Comportamento Adolescente e Educação

Médicos alertam para epidemia de miopia entre crianças e adolescentes


Por Carolina Delboni

Exposição excessiva às telas durante a pandemia e a permanência do uso pós isolamento social contribuem para elevar o número de crianças e adolescentes diagnosticados com miopia

"Epidemia é uma manifestação coletiva de uma doença que pode se espalhar por contágio direito ou indireto, perdura por um tempo e depois desaparece".

É a partir desta reflexão que oftalmologistas têm explicado a onda crescente de diagnósticos de miopia em crianças e adolescentes. Para eles, estamos vivendo uma epidemia da doença e a grande responsável é a exposição excessiva às telas.

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Mas eu te pergunto: será que não vivemos, também, uma miopia social? O que a gente anda deixando de ver ou fingindo não ver? Será realmente que "o que os olhos não vêem o coração não sente?". A se pensar.

Fato é que realmente existe um aumento de casos de miopia em consultórios médicos. A percepção é resultante da pesquisa inédita coordenada pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), realizada entre abril e junho de 2021. O estudo, baseado em informações colhidas junto aos especialistas no atendimento deste público, revela o impacto da pandemia na saúde ocular da população infanto-juvenil.

De acordo com 71,9% dos oftalmologistas entrevistados, cresceu a quantidade de pacientes com idades de 0 a 19 anos com diagnóstico de miopia. Para 75,6% dos especialistas, essa situação tem como causa principal a exposição das crianças e dos adolescentes às telas dos aparelhos eletrônicos, seja por conta do ensino à distância ou atividades de lazer, como assistir televisão ou jogar videogames.

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É o caso de Kaique Parente, 17 anos, e Lucas Teixeira,16, que vivem em estados diferentes, mas compartilham do mesmo problema: o grau de miopia de ambos aumentou durante a pandemia. Principalmente, por conta da exposição excessiva às telas dos aparelhos eletrônicos tanto para uso da escola quanto redes sociais e jogos.

 Foto: Estadão

Para o coordenador da pesquisa, Fábio Ejzenbaum, especialista do CBO e presidente da Sociedade Brasileira de Oftalmologia Pediátrica (SBOP), o que existe é uma epidemia de miopia e, para contê-la, além da redução do uso de telas, é preciso também cuidado com os fatores ambientais.

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"É comprovado que se você ficar em média pelo menos duas horas em ambiente externo sua chance de ser míope pode ser reduzida em até 40%. O sol libera neurotransmissores que fazem o olho crescer menos. Por isso, recomendo menos telas e mais atividades ao ar livre, como jogar bola e andar de bicicleta. Não é tomar sol no olho, mas ficar em ambiente externo é muito importante. Atividade ao ar livre reduz a progressão da miopia", destaca.

A oftalmologista Marina Roizenblatt reitera o boom da doença. Para ela, existia uma progressão da doença, mas houve explodiu com a pandemia. "Os diagnósticos nos consultórios já são perceptivos", revela. "Crianças e adolescentes passaram a reclamar cada vez mais de problemas oculares até então característicos de adultos, como secura, sensação de areia, cansaço e baixa de visão, principalmente no final do dia, depois de uma jornada intensa frente aos aparelhos seja por conta das atividades entretenimento ou escolares".

O CBO considera a situação preocupante, pois revela que as mudanças de hábitos geradas pela pandemia estão afetando a saúde ocular dos jovens, com possibilidade de complicações no futuro. Isso ocorre porque o diagnóstico de miopia aponta uma situação de "fragilidade do olho", que pode avançar na forma de outras doenças, como descolamento de retina, catarata e glaucoma, que leva à cegueira. Veja, cegueira.

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Leonardo da Vinci tem uma daquelas frases célebres que circula pela internet como se não tivesse dono que diz o seguinte: "os olhos são a janela da alma e o espelho do mundo". E eu volto à provocação inicial: o que do mundo estamos deixando de ver que tem machucado os olhos e a alma? O que tem nos tornado produtores de doenças epidêmicas? A se pensar.

Outro estudo publicado pela revista científica Jama Ophthalmology, da China, mostra que o número de casos de miopia em crianças entre 6 e 8 anos cresceu, em 2020, até três vezes em comparação com os cinco anos anteriores.

Os pesquisadores aferiram que o confinamento domiciliar, devido à pandemia, está associado a uma mudança substancial da miopia em crianças. O estado refrativo de crianças mais jovens pode estar mais sensível às mudanças ambientais do que em crianças mais velhas, visto que se encontram em um período importante para o desenvolvimento da miopia.

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No Brasil, a situação é semelhante. Segundo o CBO, aproximadamente 6,8 milhões de crianças já sofrem com a miopia. "A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a miopia atinja metade da população mundial até 2050, por isso as atenções devem estar voltadas às nossas crianças, principalmente porque elas estão se tornando míopes em idades cada vez mais baixas", afirma Gerson Cespi, diretor geral da CooperVision no Brasil.

Kaique e Lucas contam que pouco fizeram atividades externas durante a pandemia e seguem com o uso excessivo de teles mesmo após o fim do isolamento social. Lucas, morador do município de Nova Parnamirim, no Rio Grande do Norte, diz que passou, em média, 2 mil horas por ano, entre 2020 e 2021, só jogando videogame. É como se fossem mais de 83 dias ininterruptos. Ele diz que amigos alcançaram patamares mais altos, alguns com mais de 3,5 mil horas.

Sem contar o tempo gasto para acessar redes sociais, participar das aulas ou realizar tarefas escolares. "Não tinha nada para fazer. Então, eu resolvi ficar esse tempo jogando. Mas eu já reduzi o uso dos aparelhos. Por conta do retorno das aulas presenciais, estou quase com 200 horas jogando", garante.

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O grau de miopia do adolescente aumentou quase 1 grau durante os últimos dois anos e agora ele usa óculos com lentes apropriadas para a interface com as telas. "Eu sentia muito desconforto em relação quando tentava ver o que estava escrito no quadro, tudo ficava embaçado. Além disso, eu também tinha muita dor de cabeça", relata.

Morador da capital paulista, Kaíque também precisou mudar os óculos quando viu a miopia crescer mais de 1 grau. Os incômodos apareciam quando tentava enxergar algumas frases no quadro, pelo tamanho ou pela cor do pincel utilizado, sentia dificuldade.

A consulta de Enzo Vasconcelos, de 15 anos, com o oftalmologista está marcada. Ele não sabe ainda se aumentou o grau de miopia. Mas desde o ano passado, com o retorno das aulas presenciais, tem dificuldades de enxergar durante as aulas. O adolescente considera que a exposição durante o ensino remoto deve ter prejudicado o desempenho ocular.

"Em casa, ele fica com o computador e a tv muito próximos. Foi se agravando. Se intensificou nos últimos anos. Se ele não vai de óculos, ele não acompanha o que está escrito. Eu fiquei assustada quando eu o vi tão perto da televisão. As dores de cabeça também aparecem", comenta a economista Daniela Vasconcelos, mãe de Enzo.

QUAL PAPEL DA ESCOLA

De acordo com Marina Roizenblatt, o papel da escola é fundamental para identificar problemas oftalmológicos. Para ela, alguns comportamentos, que podem ser classificados como "bagunça", indicam, muitas vezes, algo mais grave.

"Uma coisa que a gente vê bastante no consultório é a criança que está fazendo bagunça, que levanta da carteira, sempre vai na frente, e muitas vezes o que acontece é que ela não está enxergando e o professor é fundamental para identificar e orientar os pais", analisa.

Solange Rodella, coordenadora da educação infantil do Colégio Montessori Santa Terezinha, acha que o aluno da primeira infância foi o mais prejudicado. O exemplo que ela traz é a apatia de muitas crianças frente a atividades que exigem movimentos. Algumas, ela diz, que chegam a deitar sem interesse algum.

"Ao fazer reuniões com os pais, notamos uma semelhança nas rotinas dessas crianças: uso excessivo de telas. Sabiam até jogar sozinhos no computador, aos 2 anos de idade". Rodella sugeriu aos responsáveis a troca imediata das telas por jogos e brincadeiras entre a família e a criança.

A coordenadora da educação lembra que no início das mudanças de comportamento as crianças apresentavam algo similar a abstinência de tela. "Mostraram irritabilidade excessiva, falta de foco, ausência de sono e, após um período sem o estímulo das luzes das telas, já dormiam melhor e traziam um comportamento mais esperado para a idade". E complementa: "como os comportamentos não foram casos isolados, trouxemos também uma psicóloga para orientar os pais."

Em Ribeirão Preto, a preocupação do Colégio Itamarati, frisa Ana Laura Gusman, professora de produção textual e supervisora pedagógica, é com a alfabetização das crianças, período em que há o desenvolvimento de novas habilidades de leitura e escrita. "Aqui estimulamos a criatividade e aprendizagem longe das telas. Caso seja notado prejuízo na visão, por exemplo, orientamos a família a procurar especialistas".

A defesa do professor de Ciência e Tecnologia, no Colégio Leonardo Da Vinci, Felipe Franco de Barros, é de que a tecnologia como ferramenta no aprendizado precisa ser tratada com muita atenção. Em casa, com acompanhamento constante por parte dos responsáveis para certificar que naquele momento as crianças estejam fazendo o uso adequado do dispositivo eletrônico. Enquanto na escola, é preciso contraponto a utilização das ferramentas para fortalecer as diversas formas de aprendizagem.

Barros afirma que acompanha e entende, assim como na literatura, que muitas crianças vivenciaram hiper estímulos ou informações em excesso centralizadas nos dispositivos digitais. "O reflexo disso sabemos que pode levar ao esquecimento por falta de atenção, uma vez que as dispersões nos meios digitais são muito maiores comparadas com as informações dispostas em lousas e outros", explica.

O professor relata que a exposição além do ideal refletiu diretamente em sala de aula. No dia a dia, comenta, alguns alunos apresentam sinais de impaciência, dependência para produções de textos e desatenção em leituras offline. A disciplina na qual é responsável tenta minimizar os impactos tanto nos anos iniciais quanto nos finais do ensino fundamental.

Para isso, tenta desviar do uso apenas da tecnologia e estimular a colaboração entre os estudantes. Nos anos iniciais, Barros intercala o uso de computadores e tablets com os desenvolvimentos de raciocínio lógico com programações sequenciais em pequenos robôs para cumprir missões apresentadas nas aulas. Nas turmas mais avançadas, há incentivo para escrita aos a fim de estimular o léxico e flexibilidade linguística.

As propostas precisam sempre considerar os diferentes meios e suportes de aprendizagem e equilibrar tecnologia com tempos presenciais em que o aluno possa observar e prender seu olhar em algo fisicamente vivo. É um desafio às escolas que vendem o termo "tecnologia" junto a sua proposta pedagógica pois ela precisa considerar o tempo total de tela que um aluno pode ter considerando casa + escola.

Pais e responsáveis legais também podem colaborar. Estreitar laços e combinados com as escolas é uma das melhores escolhas sempre. E determinar tempos para os aparelhos em casa é um segundo momento de cuidado com o filho. Não apenas pela saúde ocular, mas também a do restante do corpo e a emocional.

Afinal, estamos falando de um órgão que é "janela da alma e espelho do mundo".

Exposição excessiva às telas durante a pandemia e a permanência do uso pós isolamento social contribuem para elevar o número de crianças e adolescentes diagnosticados com miopia

"Epidemia é uma manifestação coletiva de uma doença que pode se espalhar por contágio direito ou indireto, perdura por um tempo e depois desaparece".

É a partir desta reflexão que oftalmologistas têm explicado a onda crescente de diagnósticos de miopia em crianças e adolescentes. Para eles, estamos vivendo uma epidemia da doença e a grande responsável é a exposição excessiva às telas.

Mas eu te pergunto: será que não vivemos, também, uma miopia social? O que a gente anda deixando de ver ou fingindo não ver? Será realmente que "o que os olhos não vêem o coração não sente?". A se pensar.

Fato é que realmente existe um aumento de casos de miopia em consultórios médicos. A percepção é resultante da pesquisa inédita coordenada pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), realizada entre abril e junho de 2021. O estudo, baseado em informações colhidas junto aos especialistas no atendimento deste público, revela o impacto da pandemia na saúde ocular da população infanto-juvenil.

De acordo com 71,9% dos oftalmologistas entrevistados, cresceu a quantidade de pacientes com idades de 0 a 19 anos com diagnóstico de miopia. Para 75,6% dos especialistas, essa situação tem como causa principal a exposição das crianças e dos adolescentes às telas dos aparelhos eletrônicos, seja por conta do ensino à distância ou atividades de lazer, como assistir televisão ou jogar videogames.

É o caso de Kaique Parente, 17 anos, e Lucas Teixeira,16, que vivem em estados diferentes, mas compartilham do mesmo problema: o grau de miopia de ambos aumentou durante a pandemia. Principalmente, por conta da exposição excessiva às telas dos aparelhos eletrônicos tanto para uso da escola quanto redes sociais e jogos.

 Foto: Estadão

Para o coordenador da pesquisa, Fábio Ejzenbaum, especialista do CBO e presidente da Sociedade Brasileira de Oftalmologia Pediátrica (SBOP), o que existe é uma epidemia de miopia e, para contê-la, além da redução do uso de telas, é preciso também cuidado com os fatores ambientais.

"É comprovado que se você ficar em média pelo menos duas horas em ambiente externo sua chance de ser míope pode ser reduzida em até 40%. O sol libera neurotransmissores que fazem o olho crescer menos. Por isso, recomendo menos telas e mais atividades ao ar livre, como jogar bola e andar de bicicleta. Não é tomar sol no olho, mas ficar em ambiente externo é muito importante. Atividade ao ar livre reduz a progressão da miopia", destaca.

A oftalmologista Marina Roizenblatt reitera o boom da doença. Para ela, existia uma progressão da doença, mas houve explodiu com a pandemia. "Os diagnósticos nos consultórios já são perceptivos", revela. "Crianças e adolescentes passaram a reclamar cada vez mais de problemas oculares até então característicos de adultos, como secura, sensação de areia, cansaço e baixa de visão, principalmente no final do dia, depois de uma jornada intensa frente aos aparelhos seja por conta das atividades entretenimento ou escolares".

O CBO considera a situação preocupante, pois revela que as mudanças de hábitos geradas pela pandemia estão afetando a saúde ocular dos jovens, com possibilidade de complicações no futuro. Isso ocorre porque o diagnóstico de miopia aponta uma situação de "fragilidade do olho", que pode avançar na forma de outras doenças, como descolamento de retina, catarata e glaucoma, que leva à cegueira. Veja, cegueira.

Leonardo da Vinci tem uma daquelas frases célebres que circula pela internet como se não tivesse dono que diz o seguinte: "os olhos são a janela da alma e o espelho do mundo". E eu volto à provocação inicial: o que do mundo estamos deixando de ver que tem machucado os olhos e a alma? O que tem nos tornado produtores de doenças epidêmicas? A se pensar.

Outro estudo publicado pela revista científica Jama Ophthalmology, da China, mostra que o número de casos de miopia em crianças entre 6 e 8 anos cresceu, em 2020, até três vezes em comparação com os cinco anos anteriores.

Os pesquisadores aferiram que o confinamento domiciliar, devido à pandemia, está associado a uma mudança substancial da miopia em crianças. O estado refrativo de crianças mais jovens pode estar mais sensível às mudanças ambientais do que em crianças mais velhas, visto que se encontram em um período importante para o desenvolvimento da miopia.

No Brasil, a situação é semelhante. Segundo o CBO, aproximadamente 6,8 milhões de crianças já sofrem com a miopia. "A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a miopia atinja metade da população mundial até 2050, por isso as atenções devem estar voltadas às nossas crianças, principalmente porque elas estão se tornando míopes em idades cada vez mais baixas", afirma Gerson Cespi, diretor geral da CooperVision no Brasil.

Kaique e Lucas contam que pouco fizeram atividades externas durante a pandemia e seguem com o uso excessivo de teles mesmo após o fim do isolamento social. Lucas, morador do município de Nova Parnamirim, no Rio Grande do Norte, diz que passou, em média, 2 mil horas por ano, entre 2020 e 2021, só jogando videogame. É como se fossem mais de 83 dias ininterruptos. Ele diz que amigos alcançaram patamares mais altos, alguns com mais de 3,5 mil horas.

Sem contar o tempo gasto para acessar redes sociais, participar das aulas ou realizar tarefas escolares. "Não tinha nada para fazer. Então, eu resolvi ficar esse tempo jogando. Mas eu já reduzi o uso dos aparelhos. Por conta do retorno das aulas presenciais, estou quase com 200 horas jogando", garante.

O grau de miopia do adolescente aumentou quase 1 grau durante os últimos dois anos e agora ele usa óculos com lentes apropriadas para a interface com as telas. "Eu sentia muito desconforto em relação quando tentava ver o que estava escrito no quadro, tudo ficava embaçado. Além disso, eu também tinha muita dor de cabeça", relata.

Morador da capital paulista, Kaíque também precisou mudar os óculos quando viu a miopia crescer mais de 1 grau. Os incômodos apareciam quando tentava enxergar algumas frases no quadro, pelo tamanho ou pela cor do pincel utilizado, sentia dificuldade.

A consulta de Enzo Vasconcelos, de 15 anos, com o oftalmologista está marcada. Ele não sabe ainda se aumentou o grau de miopia. Mas desde o ano passado, com o retorno das aulas presenciais, tem dificuldades de enxergar durante as aulas. O adolescente considera que a exposição durante o ensino remoto deve ter prejudicado o desempenho ocular.

"Em casa, ele fica com o computador e a tv muito próximos. Foi se agravando. Se intensificou nos últimos anos. Se ele não vai de óculos, ele não acompanha o que está escrito. Eu fiquei assustada quando eu o vi tão perto da televisão. As dores de cabeça também aparecem", comenta a economista Daniela Vasconcelos, mãe de Enzo.

QUAL PAPEL DA ESCOLA

De acordo com Marina Roizenblatt, o papel da escola é fundamental para identificar problemas oftalmológicos. Para ela, alguns comportamentos, que podem ser classificados como "bagunça", indicam, muitas vezes, algo mais grave.

"Uma coisa que a gente vê bastante no consultório é a criança que está fazendo bagunça, que levanta da carteira, sempre vai na frente, e muitas vezes o que acontece é que ela não está enxergando e o professor é fundamental para identificar e orientar os pais", analisa.

Solange Rodella, coordenadora da educação infantil do Colégio Montessori Santa Terezinha, acha que o aluno da primeira infância foi o mais prejudicado. O exemplo que ela traz é a apatia de muitas crianças frente a atividades que exigem movimentos. Algumas, ela diz, que chegam a deitar sem interesse algum.

"Ao fazer reuniões com os pais, notamos uma semelhança nas rotinas dessas crianças: uso excessivo de telas. Sabiam até jogar sozinhos no computador, aos 2 anos de idade". Rodella sugeriu aos responsáveis a troca imediata das telas por jogos e brincadeiras entre a família e a criança.

A coordenadora da educação lembra que no início das mudanças de comportamento as crianças apresentavam algo similar a abstinência de tela. "Mostraram irritabilidade excessiva, falta de foco, ausência de sono e, após um período sem o estímulo das luzes das telas, já dormiam melhor e traziam um comportamento mais esperado para a idade". E complementa: "como os comportamentos não foram casos isolados, trouxemos também uma psicóloga para orientar os pais."

Em Ribeirão Preto, a preocupação do Colégio Itamarati, frisa Ana Laura Gusman, professora de produção textual e supervisora pedagógica, é com a alfabetização das crianças, período em que há o desenvolvimento de novas habilidades de leitura e escrita. "Aqui estimulamos a criatividade e aprendizagem longe das telas. Caso seja notado prejuízo na visão, por exemplo, orientamos a família a procurar especialistas".

A defesa do professor de Ciência e Tecnologia, no Colégio Leonardo Da Vinci, Felipe Franco de Barros, é de que a tecnologia como ferramenta no aprendizado precisa ser tratada com muita atenção. Em casa, com acompanhamento constante por parte dos responsáveis para certificar que naquele momento as crianças estejam fazendo o uso adequado do dispositivo eletrônico. Enquanto na escola, é preciso contraponto a utilização das ferramentas para fortalecer as diversas formas de aprendizagem.

Barros afirma que acompanha e entende, assim como na literatura, que muitas crianças vivenciaram hiper estímulos ou informações em excesso centralizadas nos dispositivos digitais. "O reflexo disso sabemos que pode levar ao esquecimento por falta de atenção, uma vez que as dispersões nos meios digitais são muito maiores comparadas com as informações dispostas em lousas e outros", explica.

O professor relata que a exposição além do ideal refletiu diretamente em sala de aula. No dia a dia, comenta, alguns alunos apresentam sinais de impaciência, dependência para produções de textos e desatenção em leituras offline. A disciplina na qual é responsável tenta minimizar os impactos tanto nos anos iniciais quanto nos finais do ensino fundamental.

Para isso, tenta desviar do uso apenas da tecnologia e estimular a colaboração entre os estudantes. Nos anos iniciais, Barros intercala o uso de computadores e tablets com os desenvolvimentos de raciocínio lógico com programações sequenciais em pequenos robôs para cumprir missões apresentadas nas aulas. Nas turmas mais avançadas, há incentivo para escrita aos a fim de estimular o léxico e flexibilidade linguística.

As propostas precisam sempre considerar os diferentes meios e suportes de aprendizagem e equilibrar tecnologia com tempos presenciais em que o aluno possa observar e prender seu olhar em algo fisicamente vivo. É um desafio às escolas que vendem o termo "tecnologia" junto a sua proposta pedagógica pois ela precisa considerar o tempo total de tela que um aluno pode ter considerando casa + escola.

Pais e responsáveis legais também podem colaborar. Estreitar laços e combinados com as escolas é uma das melhores escolhas sempre. E determinar tempos para os aparelhos em casa é um segundo momento de cuidado com o filho. Não apenas pela saúde ocular, mas também a do restante do corpo e a emocional.

Afinal, estamos falando de um órgão que é "janela da alma e espelho do mundo".

Exposição excessiva às telas durante a pandemia e a permanência do uso pós isolamento social contribuem para elevar o número de crianças e adolescentes diagnosticados com miopia

"Epidemia é uma manifestação coletiva de uma doença que pode se espalhar por contágio direito ou indireto, perdura por um tempo e depois desaparece".

É a partir desta reflexão que oftalmologistas têm explicado a onda crescente de diagnósticos de miopia em crianças e adolescentes. Para eles, estamos vivendo uma epidemia da doença e a grande responsável é a exposição excessiva às telas.

Mas eu te pergunto: será que não vivemos, também, uma miopia social? O que a gente anda deixando de ver ou fingindo não ver? Será realmente que "o que os olhos não vêem o coração não sente?". A se pensar.

Fato é que realmente existe um aumento de casos de miopia em consultórios médicos. A percepção é resultante da pesquisa inédita coordenada pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), realizada entre abril e junho de 2021. O estudo, baseado em informações colhidas junto aos especialistas no atendimento deste público, revela o impacto da pandemia na saúde ocular da população infanto-juvenil.

De acordo com 71,9% dos oftalmologistas entrevistados, cresceu a quantidade de pacientes com idades de 0 a 19 anos com diagnóstico de miopia. Para 75,6% dos especialistas, essa situação tem como causa principal a exposição das crianças e dos adolescentes às telas dos aparelhos eletrônicos, seja por conta do ensino à distância ou atividades de lazer, como assistir televisão ou jogar videogames.

É o caso de Kaique Parente, 17 anos, e Lucas Teixeira,16, que vivem em estados diferentes, mas compartilham do mesmo problema: o grau de miopia de ambos aumentou durante a pandemia. Principalmente, por conta da exposição excessiva às telas dos aparelhos eletrônicos tanto para uso da escola quanto redes sociais e jogos.

 Foto: Estadão

Para o coordenador da pesquisa, Fábio Ejzenbaum, especialista do CBO e presidente da Sociedade Brasileira de Oftalmologia Pediátrica (SBOP), o que existe é uma epidemia de miopia e, para contê-la, além da redução do uso de telas, é preciso também cuidado com os fatores ambientais.

"É comprovado que se você ficar em média pelo menos duas horas em ambiente externo sua chance de ser míope pode ser reduzida em até 40%. O sol libera neurotransmissores que fazem o olho crescer menos. Por isso, recomendo menos telas e mais atividades ao ar livre, como jogar bola e andar de bicicleta. Não é tomar sol no olho, mas ficar em ambiente externo é muito importante. Atividade ao ar livre reduz a progressão da miopia", destaca.

A oftalmologista Marina Roizenblatt reitera o boom da doença. Para ela, existia uma progressão da doença, mas houve explodiu com a pandemia. "Os diagnósticos nos consultórios já são perceptivos", revela. "Crianças e adolescentes passaram a reclamar cada vez mais de problemas oculares até então característicos de adultos, como secura, sensação de areia, cansaço e baixa de visão, principalmente no final do dia, depois de uma jornada intensa frente aos aparelhos seja por conta das atividades entretenimento ou escolares".

O CBO considera a situação preocupante, pois revela que as mudanças de hábitos geradas pela pandemia estão afetando a saúde ocular dos jovens, com possibilidade de complicações no futuro. Isso ocorre porque o diagnóstico de miopia aponta uma situação de "fragilidade do olho", que pode avançar na forma de outras doenças, como descolamento de retina, catarata e glaucoma, que leva à cegueira. Veja, cegueira.

Leonardo da Vinci tem uma daquelas frases célebres que circula pela internet como se não tivesse dono que diz o seguinte: "os olhos são a janela da alma e o espelho do mundo". E eu volto à provocação inicial: o que do mundo estamos deixando de ver que tem machucado os olhos e a alma? O que tem nos tornado produtores de doenças epidêmicas? A se pensar.

Outro estudo publicado pela revista científica Jama Ophthalmology, da China, mostra que o número de casos de miopia em crianças entre 6 e 8 anos cresceu, em 2020, até três vezes em comparação com os cinco anos anteriores.

Os pesquisadores aferiram que o confinamento domiciliar, devido à pandemia, está associado a uma mudança substancial da miopia em crianças. O estado refrativo de crianças mais jovens pode estar mais sensível às mudanças ambientais do que em crianças mais velhas, visto que se encontram em um período importante para o desenvolvimento da miopia.

No Brasil, a situação é semelhante. Segundo o CBO, aproximadamente 6,8 milhões de crianças já sofrem com a miopia. "A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a miopia atinja metade da população mundial até 2050, por isso as atenções devem estar voltadas às nossas crianças, principalmente porque elas estão se tornando míopes em idades cada vez mais baixas", afirma Gerson Cespi, diretor geral da CooperVision no Brasil.

Kaique e Lucas contam que pouco fizeram atividades externas durante a pandemia e seguem com o uso excessivo de teles mesmo após o fim do isolamento social. Lucas, morador do município de Nova Parnamirim, no Rio Grande do Norte, diz que passou, em média, 2 mil horas por ano, entre 2020 e 2021, só jogando videogame. É como se fossem mais de 83 dias ininterruptos. Ele diz que amigos alcançaram patamares mais altos, alguns com mais de 3,5 mil horas.

Sem contar o tempo gasto para acessar redes sociais, participar das aulas ou realizar tarefas escolares. "Não tinha nada para fazer. Então, eu resolvi ficar esse tempo jogando. Mas eu já reduzi o uso dos aparelhos. Por conta do retorno das aulas presenciais, estou quase com 200 horas jogando", garante.

O grau de miopia do adolescente aumentou quase 1 grau durante os últimos dois anos e agora ele usa óculos com lentes apropriadas para a interface com as telas. "Eu sentia muito desconforto em relação quando tentava ver o que estava escrito no quadro, tudo ficava embaçado. Além disso, eu também tinha muita dor de cabeça", relata.

Morador da capital paulista, Kaíque também precisou mudar os óculos quando viu a miopia crescer mais de 1 grau. Os incômodos apareciam quando tentava enxergar algumas frases no quadro, pelo tamanho ou pela cor do pincel utilizado, sentia dificuldade.

A consulta de Enzo Vasconcelos, de 15 anos, com o oftalmologista está marcada. Ele não sabe ainda se aumentou o grau de miopia. Mas desde o ano passado, com o retorno das aulas presenciais, tem dificuldades de enxergar durante as aulas. O adolescente considera que a exposição durante o ensino remoto deve ter prejudicado o desempenho ocular.

"Em casa, ele fica com o computador e a tv muito próximos. Foi se agravando. Se intensificou nos últimos anos. Se ele não vai de óculos, ele não acompanha o que está escrito. Eu fiquei assustada quando eu o vi tão perto da televisão. As dores de cabeça também aparecem", comenta a economista Daniela Vasconcelos, mãe de Enzo.

QUAL PAPEL DA ESCOLA

De acordo com Marina Roizenblatt, o papel da escola é fundamental para identificar problemas oftalmológicos. Para ela, alguns comportamentos, que podem ser classificados como "bagunça", indicam, muitas vezes, algo mais grave.

"Uma coisa que a gente vê bastante no consultório é a criança que está fazendo bagunça, que levanta da carteira, sempre vai na frente, e muitas vezes o que acontece é que ela não está enxergando e o professor é fundamental para identificar e orientar os pais", analisa.

Solange Rodella, coordenadora da educação infantil do Colégio Montessori Santa Terezinha, acha que o aluno da primeira infância foi o mais prejudicado. O exemplo que ela traz é a apatia de muitas crianças frente a atividades que exigem movimentos. Algumas, ela diz, que chegam a deitar sem interesse algum.

"Ao fazer reuniões com os pais, notamos uma semelhança nas rotinas dessas crianças: uso excessivo de telas. Sabiam até jogar sozinhos no computador, aos 2 anos de idade". Rodella sugeriu aos responsáveis a troca imediata das telas por jogos e brincadeiras entre a família e a criança.

A coordenadora da educação lembra que no início das mudanças de comportamento as crianças apresentavam algo similar a abstinência de tela. "Mostraram irritabilidade excessiva, falta de foco, ausência de sono e, após um período sem o estímulo das luzes das telas, já dormiam melhor e traziam um comportamento mais esperado para a idade". E complementa: "como os comportamentos não foram casos isolados, trouxemos também uma psicóloga para orientar os pais."

Em Ribeirão Preto, a preocupação do Colégio Itamarati, frisa Ana Laura Gusman, professora de produção textual e supervisora pedagógica, é com a alfabetização das crianças, período em que há o desenvolvimento de novas habilidades de leitura e escrita. "Aqui estimulamos a criatividade e aprendizagem longe das telas. Caso seja notado prejuízo na visão, por exemplo, orientamos a família a procurar especialistas".

A defesa do professor de Ciência e Tecnologia, no Colégio Leonardo Da Vinci, Felipe Franco de Barros, é de que a tecnologia como ferramenta no aprendizado precisa ser tratada com muita atenção. Em casa, com acompanhamento constante por parte dos responsáveis para certificar que naquele momento as crianças estejam fazendo o uso adequado do dispositivo eletrônico. Enquanto na escola, é preciso contraponto a utilização das ferramentas para fortalecer as diversas formas de aprendizagem.

Barros afirma que acompanha e entende, assim como na literatura, que muitas crianças vivenciaram hiper estímulos ou informações em excesso centralizadas nos dispositivos digitais. "O reflexo disso sabemos que pode levar ao esquecimento por falta de atenção, uma vez que as dispersões nos meios digitais são muito maiores comparadas com as informações dispostas em lousas e outros", explica.

O professor relata que a exposição além do ideal refletiu diretamente em sala de aula. No dia a dia, comenta, alguns alunos apresentam sinais de impaciência, dependência para produções de textos e desatenção em leituras offline. A disciplina na qual é responsável tenta minimizar os impactos tanto nos anos iniciais quanto nos finais do ensino fundamental.

Para isso, tenta desviar do uso apenas da tecnologia e estimular a colaboração entre os estudantes. Nos anos iniciais, Barros intercala o uso de computadores e tablets com os desenvolvimentos de raciocínio lógico com programações sequenciais em pequenos robôs para cumprir missões apresentadas nas aulas. Nas turmas mais avançadas, há incentivo para escrita aos a fim de estimular o léxico e flexibilidade linguística.

As propostas precisam sempre considerar os diferentes meios e suportes de aprendizagem e equilibrar tecnologia com tempos presenciais em que o aluno possa observar e prender seu olhar em algo fisicamente vivo. É um desafio às escolas que vendem o termo "tecnologia" junto a sua proposta pedagógica pois ela precisa considerar o tempo total de tela que um aluno pode ter considerando casa + escola.

Pais e responsáveis legais também podem colaborar. Estreitar laços e combinados com as escolas é uma das melhores escolhas sempre. E determinar tempos para os aparelhos em casa é um segundo momento de cuidado com o filho. Não apenas pela saúde ocular, mas também a do restante do corpo e a emocional.

Afinal, estamos falando de um órgão que é "janela da alma e espelho do mundo".

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