Comportamento Adolescente e Educação

Luto na adolescência requer atenção, saiba como dar apoio


Por Carolina Delboni

Lidar com o luto de um adolescente não é o mesmo que de uma criança. É preciso respeitar as particularidades dessa fase para garantir escuta e cuidados específicos ao adolescente. Saiba como dar apoio

Era uma vez, o fim... Falar de morte é sempre uma dificuldade. A gente foge da palavra. Do sofrimento que ela carrega. Do peso que nem a gente, adulto, consegue dar conta. Falar de morte com os filhos é doído. A voz quase embarga e a gente não sabe lidar com tamanha dor.

Falar de morte com os adolescentes nos coloca em lugares que não sabemos estar. Talvez porque eles ainda sejam novos demais para lidar com a finitude da vida, talvez porque ainda queremos protegê-los. Um jeito de resguardar o coração. Mas como faz quando ela aparece assim, no meio da vida deles?

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E quando não existe mais pai e mãe, ou um dos dois, para acolher essa dor? Quando são eles que morrem, como acolher esse filho que agora é órfão? Em toda e qualquer fase da vida, perder os pais é desafiador e para cada uma delas é preciso de cuidados específicos. As necessidades de uma criança não são as mesmas de um adolescente e muito menos de um adulto. E é preciso olhar para cada um desses lutos com empatia e afeto.

O que acontece com o adolescente quando ele perde um dos pais ou os dois? Quando ele se torna órfão. Para além das questões naturais da morte, o adolescente vive um processo interno muito peculiar que também culmina com outras mortes simbólicas, como a da própria infância.

É um momento delicado que, muitas vezes, requer escuta de um profissional especializado que vai saber respeitar o tempo de fala do adolescente. Vai poder dar o suporte adequado e vai poder acolher os sentimentos e sensações sem qualquer julgamento ou opinião.

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Parece óbvio, certo? Mas não é. Na tentativa de ajudar, muitas vezes parentes próximos acabam deixando o adolescente ainda mais angustiado e recluso, quieto, ou também agressivo. E isso vale não só para quando eles perdem os pais, mas também amigos ou colegas da escola. A maneira de lidar é muito similar e os aconselhamentos de especialistas seguem a mesma linha.

O luto na adolescência, muitas vezes, requer escuta de um profissional especializado. Imagem Getty Image  

Não só pelas questões naturais da vida, mas especificamente nos últimos dois anos, muitas crianças e adolescentes perderam os pais com a COVID-19. São mais de mais de 113 mil menores de idade brasileiros, segundo o Conselho Nacional de Saúde (CNS) e o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), e a discussão ganhou fôlego.

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Recentemente, o desastre ambiental em São Sebastião deixou mais alguns órfãos e em fevereiro, a morte da jornalista Glória Maria reacendeu a discussão sobre o processo de guarda dos filhos quando perdem pai e mãe. Para especialistas, o luto na adolescência pode ser desafiador e exige cuidados.

Porque no meio deste processo burocrático, há um indivíduo que requer atenção: o próprio adolescente. E como cuidar? Como dar apoio psicológico para que o adolescente passe por todo este ciclo de maneira acolhedora?

Já existem algumas instituições que trabalham para garantir o suporte necessário à criança e ao adolescente como o Instituto Fazendo História, por exemplo, que surgiu em 2005 com o objetivo de trabalhar com crianças e adolescentes que, por algum motivo, precisaram ser separados de suas famílias.

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Dentro do grupo dos atendidos, uma parcela é de casos de adolescentes que perderam seus pais. Eles não são a maioria, até porque o Fazendo História trata principalmente daqueles que se encontram em medida de proteção, ou seja, quando a guarda está com o Estado e o Instituto atua no suporte ao acolhimento deste adolescente. Ainda assim, os órfãos existem.

A psicóloga e psicanalista Ana Raquel Ribeiro coordena o programa "Com Tato", do Instituto e oferece uma rede gratuita de psicoterapeutas para crianças e adolescentes. "É um espaço de psicoterapia onde a gente oferece para esses meninos a possibilidade de ter uma escuta mais individualizada", explica.

No caso de adolescentes que perderam seus pais, uma forma de cuidar desses menores é garantindo um direito que eles têm por lei: o de serem ouvidos. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a idade do adolescente vai de 12 a 18 anos e nesse tempo, sempre que possível o adolescente deve ser ouvido, seja por profissionais da saúde mental, por exemplo, seja por autoridades, como um juiz.

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O artigo 100, inclusive, estabelece o interesse superior da criança e do adolescente. "A intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do adolescente, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto", diz a lei.

Danielle Corrêa, advogada especializada em Direito de Família, explica que durante o processo de transferência de guarda, "a afinidade do adolescente é considerada, até porque o ECA prevê que devemos olhar para o melhor interesse da criança. Se maior de doze anos, ele [adolescente] pode ser ouvido diretamente pelo juiz. Os menores de doze anos são ouvidos pela perícia, por um psicólogo, mas a opinião deles é levada em consideração".

A escuta serve, por exemplo, para considerar a afinidade do adolescente com aquele que terá a sua guarda. Mas atenção, o processo de escuta não pode ser mera formalidade. "Quando a gente diz que está previsto na lei considerar e ouvir estes adolescentes, significa se preparar para abrir um espaço de escuta que talvez não seja tão imediato e tão simples de acontecer. A gente precisa se deslocar para o universo desse jovem", diz Ana Raquel citando que questões como com quem o adolescente quer falar, em que condições e em que momento são relevantes no momento de fazer o cuidado.

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Um fator a ser levado em consideração é também o caráter turbulento que está na natureza do adolescente. Todas as mudanças, que vão desde as corporais até as comportamentais, pelas quais um adolescente naturalmente passa, acabam tendo que ser conciliadas, nesse caso, com o processo de luto.

"A adolescência é uma fase com muitos desafios. Na ausência de pessoas importantes, destas figuras de referência da vida, de fato, isso se torna um desafio ainda maior. A perda é um fato importante da vida, marca qualquer pessoa que passa por isso, mas não é determinante", fala Ana Raquel.

No fim, o trabalho de luto pelo qual um adolescente passa acaba sendo semelhante àquele por qual um adulto enfrenta: "É muito mais o que a gente faz com os fatos da vida do que propriamente os fatos da vida. A questão é como a gente consegue apoiar esses meninos a fazer essa travessia", completa.

Fica aqui um trecho do escritor Hermann Hesse que diz "o coração precisa estar, em cada patamar da vida, predisposto à despedida e a novo início para, na coragem e sem pesar, entregar-se a outras novas ligações (...) Talvez ainda a hora da morte nos envie, jovens, a novos espaços; o apelo da vida a nós jamais há de findar. Vamos lá, meu coração: despede-te e convalesce".

Convalesce para poder restabelecer-se em vida. E a gente acha meios de contar sobre a morte. Por metáforas ou por meios concretos, a gente precisa falar porque é algo inevitável. De se viver e de se falar. Entender a morte é também entender a vida.

O que diz a Lei: De acordo com a lei brasileira, com a morte dos dois pais, a guarda de um adolescente pode ser pleiteada por um outro adulto. Um caso comum é a transferência de guarda para um parente próximo, como avós, primos e até irmãos maiores de idade. Caso não haja esse parente, a guarda é repassada a alguém que tenha afinidade com a criança ou adolescente. "A guarda não é automaticamente passada para algum guardião ou a alguma pessoa, ela tem que ser requerida", explica Danielle Corrêa, advogada especializada em Direito de Família.

Um caminho para isso se dá quando os pais indicam via testamento um responsável que assistirá e representará o menor de idade em todas as situações necessárias. O(a) indicado(a) não é definitivo e depende de uma decisão final.

De uma forma ou outra, os processos envolvendo a guarda de um menor de idade passam pela Justiça, como explica Danielle: "A guarda é concedida de forma judicial, mas os pais podem indicar quem deveria tê-la". Como responsabilidades, o novo detentor da guarda do adolescente deve cuidar da herança, da alimentação e será o representante do adolescente na escola, por exemplo.

* colaborou André Derviche

Lidar com o luto de um adolescente não é o mesmo que de uma criança. É preciso respeitar as particularidades dessa fase para garantir escuta e cuidados específicos ao adolescente. Saiba como dar apoio

Era uma vez, o fim... Falar de morte é sempre uma dificuldade. A gente foge da palavra. Do sofrimento que ela carrega. Do peso que nem a gente, adulto, consegue dar conta. Falar de morte com os filhos é doído. A voz quase embarga e a gente não sabe lidar com tamanha dor.

Falar de morte com os adolescentes nos coloca em lugares que não sabemos estar. Talvez porque eles ainda sejam novos demais para lidar com a finitude da vida, talvez porque ainda queremos protegê-los. Um jeito de resguardar o coração. Mas como faz quando ela aparece assim, no meio da vida deles?

E quando não existe mais pai e mãe, ou um dos dois, para acolher essa dor? Quando são eles que morrem, como acolher esse filho que agora é órfão? Em toda e qualquer fase da vida, perder os pais é desafiador e para cada uma delas é preciso de cuidados específicos. As necessidades de uma criança não são as mesmas de um adolescente e muito menos de um adulto. E é preciso olhar para cada um desses lutos com empatia e afeto.

O que acontece com o adolescente quando ele perde um dos pais ou os dois? Quando ele se torna órfão. Para além das questões naturais da morte, o adolescente vive um processo interno muito peculiar que também culmina com outras mortes simbólicas, como a da própria infância.

É um momento delicado que, muitas vezes, requer escuta de um profissional especializado que vai saber respeitar o tempo de fala do adolescente. Vai poder dar o suporte adequado e vai poder acolher os sentimentos e sensações sem qualquer julgamento ou opinião.

Parece óbvio, certo? Mas não é. Na tentativa de ajudar, muitas vezes parentes próximos acabam deixando o adolescente ainda mais angustiado e recluso, quieto, ou também agressivo. E isso vale não só para quando eles perdem os pais, mas também amigos ou colegas da escola. A maneira de lidar é muito similar e os aconselhamentos de especialistas seguem a mesma linha.

O luto na adolescência, muitas vezes, requer escuta de um profissional especializado. Imagem Getty Image  

Não só pelas questões naturais da vida, mas especificamente nos últimos dois anos, muitas crianças e adolescentes perderam os pais com a COVID-19. São mais de mais de 113 mil menores de idade brasileiros, segundo o Conselho Nacional de Saúde (CNS) e o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), e a discussão ganhou fôlego.

Recentemente, o desastre ambiental em São Sebastião deixou mais alguns órfãos e em fevereiro, a morte da jornalista Glória Maria reacendeu a discussão sobre o processo de guarda dos filhos quando perdem pai e mãe. Para especialistas, o luto na adolescência pode ser desafiador e exige cuidados.

Porque no meio deste processo burocrático, há um indivíduo que requer atenção: o próprio adolescente. E como cuidar? Como dar apoio psicológico para que o adolescente passe por todo este ciclo de maneira acolhedora?

Já existem algumas instituições que trabalham para garantir o suporte necessário à criança e ao adolescente como o Instituto Fazendo História, por exemplo, que surgiu em 2005 com o objetivo de trabalhar com crianças e adolescentes que, por algum motivo, precisaram ser separados de suas famílias.

Dentro do grupo dos atendidos, uma parcela é de casos de adolescentes que perderam seus pais. Eles não são a maioria, até porque o Fazendo História trata principalmente daqueles que se encontram em medida de proteção, ou seja, quando a guarda está com o Estado e o Instituto atua no suporte ao acolhimento deste adolescente. Ainda assim, os órfãos existem.

A psicóloga e psicanalista Ana Raquel Ribeiro coordena o programa "Com Tato", do Instituto e oferece uma rede gratuita de psicoterapeutas para crianças e adolescentes. "É um espaço de psicoterapia onde a gente oferece para esses meninos a possibilidade de ter uma escuta mais individualizada", explica.

No caso de adolescentes que perderam seus pais, uma forma de cuidar desses menores é garantindo um direito que eles têm por lei: o de serem ouvidos. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a idade do adolescente vai de 12 a 18 anos e nesse tempo, sempre que possível o adolescente deve ser ouvido, seja por profissionais da saúde mental, por exemplo, seja por autoridades, como um juiz.

O artigo 100, inclusive, estabelece o interesse superior da criança e do adolescente. "A intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do adolescente, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto", diz a lei.

Danielle Corrêa, advogada especializada em Direito de Família, explica que durante o processo de transferência de guarda, "a afinidade do adolescente é considerada, até porque o ECA prevê que devemos olhar para o melhor interesse da criança. Se maior de doze anos, ele [adolescente] pode ser ouvido diretamente pelo juiz. Os menores de doze anos são ouvidos pela perícia, por um psicólogo, mas a opinião deles é levada em consideração".

A escuta serve, por exemplo, para considerar a afinidade do adolescente com aquele que terá a sua guarda. Mas atenção, o processo de escuta não pode ser mera formalidade. "Quando a gente diz que está previsto na lei considerar e ouvir estes adolescentes, significa se preparar para abrir um espaço de escuta que talvez não seja tão imediato e tão simples de acontecer. A gente precisa se deslocar para o universo desse jovem", diz Ana Raquel citando que questões como com quem o adolescente quer falar, em que condições e em que momento são relevantes no momento de fazer o cuidado.

Um fator a ser levado em consideração é também o caráter turbulento que está na natureza do adolescente. Todas as mudanças, que vão desde as corporais até as comportamentais, pelas quais um adolescente naturalmente passa, acabam tendo que ser conciliadas, nesse caso, com o processo de luto.

"A adolescência é uma fase com muitos desafios. Na ausência de pessoas importantes, destas figuras de referência da vida, de fato, isso se torna um desafio ainda maior. A perda é um fato importante da vida, marca qualquer pessoa que passa por isso, mas não é determinante", fala Ana Raquel.

No fim, o trabalho de luto pelo qual um adolescente passa acaba sendo semelhante àquele por qual um adulto enfrenta: "É muito mais o que a gente faz com os fatos da vida do que propriamente os fatos da vida. A questão é como a gente consegue apoiar esses meninos a fazer essa travessia", completa.

Fica aqui um trecho do escritor Hermann Hesse que diz "o coração precisa estar, em cada patamar da vida, predisposto à despedida e a novo início para, na coragem e sem pesar, entregar-se a outras novas ligações (...) Talvez ainda a hora da morte nos envie, jovens, a novos espaços; o apelo da vida a nós jamais há de findar. Vamos lá, meu coração: despede-te e convalesce".

Convalesce para poder restabelecer-se em vida. E a gente acha meios de contar sobre a morte. Por metáforas ou por meios concretos, a gente precisa falar porque é algo inevitável. De se viver e de se falar. Entender a morte é também entender a vida.

O que diz a Lei: De acordo com a lei brasileira, com a morte dos dois pais, a guarda de um adolescente pode ser pleiteada por um outro adulto. Um caso comum é a transferência de guarda para um parente próximo, como avós, primos e até irmãos maiores de idade. Caso não haja esse parente, a guarda é repassada a alguém que tenha afinidade com a criança ou adolescente. "A guarda não é automaticamente passada para algum guardião ou a alguma pessoa, ela tem que ser requerida", explica Danielle Corrêa, advogada especializada em Direito de Família.

Um caminho para isso se dá quando os pais indicam via testamento um responsável que assistirá e representará o menor de idade em todas as situações necessárias. O(a) indicado(a) não é definitivo e depende de uma decisão final.

De uma forma ou outra, os processos envolvendo a guarda de um menor de idade passam pela Justiça, como explica Danielle: "A guarda é concedida de forma judicial, mas os pais podem indicar quem deveria tê-la". Como responsabilidades, o novo detentor da guarda do adolescente deve cuidar da herança, da alimentação e será o representante do adolescente na escola, por exemplo.

* colaborou André Derviche

Lidar com o luto de um adolescente não é o mesmo que de uma criança. É preciso respeitar as particularidades dessa fase para garantir escuta e cuidados específicos ao adolescente. Saiba como dar apoio

Era uma vez, o fim... Falar de morte é sempre uma dificuldade. A gente foge da palavra. Do sofrimento que ela carrega. Do peso que nem a gente, adulto, consegue dar conta. Falar de morte com os filhos é doído. A voz quase embarga e a gente não sabe lidar com tamanha dor.

Falar de morte com os adolescentes nos coloca em lugares que não sabemos estar. Talvez porque eles ainda sejam novos demais para lidar com a finitude da vida, talvez porque ainda queremos protegê-los. Um jeito de resguardar o coração. Mas como faz quando ela aparece assim, no meio da vida deles?

E quando não existe mais pai e mãe, ou um dos dois, para acolher essa dor? Quando são eles que morrem, como acolher esse filho que agora é órfão? Em toda e qualquer fase da vida, perder os pais é desafiador e para cada uma delas é preciso de cuidados específicos. As necessidades de uma criança não são as mesmas de um adolescente e muito menos de um adulto. E é preciso olhar para cada um desses lutos com empatia e afeto.

O que acontece com o adolescente quando ele perde um dos pais ou os dois? Quando ele se torna órfão. Para além das questões naturais da morte, o adolescente vive um processo interno muito peculiar que também culmina com outras mortes simbólicas, como a da própria infância.

É um momento delicado que, muitas vezes, requer escuta de um profissional especializado que vai saber respeitar o tempo de fala do adolescente. Vai poder dar o suporte adequado e vai poder acolher os sentimentos e sensações sem qualquer julgamento ou opinião.

Parece óbvio, certo? Mas não é. Na tentativa de ajudar, muitas vezes parentes próximos acabam deixando o adolescente ainda mais angustiado e recluso, quieto, ou também agressivo. E isso vale não só para quando eles perdem os pais, mas também amigos ou colegas da escola. A maneira de lidar é muito similar e os aconselhamentos de especialistas seguem a mesma linha.

O luto na adolescência, muitas vezes, requer escuta de um profissional especializado. Imagem Getty Image  

Não só pelas questões naturais da vida, mas especificamente nos últimos dois anos, muitas crianças e adolescentes perderam os pais com a COVID-19. São mais de mais de 113 mil menores de idade brasileiros, segundo o Conselho Nacional de Saúde (CNS) e o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), e a discussão ganhou fôlego.

Recentemente, o desastre ambiental em São Sebastião deixou mais alguns órfãos e em fevereiro, a morte da jornalista Glória Maria reacendeu a discussão sobre o processo de guarda dos filhos quando perdem pai e mãe. Para especialistas, o luto na adolescência pode ser desafiador e exige cuidados.

Porque no meio deste processo burocrático, há um indivíduo que requer atenção: o próprio adolescente. E como cuidar? Como dar apoio psicológico para que o adolescente passe por todo este ciclo de maneira acolhedora?

Já existem algumas instituições que trabalham para garantir o suporte necessário à criança e ao adolescente como o Instituto Fazendo História, por exemplo, que surgiu em 2005 com o objetivo de trabalhar com crianças e adolescentes que, por algum motivo, precisaram ser separados de suas famílias.

Dentro do grupo dos atendidos, uma parcela é de casos de adolescentes que perderam seus pais. Eles não são a maioria, até porque o Fazendo História trata principalmente daqueles que se encontram em medida de proteção, ou seja, quando a guarda está com o Estado e o Instituto atua no suporte ao acolhimento deste adolescente. Ainda assim, os órfãos existem.

A psicóloga e psicanalista Ana Raquel Ribeiro coordena o programa "Com Tato", do Instituto e oferece uma rede gratuita de psicoterapeutas para crianças e adolescentes. "É um espaço de psicoterapia onde a gente oferece para esses meninos a possibilidade de ter uma escuta mais individualizada", explica.

No caso de adolescentes que perderam seus pais, uma forma de cuidar desses menores é garantindo um direito que eles têm por lei: o de serem ouvidos. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a idade do adolescente vai de 12 a 18 anos e nesse tempo, sempre que possível o adolescente deve ser ouvido, seja por profissionais da saúde mental, por exemplo, seja por autoridades, como um juiz.

O artigo 100, inclusive, estabelece o interesse superior da criança e do adolescente. "A intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do adolescente, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto", diz a lei.

Danielle Corrêa, advogada especializada em Direito de Família, explica que durante o processo de transferência de guarda, "a afinidade do adolescente é considerada, até porque o ECA prevê que devemos olhar para o melhor interesse da criança. Se maior de doze anos, ele [adolescente] pode ser ouvido diretamente pelo juiz. Os menores de doze anos são ouvidos pela perícia, por um psicólogo, mas a opinião deles é levada em consideração".

A escuta serve, por exemplo, para considerar a afinidade do adolescente com aquele que terá a sua guarda. Mas atenção, o processo de escuta não pode ser mera formalidade. "Quando a gente diz que está previsto na lei considerar e ouvir estes adolescentes, significa se preparar para abrir um espaço de escuta que talvez não seja tão imediato e tão simples de acontecer. A gente precisa se deslocar para o universo desse jovem", diz Ana Raquel citando que questões como com quem o adolescente quer falar, em que condições e em que momento são relevantes no momento de fazer o cuidado.

Um fator a ser levado em consideração é também o caráter turbulento que está na natureza do adolescente. Todas as mudanças, que vão desde as corporais até as comportamentais, pelas quais um adolescente naturalmente passa, acabam tendo que ser conciliadas, nesse caso, com o processo de luto.

"A adolescência é uma fase com muitos desafios. Na ausência de pessoas importantes, destas figuras de referência da vida, de fato, isso se torna um desafio ainda maior. A perda é um fato importante da vida, marca qualquer pessoa que passa por isso, mas não é determinante", fala Ana Raquel.

No fim, o trabalho de luto pelo qual um adolescente passa acaba sendo semelhante àquele por qual um adulto enfrenta: "É muito mais o que a gente faz com os fatos da vida do que propriamente os fatos da vida. A questão é como a gente consegue apoiar esses meninos a fazer essa travessia", completa.

Fica aqui um trecho do escritor Hermann Hesse que diz "o coração precisa estar, em cada patamar da vida, predisposto à despedida e a novo início para, na coragem e sem pesar, entregar-se a outras novas ligações (...) Talvez ainda a hora da morte nos envie, jovens, a novos espaços; o apelo da vida a nós jamais há de findar. Vamos lá, meu coração: despede-te e convalesce".

Convalesce para poder restabelecer-se em vida. E a gente acha meios de contar sobre a morte. Por metáforas ou por meios concretos, a gente precisa falar porque é algo inevitável. De se viver e de se falar. Entender a morte é também entender a vida.

O que diz a Lei: De acordo com a lei brasileira, com a morte dos dois pais, a guarda de um adolescente pode ser pleiteada por um outro adulto. Um caso comum é a transferência de guarda para um parente próximo, como avós, primos e até irmãos maiores de idade. Caso não haja esse parente, a guarda é repassada a alguém que tenha afinidade com a criança ou adolescente. "A guarda não é automaticamente passada para algum guardião ou a alguma pessoa, ela tem que ser requerida", explica Danielle Corrêa, advogada especializada em Direito de Família.

Um caminho para isso se dá quando os pais indicam via testamento um responsável que assistirá e representará o menor de idade em todas as situações necessárias. O(a) indicado(a) não é definitivo e depende de uma decisão final.

De uma forma ou outra, os processos envolvendo a guarda de um menor de idade passam pela Justiça, como explica Danielle: "A guarda é concedida de forma judicial, mas os pais podem indicar quem deveria tê-la". Como responsabilidades, o novo detentor da guarda do adolescente deve cuidar da herança, da alimentação e será o representante do adolescente na escola, por exemplo.

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