relação sexual em que a menina não sabia as consequências, a prática de costumes que a naturalizam e violência e desigualdade de poder na relação. Será que é uma medida educativa dizer aos jovens que não transem? Será que sugerir um ingresso tardio a vida sexual evita estupro ou exploração sexual? Quem o faz tem a preocupação de engravidar uma menina? Não meus caros leitores. Definitivamente, não.

Conversamos com Nicole Campos, gerente técnica de programas da Plan International Brasil. A Plan é uma organização não governamental que há 80 anos desenvolve programas e projetos com o objetivo de capacitar e empoderar crianças, adolescentes e suas comunidades, para que adquiram competências e habilidades que os ajudem a transformar suas realidades.

Nicole Campos da Plan Internacional Brasil  Foto: Estadão

Gravidez na adolescência é reflexo do quê? Quando não é intencional, a gravidez na adolescência é a manifestação explícita da vulnerabilidade de direitos humanos, especialmente dos direitos sexuais e reprodutivos das adolescentes.

Um dado mostra que a gravidez no Brasil vem diminuindo há duas décadas. A que isso se deve? A taxa de fecundidade no Brasil tem diminuído ao longo dos anos, com uma queda de 18,6% de 2004 para 2014. Segundo especialistas no tema, a concepção moderna de maternidade, as novas configurações dos papéis sociais das mulheres ao longo das últimas décadas e a pílula contraceptiva são fatores que explicam a queda da fecundidade. No caso da adolescência somam-se ainda ações de educação e prevenção, como por exemplo a inclusão do tema da educação em sexualidade em escolas e campanhas de mobilização sobre gravidez não intencional.

E o que faz aumentar o número de gravidezes em meninas negras e periféricas? Esse fato é consequência de um contexto maior de violências estruturais presentes na sociedade brasileira, que apresenta um desenvolvimento econômico, social e cultural marcado pelo patriarcalismo, pela colonização, pela escravidão e pelo abuso e exploração sexual das mulheres negras. Essas violências estruturais se manifestam em um quadro de injustiças sociais, disparidades econômicas, exclusões e falta de oportunidades que afetam especialmente as chamadas "minorias sociais", tais como as meninas negras das periferias. Boa parte das meninas negras brasileiras vive em territórios que apresentam grandes vulnerabilidades sociais, com pouco ou nenhum acesso a políticas públicas de qualidade, como qualificação profissional, educação e saúde. Dentre as barreiras que elas enfrentam para fazer valer o seu direito de decidir se, quando e com quem querem ter filhas/os, podemos citar o racismo institucional e interpessoal, a falta de conhecimento e as violações de seus direitos e as violências de gênero, que se transfiguram em desconhecimento sobre o funcionamento dos seus corpos e das consequências sobre as relações sexuais, não acesso aos meios para prevenir uma gravidez, situações de abuso e exploração sexual e relações abusivas com parceiros que não assumem a co-responsabilidade pela prevenção da gravidez e do cuidado com as crianças.

Por que educação sexual é importante? E o que isso significa? Educação Sexual se trata de promover direitos e não de incitar crianças a fazerem sexo. Existe uma orientação técnica internacional sobre educação sexual elaborada pela UNESCO que enfoca as dimensões sociológicas, psicológicas e fisiológicas da sexualidade, adotando, portanto, uma perspectiva mais integral do tema, sobretudo uma perspectiva de direitos humanos, que vai além das abordagens mais comuns que se concentram em tabus, proibições ou em discursos biologizantes e científicos do corpo, que silenciam questões importantes como o prazer, o desejo e a diversidade sexual. A educação sexual adequada à idade é importante para constituir sujeitos que sejam capazes de decidir se, quando e com quem querem ter filhas/os, que usufruem de seus direitos sexuais e reprodutivos livremente, gozando de boa saúde sexual e reprodutiva. Um programa de educação sexual adequado à idade, que segue as orientações da UNESCO, ensina crianças de 5 a 8 anos, por exemplo, que existem diversos tipos de famílias, que o respeito ajuda a manter o equilíbrio dentro da família, que comunicação é importante em relacionamentos familiares, que amigos podem ser de qualquer sexo, etnia, idade, classe social, podem ter ou não deficiências, que as amizades são baseadas em confiança, respeito, compartilhamento, empatia e solidariedade.

Grupo Formação Nosso Corpo Plan Foto: Estadão

Violência sexual e exploração são causas de gravidez na adolescência. Como políticas publicas deveriam, ou poderiam, olhar para esses dados? A violência e a exploração sexual de meninas são um fenômeno complexo e ainda persiste a subnotificação. Entre as meninas mais novas, os maiores abusadores são familiares e pessoas próximas delas. É necessário analisar a raiz desse problema, compreender as violências estruturais da nossa sociedade e promover mudanças sociais, políticas, jurídicas e culturais para "desnaturalizar" o "estado de violência" contra meninas e mulheres. Combater o adultocentrismo e as violências baseadas em gênero é um começo, além claro de reforçar o trabalho integrado entre poder público e a sociedade.

Outro dado mostra que meninas que estão fora da escola e com mais tempo ocioso estão mais expostas. De novo, qual responsabilidade social do Governo? Para onde as políticas publicas deveriam olhar? Existem duas questões que deveriam ser alvo do governo: 1) investir mais na infraestrutura e na qualidade de programas e políticas sociais nos territórios que apresentam maior vulnerabilidade social e econômica; 2) Adotar um olhar sensível de gênero e interseccionalidade (que cruza outros marcadores sociais como idade, raça/etnia, território, etc) em seus programas e políticas. Exemplo disso poderia ser a incorporação de um programa de educação sexual integral nas escolas, serviços de saúde mais acolhedores para adolescentes que promovam seus direitos sexuais e direitos reprodutivos, programas de esporte que levem em consideração as relações de poder nos territórios e o combate aos estereótipos de gênero, capacitação para profissionais da educação sobre promoção da igualdade de gênero e prevenção das violências na escola.

O machismo, e as entranhas dele na cultura, é outro fator que contribui para essa gravidez. O que é preciso, além do conscientizar? Qual papel da sociedade e do Governo? É preciso ir além da conscientização/sensibilização. A transformação para uma sociedade mais igualitária de gênero depende de mudanças sociais, políticas, jurídicas e culturais que estejam em coerência. Um direito é concretizado por meio de políticas públicas e, por isso, é preciso atenção especial e investimento governamental para promover os direitos das mulheres, de LGBTQIA+ e de outras minorias sociais. É necessário que a sociedade cumpra com seus deveres, que influencie positivamente seus membros e pressione seus governantes, que eleja representantes que tenham um projeto político que promova direitos para toda a população (e não somente para interesses de segmentos privilegiados), que monitore a implementação das políticas públicas e proponha mudanças em processos participativos.

Como trazer os meninos e os homens para dentro dessa conversa? Principalmente, como parte dela. Programas de governo devem ter um olhar atento à participação de meninos e homens para promoção de outras masculinidades que sejam antimachistas. Meninos e homens devem entender os custos da masculinidade tóxica para sua saúde física e emocional e para as outras pessoas, além de compreender que a igualdade de gênero beneficia todas, todos e todes.

Por que é importante reduzir a gravidez na adolescência? O que isso impacta? Em função do seu estágio de desenvolvimento físico, emocional e social, as meninas entre 10 e 19 anos podem sofrer severas consequências a partir de uma gravidez, que vão desde riscos relacionados à sua saúde e de seu bebê, abandono e desempenho escolar, falta de oportunidades e estigmatização. Os impactos na economia do país podem ser observados na área da saúde (com gravidezes e partos complicados, tratamento de bebês prematuros e com problemas de saúde), consequências emocionais que podem levar a vícios e tratamentos, além da baixa qualificação, produtividade e renda.

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