Comportamento Adolescente e Educação

Jovem sofre racismo em clube e episódio reacende a urgência de letramento e campanhas antirracistas


Por Carolina Delboni

A denúncia de racismo sofrida por uma jovem de 18 anos em clube social localizado na zona oeste de São Paulo reacende a urgência do letramento da sociedade e campanhas antirracistas em espaços privados

O racismo estrutural faz com que a presença de pessoas negras nem sempre seja "bem-vista" em certos lugares.

Isso porque, historicamente, existe um preconceito e uma discriminação racial que estão consolidados na nossa organização social. O que isso quer dizer? Quer dizer que a sociedade na qual vivemos foi construída e organizada de tal forma que os brancos se beneficiavam - e se beneficiam - dos negros. Ele é resultado de um funcionamento que estabelece um conjunto de práticas, hábitos, falas e ações que promovem, mesmo sem a intenção de, a exclusão dos negros na sociedade de maneira bem ampla.

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Dentre as inúmeras consequências do racismo, a desigualdade social instalada entre brancos e negros é o que faz alguns "estranharem" a presença de negros em "ambientes de brancos". O não ser "bem-vista" tem origem nesta explicação simplista.

É deste contexto que, cotidianamente, negros são vistos como empregados, funcionários e até ladrões por muitos brancos. Nos diversos cenários, a expressão desta visão ou pensamento é um ato racista. Ato que alguns o manifestam o abertamente.

É o caso do episódio racista sofrido por Maria Eduarda, uma adolescente de 18, dentro do Anhembi Tênis Clube, localizado no Alto de Pinheiros, zona oeste de São Paulo, do qual ela e a mãe são sócias há 4 anos. O ocorrido aconteceu dia 19 de maio, há pouco mais de um mês, e ele reacende a necessidade de olharmos para um fenômeno que se repete: casos de racismo dentro de espaços elitizados.

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Não é a primeira vez que vem à tona um caso de racismo praticado dentro de um clube social. Existe uma certa recorrência, infelizmente, e para especialistas o letramento racial é um caminho necessário, assim como campanhas antirracistas dentro dos ambientes.

Maria Eduarda estava no bar do clube enquanto esperava a mãe sair do treino de vôlei quando foi abordada por um homem branco que a questionou se ela era Jovem Aprendiz. Vendo a cara confusa da garota, um outro homem branco "esclareceu" e perguntou se ela era a garçonete nova. "Não é porque minha filha é negra que ela está aqui para te servir, o que não teria nenhum demérito em fazer", explicou Adriana Sobral Rodrigues ao também sócio depois de encontrar a filha e saber o que tinha acontecido.

O caso explicita como certos espaços resistem à presença negra. A mensalidade de um clube como o Anhembi Tênis Clube é de cerca de R$ 1 mil, o que o faz esse tipo de espaço ser frequentado por pessoas de classe mais alta, consequentemente, com menos pessoas negras. Para se ter ideia, no mural de sócios no portal do clube, um associado anunciou a venda de um título familiar por R$ 75 mil. É nesse contexto que casos de racismo aparecem.

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Segundo pesquisa, 81% dos brasileiros veem racismo, mas apenas 34% admitem o preconceito contra negros. Imagem: FreePik  

Em fevereiro de 2020, por exemplo, o jornalista Rodrigo Bocardi, enquanto conversava ao vivo com um atleta negro do clube Pinheiros, achou que o jovem era um catador de bolinhas das quadras de tênis que ele frequentava. Bocardi se defendeu dizendo que o jovem usava a mesma roupa que o catador de bolinhas. Já em maio de 2021, uma discussão em uma quadra de tênis no clube Paineiras do Morumby escalou para ofensas racistas por parte de um dos envolvidos, segundo os próprios autos do processo.

A EXPRESSÃO DO RACISMO ESTRUTURAL

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Para a educadora e fundadora da Piraporiando, Janine Rodrigues, esse fenômeno tem relação com a história do Brasil: "As pessoas negras ocupam um determinado lugar no imaginário da sociedade brasileira que é racista. Quando essa pessoa não está no lugar de servir, manifestações racistas vêm à tona de maneira muito expressiva". Ela lembra que a presença de pessoas negras não é naturalizada em todos os ambientes, o que a afasta de espaços de decisão e de poder na sociedade.

Um agravante no caso de Maria Eduarda é a sua idade. Segundo a família, essa foi a primeira vez que a jovem foi vítima de racismo no clube em questão. No entanto, quando mais nova, já tinha sofrido discriminação no colégio particular em que estuda até hoje. Daniela Sodral, tia de Maria Eduarda, aponta que a situação melhorou após o colégio começar programas contra discriminação e de inclusão de minorias.

Janine lembra que não há racismo mais ou menos errado, todos são danosos. Porém, ela lembra que quando o caso acontece contra um jovem, a proporção é outra: "Quando se é jovem, há a questão de autoestima que ainda está em construção. A gente muda muito nessa fase da vida. Estamos nos descobrindo. Então, afeta muito a autoestima causando muitas inseguranças". Maria Eduarda não se sentiu mais confortável em voltar ao Anhembi Tênis Clube.

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Desde o dia do acontecimento, a família busca providências com base no próprio Estatuto do clube que estabelece a manutenção da "boa conduta moral" e o "respeito aos associados do clube". Desde a emissão de uma nota de repúdio até a suspensão do associado acusado de racismo, algumas alternativas foram sugeridas pelos parentes de Maria Eduarda, que reclamam da forma que o clube lidou com a situação.

"O meu sentimento é de indignação. Eu sempre admirei o clube, mas estou me sentindo desprotegida com essa diretoria executiva. Me sinto preocupada e frustrada. Gostaria que entendessem que o racismo é estrutural e que ele vem de todas as formas, não importa se é mais ou menos explícito", desabafa Daniela que também é associada do clube.

No dia 7 de junho, o clube chegou a publicar em seu site uma nota intitulada "Racismo é crime". "Devido à extrema importância do assunto, todos os fatos, evidências e provas disponíveis serão minuciosamente examinados de maneira imparcial", diz a nota. No fim das contas, o clube abriu uma sindicância para apurar a denúncia de racismo. Depois de algumas semanas aberta, a sindicância foi encerrada e dada como inconclusiva, mesmo o local da ocorrência tendo câmeras de segurança. Nas redes sociais, outros associados protestaram. E esta reportagem também aguarda posicionamento oficial do clube.

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COMO SE LETRAR RACIALMENTE?

Para especialistas, o caminho está no chamado letramento racial. "O letramento racial é uma prática de leitura de mundo, que coloca no centro da análise a questão racial. Ela nos ajuda a compreender como as relações são atravessadas pelo racismo", explica o pedagogo Davison Souza. Nesse contexto, o letramento racial aparece como uma ferramenta-ação, ou seja, demanda esforços também práticos para combater o racismo.

"Olhar para um clube, ver uma pessoa negra ali e automaticamente achar que ela está ali servindo, isso faz parte de um letramento, que tem a ver com o modus operandi do raciocínio. O problema é que o modus operandi do raciocínio de certas pessoas é racista. A gente precisa ter um letramento racial para ter mais acesso a essas realidades", afirma Janine, que também defende a problematização da ausência de pessoas negras em certos espaços e a responsabilização por parte da sociedade civil no caso de crimes de racismo.

Em artigo publicado no site Geledés, André Lemos, licenciado em História pela UFRJ, aponta que o letramento racial é um conceito que surgiu entre o final dos anos 1990 e começo dos anos 2000 e partiu da pesquisadora norte-americana France Winddance Twine. Entre os pilares dessa teoria, está o reconhecimento de que identidades raciais são aprendidas e são consequência das práticas sociais. Ser letrado racialmente é saber interpretar códigos raciais e práticas realizadas.

"Nem todo racismo é explícito. Boa parte dos casos de racismo que acontecem no dia a dia são implícitos. Sem o letramento racial devido, não conseguimos detectar esse racismo de imediato", aponta Davison.

Além do letramento, outra iniciativa que se faz necessária é a de campanhas. Campanhas por corredores, vestiários, restaurantes e lanchonetes, salas de ginásticas. Todo e qualquer espaços de grande circulação deveria ganhar cartazes que promovam a reflexão e desconstrução do racismo.

As campanhas precisam ser constantes e clubes como o Atlético, Pinheiros e/ou Paineiras precisam, urgentemente, deixar claro que racismo é crime e episódios como o que sofreu a Maria Eduarda são inadmissíveis dentro de seus espaços. Ponto.

* colaborou André Derviche

A denúncia de racismo sofrida por uma jovem de 18 anos em clube social localizado na zona oeste de São Paulo reacende a urgência do letramento da sociedade e campanhas antirracistas em espaços privados

O racismo estrutural faz com que a presença de pessoas negras nem sempre seja "bem-vista" em certos lugares.

Isso porque, historicamente, existe um preconceito e uma discriminação racial que estão consolidados na nossa organização social. O que isso quer dizer? Quer dizer que a sociedade na qual vivemos foi construída e organizada de tal forma que os brancos se beneficiavam - e se beneficiam - dos negros. Ele é resultado de um funcionamento que estabelece um conjunto de práticas, hábitos, falas e ações que promovem, mesmo sem a intenção de, a exclusão dos negros na sociedade de maneira bem ampla.

Dentre as inúmeras consequências do racismo, a desigualdade social instalada entre brancos e negros é o que faz alguns "estranharem" a presença de negros em "ambientes de brancos". O não ser "bem-vista" tem origem nesta explicação simplista.

É deste contexto que, cotidianamente, negros são vistos como empregados, funcionários e até ladrões por muitos brancos. Nos diversos cenários, a expressão desta visão ou pensamento é um ato racista. Ato que alguns o manifestam o abertamente.

É o caso do episódio racista sofrido por Maria Eduarda, uma adolescente de 18, dentro do Anhembi Tênis Clube, localizado no Alto de Pinheiros, zona oeste de São Paulo, do qual ela e a mãe são sócias há 4 anos. O ocorrido aconteceu dia 19 de maio, há pouco mais de um mês, e ele reacende a necessidade de olharmos para um fenômeno que se repete: casos de racismo dentro de espaços elitizados.

Não é a primeira vez que vem à tona um caso de racismo praticado dentro de um clube social. Existe uma certa recorrência, infelizmente, e para especialistas o letramento racial é um caminho necessário, assim como campanhas antirracistas dentro dos ambientes.

Maria Eduarda estava no bar do clube enquanto esperava a mãe sair do treino de vôlei quando foi abordada por um homem branco que a questionou se ela era Jovem Aprendiz. Vendo a cara confusa da garota, um outro homem branco "esclareceu" e perguntou se ela era a garçonete nova. "Não é porque minha filha é negra que ela está aqui para te servir, o que não teria nenhum demérito em fazer", explicou Adriana Sobral Rodrigues ao também sócio depois de encontrar a filha e saber o que tinha acontecido.

O caso explicita como certos espaços resistem à presença negra. A mensalidade de um clube como o Anhembi Tênis Clube é de cerca de R$ 1 mil, o que o faz esse tipo de espaço ser frequentado por pessoas de classe mais alta, consequentemente, com menos pessoas negras. Para se ter ideia, no mural de sócios no portal do clube, um associado anunciou a venda de um título familiar por R$ 75 mil. É nesse contexto que casos de racismo aparecem.

Segundo pesquisa, 81% dos brasileiros veem racismo, mas apenas 34% admitem o preconceito contra negros. Imagem: FreePik  

Em fevereiro de 2020, por exemplo, o jornalista Rodrigo Bocardi, enquanto conversava ao vivo com um atleta negro do clube Pinheiros, achou que o jovem era um catador de bolinhas das quadras de tênis que ele frequentava. Bocardi se defendeu dizendo que o jovem usava a mesma roupa que o catador de bolinhas. Já em maio de 2021, uma discussão em uma quadra de tênis no clube Paineiras do Morumby escalou para ofensas racistas por parte de um dos envolvidos, segundo os próprios autos do processo.

A EXPRESSÃO DO RACISMO ESTRUTURAL

Para a educadora e fundadora da Piraporiando, Janine Rodrigues, esse fenômeno tem relação com a história do Brasil: "As pessoas negras ocupam um determinado lugar no imaginário da sociedade brasileira que é racista. Quando essa pessoa não está no lugar de servir, manifestações racistas vêm à tona de maneira muito expressiva". Ela lembra que a presença de pessoas negras não é naturalizada em todos os ambientes, o que a afasta de espaços de decisão e de poder na sociedade.

Um agravante no caso de Maria Eduarda é a sua idade. Segundo a família, essa foi a primeira vez que a jovem foi vítima de racismo no clube em questão. No entanto, quando mais nova, já tinha sofrido discriminação no colégio particular em que estuda até hoje. Daniela Sodral, tia de Maria Eduarda, aponta que a situação melhorou após o colégio começar programas contra discriminação e de inclusão de minorias.

Janine lembra que não há racismo mais ou menos errado, todos são danosos. Porém, ela lembra que quando o caso acontece contra um jovem, a proporção é outra: "Quando se é jovem, há a questão de autoestima que ainda está em construção. A gente muda muito nessa fase da vida. Estamos nos descobrindo. Então, afeta muito a autoestima causando muitas inseguranças". Maria Eduarda não se sentiu mais confortável em voltar ao Anhembi Tênis Clube.

Desde o dia do acontecimento, a família busca providências com base no próprio Estatuto do clube que estabelece a manutenção da "boa conduta moral" e o "respeito aos associados do clube". Desde a emissão de uma nota de repúdio até a suspensão do associado acusado de racismo, algumas alternativas foram sugeridas pelos parentes de Maria Eduarda, que reclamam da forma que o clube lidou com a situação.

"O meu sentimento é de indignação. Eu sempre admirei o clube, mas estou me sentindo desprotegida com essa diretoria executiva. Me sinto preocupada e frustrada. Gostaria que entendessem que o racismo é estrutural e que ele vem de todas as formas, não importa se é mais ou menos explícito", desabafa Daniela que também é associada do clube.

No dia 7 de junho, o clube chegou a publicar em seu site uma nota intitulada "Racismo é crime". "Devido à extrema importância do assunto, todos os fatos, evidências e provas disponíveis serão minuciosamente examinados de maneira imparcial", diz a nota. No fim das contas, o clube abriu uma sindicância para apurar a denúncia de racismo. Depois de algumas semanas aberta, a sindicância foi encerrada e dada como inconclusiva, mesmo o local da ocorrência tendo câmeras de segurança. Nas redes sociais, outros associados protestaram. E esta reportagem também aguarda posicionamento oficial do clube.

COMO SE LETRAR RACIALMENTE?

Para especialistas, o caminho está no chamado letramento racial. "O letramento racial é uma prática de leitura de mundo, que coloca no centro da análise a questão racial. Ela nos ajuda a compreender como as relações são atravessadas pelo racismo", explica o pedagogo Davison Souza. Nesse contexto, o letramento racial aparece como uma ferramenta-ação, ou seja, demanda esforços também práticos para combater o racismo.

"Olhar para um clube, ver uma pessoa negra ali e automaticamente achar que ela está ali servindo, isso faz parte de um letramento, que tem a ver com o modus operandi do raciocínio. O problema é que o modus operandi do raciocínio de certas pessoas é racista. A gente precisa ter um letramento racial para ter mais acesso a essas realidades", afirma Janine, que também defende a problematização da ausência de pessoas negras em certos espaços e a responsabilização por parte da sociedade civil no caso de crimes de racismo.

Em artigo publicado no site Geledés, André Lemos, licenciado em História pela UFRJ, aponta que o letramento racial é um conceito que surgiu entre o final dos anos 1990 e começo dos anos 2000 e partiu da pesquisadora norte-americana France Winddance Twine. Entre os pilares dessa teoria, está o reconhecimento de que identidades raciais são aprendidas e são consequência das práticas sociais. Ser letrado racialmente é saber interpretar códigos raciais e práticas realizadas.

"Nem todo racismo é explícito. Boa parte dos casos de racismo que acontecem no dia a dia são implícitos. Sem o letramento racial devido, não conseguimos detectar esse racismo de imediato", aponta Davison.

Além do letramento, outra iniciativa que se faz necessária é a de campanhas. Campanhas por corredores, vestiários, restaurantes e lanchonetes, salas de ginásticas. Todo e qualquer espaços de grande circulação deveria ganhar cartazes que promovam a reflexão e desconstrução do racismo.

As campanhas precisam ser constantes e clubes como o Atlético, Pinheiros e/ou Paineiras precisam, urgentemente, deixar claro que racismo é crime e episódios como o que sofreu a Maria Eduarda são inadmissíveis dentro de seus espaços. Ponto.

* colaborou André Derviche

A denúncia de racismo sofrida por uma jovem de 18 anos em clube social localizado na zona oeste de São Paulo reacende a urgência do letramento da sociedade e campanhas antirracistas em espaços privados

O racismo estrutural faz com que a presença de pessoas negras nem sempre seja "bem-vista" em certos lugares.

Isso porque, historicamente, existe um preconceito e uma discriminação racial que estão consolidados na nossa organização social. O que isso quer dizer? Quer dizer que a sociedade na qual vivemos foi construída e organizada de tal forma que os brancos se beneficiavam - e se beneficiam - dos negros. Ele é resultado de um funcionamento que estabelece um conjunto de práticas, hábitos, falas e ações que promovem, mesmo sem a intenção de, a exclusão dos negros na sociedade de maneira bem ampla.

Dentre as inúmeras consequências do racismo, a desigualdade social instalada entre brancos e negros é o que faz alguns "estranharem" a presença de negros em "ambientes de brancos". O não ser "bem-vista" tem origem nesta explicação simplista.

É deste contexto que, cotidianamente, negros são vistos como empregados, funcionários e até ladrões por muitos brancos. Nos diversos cenários, a expressão desta visão ou pensamento é um ato racista. Ato que alguns o manifestam o abertamente.

É o caso do episódio racista sofrido por Maria Eduarda, uma adolescente de 18, dentro do Anhembi Tênis Clube, localizado no Alto de Pinheiros, zona oeste de São Paulo, do qual ela e a mãe são sócias há 4 anos. O ocorrido aconteceu dia 19 de maio, há pouco mais de um mês, e ele reacende a necessidade de olharmos para um fenômeno que se repete: casos de racismo dentro de espaços elitizados.

Não é a primeira vez que vem à tona um caso de racismo praticado dentro de um clube social. Existe uma certa recorrência, infelizmente, e para especialistas o letramento racial é um caminho necessário, assim como campanhas antirracistas dentro dos ambientes.

Maria Eduarda estava no bar do clube enquanto esperava a mãe sair do treino de vôlei quando foi abordada por um homem branco que a questionou se ela era Jovem Aprendiz. Vendo a cara confusa da garota, um outro homem branco "esclareceu" e perguntou se ela era a garçonete nova. "Não é porque minha filha é negra que ela está aqui para te servir, o que não teria nenhum demérito em fazer", explicou Adriana Sobral Rodrigues ao também sócio depois de encontrar a filha e saber o que tinha acontecido.

O caso explicita como certos espaços resistem à presença negra. A mensalidade de um clube como o Anhembi Tênis Clube é de cerca de R$ 1 mil, o que o faz esse tipo de espaço ser frequentado por pessoas de classe mais alta, consequentemente, com menos pessoas negras. Para se ter ideia, no mural de sócios no portal do clube, um associado anunciou a venda de um título familiar por R$ 75 mil. É nesse contexto que casos de racismo aparecem.

Segundo pesquisa, 81% dos brasileiros veem racismo, mas apenas 34% admitem o preconceito contra negros. Imagem: FreePik  

Em fevereiro de 2020, por exemplo, o jornalista Rodrigo Bocardi, enquanto conversava ao vivo com um atleta negro do clube Pinheiros, achou que o jovem era um catador de bolinhas das quadras de tênis que ele frequentava. Bocardi se defendeu dizendo que o jovem usava a mesma roupa que o catador de bolinhas. Já em maio de 2021, uma discussão em uma quadra de tênis no clube Paineiras do Morumby escalou para ofensas racistas por parte de um dos envolvidos, segundo os próprios autos do processo.

A EXPRESSÃO DO RACISMO ESTRUTURAL

Para a educadora e fundadora da Piraporiando, Janine Rodrigues, esse fenômeno tem relação com a história do Brasil: "As pessoas negras ocupam um determinado lugar no imaginário da sociedade brasileira que é racista. Quando essa pessoa não está no lugar de servir, manifestações racistas vêm à tona de maneira muito expressiva". Ela lembra que a presença de pessoas negras não é naturalizada em todos os ambientes, o que a afasta de espaços de decisão e de poder na sociedade.

Um agravante no caso de Maria Eduarda é a sua idade. Segundo a família, essa foi a primeira vez que a jovem foi vítima de racismo no clube em questão. No entanto, quando mais nova, já tinha sofrido discriminação no colégio particular em que estuda até hoje. Daniela Sodral, tia de Maria Eduarda, aponta que a situação melhorou após o colégio começar programas contra discriminação e de inclusão de minorias.

Janine lembra que não há racismo mais ou menos errado, todos são danosos. Porém, ela lembra que quando o caso acontece contra um jovem, a proporção é outra: "Quando se é jovem, há a questão de autoestima que ainda está em construção. A gente muda muito nessa fase da vida. Estamos nos descobrindo. Então, afeta muito a autoestima causando muitas inseguranças". Maria Eduarda não se sentiu mais confortável em voltar ao Anhembi Tênis Clube.

Desde o dia do acontecimento, a família busca providências com base no próprio Estatuto do clube que estabelece a manutenção da "boa conduta moral" e o "respeito aos associados do clube". Desde a emissão de uma nota de repúdio até a suspensão do associado acusado de racismo, algumas alternativas foram sugeridas pelos parentes de Maria Eduarda, que reclamam da forma que o clube lidou com a situação.

"O meu sentimento é de indignação. Eu sempre admirei o clube, mas estou me sentindo desprotegida com essa diretoria executiva. Me sinto preocupada e frustrada. Gostaria que entendessem que o racismo é estrutural e que ele vem de todas as formas, não importa se é mais ou menos explícito", desabafa Daniela que também é associada do clube.

No dia 7 de junho, o clube chegou a publicar em seu site uma nota intitulada "Racismo é crime". "Devido à extrema importância do assunto, todos os fatos, evidências e provas disponíveis serão minuciosamente examinados de maneira imparcial", diz a nota. No fim das contas, o clube abriu uma sindicância para apurar a denúncia de racismo. Depois de algumas semanas aberta, a sindicância foi encerrada e dada como inconclusiva, mesmo o local da ocorrência tendo câmeras de segurança. Nas redes sociais, outros associados protestaram. E esta reportagem também aguarda posicionamento oficial do clube.

COMO SE LETRAR RACIALMENTE?

Para especialistas, o caminho está no chamado letramento racial. "O letramento racial é uma prática de leitura de mundo, que coloca no centro da análise a questão racial. Ela nos ajuda a compreender como as relações são atravessadas pelo racismo", explica o pedagogo Davison Souza. Nesse contexto, o letramento racial aparece como uma ferramenta-ação, ou seja, demanda esforços também práticos para combater o racismo.

"Olhar para um clube, ver uma pessoa negra ali e automaticamente achar que ela está ali servindo, isso faz parte de um letramento, que tem a ver com o modus operandi do raciocínio. O problema é que o modus operandi do raciocínio de certas pessoas é racista. A gente precisa ter um letramento racial para ter mais acesso a essas realidades", afirma Janine, que também defende a problematização da ausência de pessoas negras em certos espaços e a responsabilização por parte da sociedade civil no caso de crimes de racismo.

Em artigo publicado no site Geledés, André Lemos, licenciado em História pela UFRJ, aponta que o letramento racial é um conceito que surgiu entre o final dos anos 1990 e começo dos anos 2000 e partiu da pesquisadora norte-americana France Winddance Twine. Entre os pilares dessa teoria, está o reconhecimento de que identidades raciais são aprendidas e são consequência das práticas sociais. Ser letrado racialmente é saber interpretar códigos raciais e práticas realizadas.

"Nem todo racismo é explícito. Boa parte dos casos de racismo que acontecem no dia a dia são implícitos. Sem o letramento racial devido, não conseguimos detectar esse racismo de imediato", aponta Davison.

Além do letramento, outra iniciativa que se faz necessária é a de campanhas. Campanhas por corredores, vestiários, restaurantes e lanchonetes, salas de ginásticas. Todo e qualquer espaços de grande circulação deveria ganhar cartazes que promovam a reflexão e desconstrução do racismo.

As campanhas precisam ser constantes e clubes como o Atlético, Pinheiros e/ou Paineiras precisam, urgentemente, deixar claro que racismo é crime e episódios como o que sofreu a Maria Eduarda são inadmissíveis dentro de seus espaços. Ponto.

* colaborou André Derviche

A denúncia de racismo sofrida por uma jovem de 18 anos em clube social localizado na zona oeste de São Paulo reacende a urgência do letramento da sociedade e campanhas antirracistas em espaços privados

O racismo estrutural faz com que a presença de pessoas negras nem sempre seja "bem-vista" em certos lugares.

Isso porque, historicamente, existe um preconceito e uma discriminação racial que estão consolidados na nossa organização social. O que isso quer dizer? Quer dizer que a sociedade na qual vivemos foi construída e organizada de tal forma que os brancos se beneficiavam - e se beneficiam - dos negros. Ele é resultado de um funcionamento que estabelece um conjunto de práticas, hábitos, falas e ações que promovem, mesmo sem a intenção de, a exclusão dos negros na sociedade de maneira bem ampla.

Dentre as inúmeras consequências do racismo, a desigualdade social instalada entre brancos e negros é o que faz alguns "estranharem" a presença de negros em "ambientes de brancos". O não ser "bem-vista" tem origem nesta explicação simplista.

É deste contexto que, cotidianamente, negros são vistos como empregados, funcionários e até ladrões por muitos brancos. Nos diversos cenários, a expressão desta visão ou pensamento é um ato racista. Ato que alguns o manifestam o abertamente.

É o caso do episódio racista sofrido por Maria Eduarda, uma adolescente de 18, dentro do Anhembi Tênis Clube, localizado no Alto de Pinheiros, zona oeste de São Paulo, do qual ela e a mãe são sócias há 4 anos. O ocorrido aconteceu dia 19 de maio, há pouco mais de um mês, e ele reacende a necessidade de olharmos para um fenômeno que se repete: casos de racismo dentro de espaços elitizados.

Não é a primeira vez que vem à tona um caso de racismo praticado dentro de um clube social. Existe uma certa recorrência, infelizmente, e para especialistas o letramento racial é um caminho necessário, assim como campanhas antirracistas dentro dos ambientes.

Maria Eduarda estava no bar do clube enquanto esperava a mãe sair do treino de vôlei quando foi abordada por um homem branco que a questionou se ela era Jovem Aprendiz. Vendo a cara confusa da garota, um outro homem branco "esclareceu" e perguntou se ela era a garçonete nova. "Não é porque minha filha é negra que ela está aqui para te servir, o que não teria nenhum demérito em fazer", explicou Adriana Sobral Rodrigues ao também sócio depois de encontrar a filha e saber o que tinha acontecido.

O caso explicita como certos espaços resistem à presença negra. A mensalidade de um clube como o Anhembi Tênis Clube é de cerca de R$ 1 mil, o que o faz esse tipo de espaço ser frequentado por pessoas de classe mais alta, consequentemente, com menos pessoas negras. Para se ter ideia, no mural de sócios no portal do clube, um associado anunciou a venda de um título familiar por R$ 75 mil. É nesse contexto que casos de racismo aparecem.

Segundo pesquisa, 81% dos brasileiros veem racismo, mas apenas 34% admitem o preconceito contra negros. Imagem: FreePik  

Em fevereiro de 2020, por exemplo, o jornalista Rodrigo Bocardi, enquanto conversava ao vivo com um atleta negro do clube Pinheiros, achou que o jovem era um catador de bolinhas das quadras de tênis que ele frequentava. Bocardi se defendeu dizendo que o jovem usava a mesma roupa que o catador de bolinhas. Já em maio de 2021, uma discussão em uma quadra de tênis no clube Paineiras do Morumby escalou para ofensas racistas por parte de um dos envolvidos, segundo os próprios autos do processo.

A EXPRESSÃO DO RACISMO ESTRUTURAL

Para a educadora e fundadora da Piraporiando, Janine Rodrigues, esse fenômeno tem relação com a história do Brasil: "As pessoas negras ocupam um determinado lugar no imaginário da sociedade brasileira que é racista. Quando essa pessoa não está no lugar de servir, manifestações racistas vêm à tona de maneira muito expressiva". Ela lembra que a presença de pessoas negras não é naturalizada em todos os ambientes, o que a afasta de espaços de decisão e de poder na sociedade.

Um agravante no caso de Maria Eduarda é a sua idade. Segundo a família, essa foi a primeira vez que a jovem foi vítima de racismo no clube em questão. No entanto, quando mais nova, já tinha sofrido discriminação no colégio particular em que estuda até hoje. Daniela Sodral, tia de Maria Eduarda, aponta que a situação melhorou após o colégio começar programas contra discriminação e de inclusão de minorias.

Janine lembra que não há racismo mais ou menos errado, todos são danosos. Porém, ela lembra que quando o caso acontece contra um jovem, a proporção é outra: "Quando se é jovem, há a questão de autoestima que ainda está em construção. A gente muda muito nessa fase da vida. Estamos nos descobrindo. Então, afeta muito a autoestima causando muitas inseguranças". Maria Eduarda não se sentiu mais confortável em voltar ao Anhembi Tênis Clube.

Desde o dia do acontecimento, a família busca providências com base no próprio Estatuto do clube que estabelece a manutenção da "boa conduta moral" e o "respeito aos associados do clube". Desde a emissão de uma nota de repúdio até a suspensão do associado acusado de racismo, algumas alternativas foram sugeridas pelos parentes de Maria Eduarda, que reclamam da forma que o clube lidou com a situação.

"O meu sentimento é de indignação. Eu sempre admirei o clube, mas estou me sentindo desprotegida com essa diretoria executiva. Me sinto preocupada e frustrada. Gostaria que entendessem que o racismo é estrutural e que ele vem de todas as formas, não importa se é mais ou menos explícito", desabafa Daniela que também é associada do clube.

No dia 7 de junho, o clube chegou a publicar em seu site uma nota intitulada "Racismo é crime". "Devido à extrema importância do assunto, todos os fatos, evidências e provas disponíveis serão minuciosamente examinados de maneira imparcial", diz a nota. No fim das contas, o clube abriu uma sindicância para apurar a denúncia de racismo. Depois de algumas semanas aberta, a sindicância foi encerrada e dada como inconclusiva, mesmo o local da ocorrência tendo câmeras de segurança. Nas redes sociais, outros associados protestaram. E esta reportagem também aguarda posicionamento oficial do clube.

COMO SE LETRAR RACIALMENTE?

Para especialistas, o caminho está no chamado letramento racial. "O letramento racial é uma prática de leitura de mundo, que coloca no centro da análise a questão racial. Ela nos ajuda a compreender como as relações são atravessadas pelo racismo", explica o pedagogo Davison Souza. Nesse contexto, o letramento racial aparece como uma ferramenta-ação, ou seja, demanda esforços também práticos para combater o racismo.

"Olhar para um clube, ver uma pessoa negra ali e automaticamente achar que ela está ali servindo, isso faz parte de um letramento, que tem a ver com o modus operandi do raciocínio. O problema é que o modus operandi do raciocínio de certas pessoas é racista. A gente precisa ter um letramento racial para ter mais acesso a essas realidades", afirma Janine, que também defende a problematização da ausência de pessoas negras em certos espaços e a responsabilização por parte da sociedade civil no caso de crimes de racismo.

Em artigo publicado no site Geledés, André Lemos, licenciado em História pela UFRJ, aponta que o letramento racial é um conceito que surgiu entre o final dos anos 1990 e começo dos anos 2000 e partiu da pesquisadora norte-americana France Winddance Twine. Entre os pilares dessa teoria, está o reconhecimento de que identidades raciais são aprendidas e são consequência das práticas sociais. Ser letrado racialmente é saber interpretar códigos raciais e práticas realizadas.

"Nem todo racismo é explícito. Boa parte dos casos de racismo que acontecem no dia a dia são implícitos. Sem o letramento racial devido, não conseguimos detectar esse racismo de imediato", aponta Davison.

Além do letramento, outra iniciativa que se faz necessária é a de campanhas. Campanhas por corredores, vestiários, restaurantes e lanchonetes, salas de ginásticas. Todo e qualquer espaços de grande circulação deveria ganhar cartazes que promovam a reflexão e desconstrução do racismo.

As campanhas precisam ser constantes e clubes como o Atlético, Pinheiros e/ou Paineiras precisam, urgentemente, deixar claro que racismo é crime e episódios como o que sofreu a Maria Eduarda são inadmissíveis dentro de seus espaços. Ponto.

* colaborou André Derviche

A denúncia de racismo sofrida por uma jovem de 18 anos em clube social localizado na zona oeste de São Paulo reacende a urgência do letramento da sociedade e campanhas antirracistas em espaços privados

O racismo estrutural faz com que a presença de pessoas negras nem sempre seja "bem-vista" em certos lugares.

Isso porque, historicamente, existe um preconceito e uma discriminação racial que estão consolidados na nossa organização social. O que isso quer dizer? Quer dizer que a sociedade na qual vivemos foi construída e organizada de tal forma que os brancos se beneficiavam - e se beneficiam - dos negros. Ele é resultado de um funcionamento que estabelece um conjunto de práticas, hábitos, falas e ações que promovem, mesmo sem a intenção de, a exclusão dos negros na sociedade de maneira bem ampla.

Dentre as inúmeras consequências do racismo, a desigualdade social instalada entre brancos e negros é o que faz alguns "estranharem" a presença de negros em "ambientes de brancos". O não ser "bem-vista" tem origem nesta explicação simplista.

É deste contexto que, cotidianamente, negros são vistos como empregados, funcionários e até ladrões por muitos brancos. Nos diversos cenários, a expressão desta visão ou pensamento é um ato racista. Ato que alguns o manifestam o abertamente.

É o caso do episódio racista sofrido por Maria Eduarda, uma adolescente de 18, dentro do Anhembi Tênis Clube, localizado no Alto de Pinheiros, zona oeste de São Paulo, do qual ela e a mãe são sócias há 4 anos. O ocorrido aconteceu dia 19 de maio, há pouco mais de um mês, e ele reacende a necessidade de olharmos para um fenômeno que se repete: casos de racismo dentro de espaços elitizados.

Não é a primeira vez que vem à tona um caso de racismo praticado dentro de um clube social. Existe uma certa recorrência, infelizmente, e para especialistas o letramento racial é um caminho necessário, assim como campanhas antirracistas dentro dos ambientes.

Maria Eduarda estava no bar do clube enquanto esperava a mãe sair do treino de vôlei quando foi abordada por um homem branco que a questionou se ela era Jovem Aprendiz. Vendo a cara confusa da garota, um outro homem branco "esclareceu" e perguntou se ela era a garçonete nova. "Não é porque minha filha é negra que ela está aqui para te servir, o que não teria nenhum demérito em fazer", explicou Adriana Sobral Rodrigues ao também sócio depois de encontrar a filha e saber o que tinha acontecido.

O caso explicita como certos espaços resistem à presença negra. A mensalidade de um clube como o Anhembi Tênis Clube é de cerca de R$ 1 mil, o que o faz esse tipo de espaço ser frequentado por pessoas de classe mais alta, consequentemente, com menos pessoas negras. Para se ter ideia, no mural de sócios no portal do clube, um associado anunciou a venda de um título familiar por R$ 75 mil. É nesse contexto que casos de racismo aparecem.

Segundo pesquisa, 81% dos brasileiros veem racismo, mas apenas 34% admitem o preconceito contra negros. Imagem: FreePik  

Em fevereiro de 2020, por exemplo, o jornalista Rodrigo Bocardi, enquanto conversava ao vivo com um atleta negro do clube Pinheiros, achou que o jovem era um catador de bolinhas das quadras de tênis que ele frequentava. Bocardi se defendeu dizendo que o jovem usava a mesma roupa que o catador de bolinhas. Já em maio de 2021, uma discussão em uma quadra de tênis no clube Paineiras do Morumby escalou para ofensas racistas por parte de um dos envolvidos, segundo os próprios autos do processo.

A EXPRESSÃO DO RACISMO ESTRUTURAL

Para a educadora e fundadora da Piraporiando, Janine Rodrigues, esse fenômeno tem relação com a história do Brasil: "As pessoas negras ocupam um determinado lugar no imaginário da sociedade brasileira que é racista. Quando essa pessoa não está no lugar de servir, manifestações racistas vêm à tona de maneira muito expressiva". Ela lembra que a presença de pessoas negras não é naturalizada em todos os ambientes, o que a afasta de espaços de decisão e de poder na sociedade.

Um agravante no caso de Maria Eduarda é a sua idade. Segundo a família, essa foi a primeira vez que a jovem foi vítima de racismo no clube em questão. No entanto, quando mais nova, já tinha sofrido discriminação no colégio particular em que estuda até hoje. Daniela Sodral, tia de Maria Eduarda, aponta que a situação melhorou após o colégio começar programas contra discriminação e de inclusão de minorias.

Janine lembra que não há racismo mais ou menos errado, todos são danosos. Porém, ela lembra que quando o caso acontece contra um jovem, a proporção é outra: "Quando se é jovem, há a questão de autoestima que ainda está em construção. A gente muda muito nessa fase da vida. Estamos nos descobrindo. Então, afeta muito a autoestima causando muitas inseguranças". Maria Eduarda não se sentiu mais confortável em voltar ao Anhembi Tênis Clube.

Desde o dia do acontecimento, a família busca providências com base no próprio Estatuto do clube que estabelece a manutenção da "boa conduta moral" e o "respeito aos associados do clube". Desde a emissão de uma nota de repúdio até a suspensão do associado acusado de racismo, algumas alternativas foram sugeridas pelos parentes de Maria Eduarda, que reclamam da forma que o clube lidou com a situação.

"O meu sentimento é de indignação. Eu sempre admirei o clube, mas estou me sentindo desprotegida com essa diretoria executiva. Me sinto preocupada e frustrada. Gostaria que entendessem que o racismo é estrutural e que ele vem de todas as formas, não importa se é mais ou menos explícito", desabafa Daniela que também é associada do clube.

No dia 7 de junho, o clube chegou a publicar em seu site uma nota intitulada "Racismo é crime". "Devido à extrema importância do assunto, todos os fatos, evidências e provas disponíveis serão minuciosamente examinados de maneira imparcial", diz a nota. No fim das contas, o clube abriu uma sindicância para apurar a denúncia de racismo. Depois de algumas semanas aberta, a sindicância foi encerrada e dada como inconclusiva, mesmo o local da ocorrência tendo câmeras de segurança. Nas redes sociais, outros associados protestaram. E esta reportagem também aguarda posicionamento oficial do clube.

COMO SE LETRAR RACIALMENTE?

Para especialistas, o caminho está no chamado letramento racial. "O letramento racial é uma prática de leitura de mundo, que coloca no centro da análise a questão racial. Ela nos ajuda a compreender como as relações são atravessadas pelo racismo", explica o pedagogo Davison Souza. Nesse contexto, o letramento racial aparece como uma ferramenta-ação, ou seja, demanda esforços também práticos para combater o racismo.

"Olhar para um clube, ver uma pessoa negra ali e automaticamente achar que ela está ali servindo, isso faz parte de um letramento, que tem a ver com o modus operandi do raciocínio. O problema é que o modus operandi do raciocínio de certas pessoas é racista. A gente precisa ter um letramento racial para ter mais acesso a essas realidades", afirma Janine, que também defende a problematização da ausência de pessoas negras em certos espaços e a responsabilização por parte da sociedade civil no caso de crimes de racismo.

Em artigo publicado no site Geledés, André Lemos, licenciado em História pela UFRJ, aponta que o letramento racial é um conceito que surgiu entre o final dos anos 1990 e começo dos anos 2000 e partiu da pesquisadora norte-americana France Winddance Twine. Entre os pilares dessa teoria, está o reconhecimento de que identidades raciais são aprendidas e são consequência das práticas sociais. Ser letrado racialmente é saber interpretar códigos raciais e práticas realizadas.

"Nem todo racismo é explícito. Boa parte dos casos de racismo que acontecem no dia a dia são implícitos. Sem o letramento racial devido, não conseguimos detectar esse racismo de imediato", aponta Davison.

Além do letramento, outra iniciativa que se faz necessária é a de campanhas. Campanhas por corredores, vestiários, restaurantes e lanchonetes, salas de ginásticas. Todo e qualquer espaços de grande circulação deveria ganhar cartazes que promovam a reflexão e desconstrução do racismo.

As campanhas precisam ser constantes e clubes como o Atlético, Pinheiros e/ou Paineiras precisam, urgentemente, deixar claro que racismo é crime e episódios como o que sofreu a Maria Eduarda são inadmissíveis dentro de seus espaços. Ponto.

* colaborou André Derviche

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