A gente comemora 100 anos de vida, 100 gols no futebol e por quê não comemorar 100 histórias lidas a uma criança? Já parou pra pensar?
Eu nunca tinha pensado por este viés da história. Mas Maria Cecilia Lins, diretora executiva do Pró-Saber SP, sim. Foi ela que, durante uma conversa de trabalho, colocou a pulga atrás da minha orelha. "Que pergunta boa!", eu pensei. Claro! Por que não comemorar quando uma criança atinge a marca dos 100 livros lidos? Tem uma imensidão tão grande de possibilidades nesses 100 livros que é pra fazer festa, mesmo. E das boas.
Essa história de festa começou em 2014, quando uma turma de crianças do Instituto se deu conta de que tinham lido 100 histórias juntas. A alegria foi tamanha que decidiram comemorar. Porque ter um adulto disposto a ler, cuidadosamente, a uma criança, e com tantas possibilidades de enredo, é uma conquista e tanto! Eram 100 histórias, 100 livros, 100 possibilidades de mundo.
O ano, para eles, começa com uma grande cartolina em branco, colada na parede de cada uma das salas. Ao longo dos dias, crianças e educadores vão preenchendo os espaços com títulos de livros. Um, dois, três... e quando se dão conta estão no 80, 90 e 100. Uma marca importante quando se pensa sobre todos os benefícios que uma leitura é capaz de trazer ao universo de qualquer sujeito.
"É uma forma da gente afirmar e celebrar o quanto essa criança já é sabida de histórias. De reforçar o quanto eles já leram e o quanto isso é um marco na vida", conta Cristiane Mendes da Silva, Coordenadora Pedagógica do Instituto. Um momento extremamente importante também para as famílias, que podem comemorar junto aos filhos as conquistas da leitura.
Pra quem não sabe, ou não conhece, o Pró-Saber SP nasceu em 2003, com o objetivo preencher a lacuna de oferta de Educação Infantil em Paraisópolis. Fez como escolha reduzir a desigualdade por meio da garantia do Direito da Criança de ler e brincar. E a leitura, para além da decodificação e da contribuição que faz no processo de alfabetização, está ali, todo dia, como interpretação de mundo.
"Acreditamos que histórias lidas diariamente fazem com que as crianças elaborem o mundo em que vivem. Temos a convicção de que isso encharca a infância de palavras, poesias, viagens, encontros, espantos, alegrias e muitas possibilidades!". Tá lá no site deles. Como manifesto.
E talvez um outro grande manifesto seja a Festa dos 100 Livros. Que, de um lado, foi ganhando importância e, de outro, foi dando corpo aos leitores. Cada vez mais ávidos e íntimos pelas páginas que se viram, num vai-e-volta interminável de mundo - interno e externo.
É a 5ª. edição da Festa 100 Livros e é dia de festa. E foi das coisas mais lindas de ver aquele lugar cheio. "Mãe, vem ver!". "Olha! Sou eu!". "Vamos lá pegar meu marcador de livro?". "Pai, vem ler comigo?". "Olha vó!". A comemoração é viva, em seu sentido mais cheio de etimologia. Do latim commemorare - com.memorare - de levar a memória junto do outro. Tornar inesquecível, eterno, memorável dentro da gente. Feito marca de livro. De palavra ou de imagem. Num vai-e-volta interminável de mundo.
E tem um mundo espalhado por tudo quanto é lugar no Pró-Saber SP. Em mesas, cabanas, árvores e almofadas. Tudo cuidadosamente arrumado e pensando pra receber os convidados. Sim, neste dia todo mundo é convidado. Tem sorriso também e tem um orgulho danado estampado em todo mundo que está ali. Pai, mãe, avós, crianças, adolescentes, educadores, bibliotecários, voluntários, cozinheiras, coordenadoras e até em autora de livro. Blandina Franco estava lá. Amiga do Instituto, contadora de suas histórias, não tinha uma criança que não passava por ela e cumprimentava. Além dos autógrafos.
Mas autógrafo mesmo, quem dava eram as crianças do G3, 7 e 8 anos, que lançaram o livro "Os Bruxos Que Queriam Entrar No Livro", escrito e ilustrados por elas, em parceria com a atriz e contadora de histórias, Ana Luísa Lacombe e a professora de classe Patrícia Mendes. Um dia pra experimentar o lado de lá da mesa - ou de mundo, de novo.
Privilégio meu de poder comemorar junto deles. Guardar na memória. Pra depois re-memorar. E experimentar o lado de cá, de quem é expectadora de uma história em contação. As crianças ganharam certificados de leitoras. Mas eu também fiquei sabida de histórias pra contar. Das que vi, senti e guardei. Feito memória. Daqueles que se comemora. Porque o mundo, só se torna mundo, quando cada um importa.