Comportamento Adolescente e Educação

Jovens falam sobre violência sexual nas escolas


Por Carolina Delboni

Projeto mobiliza adolescentes e jovens através de oficinas e rodas de conversa em escolas públicas a falar sobre exploração sexual

Assuntos urgentes costumam exigir boas conversas para gerar o que se chama de movimento de transformação. É só a partir deste lugar que é possível provocar mudanças que tenham impacto social. Quando falamos sobre exploração sexual de crianças e adolescentes, o curso não muda. É preciso falar, falar e falar. Seja na mídia, seja nos pontos de maior foco de exploração, seja entre famílias, com quem os cerca e seja, principalmente, com os jovens que são o principal alvo desse círculo cruel.

O Brasil ocupa a infeliz posição de segundo país com os maiores índices de exploração sexual de crianças e adolescentes. Estamos atrás da Tailândia. Mas o assunto é velado. Talvez pela tamanha crueldade que ele esconde. Ouve-se dizer, alguém contar, mas não se vê para crer. E é difícil crer numa realidade que somou mais de 175mil casos entre 2012 e 2016, segundo balanço do Disque 100. Sendo 67,7% das crianças e jovens que sofreram abuso e exploração sexuais são meninas. Os casos em que o sexo da criança não foi informado somam 15,79%. A maioria dos casos (40%) ocorreram com crianças entre 0 a 11 anos, seguidas por 12 a 14 anos (30,3%) e de 15 a 17 (20,09%). Pode se chocar.

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É preciso que existam políticas públicas urgentes de prevenção para combater o crime. E é preciso desnaturalizar a exploração como algo aceitável. Não é normal explorar sexualmente nenhuma criança ou adolescente. Ainda que uma adolescente de 16 anos diga "sim", é crime! Diga "não". E é preciso dizer "não" em alto e bom som para que mais e mais pessoas escutem. É preciso pôr o assunto em rodas de conversa e debates para que a questão seja, de fato, enfrentada com a seriedade que ela pede. Essa é a primeira missão do Instituto Liberta. "Fazer o Brasil falar sobre esse assunto. Enquanto exploração sexual de crianças e adolescentes não for reconhecido como um grande problema, não haverá solução", reforça Luciana Temer, presidente do Instituto que trabalha no enfrentamento da exploração sexual de crianças e adolescentes.

Pensando justamente nisso, o Instituto criou o Tá Na Hora, um programa de oficinas dedicadas aos jovens do Ensino Médio de Escolas Estaduais de São Paulo. Estudantes de seis escolas do Estado participaram de um processo imersivo na temática da exploração sexual. Os jovens tinham ainda um desafio: criar e colocar em prática uma campanha de conscientização que impactasse o maior número de pessoas na escola e em suas comunidades.

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Grafite produzido pelos alunos da Escola Estadual República do Panamá, Capão Redondo - São Paulo. Foto: Isabella Cruvinel.

Não é preciso nem dizer que o resultado é dos mais lindos de ver. Pelo imenso fato desses jovens terem internalizado, ao longo de meses do processo, a importância de falar sobre o tema e mais, de agir sobre ele. E o quanto eles, agora, também são fortes mobilizadores dessa consciência e mudança social. "É o grande mérito do Tá na Hora, em permitir que o jovem chegue às suas conclusões sobre o que ele entende como violência sexual e legitimá-lo a usar sua própria voz para falar do assunto", fala Luciana.

O projeto foi liderado por Amanda Sadalla, administradora pública que tem dedicado sua potência em a violência doméstica e a exploração sexual de crianças e jovens. Um projeto feito para os estudantes, os quais, a partir de suas dúvidas e curiosidades, foram provocados a deixarem preconceitos e resistências, para vivenciarem a construção de uma solução para um desafio que até então, conviviam, mas não olhavam. "Foram quatro meses em que percorri cidades de interior, áreas rurais e periferias realizando oficinas com estudantes de 12 a 17 anos, em escolas públicas", conta Amanda.

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E o que é exploração sexual? A pergunta foi disparadora e como parte do processo, os alunos entrevistaram pais, vizinhos e professores. "A grande maioria não sabia responder à pergunta ou se recusam a responder, culpando a vítima, dizendo coisas como 'se dois não querem, um não faz'", conta Amanda. Como resposta, os alunos trouxeram, muitas vezes, a raiva e o inconformismo. "É neste momento que entro na conversa e trago a reflexão que move o projeto: Como pegamos a raiva que vocês estão sentindo e a transformamos em ação para mudar a forma como essas pessoas pensam e tratam a vítima?".

As turmas precisavam criar projetos para conscientizar o maior número de pessoas de seus bairros e cidades sobre a temática de violência sexual, em especial, a exploração sexual infantil. Aquela que ocorre quando crianças e adolescentes recebem dinheiro, comida, drogas e até mesmo um telefone celular em troca de sexo. E justamente por conta desta troca é que muitos tem tanta dificuldade de ver a vítima como vítima. Socialmente, ela passa a ser a prostituta, afinal está trabalhando. "A Convenção 182 da OIT considera a prostituição uma das piores formas de trabalho infantil", lembra Luciana Temer. Meninas de 12 anos que transam com homens em troca de R$10,00. É preciso pensar nessa menina com mais empatia.

Para assegurar a quebra de preconceitos, as oficinas envolveram atividades de reflexão, autoconhecimento e a prática da empatia para com a vítima. Os alunos discutiram políticas públicas, foram provocados a conhecerem as redes de atendimento de suas cidades e checarem se os serviços de atendimento às vítimas de fato funcionam. Marcaram reuniões com Conselheiros Tutelares, Assistentes Sociais, médicos e até com prefeito. "Em Gabriel Monteiro, uma cidade de aproximadamente 2500 habitantes, os alunos bateram na porta do prefeito para perguntar 'O que a cidade tem feito para enfrentar a exploração sexual?'". Na mesma cidade, a turma de 37 alunos produziu um vídeo que foi exibido durante a tradicional quermesse realizada da cidade. Uma das alunas conta que "um dia, quando tinha 15 anos, entreguei currículos no shopping, estava procurando um emprego. À noite, um homem me ligou perguntando se eu topava sair com outros homens em troca de um dinheiro. Eu não entendi o que aquilo significava. Hoje entendi que isso é exploração sexual"

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Grafite produzido pelos alunos da Diretoria de Ensino de Piraju na cidade de Sarutaiá. Foto: Estadão

Os estudantes também grafitaram os muros de escolas e das ruas com mensagens e desenhos. Sempre alertando para o tema e incentivando as vítimas a pedirem ajuda. Em Ribeirão Preto, enquanto as alunas ainda terminavam o grafite, uma mulher que passava, parou para ler as mensagens. "Muito emocionada, diz para as alunas 'Estudei nessa escola e nunca tive a oportunidade de falar sobre as violências que sofria como menina e hoje sofro como mulher'", conta Amanda.

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Os depoimentos dos alunos revelam o quanto o projeto transformou e mobilizou esses jovens. "Eu não tinha ideia do que é a exploração sexual. Pra mim, se a menina ganhava algo em troca ela era prostituta. Hoje eu enxergo com outros olhos, vejo essa menina como uma vítima, tento entender o que está por trás e como ajudá-la a buscar outras saídas", fala uma das alunas. "Hoje eu entendo que tenho direitos sobre o meu corpo. Aprendi a dizer não. Eu não quero ouvir de um homem que eu sou "novinha gostosa dele'. Aprendi o que significa o consentimento em uma relação, a empatia comigo mesma e com outras meninas", fala outra. "Antes do projeto eu nunca tinha parado pra pensar no quanto a pornografia incentiva o sexo violento. Hoje entendo que as relações não precisam ser como a pornografia mostra, precisam envolver o respeito", fala um aluno.

Ao longo de quatro meses, foram 52 oficinas, em que 300 estudantes de diferentes cidades impactaram, não só a si mesmos, como toda comunidade ao redor. Jovens, não só ganharam o espaço de fala dentro das escolas, como se tornaram multiplicadores do conhecimento, em suas comunidades. São estudantes de Ensino Fundamental e Médio que hoje gritam para o mundo: Até quando? Porque tá mais do que na hora de falar sobre a exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil.

Projeto mobiliza adolescentes e jovens através de oficinas e rodas de conversa em escolas públicas a falar sobre exploração sexual

Assuntos urgentes costumam exigir boas conversas para gerar o que se chama de movimento de transformação. É só a partir deste lugar que é possível provocar mudanças que tenham impacto social. Quando falamos sobre exploração sexual de crianças e adolescentes, o curso não muda. É preciso falar, falar e falar. Seja na mídia, seja nos pontos de maior foco de exploração, seja entre famílias, com quem os cerca e seja, principalmente, com os jovens que são o principal alvo desse círculo cruel.

O Brasil ocupa a infeliz posição de segundo país com os maiores índices de exploração sexual de crianças e adolescentes. Estamos atrás da Tailândia. Mas o assunto é velado. Talvez pela tamanha crueldade que ele esconde. Ouve-se dizer, alguém contar, mas não se vê para crer. E é difícil crer numa realidade que somou mais de 175mil casos entre 2012 e 2016, segundo balanço do Disque 100. Sendo 67,7% das crianças e jovens que sofreram abuso e exploração sexuais são meninas. Os casos em que o sexo da criança não foi informado somam 15,79%. A maioria dos casos (40%) ocorreram com crianças entre 0 a 11 anos, seguidas por 12 a 14 anos (30,3%) e de 15 a 17 (20,09%). Pode se chocar.

É preciso que existam políticas públicas urgentes de prevenção para combater o crime. E é preciso desnaturalizar a exploração como algo aceitável. Não é normal explorar sexualmente nenhuma criança ou adolescente. Ainda que uma adolescente de 16 anos diga "sim", é crime! Diga "não". E é preciso dizer "não" em alto e bom som para que mais e mais pessoas escutem. É preciso pôr o assunto em rodas de conversa e debates para que a questão seja, de fato, enfrentada com a seriedade que ela pede. Essa é a primeira missão do Instituto Liberta. "Fazer o Brasil falar sobre esse assunto. Enquanto exploração sexual de crianças e adolescentes não for reconhecido como um grande problema, não haverá solução", reforça Luciana Temer, presidente do Instituto que trabalha no enfrentamento da exploração sexual de crianças e adolescentes.

Pensando justamente nisso, o Instituto criou o Tá Na Hora, um programa de oficinas dedicadas aos jovens do Ensino Médio de Escolas Estaduais de São Paulo. Estudantes de seis escolas do Estado participaram de um processo imersivo na temática da exploração sexual. Os jovens tinham ainda um desafio: criar e colocar em prática uma campanha de conscientização que impactasse o maior número de pessoas na escola e em suas comunidades.

Grafite produzido pelos alunos da Escola Estadual República do Panamá, Capão Redondo - São Paulo. Foto: Isabella Cruvinel.

Não é preciso nem dizer que o resultado é dos mais lindos de ver. Pelo imenso fato desses jovens terem internalizado, ao longo de meses do processo, a importância de falar sobre o tema e mais, de agir sobre ele. E o quanto eles, agora, também são fortes mobilizadores dessa consciência e mudança social. "É o grande mérito do Tá na Hora, em permitir que o jovem chegue às suas conclusões sobre o que ele entende como violência sexual e legitimá-lo a usar sua própria voz para falar do assunto", fala Luciana.

O projeto foi liderado por Amanda Sadalla, administradora pública que tem dedicado sua potência em a violência doméstica e a exploração sexual de crianças e jovens. Um projeto feito para os estudantes, os quais, a partir de suas dúvidas e curiosidades, foram provocados a deixarem preconceitos e resistências, para vivenciarem a construção de uma solução para um desafio que até então, conviviam, mas não olhavam. "Foram quatro meses em que percorri cidades de interior, áreas rurais e periferias realizando oficinas com estudantes de 12 a 17 anos, em escolas públicas", conta Amanda.

E o que é exploração sexual? A pergunta foi disparadora e como parte do processo, os alunos entrevistaram pais, vizinhos e professores. "A grande maioria não sabia responder à pergunta ou se recusam a responder, culpando a vítima, dizendo coisas como 'se dois não querem, um não faz'", conta Amanda. Como resposta, os alunos trouxeram, muitas vezes, a raiva e o inconformismo. "É neste momento que entro na conversa e trago a reflexão que move o projeto: Como pegamos a raiva que vocês estão sentindo e a transformamos em ação para mudar a forma como essas pessoas pensam e tratam a vítima?".

As turmas precisavam criar projetos para conscientizar o maior número de pessoas de seus bairros e cidades sobre a temática de violência sexual, em especial, a exploração sexual infantil. Aquela que ocorre quando crianças e adolescentes recebem dinheiro, comida, drogas e até mesmo um telefone celular em troca de sexo. E justamente por conta desta troca é que muitos tem tanta dificuldade de ver a vítima como vítima. Socialmente, ela passa a ser a prostituta, afinal está trabalhando. "A Convenção 182 da OIT considera a prostituição uma das piores formas de trabalho infantil", lembra Luciana Temer. Meninas de 12 anos que transam com homens em troca de R$10,00. É preciso pensar nessa menina com mais empatia.

Para assegurar a quebra de preconceitos, as oficinas envolveram atividades de reflexão, autoconhecimento e a prática da empatia para com a vítima. Os alunos discutiram políticas públicas, foram provocados a conhecerem as redes de atendimento de suas cidades e checarem se os serviços de atendimento às vítimas de fato funcionam. Marcaram reuniões com Conselheiros Tutelares, Assistentes Sociais, médicos e até com prefeito. "Em Gabriel Monteiro, uma cidade de aproximadamente 2500 habitantes, os alunos bateram na porta do prefeito para perguntar 'O que a cidade tem feito para enfrentar a exploração sexual?'". Na mesma cidade, a turma de 37 alunos produziu um vídeo que foi exibido durante a tradicional quermesse realizada da cidade. Uma das alunas conta que "um dia, quando tinha 15 anos, entreguei currículos no shopping, estava procurando um emprego. À noite, um homem me ligou perguntando se eu topava sair com outros homens em troca de um dinheiro. Eu não entendi o que aquilo significava. Hoje entendi que isso é exploração sexual"

Grafite produzido pelos alunos da Diretoria de Ensino de Piraju na cidade de Sarutaiá. Foto: Estadão

Os estudantes também grafitaram os muros de escolas e das ruas com mensagens e desenhos. Sempre alertando para o tema e incentivando as vítimas a pedirem ajuda. Em Ribeirão Preto, enquanto as alunas ainda terminavam o grafite, uma mulher que passava, parou para ler as mensagens. "Muito emocionada, diz para as alunas 'Estudei nessa escola e nunca tive a oportunidade de falar sobre as violências que sofria como menina e hoje sofro como mulher'", conta Amanda.

Os depoimentos dos alunos revelam o quanto o projeto transformou e mobilizou esses jovens. "Eu não tinha ideia do que é a exploração sexual. Pra mim, se a menina ganhava algo em troca ela era prostituta. Hoje eu enxergo com outros olhos, vejo essa menina como uma vítima, tento entender o que está por trás e como ajudá-la a buscar outras saídas", fala uma das alunas. "Hoje eu entendo que tenho direitos sobre o meu corpo. Aprendi a dizer não. Eu não quero ouvir de um homem que eu sou "novinha gostosa dele'. Aprendi o que significa o consentimento em uma relação, a empatia comigo mesma e com outras meninas", fala outra. "Antes do projeto eu nunca tinha parado pra pensar no quanto a pornografia incentiva o sexo violento. Hoje entendo que as relações não precisam ser como a pornografia mostra, precisam envolver o respeito", fala um aluno.

Ao longo de quatro meses, foram 52 oficinas, em que 300 estudantes de diferentes cidades impactaram, não só a si mesmos, como toda comunidade ao redor. Jovens, não só ganharam o espaço de fala dentro das escolas, como se tornaram multiplicadores do conhecimento, em suas comunidades. São estudantes de Ensino Fundamental e Médio que hoje gritam para o mundo: Até quando? Porque tá mais do que na hora de falar sobre a exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil.

Projeto mobiliza adolescentes e jovens através de oficinas e rodas de conversa em escolas públicas a falar sobre exploração sexual

Assuntos urgentes costumam exigir boas conversas para gerar o que se chama de movimento de transformação. É só a partir deste lugar que é possível provocar mudanças que tenham impacto social. Quando falamos sobre exploração sexual de crianças e adolescentes, o curso não muda. É preciso falar, falar e falar. Seja na mídia, seja nos pontos de maior foco de exploração, seja entre famílias, com quem os cerca e seja, principalmente, com os jovens que são o principal alvo desse círculo cruel.

O Brasil ocupa a infeliz posição de segundo país com os maiores índices de exploração sexual de crianças e adolescentes. Estamos atrás da Tailândia. Mas o assunto é velado. Talvez pela tamanha crueldade que ele esconde. Ouve-se dizer, alguém contar, mas não se vê para crer. E é difícil crer numa realidade que somou mais de 175mil casos entre 2012 e 2016, segundo balanço do Disque 100. Sendo 67,7% das crianças e jovens que sofreram abuso e exploração sexuais são meninas. Os casos em que o sexo da criança não foi informado somam 15,79%. A maioria dos casos (40%) ocorreram com crianças entre 0 a 11 anos, seguidas por 12 a 14 anos (30,3%) e de 15 a 17 (20,09%). Pode se chocar.

É preciso que existam políticas públicas urgentes de prevenção para combater o crime. E é preciso desnaturalizar a exploração como algo aceitável. Não é normal explorar sexualmente nenhuma criança ou adolescente. Ainda que uma adolescente de 16 anos diga "sim", é crime! Diga "não". E é preciso dizer "não" em alto e bom som para que mais e mais pessoas escutem. É preciso pôr o assunto em rodas de conversa e debates para que a questão seja, de fato, enfrentada com a seriedade que ela pede. Essa é a primeira missão do Instituto Liberta. "Fazer o Brasil falar sobre esse assunto. Enquanto exploração sexual de crianças e adolescentes não for reconhecido como um grande problema, não haverá solução", reforça Luciana Temer, presidente do Instituto que trabalha no enfrentamento da exploração sexual de crianças e adolescentes.

Pensando justamente nisso, o Instituto criou o Tá Na Hora, um programa de oficinas dedicadas aos jovens do Ensino Médio de Escolas Estaduais de São Paulo. Estudantes de seis escolas do Estado participaram de um processo imersivo na temática da exploração sexual. Os jovens tinham ainda um desafio: criar e colocar em prática uma campanha de conscientização que impactasse o maior número de pessoas na escola e em suas comunidades.

Grafite produzido pelos alunos da Escola Estadual República do Panamá, Capão Redondo - São Paulo. Foto: Isabella Cruvinel.

Não é preciso nem dizer que o resultado é dos mais lindos de ver. Pelo imenso fato desses jovens terem internalizado, ao longo de meses do processo, a importância de falar sobre o tema e mais, de agir sobre ele. E o quanto eles, agora, também são fortes mobilizadores dessa consciência e mudança social. "É o grande mérito do Tá na Hora, em permitir que o jovem chegue às suas conclusões sobre o que ele entende como violência sexual e legitimá-lo a usar sua própria voz para falar do assunto", fala Luciana.

O projeto foi liderado por Amanda Sadalla, administradora pública que tem dedicado sua potência em a violência doméstica e a exploração sexual de crianças e jovens. Um projeto feito para os estudantes, os quais, a partir de suas dúvidas e curiosidades, foram provocados a deixarem preconceitos e resistências, para vivenciarem a construção de uma solução para um desafio que até então, conviviam, mas não olhavam. "Foram quatro meses em que percorri cidades de interior, áreas rurais e periferias realizando oficinas com estudantes de 12 a 17 anos, em escolas públicas", conta Amanda.

E o que é exploração sexual? A pergunta foi disparadora e como parte do processo, os alunos entrevistaram pais, vizinhos e professores. "A grande maioria não sabia responder à pergunta ou se recusam a responder, culpando a vítima, dizendo coisas como 'se dois não querem, um não faz'", conta Amanda. Como resposta, os alunos trouxeram, muitas vezes, a raiva e o inconformismo. "É neste momento que entro na conversa e trago a reflexão que move o projeto: Como pegamos a raiva que vocês estão sentindo e a transformamos em ação para mudar a forma como essas pessoas pensam e tratam a vítima?".

As turmas precisavam criar projetos para conscientizar o maior número de pessoas de seus bairros e cidades sobre a temática de violência sexual, em especial, a exploração sexual infantil. Aquela que ocorre quando crianças e adolescentes recebem dinheiro, comida, drogas e até mesmo um telefone celular em troca de sexo. E justamente por conta desta troca é que muitos tem tanta dificuldade de ver a vítima como vítima. Socialmente, ela passa a ser a prostituta, afinal está trabalhando. "A Convenção 182 da OIT considera a prostituição uma das piores formas de trabalho infantil", lembra Luciana Temer. Meninas de 12 anos que transam com homens em troca de R$10,00. É preciso pensar nessa menina com mais empatia.

Para assegurar a quebra de preconceitos, as oficinas envolveram atividades de reflexão, autoconhecimento e a prática da empatia para com a vítima. Os alunos discutiram políticas públicas, foram provocados a conhecerem as redes de atendimento de suas cidades e checarem se os serviços de atendimento às vítimas de fato funcionam. Marcaram reuniões com Conselheiros Tutelares, Assistentes Sociais, médicos e até com prefeito. "Em Gabriel Monteiro, uma cidade de aproximadamente 2500 habitantes, os alunos bateram na porta do prefeito para perguntar 'O que a cidade tem feito para enfrentar a exploração sexual?'". Na mesma cidade, a turma de 37 alunos produziu um vídeo que foi exibido durante a tradicional quermesse realizada da cidade. Uma das alunas conta que "um dia, quando tinha 15 anos, entreguei currículos no shopping, estava procurando um emprego. À noite, um homem me ligou perguntando se eu topava sair com outros homens em troca de um dinheiro. Eu não entendi o que aquilo significava. Hoje entendi que isso é exploração sexual"

Grafite produzido pelos alunos da Diretoria de Ensino de Piraju na cidade de Sarutaiá. Foto: Estadão

Os estudantes também grafitaram os muros de escolas e das ruas com mensagens e desenhos. Sempre alertando para o tema e incentivando as vítimas a pedirem ajuda. Em Ribeirão Preto, enquanto as alunas ainda terminavam o grafite, uma mulher que passava, parou para ler as mensagens. "Muito emocionada, diz para as alunas 'Estudei nessa escola e nunca tive a oportunidade de falar sobre as violências que sofria como menina e hoje sofro como mulher'", conta Amanda.

Os depoimentos dos alunos revelam o quanto o projeto transformou e mobilizou esses jovens. "Eu não tinha ideia do que é a exploração sexual. Pra mim, se a menina ganhava algo em troca ela era prostituta. Hoje eu enxergo com outros olhos, vejo essa menina como uma vítima, tento entender o que está por trás e como ajudá-la a buscar outras saídas", fala uma das alunas. "Hoje eu entendo que tenho direitos sobre o meu corpo. Aprendi a dizer não. Eu não quero ouvir de um homem que eu sou "novinha gostosa dele'. Aprendi o que significa o consentimento em uma relação, a empatia comigo mesma e com outras meninas", fala outra. "Antes do projeto eu nunca tinha parado pra pensar no quanto a pornografia incentiva o sexo violento. Hoje entendo que as relações não precisam ser como a pornografia mostra, precisam envolver o respeito", fala um aluno.

Ao longo de quatro meses, foram 52 oficinas, em que 300 estudantes de diferentes cidades impactaram, não só a si mesmos, como toda comunidade ao redor. Jovens, não só ganharam o espaço de fala dentro das escolas, como se tornaram multiplicadores do conhecimento, em suas comunidades. São estudantes de Ensino Fundamental e Médio que hoje gritam para o mundo: Até quando? Porque tá mais do que na hora de falar sobre a exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil.

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