Semestre escolar termina com uma das discussões mais quentes e urgentes dos nossos tempos: como lidar com as telas dentro das escolas? Como cuidar da saúde mental de crianças e adolescentes frente aos índices de ansiedade e depressão disparados pelas redes sociais?
Certamente essa é uma das discussões mais complexas dos nossos tempos: o uso (irrestrito) das telas por crianças e adolescentes. Não faltam estudos e pesquisas correlacionando os altos índices de ansiedade e depressão ao uso de redes sociais pela Geração Z e Alpha.
Segundo levantamento do Instituto de Psiquiatria de Infância e Adolescência da USP, 35% deles sofrem de transtornos. Os índices superam os de adultos pela primeira vez no país e preocupam, claro. Mas também revelam uma mudança cultural e social que impacta, diretamente, o comportamento das crianças e adolescentes - além dos nossos.
Questões como mudanças climáticas, crises políticas, a pandemia da COVID-19 e sim, as redes sociais são alguns dos fatores que contribuem para os números crescentes. Temos duas gerações digitais (a Alpha é inteiramente digital) vivendo as consequências da exposição às telas e seus conteúdos.
E contra todo esse mal - se é que podemos chamar assim - existe uma rede lutando contra. Médicos, pediatras, psicólogos, pais, mães, deputados, educadores, escolas, enfim, uma parte importante da sociedade está empenhada em cuidar da saúde física e mental de crianças e adolescentes. Uma das ações importantes que tem se debatido muito dentro das escolas é o projeto de Lei escrito pela deputada estadual Marina Helou que pede a proibição de aparelhos celulares dentro das escolas.
Segundo dados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), exame aplicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mais de 45% dos alunos relatam que o uso de dispositivos em sala de aula atrapalha a atenção nas aulas de matemática. O índice aponta, também, o Brasil como o sexto país com a maior taxa (40,3%) de alunos que afirmam se dispersar quando observam o uso do equipamento por um outro colega.
Mas, para além do que o debate se os celulares devem ser proibidos nas escolas ou não, deveríamos estar debatendo como ensinar adolescentes, jovens e adultos a fazerem uso das telas e das plataformas de redes sociais.
Essa foi a ponderação que um adolescente de 16 anos fez após escutar a fala da deputada estadual, em sua escola, sobre o projeto de lei. Outro aluno questiona: "seu projeto quer proibir o uso no recreio, certo? Nosso recreio dura cerca de 35 minutos, em casa algumas crianças e adolescentes passam muito mais tempo que isso na frente da tela. Você não acha que o problema maior está dentro das casas?".
Pois é, o Brasil é o 2º. país em que adultos passam mais tempo em frente às telas, segundo a plataforma Electronics Hub. Cerca de 58% dos brasileiros gastam seu tempo grudado numa tela e a presença é maciça nas redes sociais. São 9h/ média contra 4/5h de crianças e adolescentes.
Horas todas em excesso, sem dúvida alguma. Mas o que estou querendo levantar aqui, de novo, é que o menor dos problemas mora dentro das escolas - o que não significa que também existam questões ali dentro. Mas as grandes horas em frente às telas e longe das relações sociais, moram dentro de casa, moram na sociedade. Somos uma sociedade de adultos viciada em telas e redes sociais tentando salvar crianças e adolescentes dos índices altíssimos de transtornos mentais.
Crianças dentro de escolas, brincam. Adolescentes dentro de escolas, batem papo. Eles checam as redes? Checam, mas não passam todo intervalo escondidos atrás das telas. Existe um caso ou outro isolado e a tela é só um recurso que esconde questões maiores de socialização.
É indiscutível que crianças (me refiro a Educação Infantil e Fundamental 1 não devem usar/ levar aparelhos celulares nas escolas. Aliás, elas ainda nem deveriam tê-los), mas quando estamos falando dos anos finais do Fundamental 2 e Ensino Médio, adolescentes, a conversa precisa ser outra. A conversa precisa ser construída junto deles. Imposições que não "fazem sentido" a eles, perdem seu valor pedagógico e adesão social. Quando eles se engajam com alguma questão, eles aderem e dai sim, provocam mudanças. E não é isso que a gente quer?
"O projeto dela deve passar porque é muito bom e está embasado", me conta o adolescente. "Mas achar que proibir resolve é uma mentira. Tem gente que quando chegar em casa vai passar ainda mais tempo como compensação. Fora que na escola é onde menos a gente usa", completa o adolescente de 16 anos.
Eu vivo dentro de escola e não é neste território que as telas geram os maiores problemas - de novo: o que não significa que não existam problemas com aparelhos celulares dentro das escolas. Eles existem. Sala de aula não é lugar de ficar checando mensagem de WhatsApp. Mas que boas práticas podem ser implementadas para gerar consciência e educação além de proibir? Algumas escolas têm colocado caixas nas entradas das salas onde os adolescentes deixam seus aparelhos e tem funcionado. O que mais pode ser pensado e construído junto dos alunos? Educadores e profissionais das escolas também vão aderir? Porque precisam todos mudar o comportamento. Todos.
O problema mora fora das escolas. Mora nas casas, nas ruas, nas praças, shoppings, clubes. Mora na sociedade. E se não olharmos para isso com a seriedade que precisa, vamos jogar a conta no colo de adolescentes - principalmente.
A entrada precoce dessas gerações, Z e Alpha, num ambiente tão cheio de camadas e acessos como o da internet, mostra que é preciso, urgentemente, implementar a chamada educação midiática. Eles precisam desenvolver capacidades e habilidades para serem capazes de navegar na internet com maior senso crítico. Se não dermos ferramentas a eles continuarão sendo analfabetos digitais.
É preciso educar para o uso equilibrado e saudável das telas e das redes sociais. É preciso reeducar pais, mães e responsáveis legais. "Toda educação é autoeducação", já dizia Rudolf Steiner, lá em 1920.
Crianças e adolescentes precisam de uso supervisionado e mediado das telas. Precisam da educação efetiva de adultos e uma relação de confiança para que possam conversar sobre os contratempos que podem acontecer nas redes. Restringir é preciso, mas educar - e se reeducar - é o primeiro passo para uma mudança sustentável. Que perdure.
A internet, assim como as redes sociais, é um fato concreto em nossas vidas e também na deles e, por isso, a regulamentação das plataformas é urgente. Nos Estados Unidos tramita um projeto de Lei que as obrigam a alertarem adolescentes dos males que provocam na saúde mental. Mais ou menos, como aquelas imagens de alerta nas caixinhas de cigarro, sabe?
Quanto mais conseguirmos retardar o acesso, melhor. Quanto mais preservarmos e garantirmos um infância de brincadeiras, melhor. Uma geração de crianças saudáveis garante uma geração de adolescentes saudáveis. Só que para isso, precisamos oferecer e garantir ambientes e experiências saudáveis a eles.
As escolas têm se empenhado fortemente a fazer seu trabalho. A restringir o uso, até então, irrestrito das telas dentro de seus ambientes. Buscando promover espaços saudáveis e sociáveis à crianças e adolescentes. Mas e nós, sociedade, o que temos feito? Será que conseguimos restringir o nosso uso? Será que conseguimos restabelecer relações saudáveis e afetuosas em família?
É preciso uma aldeia para educar e cuidar de crianças e, incluo aqui, adolescentes. Uma aldeia formada por escolas, pais, governos e sociedade civil. Sozinhas as escolas não serão capazes de salvar uma geração inteira. Precisamos encontrar nosso papel dentro dessa rede, dessa aldeia.