Comportamento Adolescente e Educação

O problema não está na porta das escolas, mas dentro delas


Por Carolina Delboni

Enquanto alguns discutem se devem ou não instalar detectores de metais na porta das escolas para conter a violência, mais de um milhão de alunos não têm água potável nas instituições. Entenda como a falta de infraestrutura sustenta a violência

Entrou em vigor, no começo de maio, a vistoria de alunos da rede estadual de Goiás com o uso de detectores de metais. A partir da data, todo e qualquer aluno que chega à porta da escola é inspecionado por um funcionário antes de entrar. Se nada apitar, o aluno está liberado.

O governador, que direcionou R$1,8 milhões de reais aos Conselhos Regionais para que fossem designados às escolas, acredita que a medida é capaz de aumentar a segurança dentro das escolas e conter possíveis episódios de violência.

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As instituições têm relatado que a medida, parte de um pacote de iniciativas, foi acolhida por alunos e famílias. "A aceitação foi muito tranquila e a comunidade está gostando dessa ação. Estamos fazendo a verificação esporadicamente, escolhendo alguns dias da semana", relata Arley Ferreira Alves, gestor do Cepi, Centro de Ensino em Período Integral, Juscelino Kubitschek.

Cada estado adotou uma série de medidas para chamar de sua. Entre algumas delas, foi possível notar uma semelhança: a mobilização de forças de segurança para proteger o território das escolas. No estado de São Paulo, por exemplo, o governo anunciou a contratação de mil seguranças privados para atuar na proteção de escolas estaduais. No Nordeste, o estado do Ceará intensificou ações de vigilância.

Mas me diga você, como se sente ao passar pelo detector de metais de uma agência bancária ou da Polícia Federal, no aeroporto? Você fica apreensivo? Sente medo? Sente-se irritado? Ou acha legal? Divertido. Sente-se mais seguro?

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As perguntas todas são intencionais e a proposta é levar o leitor a reflexão. Agora coloque-se no lugar de uma criança ou de um adolescente que, constantemente, tem que lidar com as sensações que um detector de metal provoca no próprio corpo e no psicológico.

Claro que quando essa ação entra no cotidiano ela acaba se normalizando e existe um deslocamento das sensações iniciais para uma tendência a neutralizá-las. Ou seja, o aluno que inicialmente sentia-se desconfortável, com medo ou incomodado, tende a se acostumar e não ver mais problema. Agora eu te pergunto mais uma coisa: deveríamos naturalizar o incômodo que um detector de metal nos provoca?

As violências que podem vir a acontecer dentro de uma escola estão longe de serem barradas por um detector de metal na porta das instituições. É uma medida protetiva? É, mas será que existem outras que possam ser menos violentas do que a convivência com um objeto que tem por simbologia a própria violência?

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Escolas estaduais em MG adotaram policiais civis nas portas das escolas como medida de segurança. Foto: Cristiano Machado/ imprensa MG

Existem problemas seríssimos que atravessam a porta das escolas todo santo dia e ninguém detecta, ninguém vê, ninguém investe ou repassa recursos. Apesar do choque de dois atentados recentes, não é de hoje que as instituições brasileiras abrigam uma série de violências. E, diferente do que muitos pensam, elas moram - vivem - dentro dos espaços escolares. Salas de aula, pátio, banheiros, corredores, sala dos professores.

Alunos, educadores e funcionários não escapam de situações violentas, que podem ir de agressões verbais até físicas, passando por deterioração do espaço escolar, entre outras formas. São esses casos que vêm sendo registrados com frequência em diversas partes do país.

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Um estudo de 2019 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostrou as escolas brasileiras como ambientes mais propícios ao bullying e à intimidação do que a média internacional. Bullying e intimidação não são disciplinas curriculares, mas aparecem no cotidiano de crianças e adolescentes.

Há um bom tempo, especialistas buscam uma explicação para o surgimento de tamanha violência. A origem não vem de um só lugar e passa pela realidade socioeconômica do jovem e pelas suas influências familiares, que podem estimular ou não atos violentos. É como se os problemas sociais de fora da sala de aula e dos corredores acompanhassem o jovem no seu dia a dia, podendo transformá-lo em violento. No entanto, a explicação passa também pelo que acontece dentro desses espaços.

Um levantamento feito pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas Brasileiros (Atricon) com base em dados do Censo Escolar de 2021 indicou que pelo menos 14,7 milhões de estudantes brasileiros enfrentam ausência de infraestrutura adequada nas escolas, como acesso à água potável e a banheiros em condições de uso, problemas que estão mais presentes nas escolas públicas, o que agrava ainda mais as desigualdades.

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Agora pense comigo: como você se sentiria ao chegar todo dia na sua escola e se deparar com um ambiente degradado, mal cuidado, com instalações quebradas há anos e que ninguém conserta, ninguém arruma? Você gostaria de trabalhar num lugar que não tivesse um banheiro limpinho com papel higiênico para usar?

Você gostaria de trabalhar num lugar que cheira mofo? Com a probabilidade de um teto poder desabar sobre vocês a qualquer momento? Você gostaria de trabalhar num lugar em que a cadeira que você se senta te machuca? Em que a mesa é pequena demais e você mal tem espaço para abrir o computador ou um caderno? O que você pensaria desta empresa? Será que ela cuida dos seus colaboradores?

Tudo isso que você foi respondendo mentalmente se aplica as escolas brasileiras e ao sentimento que ela provoca em seus alunos, principalmente nos adolescentes que têm consciência da degradação do espaço escolar e da negligência de políticas publicas para melhorias de infraestrutura.

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Como você acha que esses alunos se sentem? Cuidados? Em abril deste ano, pela primeira vez no país, Tribunais Regionais de Contas realizaram fiscalização simultâneas em mais de mil escolas.

De acordo com o presidente da Atricon, Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil, Cezar Miola, dados do Censo Escolar 2022 que subsidiaram a seleção das escolas a serem visitadas apontam que pelo menos 12,9 milhões de estudantes da educação básica da rede pública frequentam unidades que apresentam algum problema de infraestrutura.

Quase um milhão deles estão matriculados em estabelecimentos de ensino sem acesso à água potável e 390 mil estudam em escolas sem banheiros. "O poder público precisa garantir meios para que as escolas ofereçam condições básicas, num ambiente de acolhimento, segurança e aprendizagem; é um direito das famílias e da sociedade", disse.

Ele disse "acolhimento" e eu vou sublinhar essa palavra aqui e te fazer uma nova pergunta. Como você gostaria de ser recebido num lugar: com o boas-vindas de um detector de metal ou se deparando com um ambiente que, nitidamente, foi cuidado e arrumado para te receber?

Na contramão do trabalho que deveria ser feito dentro das escolas, estamos nos preocupando com as portas das instituições. Só que existe uma violência muito maior que vive dentro delas, está instalada e impregnada no cotidiano de cada aluno.

Temos nos convencido de que arma, segurança, policiais, detectores e o que mais for sinônimo de proteção são meios eficazes de combater a violência. Mas a gente se esquece que a violência está instituída em cada um desses objetos, desses supostos guardiões. Porque é uma violência indescritível receber uma criança ou um adolescente na porta de uma escola com um objeto passando pela sua mochila e pelo seu corpo. É sutil, mas isso é violência.

E enquanto a gente normaliza esse tipo de violência, mantemos no limbo a violência que é a precariedade da infraestrutura das escolas. Mantemos no limbo os salários baixos dos professores e as poucas formações que eles recebem ou têm acesso.

Mantemos no limbo o adolescente que chega na escola e não recebe acolhimento algum. Que precisa lidar com professores cansados, que não tem paciência para escutá-los, com gestores preocupados em punições e não ações formativas, com um ambiente que violenta seus direitos como cidadão.

Os problemas dentro das escolas são imensos, antigos e precisam de investimentos públicos. O governo de São Paulo contratou 550 psicólogos para atuar nas escolas estaduais, mas elas passam de 5mil, ou seja, temos um profissional para cada 10 escolas. Como? Como um psicólogo pode dar conta de fazer um bom atendimento, um bom trabalho, dentro de uma escola se ele tem dez para atender? Com qual frequência ele vai conseguir fazer visitas?

A intenção é boa, mas ela falha quando o investimento é pequeno. É como "tapar o sol com a peneira", conhece o ditado? São R$240 milhões investidos pelo governo do estado de SP no pacote contra a violência nas escolas. Um quinto do valor destinado a contratação de psicólogos contra o dobro destinado à seguranças e polícia militar, cujos valores não foram divulgados (apenas o número de profissionais).

Parte do programa também incluiu a ampliação do Conviva SP que conta com a contratação de 5 mil professores com jornada de 10 horas semanais exclusivas para disseminar ações do programa em suas escolas. Este período de trabalho representa R$ 120 milhões e estamos falando, de novo, de uma média de 1 professor para cada 10 escolas. Como? Você consegue atender a dez empresas ao mesmo tempo?

"Os 5 mil professores de convivência farão a primeira abordagem aos alunos, com um olhar para o acolhimento e a saúde mental. Além disso, os psicólogos darão uma assistência especializada, auxiliando os professores e alunos com todo o suporte necessário, explicou o secretário de Estado da Educação, Renato Feder.

Uma outra iniciativa é a criação do programa Segurança Escolar, que vai colocar de forma permanente um policial em cada escola. A ideia é recontratar os agentes de segurança já aposentados para assumir a função de gestores do programa. A Secretaria de Segurança Pública do Estado já elaborou o plano. Agora, um projeto de lei será apresentado para a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo pelo executivo, para que esse tipo de contratação seja permitido.

Mas eu volto ao início deste texto: enquanto se discute a instalação de detectores de metais nas portas das escolas, perdemos todos a chance de direcionar recursos para a melhoria da infraestrutura das escolas, para o treinamento e formação de professores e para os cuidados com a saúde mental dos alunos que anda dando sinais vitais de esgotamento.

É preciso que haja, de fato, um esforço sistêmico em criar melhores condições de ensino e convivência às crianças e adolescentes no Brasil. O investimento deveria ser este.

Enquanto alguns discutem se devem ou não instalar detectores de metais na porta das escolas para conter a violência, mais de um milhão de alunos não têm água potável nas instituições. Entenda como a falta de infraestrutura sustenta a violência

Entrou em vigor, no começo de maio, a vistoria de alunos da rede estadual de Goiás com o uso de detectores de metais. A partir da data, todo e qualquer aluno que chega à porta da escola é inspecionado por um funcionário antes de entrar. Se nada apitar, o aluno está liberado.

O governador, que direcionou R$1,8 milhões de reais aos Conselhos Regionais para que fossem designados às escolas, acredita que a medida é capaz de aumentar a segurança dentro das escolas e conter possíveis episódios de violência.

As instituições têm relatado que a medida, parte de um pacote de iniciativas, foi acolhida por alunos e famílias. "A aceitação foi muito tranquila e a comunidade está gostando dessa ação. Estamos fazendo a verificação esporadicamente, escolhendo alguns dias da semana", relata Arley Ferreira Alves, gestor do Cepi, Centro de Ensino em Período Integral, Juscelino Kubitschek.

Cada estado adotou uma série de medidas para chamar de sua. Entre algumas delas, foi possível notar uma semelhança: a mobilização de forças de segurança para proteger o território das escolas. No estado de São Paulo, por exemplo, o governo anunciou a contratação de mil seguranças privados para atuar na proteção de escolas estaduais. No Nordeste, o estado do Ceará intensificou ações de vigilância.

Mas me diga você, como se sente ao passar pelo detector de metais de uma agência bancária ou da Polícia Federal, no aeroporto? Você fica apreensivo? Sente medo? Sente-se irritado? Ou acha legal? Divertido. Sente-se mais seguro?

As perguntas todas são intencionais e a proposta é levar o leitor a reflexão. Agora coloque-se no lugar de uma criança ou de um adolescente que, constantemente, tem que lidar com as sensações que um detector de metal provoca no próprio corpo e no psicológico.

Claro que quando essa ação entra no cotidiano ela acaba se normalizando e existe um deslocamento das sensações iniciais para uma tendência a neutralizá-las. Ou seja, o aluno que inicialmente sentia-se desconfortável, com medo ou incomodado, tende a se acostumar e não ver mais problema. Agora eu te pergunto mais uma coisa: deveríamos naturalizar o incômodo que um detector de metal nos provoca?

As violências que podem vir a acontecer dentro de uma escola estão longe de serem barradas por um detector de metal na porta das instituições. É uma medida protetiva? É, mas será que existem outras que possam ser menos violentas do que a convivência com um objeto que tem por simbologia a própria violência?

Escolas estaduais em MG adotaram policiais civis nas portas das escolas como medida de segurança. Foto: Cristiano Machado/ imprensa MG

Existem problemas seríssimos que atravessam a porta das escolas todo santo dia e ninguém detecta, ninguém vê, ninguém investe ou repassa recursos. Apesar do choque de dois atentados recentes, não é de hoje que as instituições brasileiras abrigam uma série de violências. E, diferente do que muitos pensam, elas moram - vivem - dentro dos espaços escolares. Salas de aula, pátio, banheiros, corredores, sala dos professores.

Alunos, educadores e funcionários não escapam de situações violentas, que podem ir de agressões verbais até físicas, passando por deterioração do espaço escolar, entre outras formas. São esses casos que vêm sendo registrados com frequência em diversas partes do país.

Um estudo de 2019 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostrou as escolas brasileiras como ambientes mais propícios ao bullying e à intimidação do que a média internacional. Bullying e intimidação não são disciplinas curriculares, mas aparecem no cotidiano de crianças e adolescentes.

Há um bom tempo, especialistas buscam uma explicação para o surgimento de tamanha violência. A origem não vem de um só lugar e passa pela realidade socioeconômica do jovem e pelas suas influências familiares, que podem estimular ou não atos violentos. É como se os problemas sociais de fora da sala de aula e dos corredores acompanhassem o jovem no seu dia a dia, podendo transformá-lo em violento. No entanto, a explicação passa também pelo que acontece dentro desses espaços.

Um levantamento feito pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas Brasileiros (Atricon) com base em dados do Censo Escolar de 2021 indicou que pelo menos 14,7 milhões de estudantes brasileiros enfrentam ausência de infraestrutura adequada nas escolas, como acesso à água potável e a banheiros em condições de uso, problemas que estão mais presentes nas escolas públicas, o que agrava ainda mais as desigualdades.

Agora pense comigo: como você se sentiria ao chegar todo dia na sua escola e se deparar com um ambiente degradado, mal cuidado, com instalações quebradas há anos e que ninguém conserta, ninguém arruma? Você gostaria de trabalhar num lugar que não tivesse um banheiro limpinho com papel higiênico para usar?

Você gostaria de trabalhar num lugar que cheira mofo? Com a probabilidade de um teto poder desabar sobre vocês a qualquer momento? Você gostaria de trabalhar num lugar em que a cadeira que você se senta te machuca? Em que a mesa é pequena demais e você mal tem espaço para abrir o computador ou um caderno? O que você pensaria desta empresa? Será que ela cuida dos seus colaboradores?

Tudo isso que você foi respondendo mentalmente se aplica as escolas brasileiras e ao sentimento que ela provoca em seus alunos, principalmente nos adolescentes que têm consciência da degradação do espaço escolar e da negligência de políticas publicas para melhorias de infraestrutura.

Como você acha que esses alunos se sentem? Cuidados? Em abril deste ano, pela primeira vez no país, Tribunais Regionais de Contas realizaram fiscalização simultâneas em mais de mil escolas.

De acordo com o presidente da Atricon, Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil, Cezar Miola, dados do Censo Escolar 2022 que subsidiaram a seleção das escolas a serem visitadas apontam que pelo menos 12,9 milhões de estudantes da educação básica da rede pública frequentam unidades que apresentam algum problema de infraestrutura.

Quase um milhão deles estão matriculados em estabelecimentos de ensino sem acesso à água potável e 390 mil estudam em escolas sem banheiros. "O poder público precisa garantir meios para que as escolas ofereçam condições básicas, num ambiente de acolhimento, segurança e aprendizagem; é um direito das famílias e da sociedade", disse.

Ele disse "acolhimento" e eu vou sublinhar essa palavra aqui e te fazer uma nova pergunta. Como você gostaria de ser recebido num lugar: com o boas-vindas de um detector de metal ou se deparando com um ambiente que, nitidamente, foi cuidado e arrumado para te receber?

Na contramão do trabalho que deveria ser feito dentro das escolas, estamos nos preocupando com as portas das instituições. Só que existe uma violência muito maior que vive dentro delas, está instalada e impregnada no cotidiano de cada aluno.

Temos nos convencido de que arma, segurança, policiais, detectores e o que mais for sinônimo de proteção são meios eficazes de combater a violência. Mas a gente se esquece que a violência está instituída em cada um desses objetos, desses supostos guardiões. Porque é uma violência indescritível receber uma criança ou um adolescente na porta de uma escola com um objeto passando pela sua mochila e pelo seu corpo. É sutil, mas isso é violência.

E enquanto a gente normaliza esse tipo de violência, mantemos no limbo a violência que é a precariedade da infraestrutura das escolas. Mantemos no limbo os salários baixos dos professores e as poucas formações que eles recebem ou têm acesso.

Mantemos no limbo o adolescente que chega na escola e não recebe acolhimento algum. Que precisa lidar com professores cansados, que não tem paciência para escutá-los, com gestores preocupados em punições e não ações formativas, com um ambiente que violenta seus direitos como cidadão.

Os problemas dentro das escolas são imensos, antigos e precisam de investimentos públicos. O governo de São Paulo contratou 550 psicólogos para atuar nas escolas estaduais, mas elas passam de 5mil, ou seja, temos um profissional para cada 10 escolas. Como? Como um psicólogo pode dar conta de fazer um bom atendimento, um bom trabalho, dentro de uma escola se ele tem dez para atender? Com qual frequência ele vai conseguir fazer visitas?

A intenção é boa, mas ela falha quando o investimento é pequeno. É como "tapar o sol com a peneira", conhece o ditado? São R$240 milhões investidos pelo governo do estado de SP no pacote contra a violência nas escolas. Um quinto do valor destinado a contratação de psicólogos contra o dobro destinado à seguranças e polícia militar, cujos valores não foram divulgados (apenas o número de profissionais).

Parte do programa também incluiu a ampliação do Conviva SP que conta com a contratação de 5 mil professores com jornada de 10 horas semanais exclusivas para disseminar ações do programa em suas escolas. Este período de trabalho representa R$ 120 milhões e estamos falando, de novo, de uma média de 1 professor para cada 10 escolas. Como? Você consegue atender a dez empresas ao mesmo tempo?

"Os 5 mil professores de convivência farão a primeira abordagem aos alunos, com um olhar para o acolhimento e a saúde mental. Além disso, os psicólogos darão uma assistência especializada, auxiliando os professores e alunos com todo o suporte necessário, explicou o secretário de Estado da Educação, Renato Feder.

Uma outra iniciativa é a criação do programa Segurança Escolar, que vai colocar de forma permanente um policial em cada escola. A ideia é recontratar os agentes de segurança já aposentados para assumir a função de gestores do programa. A Secretaria de Segurança Pública do Estado já elaborou o plano. Agora, um projeto de lei será apresentado para a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo pelo executivo, para que esse tipo de contratação seja permitido.

Mas eu volto ao início deste texto: enquanto se discute a instalação de detectores de metais nas portas das escolas, perdemos todos a chance de direcionar recursos para a melhoria da infraestrutura das escolas, para o treinamento e formação de professores e para os cuidados com a saúde mental dos alunos que anda dando sinais vitais de esgotamento.

É preciso que haja, de fato, um esforço sistêmico em criar melhores condições de ensino e convivência às crianças e adolescentes no Brasil. O investimento deveria ser este.

Enquanto alguns discutem se devem ou não instalar detectores de metais na porta das escolas para conter a violência, mais de um milhão de alunos não têm água potável nas instituições. Entenda como a falta de infraestrutura sustenta a violência

Entrou em vigor, no começo de maio, a vistoria de alunos da rede estadual de Goiás com o uso de detectores de metais. A partir da data, todo e qualquer aluno que chega à porta da escola é inspecionado por um funcionário antes de entrar. Se nada apitar, o aluno está liberado.

O governador, que direcionou R$1,8 milhões de reais aos Conselhos Regionais para que fossem designados às escolas, acredita que a medida é capaz de aumentar a segurança dentro das escolas e conter possíveis episódios de violência.

As instituições têm relatado que a medida, parte de um pacote de iniciativas, foi acolhida por alunos e famílias. "A aceitação foi muito tranquila e a comunidade está gostando dessa ação. Estamos fazendo a verificação esporadicamente, escolhendo alguns dias da semana", relata Arley Ferreira Alves, gestor do Cepi, Centro de Ensino em Período Integral, Juscelino Kubitschek.

Cada estado adotou uma série de medidas para chamar de sua. Entre algumas delas, foi possível notar uma semelhança: a mobilização de forças de segurança para proteger o território das escolas. No estado de São Paulo, por exemplo, o governo anunciou a contratação de mil seguranças privados para atuar na proteção de escolas estaduais. No Nordeste, o estado do Ceará intensificou ações de vigilância.

Mas me diga você, como se sente ao passar pelo detector de metais de uma agência bancária ou da Polícia Federal, no aeroporto? Você fica apreensivo? Sente medo? Sente-se irritado? Ou acha legal? Divertido. Sente-se mais seguro?

As perguntas todas são intencionais e a proposta é levar o leitor a reflexão. Agora coloque-se no lugar de uma criança ou de um adolescente que, constantemente, tem que lidar com as sensações que um detector de metal provoca no próprio corpo e no psicológico.

Claro que quando essa ação entra no cotidiano ela acaba se normalizando e existe um deslocamento das sensações iniciais para uma tendência a neutralizá-las. Ou seja, o aluno que inicialmente sentia-se desconfortável, com medo ou incomodado, tende a se acostumar e não ver mais problema. Agora eu te pergunto mais uma coisa: deveríamos naturalizar o incômodo que um detector de metal nos provoca?

As violências que podem vir a acontecer dentro de uma escola estão longe de serem barradas por um detector de metal na porta das instituições. É uma medida protetiva? É, mas será que existem outras que possam ser menos violentas do que a convivência com um objeto que tem por simbologia a própria violência?

Escolas estaduais em MG adotaram policiais civis nas portas das escolas como medida de segurança. Foto: Cristiano Machado/ imprensa MG

Existem problemas seríssimos que atravessam a porta das escolas todo santo dia e ninguém detecta, ninguém vê, ninguém investe ou repassa recursos. Apesar do choque de dois atentados recentes, não é de hoje que as instituições brasileiras abrigam uma série de violências. E, diferente do que muitos pensam, elas moram - vivem - dentro dos espaços escolares. Salas de aula, pátio, banheiros, corredores, sala dos professores.

Alunos, educadores e funcionários não escapam de situações violentas, que podem ir de agressões verbais até físicas, passando por deterioração do espaço escolar, entre outras formas. São esses casos que vêm sendo registrados com frequência em diversas partes do país.

Um estudo de 2019 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostrou as escolas brasileiras como ambientes mais propícios ao bullying e à intimidação do que a média internacional. Bullying e intimidação não são disciplinas curriculares, mas aparecem no cotidiano de crianças e adolescentes.

Há um bom tempo, especialistas buscam uma explicação para o surgimento de tamanha violência. A origem não vem de um só lugar e passa pela realidade socioeconômica do jovem e pelas suas influências familiares, que podem estimular ou não atos violentos. É como se os problemas sociais de fora da sala de aula e dos corredores acompanhassem o jovem no seu dia a dia, podendo transformá-lo em violento. No entanto, a explicação passa também pelo que acontece dentro desses espaços.

Um levantamento feito pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas Brasileiros (Atricon) com base em dados do Censo Escolar de 2021 indicou que pelo menos 14,7 milhões de estudantes brasileiros enfrentam ausência de infraestrutura adequada nas escolas, como acesso à água potável e a banheiros em condições de uso, problemas que estão mais presentes nas escolas públicas, o que agrava ainda mais as desigualdades.

Agora pense comigo: como você se sentiria ao chegar todo dia na sua escola e se deparar com um ambiente degradado, mal cuidado, com instalações quebradas há anos e que ninguém conserta, ninguém arruma? Você gostaria de trabalhar num lugar que não tivesse um banheiro limpinho com papel higiênico para usar?

Você gostaria de trabalhar num lugar que cheira mofo? Com a probabilidade de um teto poder desabar sobre vocês a qualquer momento? Você gostaria de trabalhar num lugar em que a cadeira que você se senta te machuca? Em que a mesa é pequena demais e você mal tem espaço para abrir o computador ou um caderno? O que você pensaria desta empresa? Será que ela cuida dos seus colaboradores?

Tudo isso que você foi respondendo mentalmente se aplica as escolas brasileiras e ao sentimento que ela provoca em seus alunos, principalmente nos adolescentes que têm consciência da degradação do espaço escolar e da negligência de políticas publicas para melhorias de infraestrutura.

Como você acha que esses alunos se sentem? Cuidados? Em abril deste ano, pela primeira vez no país, Tribunais Regionais de Contas realizaram fiscalização simultâneas em mais de mil escolas.

De acordo com o presidente da Atricon, Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil, Cezar Miola, dados do Censo Escolar 2022 que subsidiaram a seleção das escolas a serem visitadas apontam que pelo menos 12,9 milhões de estudantes da educação básica da rede pública frequentam unidades que apresentam algum problema de infraestrutura.

Quase um milhão deles estão matriculados em estabelecimentos de ensino sem acesso à água potável e 390 mil estudam em escolas sem banheiros. "O poder público precisa garantir meios para que as escolas ofereçam condições básicas, num ambiente de acolhimento, segurança e aprendizagem; é um direito das famílias e da sociedade", disse.

Ele disse "acolhimento" e eu vou sublinhar essa palavra aqui e te fazer uma nova pergunta. Como você gostaria de ser recebido num lugar: com o boas-vindas de um detector de metal ou se deparando com um ambiente que, nitidamente, foi cuidado e arrumado para te receber?

Na contramão do trabalho que deveria ser feito dentro das escolas, estamos nos preocupando com as portas das instituições. Só que existe uma violência muito maior que vive dentro delas, está instalada e impregnada no cotidiano de cada aluno.

Temos nos convencido de que arma, segurança, policiais, detectores e o que mais for sinônimo de proteção são meios eficazes de combater a violência. Mas a gente se esquece que a violência está instituída em cada um desses objetos, desses supostos guardiões. Porque é uma violência indescritível receber uma criança ou um adolescente na porta de uma escola com um objeto passando pela sua mochila e pelo seu corpo. É sutil, mas isso é violência.

E enquanto a gente normaliza esse tipo de violência, mantemos no limbo a violência que é a precariedade da infraestrutura das escolas. Mantemos no limbo os salários baixos dos professores e as poucas formações que eles recebem ou têm acesso.

Mantemos no limbo o adolescente que chega na escola e não recebe acolhimento algum. Que precisa lidar com professores cansados, que não tem paciência para escutá-los, com gestores preocupados em punições e não ações formativas, com um ambiente que violenta seus direitos como cidadão.

Os problemas dentro das escolas são imensos, antigos e precisam de investimentos públicos. O governo de São Paulo contratou 550 psicólogos para atuar nas escolas estaduais, mas elas passam de 5mil, ou seja, temos um profissional para cada 10 escolas. Como? Como um psicólogo pode dar conta de fazer um bom atendimento, um bom trabalho, dentro de uma escola se ele tem dez para atender? Com qual frequência ele vai conseguir fazer visitas?

A intenção é boa, mas ela falha quando o investimento é pequeno. É como "tapar o sol com a peneira", conhece o ditado? São R$240 milhões investidos pelo governo do estado de SP no pacote contra a violência nas escolas. Um quinto do valor destinado a contratação de psicólogos contra o dobro destinado à seguranças e polícia militar, cujos valores não foram divulgados (apenas o número de profissionais).

Parte do programa também incluiu a ampliação do Conviva SP que conta com a contratação de 5 mil professores com jornada de 10 horas semanais exclusivas para disseminar ações do programa em suas escolas. Este período de trabalho representa R$ 120 milhões e estamos falando, de novo, de uma média de 1 professor para cada 10 escolas. Como? Você consegue atender a dez empresas ao mesmo tempo?

"Os 5 mil professores de convivência farão a primeira abordagem aos alunos, com um olhar para o acolhimento e a saúde mental. Além disso, os psicólogos darão uma assistência especializada, auxiliando os professores e alunos com todo o suporte necessário, explicou o secretário de Estado da Educação, Renato Feder.

Uma outra iniciativa é a criação do programa Segurança Escolar, que vai colocar de forma permanente um policial em cada escola. A ideia é recontratar os agentes de segurança já aposentados para assumir a função de gestores do programa. A Secretaria de Segurança Pública do Estado já elaborou o plano. Agora, um projeto de lei será apresentado para a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo pelo executivo, para que esse tipo de contratação seja permitido.

Mas eu volto ao início deste texto: enquanto se discute a instalação de detectores de metais nas portas das escolas, perdemos todos a chance de direcionar recursos para a melhoria da infraestrutura das escolas, para o treinamento e formação de professores e para os cuidados com a saúde mental dos alunos que anda dando sinais vitais de esgotamento.

É preciso que haja, de fato, um esforço sistêmico em criar melhores condições de ensino e convivência às crianças e adolescentes no Brasil. O investimento deveria ser este.

Enquanto alguns discutem se devem ou não instalar detectores de metais na porta das escolas para conter a violência, mais de um milhão de alunos não têm água potável nas instituições. Entenda como a falta de infraestrutura sustenta a violência

Entrou em vigor, no começo de maio, a vistoria de alunos da rede estadual de Goiás com o uso de detectores de metais. A partir da data, todo e qualquer aluno que chega à porta da escola é inspecionado por um funcionário antes de entrar. Se nada apitar, o aluno está liberado.

O governador, que direcionou R$1,8 milhões de reais aos Conselhos Regionais para que fossem designados às escolas, acredita que a medida é capaz de aumentar a segurança dentro das escolas e conter possíveis episódios de violência.

As instituições têm relatado que a medida, parte de um pacote de iniciativas, foi acolhida por alunos e famílias. "A aceitação foi muito tranquila e a comunidade está gostando dessa ação. Estamos fazendo a verificação esporadicamente, escolhendo alguns dias da semana", relata Arley Ferreira Alves, gestor do Cepi, Centro de Ensino em Período Integral, Juscelino Kubitschek.

Cada estado adotou uma série de medidas para chamar de sua. Entre algumas delas, foi possível notar uma semelhança: a mobilização de forças de segurança para proteger o território das escolas. No estado de São Paulo, por exemplo, o governo anunciou a contratação de mil seguranças privados para atuar na proteção de escolas estaduais. No Nordeste, o estado do Ceará intensificou ações de vigilância.

Mas me diga você, como se sente ao passar pelo detector de metais de uma agência bancária ou da Polícia Federal, no aeroporto? Você fica apreensivo? Sente medo? Sente-se irritado? Ou acha legal? Divertido. Sente-se mais seguro?

As perguntas todas são intencionais e a proposta é levar o leitor a reflexão. Agora coloque-se no lugar de uma criança ou de um adolescente que, constantemente, tem que lidar com as sensações que um detector de metal provoca no próprio corpo e no psicológico.

Claro que quando essa ação entra no cotidiano ela acaba se normalizando e existe um deslocamento das sensações iniciais para uma tendência a neutralizá-las. Ou seja, o aluno que inicialmente sentia-se desconfortável, com medo ou incomodado, tende a se acostumar e não ver mais problema. Agora eu te pergunto mais uma coisa: deveríamos naturalizar o incômodo que um detector de metal nos provoca?

As violências que podem vir a acontecer dentro de uma escola estão longe de serem barradas por um detector de metal na porta das instituições. É uma medida protetiva? É, mas será que existem outras que possam ser menos violentas do que a convivência com um objeto que tem por simbologia a própria violência?

Escolas estaduais em MG adotaram policiais civis nas portas das escolas como medida de segurança. Foto: Cristiano Machado/ imprensa MG

Existem problemas seríssimos que atravessam a porta das escolas todo santo dia e ninguém detecta, ninguém vê, ninguém investe ou repassa recursos. Apesar do choque de dois atentados recentes, não é de hoje que as instituições brasileiras abrigam uma série de violências. E, diferente do que muitos pensam, elas moram - vivem - dentro dos espaços escolares. Salas de aula, pátio, banheiros, corredores, sala dos professores.

Alunos, educadores e funcionários não escapam de situações violentas, que podem ir de agressões verbais até físicas, passando por deterioração do espaço escolar, entre outras formas. São esses casos que vêm sendo registrados com frequência em diversas partes do país.

Um estudo de 2019 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostrou as escolas brasileiras como ambientes mais propícios ao bullying e à intimidação do que a média internacional. Bullying e intimidação não são disciplinas curriculares, mas aparecem no cotidiano de crianças e adolescentes.

Há um bom tempo, especialistas buscam uma explicação para o surgimento de tamanha violência. A origem não vem de um só lugar e passa pela realidade socioeconômica do jovem e pelas suas influências familiares, que podem estimular ou não atos violentos. É como se os problemas sociais de fora da sala de aula e dos corredores acompanhassem o jovem no seu dia a dia, podendo transformá-lo em violento. No entanto, a explicação passa também pelo que acontece dentro desses espaços.

Um levantamento feito pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas Brasileiros (Atricon) com base em dados do Censo Escolar de 2021 indicou que pelo menos 14,7 milhões de estudantes brasileiros enfrentam ausência de infraestrutura adequada nas escolas, como acesso à água potável e a banheiros em condições de uso, problemas que estão mais presentes nas escolas públicas, o que agrava ainda mais as desigualdades.

Agora pense comigo: como você se sentiria ao chegar todo dia na sua escola e se deparar com um ambiente degradado, mal cuidado, com instalações quebradas há anos e que ninguém conserta, ninguém arruma? Você gostaria de trabalhar num lugar que não tivesse um banheiro limpinho com papel higiênico para usar?

Você gostaria de trabalhar num lugar que cheira mofo? Com a probabilidade de um teto poder desabar sobre vocês a qualquer momento? Você gostaria de trabalhar num lugar em que a cadeira que você se senta te machuca? Em que a mesa é pequena demais e você mal tem espaço para abrir o computador ou um caderno? O que você pensaria desta empresa? Será que ela cuida dos seus colaboradores?

Tudo isso que você foi respondendo mentalmente se aplica as escolas brasileiras e ao sentimento que ela provoca em seus alunos, principalmente nos adolescentes que têm consciência da degradação do espaço escolar e da negligência de políticas publicas para melhorias de infraestrutura.

Como você acha que esses alunos se sentem? Cuidados? Em abril deste ano, pela primeira vez no país, Tribunais Regionais de Contas realizaram fiscalização simultâneas em mais de mil escolas.

De acordo com o presidente da Atricon, Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil, Cezar Miola, dados do Censo Escolar 2022 que subsidiaram a seleção das escolas a serem visitadas apontam que pelo menos 12,9 milhões de estudantes da educação básica da rede pública frequentam unidades que apresentam algum problema de infraestrutura.

Quase um milhão deles estão matriculados em estabelecimentos de ensino sem acesso à água potável e 390 mil estudam em escolas sem banheiros. "O poder público precisa garantir meios para que as escolas ofereçam condições básicas, num ambiente de acolhimento, segurança e aprendizagem; é um direito das famílias e da sociedade", disse.

Ele disse "acolhimento" e eu vou sublinhar essa palavra aqui e te fazer uma nova pergunta. Como você gostaria de ser recebido num lugar: com o boas-vindas de um detector de metal ou se deparando com um ambiente que, nitidamente, foi cuidado e arrumado para te receber?

Na contramão do trabalho que deveria ser feito dentro das escolas, estamos nos preocupando com as portas das instituições. Só que existe uma violência muito maior que vive dentro delas, está instalada e impregnada no cotidiano de cada aluno.

Temos nos convencido de que arma, segurança, policiais, detectores e o que mais for sinônimo de proteção são meios eficazes de combater a violência. Mas a gente se esquece que a violência está instituída em cada um desses objetos, desses supostos guardiões. Porque é uma violência indescritível receber uma criança ou um adolescente na porta de uma escola com um objeto passando pela sua mochila e pelo seu corpo. É sutil, mas isso é violência.

E enquanto a gente normaliza esse tipo de violência, mantemos no limbo a violência que é a precariedade da infraestrutura das escolas. Mantemos no limbo os salários baixos dos professores e as poucas formações que eles recebem ou têm acesso.

Mantemos no limbo o adolescente que chega na escola e não recebe acolhimento algum. Que precisa lidar com professores cansados, que não tem paciência para escutá-los, com gestores preocupados em punições e não ações formativas, com um ambiente que violenta seus direitos como cidadão.

Os problemas dentro das escolas são imensos, antigos e precisam de investimentos públicos. O governo de São Paulo contratou 550 psicólogos para atuar nas escolas estaduais, mas elas passam de 5mil, ou seja, temos um profissional para cada 10 escolas. Como? Como um psicólogo pode dar conta de fazer um bom atendimento, um bom trabalho, dentro de uma escola se ele tem dez para atender? Com qual frequência ele vai conseguir fazer visitas?

A intenção é boa, mas ela falha quando o investimento é pequeno. É como "tapar o sol com a peneira", conhece o ditado? São R$240 milhões investidos pelo governo do estado de SP no pacote contra a violência nas escolas. Um quinto do valor destinado a contratação de psicólogos contra o dobro destinado à seguranças e polícia militar, cujos valores não foram divulgados (apenas o número de profissionais).

Parte do programa também incluiu a ampliação do Conviva SP que conta com a contratação de 5 mil professores com jornada de 10 horas semanais exclusivas para disseminar ações do programa em suas escolas. Este período de trabalho representa R$ 120 milhões e estamos falando, de novo, de uma média de 1 professor para cada 10 escolas. Como? Você consegue atender a dez empresas ao mesmo tempo?

"Os 5 mil professores de convivência farão a primeira abordagem aos alunos, com um olhar para o acolhimento e a saúde mental. Além disso, os psicólogos darão uma assistência especializada, auxiliando os professores e alunos com todo o suporte necessário, explicou o secretário de Estado da Educação, Renato Feder.

Uma outra iniciativa é a criação do programa Segurança Escolar, que vai colocar de forma permanente um policial em cada escola. A ideia é recontratar os agentes de segurança já aposentados para assumir a função de gestores do programa. A Secretaria de Segurança Pública do Estado já elaborou o plano. Agora, um projeto de lei será apresentado para a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo pelo executivo, para que esse tipo de contratação seja permitido.

Mas eu volto ao início deste texto: enquanto se discute a instalação de detectores de metais nas portas das escolas, perdemos todos a chance de direcionar recursos para a melhoria da infraestrutura das escolas, para o treinamento e formação de professores e para os cuidados com a saúde mental dos alunos que anda dando sinais vitais de esgotamento.

É preciso que haja, de fato, um esforço sistêmico em criar melhores condições de ensino e convivência às crianças e adolescentes no Brasil. O investimento deveria ser este.

Enquanto alguns discutem se devem ou não instalar detectores de metais na porta das escolas para conter a violência, mais de um milhão de alunos não têm água potável nas instituições. Entenda como a falta de infraestrutura sustenta a violência

Entrou em vigor, no começo de maio, a vistoria de alunos da rede estadual de Goiás com o uso de detectores de metais. A partir da data, todo e qualquer aluno que chega à porta da escola é inspecionado por um funcionário antes de entrar. Se nada apitar, o aluno está liberado.

O governador, que direcionou R$1,8 milhões de reais aos Conselhos Regionais para que fossem designados às escolas, acredita que a medida é capaz de aumentar a segurança dentro das escolas e conter possíveis episódios de violência.

As instituições têm relatado que a medida, parte de um pacote de iniciativas, foi acolhida por alunos e famílias. "A aceitação foi muito tranquila e a comunidade está gostando dessa ação. Estamos fazendo a verificação esporadicamente, escolhendo alguns dias da semana", relata Arley Ferreira Alves, gestor do Cepi, Centro de Ensino em Período Integral, Juscelino Kubitschek.

Cada estado adotou uma série de medidas para chamar de sua. Entre algumas delas, foi possível notar uma semelhança: a mobilização de forças de segurança para proteger o território das escolas. No estado de São Paulo, por exemplo, o governo anunciou a contratação de mil seguranças privados para atuar na proteção de escolas estaduais. No Nordeste, o estado do Ceará intensificou ações de vigilância.

Mas me diga você, como se sente ao passar pelo detector de metais de uma agência bancária ou da Polícia Federal, no aeroporto? Você fica apreensivo? Sente medo? Sente-se irritado? Ou acha legal? Divertido. Sente-se mais seguro?

As perguntas todas são intencionais e a proposta é levar o leitor a reflexão. Agora coloque-se no lugar de uma criança ou de um adolescente que, constantemente, tem que lidar com as sensações que um detector de metal provoca no próprio corpo e no psicológico.

Claro que quando essa ação entra no cotidiano ela acaba se normalizando e existe um deslocamento das sensações iniciais para uma tendência a neutralizá-las. Ou seja, o aluno que inicialmente sentia-se desconfortável, com medo ou incomodado, tende a se acostumar e não ver mais problema. Agora eu te pergunto mais uma coisa: deveríamos naturalizar o incômodo que um detector de metal nos provoca?

As violências que podem vir a acontecer dentro de uma escola estão longe de serem barradas por um detector de metal na porta das instituições. É uma medida protetiva? É, mas será que existem outras que possam ser menos violentas do que a convivência com um objeto que tem por simbologia a própria violência?

Escolas estaduais em MG adotaram policiais civis nas portas das escolas como medida de segurança. Foto: Cristiano Machado/ imprensa MG

Existem problemas seríssimos que atravessam a porta das escolas todo santo dia e ninguém detecta, ninguém vê, ninguém investe ou repassa recursos. Apesar do choque de dois atentados recentes, não é de hoje que as instituições brasileiras abrigam uma série de violências. E, diferente do que muitos pensam, elas moram - vivem - dentro dos espaços escolares. Salas de aula, pátio, banheiros, corredores, sala dos professores.

Alunos, educadores e funcionários não escapam de situações violentas, que podem ir de agressões verbais até físicas, passando por deterioração do espaço escolar, entre outras formas. São esses casos que vêm sendo registrados com frequência em diversas partes do país.

Um estudo de 2019 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostrou as escolas brasileiras como ambientes mais propícios ao bullying e à intimidação do que a média internacional. Bullying e intimidação não são disciplinas curriculares, mas aparecem no cotidiano de crianças e adolescentes.

Há um bom tempo, especialistas buscam uma explicação para o surgimento de tamanha violência. A origem não vem de um só lugar e passa pela realidade socioeconômica do jovem e pelas suas influências familiares, que podem estimular ou não atos violentos. É como se os problemas sociais de fora da sala de aula e dos corredores acompanhassem o jovem no seu dia a dia, podendo transformá-lo em violento. No entanto, a explicação passa também pelo que acontece dentro desses espaços.

Um levantamento feito pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas Brasileiros (Atricon) com base em dados do Censo Escolar de 2021 indicou que pelo menos 14,7 milhões de estudantes brasileiros enfrentam ausência de infraestrutura adequada nas escolas, como acesso à água potável e a banheiros em condições de uso, problemas que estão mais presentes nas escolas públicas, o que agrava ainda mais as desigualdades.

Agora pense comigo: como você se sentiria ao chegar todo dia na sua escola e se deparar com um ambiente degradado, mal cuidado, com instalações quebradas há anos e que ninguém conserta, ninguém arruma? Você gostaria de trabalhar num lugar que não tivesse um banheiro limpinho com papel higiênico para usar?

Você gostaria de trabalhar num lugar que cheira mofo? Com a probabilidade de um teto poder desabar sobre vocês a qualquer momento? Você gostaria de trabalhar num lugar em que a cadeira que você se senta te machuca? Em que a mesa é pequena demais e você mal tem espaço para abrir o computador ou um caderno? O que você pensaria desta empresa? Será que ela cuida dos seus colaboradores?

Tudo isso que você foi respondendo mentalmente se aplica as escolas brasileiras e ao sentimento que ela provoca em seus alunos, principalmente nos adolescentes que têm consciência da degradação do espaço escolar e da negligência de políticas publicas para melhorias de infraestrutura.

Como você acha que esses alunos se sentem? Cuidados? Em abril deste ano, pela primeira vez no país, Tribunais Regionais de Contas realizaram fiscalização simultâneas em mais de mil escolas.

De acordo com o presidente da Atricon, Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil, Cezar Miola, dados do Censo Escolar 2022 que subsidiaram a seleção das escolas a serem visitadas apontam que pelo menos 12,9 milhões de estudantes da educação básica da rede pública frequentam unidades que apresentam algum problema de infraestrutura.

Quase um milhão deles estão matriculados em estabelecimentos de ensino sem acesso à água potável e 390 mil estudam em escolas sem banheiros. "O poder público precisa garantir meios para que as escolas ofereçam condições básicas, num ambiente de acolhimento, segurança e aprendizagem; é um direito das famílias e da sociedade", disse.

Ele disse "acolhimento" e eu vou sublinhar essa palavra aqui e te fazer uma nova pergunta. Como você gostaria de ser recebido num lugar: com o boas-vindas de um detector de metal ou se deparando com um ambiente que, nitidamente, foi cuidado e arrumado para te receber?

Na contramão do trabalho que deveria ser feito dentro das escolas, estamos nos preocupando com as portas das instituições. Só que existe uma violência muito maior que vive dentro delas, está instalada e impregnada no cotidiano de cada aluno.

Temos nos convencido de que arma, segurança, policiais, detectores e o que mais for sinônimo de proteção são meios eficazes de combater a violência. Mas a gente se esquece que a violência está instituída em cada um desses objetos, desses supostos guardiões. Porque é uma violência indescritível receber uma criança ou um adolescente na porta de uma escola com um objeto passando pela sua mochila e pelo seu corpo. É sutil, mas isso é violência.

E enquanto a gente normaliza esse tipo de violência, mantemos no limbo a violência que é a precariedade da infraestrutura das escolas. Mantemos no limbo os salários baixos dos professores e as poucas formações que eles recebem ou têm acesso.

Mantemos no limbo o adolescente que chega na escola e não recebe acolhimento algum. Que precisa lidar com professores cansados, que não tem paciência para escutá-los, com gestores preocupados em punições e não ações formativas, com um ambiente que violenta seus direitos como cidadão.

Os problemas dentro das escolas são imensos, antigos e precisam de investimentos públicos. O governo de São Paulo contratou 550 psicólogos para atuar nas escolas estaduais, mas elas passam de 5mil, ou seja, temos um profissional para cada 10 escolas. Como? Como um psicólogo pode dar conta de fazer um bom atendimento, um bom trabalho, dentro de uma escola se ele tem dez para atender? Com qual frequência ele vai conseguir fazer visitas?

A intenção é boa, mas ela falha quando o investimento é pequeno. É como "tapar o sol com a peneira", conhece o ditado? São R$240 milhões investidos pelo governo do estado de SP no pacote contra a violência nas escolas. Um quinto do valor destinado a contratação de psicólogos contra o dobro destinado à seguranças e polícia militar, cujos valores não foram divulgados (apenas o número de profissionais).

Parte do programa também incluiu a ampliação do Conviva SP que conta com a contratação de 5 mil professores com jornada de 10 horas semanais exclusivas para disseminar ações do programa em suas escolas. Este período de trabalho representa R$ 120 milhões e estamos falando, de novo, de uma média de 1 professor para cada 10 escolas. Como? Você consegue atender a dez empresas ao mesmo tempo?

"Os 5 mil professores de convivência farão a primeira abordagem aos alunos, com um olhar para o acolhimento e a saúde mental. Além disso, os psicólogos darão uma assistência especializada, auxiliando os professores e alunos com todo o suporte necessário, explicou o secretário de Estado da Educação, Renato Feder.

Uma outra iniciativa é a criação do programa Segurança Escolar, que vai colocar de forma permanente um policial em cada escola. A ideia é recontratar os agentes de segurança já aposentados para assumir a função de gestores do programa. A Secretaria de Segurança Pública do Estado já elaborou o plano. Agora, um projeto de lei será apresentado para a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo pelo executivo, para que esse tipo de contratação seja permitido.

Mas eu volto ao início deste texto: enquanto se discute a instalação de detectores de metais nas portas das escolas, perdemos todos a chance de direcionar recursos para a melhoria da infraestrutura das escolas, para o treinamento e formação de professores e para os cuidados com a saúde mental dos alunos que anda dando sinais vitais de esgotamento.

É preciso que haja, de fato, um esforço sistêmico em criar melhores condições de ensino e convivência às crianças e adolescentes no Brasil. O investimento deveria ser este.

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