Comportamento Adolescente e Educação

'Qual idade certa para dar o primeiro celular ao meu filho?' Veja o que dizem os especialistas


Por Carolina Delboni

Enquanto educadores, pediatras e psicólogos apontam todos os males que as telas causam em crianças e adolescentes, cresce o número que já tem seu próprio aparelho antes mesmo de completar 12 anos. O que fazer? Qual idade certa para dar o primeiro celular ao seu filho? Veja o que dizem os especialistas.

Você conhece o movimento da piracema? É uma época do ano que o clima ganha dia com mais chuvas, portanto as águas de rios ficam mais oxigenadas, e os dias são mais ensolarados. E é exatamente nessa época que os peixes percebem as mudanças do tempo, o que indica a eles condições favoráveis para reprodução. Mas para que isso aconteça eles precisam nadar contra a correnteza. São cardumes de várias espécies de peixes, e mundo afora, que nadam rio acima para desovar. Para fazer nascer.

O esforço contra a corrente é essencial para o processo de reprodução, pois os peixes queimam gordura e estimulam a produção de hormônios responsáveis pelo amadurecimento dos órgãos sexuais. E a duração da viagem varia bastante. Peixes como as piavas não vencem mais do que 3 quilômetros por dia, mas há registros de curimbatás que chegaram a rasgar 43 quilômetros de rio em apenas 24 horas. Algumas espécies chegam a subir 600 quilômetros, segundo informações do Instituto da Pesca.

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Mas para todos a jornada é cheia de perigos. Além de superar cachoeiras, predadores e outros obstáculos naturais, esses animais precisam também vencer a pesca predatória. Agora perai, o que isso tem a ver com o título dessa matéria? Pois é, ao contrário dos cardumes de peixes que nadam contra a correnteza, ainda é pequeno o número de pais, mães e responsáveis legais que resistem a pressão social para que o filho tenha seu próprio aparelho celular.

Aquela frase célebre - "ah! Mas todo mundo tem, menos eu!"- que acompanha muitas gerações de crianças e adolescentes ainda resiste e persiste nos tempos atuais. O problema é que agora eles querem não o álbum de figurinha ou o sorvete. Querem tablet ou smartphone.

Os tempos mudaram e ficou difícil ter forças para nadar contra a correnteza. Até porque os predadores proliferaram pelo caminho e, muito além da pressão dos coleguinhas, existe a pressão das plataformas, das big tech como se chama por aí. O que fazer? Como conseguir resistir ao máximo? Qual o momento certo? Existe a idade ideal para ganhar o primeiro celular?

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44% das crianças brasileiras com até 12 anos tem seu próprio aparelho celular, segundo estudo. Foto: MindLab/ Divulgação

Para o pediatra Daniel Becker, o ideal é não oferecer acesso à criança até os 14 anos. Aos que já têm, ele aconselha restringir ao máximo o tempo de tela. "Nos Estados Unidos existe uma campanha que incentiva dar o celular só na oitava série, que é quando eles estão com 13, 14 anos, ou até o Ensino Médio mesmo. Isso é essencial. Quanto mais cedo você dá o celular na mão da criança, maior a possibilidade de vício, menor as chances dela conseguir ter uma adolescência normal, maiores as chances de depressão. Ela precisa passar pela puberdade sem celular," aconselha o médico.

As escolas públicas dos Estados Unidos estão adotando medidas cada vez mais drásticas para tentar afastar os jovens dos seus celulares. Em maio, no estado da Flórida, por exemplo, foi aprovada uma lei que exige às escolas públicas vetarem o uso de celulares durante as aulas, inclusive algumas, ampliaram a restrição para todo o período escolar.

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Segundo as lideranças locais, as medidas mais rigorosas são imprescindíveis devido ao uso descontrolado das redes sociais nestes espaços, comprometendo a educação, o bem-estar e a segurança física dos estudantes. Em diversas instituições de ensino, adolescentes planejam e registram agressões contra colegas, divulgando os vídeos no TikTok e Instagram.

Por aqui, duas ações ganham forças: o Movimento Desconecta, encabeçado por mães de crianças e adolescentes que decidiram remar contra a maré, e a deputada estadual Marina Helou que está com um projeto de Lei para proibir o uso dentro das escolas.

Para Gabriel Salgado, coordenador da área de Educação do Instituto Alana, as telas não devem substituir e nem competir com as atividades essenciais das crianças e dos adolescentes, como as atividades físicas, as horas de sono, o momento da alimentação, o contato com a natureza e as interações sociais. "Este é um pressuposto fundamental para compreendermos que não é benéfico às crianças receberem celulares como presentes, em substituição das brincadeiras. E que seu brincar não está restrito ao uso e consumo de brinquedos específicos," diz.

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Becker ressalta que o melhor dos mundos seria retardar esse acesso das crianças e adolescentes até os 16 anos. Mas a partir do momento em que os pais o permitem, que ele seja supervisionado. "Hoje existem aplicativos de controle de tempo, de sincronização de perfil, para que eles possam ver o que está acontecendo, saber de quem essa criança está recebendo mensagem, ou porque está mandando mensagem. Controlar os contatos, os grupos sociais, os grupos no WhatsApp, isso é essencial. Não pode ter grupo de criança e adolescente sem supervisão parental," orienta.

Na visão de Gabriel, a restrição deve ser maior para as crianças menores. "Se há um equilíbrio entre o uso de telas e as atividades essenciais à vida e se determinado conteúdo ou modo de funcionar da tecnologia está adequada à faixa etária, sem que ela tenha acesso a conteúdos nocivos como publicidade, violência e diálogo com desconhecidos," esclarece.

"Já com relação aos adolescentes, é importante que os acordos sejam estabelecidos de maneira nítida, respeitosa, vinculando-os na solução de problemas e de riscos e fortalecendo sua participação ativa, crítica e responsável," orienta.

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Becker cita o livro "Geração Ansiosa", da autora Lauren Cook, que propõe algumas medidas, que são justamente, as mencionadas por ele, como retardar o uso do celular, retardar a entrada desses jovens nas redes sociais e não usar o celular na escola, já que ele perturba e atrapalha o aprendizado.

O médico conta que as escolas do Rio de Janeiro, que adotaram o modelo Celular Zero, já estão colhendo bons frutos. "Os alunos estão felizes, com o celular zero. Estão voltando a brincar. Se alguém tem celular, todo mundo tem que ter. Mas se ninguém tiver, eles ficam felizes, eles estão brincando," comemora.

Para ele, o recreio é também o momento da aquisição de habilidades essenciais que se aprende brincando, convivendo com outras crianças. "E é o lugar da felicidade, da brincadeira, da movimentação física. Então, é essencial que na hora do recreio não se tenha celular. Os pais gostam, os professores gostam e as crianças também," resume.

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A responsabilidade dos pais

Gabriel comenta que tanto os pais como educadores devem manter diálogo aberto e honesto com as crianças sobre os riscos do uso excessivo de celulares. "É importante estabelecer regras claras e limites de tempo de tela adequados à idade da criança. Por isso, o ideal é que os pais também sejam um exemplo dos filhos, usando o aparelho de forma responsável e moderada evitando o uso durante as refeições, conversas em família e momentos de lazer com as crianças", diz.

Além disso, ele relembra que a garantia de direitos às crianças e adolescentes é uma responsabilidade compartilhada entre Estado e sociedade, o que inclui as empresas de tecnologia e também as escolas e as famílias, bem como prevê o artigo 227 de nossa Constituição Federal.

"E mães, pais e responsáveis precisam atuar de maneira cuidadosa, variando o tipo de mediação necessária a cada contexto e faixa etária. Não podemos ignorar, no entanto, os desafios com a sobrecarga de trabalho sobre as mulheres, a falta de informações e a dificuldade de diálogo sobre este tema, frente a pressão exercida pelas grandes empresas. Por isso, a responsabilidade de promover uma relação saudável das crianças com a tecnologia. Precisa ser um esforço conjunto entre escola, família, governos, empresas e sociedade," reforça.

Para o pediatra Daniel Becker é importante existirem espaços apropriados para que pais possam levar as crianças para brincarem fora de casa. "Precisamos ter cada vez mais políticas públicas que apoiem as famílias a levarem suas crianças para brincar em praças e bem-cuidadas, poliesportivas, vilas olímpicas com atividades recreativas e gratuitas para crianças, lugares arborizados, bem iluminados, acessíveis e com atividades diversas, para que elas não fiquem jogadas no sofá e no celular," conclui.

Deixadas em frente às telas, crianças brincam cada vez menos. Deixadas em frente às telas, adolescentes socializam cada vez menos. As consequências? Aumento da depressão e da ansiedade. O que fazer? Propiciar espaços e momentos de brincadeira, experiência e vivência. Trocar o tempo de tela pela sua presença e a presença de pares. Como? Com esforço conjunto entre escola, família, governos, empresas e sociedade.

Tem uma parte enorme desse esforço todo em tirar crianças e adolescentes das telas que cabe a governos e às próprias empresas donas de tais recursos, mas tem outra que, sim, é nossa responsabilidade. Experimentem se sentar a mesa sem o seu celular na mão. Experimentem o silêncio entre vocês até que surja uma pequena conversa. Experimentem aceitar o convite para uma brincadeira com seu filho. Experimentem as relações com crianças e adolescentes. Elas valem a pena. Elas valem muito a pena.

Enquanto educadores, pediatras e psicólogos apontam todos os males que as telas causam em crianças e adolescentes, cresce o número que já tem seu próprio aparelho antes mesmo de completar 12 anos. O que fazer? Qual idade certa para dar o primeiro celular ao seu filho? Veja o que dizem os especialistas.

Você conhece o movimento da piracema? É uma época do ano que o clima ganha dia com mais chuvas, portanto as águas de rios ficam mais oxigenadas, e os dias são mais ensolarados. E é exatamente nessa época que os peixes percebem as mudanças do tempo, o que indica a eles condições favoráveis para reprodução. Mas para que isso aconteça eles precisam nadar contra a correnteza. São cardumes de várias espécies de peixes, e mundo afora, que nadam rio acima para desovar. Para fazer nascer.

O esforço contra a corrente é essencial para o processo de reprodução, pois os peixes queimam gordura e estimulam a produção de hormônios responsáveis pelo amadurecimento dos órgãos sexuais. E a duração da viagem varia bastante. Peixes como as piavas não vencem mais do que 3 quilômetros por dia, mas há registros de curimbatás que chegaram a rasgar 43 quilômetros de rio em apenas 24 horas. Algumas espécies chegam a subir 600 quilômetros, segundo informações do Instituto da Pesca.

Mas para todos a jornada é cheia de perigos. Além de superar cachoeiras, predadores e outros obstáculos naturais, esses animais precisam também vencer a pesca predatória. Agora perai, o que isso tem a ver com o título dessa matéria? Pois é, ao contrário dos cardumes de peixes que nadam contra a correnteza, ainda é pequeno o número de pais, mães e responsáveis legais que resistem a pressão social para que o filho tenha seu próprio aparelho celular.

Aquela frase célebre - "ah! Mas todo mundo tem, menos eu!"- que acompanha muitas gerações de crianças e adolescentes ainda resiste e persiste nos tempos atuais. O problema é que agora eles querem não o álbum de figurinha ou o sorvete. Querem tablet ou smartphone.

Os tempos mudaram e ficou difícil ter forças para nadar contra a correnteza. Até porque os predadores proliferaram pelo caminho e, muito além da pressão dos coleguinhas, existe a pressão das plataformas, das big tech como se chama por aí. O que fazer? Como conseguir resistir ao máximo? Qual o momento certo? Existe a idade ideal para ganhar o primeiro celular?

44% das crianças brasileiras com até 12 anos tem seu próprio aparelho celular, segundo estudo. Foto: MindLab/ Divulgação

Para o pediatra Daniel Becker, o ideal é não oferecer acesso à criança até os 14 anos. Aos que já têm, ele aconselha restringir ao máximo o tempo de tela. "Nos Estados Unidos existe uma campanha que incentiva dar o celular só na oitava série, que é quando eles estão com 13, 14 anos, ou até o Ensino Médio mesmo. Isso é essencial. Quanto mais cedo você dá o celular na mão da criança, maior a possibilidade de vício, menor as chances dela conseguir ter uma adolescência normal, maiores as chances de depressão. Ela precisa passar pela puberdade sem celular," aconselha o médico.

As escolas públicas dos Estados Unidos estão adotando medidas cada vez mais drásticas para tentar afastar os jovens dos seus celulares. Em maio, no estado da Flórida, por exemplo, foi aprovada uma lei que exige às escolas públicas vetarem o uso de celulares durante as aulas, inclusive algumas, ampliaram a restrição para todo o período escolar.

Segundo as lideranças locais, as medidas mais rigorosas são imprescindíveis devido ao uso descontrolado das redes sociais nestes espaços, comprometendo a educação, o bem-estar e a segurança física dos estudantes. Em diversas instituições de ensino, adolescentes planejam e registram agressões contra colegas, divulgando os vídeos no TikTok e Instagram.

Por aqui, duas ações ganham forças: o Movimento Desconecta, encabeçado por mães de crianças e adolescentes que decidiram remar contra a maré, e a deputada estadual Marina Helou que está com um projeto de Lei para proibir o uso dentro das escolas.

Para Gabriel Salgado, coordenador da área de Educação do Instituto Alana, as telas não devem substituir e nem competir com as atividades essenciais das crianças e dos adolescentes, como as atividades físicas, as horas de sono, o momento da alimentação, o contato com a natureza e as interações sociais. "Este é um pressuposto fundamental para compreendermos que não é benéfico às crianças receberem celulares como presentes, em substituição das brincadeiras. E que seu brincar não está restrito ao uso e consumo de brinquedos específicos," diz.

Becker ressalta que o melhor dos mundos seria retardar esse acesso das crianças e adolescentes até os 16 anos. Mas a partir do momento em que os pais o permitem, que ele seja supervisionado. "Hoje existem aplicativos de controle de tempo, de sincronização de perfil, para que eles possam ver o que está acontecendo, saber de quem essa criança está recebendo mensagem, ou porque está mandando mensagem. Controlar os contatos, os grupos sociais, os grupos no WhatsApp, isso é essencial. Não pode ter grupo de criança e adolescente sem supervisão parental," orienta.

Na visão de Gabriel, a restrição deve ser maior para as crianças menores. "Se há um equilíbrio entre o uso de telas e as atividades essenciais à vida e se determinado conteúdo ou modo de funcionar da tecnologia está adequada à faixa etária, sem que ela tenha acesso a conteúdos nocivos como publicidade, violência e diálogo com desconhecidos," esclarece.

"Já com relação aos adolescentes, é importante que os acordos sejam estabelecidos de maneira nítida, respeitosa, vinculando-os na solução de problemas e de riscos e fortalecendo sua participação ativa, crítica e responsável," orienta.

Becker cita o livro "Geração Ansiosa", da autora Lauren Cook, que propõe algumas medidas, que são justamente, as mencionadas por ele, como retardar o uso do celular, retardar a entrada desses jovens nas redes sociais e não usar o celular na escola, já que ele perturba e atrapalha o aprendizado.

O médico conta que as escolas do Rio de Janeiro, que adotaram o modelo Celular Zero, já estão colhendo bons frutos. "Os alunos estão felizes, com o celular zero. Estão voltando a brincar. Se alguém tem celular, todo mundo tem que ter. Mas se ninguém tiver, eles ficam felizes, eles estão brincando," comemora.

Para ele, o recreio é também o momento da aquisição de habilidades essenciais que se aprende brincando, convivendo com outras crianças. "E é o lugar da felicidade, da brincadeira, da movimentação física. Então, é essencial que na hora do recreio não se tenha celular. Os pais gostam, os professores gostam e as crianças também," resume.

A responsabilidade dos pais

Gabriel comenta que tanto os pais como educadores devem manter diálogo aberto e honesto com as crianças sobre os riscos do uso excessivo de celulares. "É importante estabelecer regras claras e limites de tempo de tela adequados à idade da criança. Por isso, o ideal é que os pais também sejam um exemplo dos filhos, usando o aparelho de forma responsável e moderada evitando o uso durante as refeições, conversas em família e momentos de lazer com as crianças", diz.

Além disso, ele relembra que a garantia de direitos às crianças e adolescentes é uma responsabilidade compartilhada entre Estado e sociedade, o que inclui as empresas de tecnologia e também as escolas e as famílias, bem como prevê o artigo 227 de nossa Constituição Federal.

"E mães, pais e responsáveis precisam atuar de maneira cuidadosa, variando o tipo de mediação necessária a cada contexto e faixa etária. Não podemos ignorar, no entanto, os desafios com a sobrecarga de trabalho sobre as mulheres, a falta de informações e a dificuldade de diálogo sobre este tema, frente a pressão exercida pelas grandes empresas. Por isso, a responsabilidade de promover uma relação saudável das crianças com a tecnologia. Precisa ser um esforço conjunto entre escola, família, governos, empresas e sociedade," reforça.

Para o pediatra Daniel Becker é importante existirem espaços apropriados para que pais possam levar as crianças para brincarem fora de casa. "Precisamos ter cada vez mais políticas públicas que apoiem as famílias a levarem suas crianças para brincar em praças e bem-cuidadas, poliesportivas, vilas olímpicas com atividades recreativas e gratuitas para crianças, lugares arborizados, bem iluminados, acessíveis e com atividades diversas, para que elas não fiquem jogadas no sofá e no celular," conclui.

Deixadas em frente às telas, crianças brincam cada vez menos. Deixadas em frente às telas, adolescentes socializam cada vez menos. As consequências? Aumento da depressão e da ansiedade. O que fazer? Propiciar espaços e momentos de brincadeira, experiência e vivência. Trocar o tempo de tela pela sua presença e a presença de pares. Como? Com esforço conjunto entre escola, família, governos, empresas e sociedade.

Tem uma parte enorme desse esforço todo em tirar crianças e adolescentes das telas que cabe a governos e às próprias empresas donas de tais recursos, mas tem outra que, sim, é nossa responsabilidade. Experimentem se sentar a mesa sem o seu celular na mão. Experimentem o silêncio entre vocês até que surja uma pequena conversa. Experimentem aceitar o convite para uma brincadeira com seu filho. Experimentem as relações com crianças e adolescentes. Elas valem a pena. Elas valem muito a pena.

Enquanto educadores, pediatras e psicólogos apontam todos os males que as telas causam em crianças e adolescentes, cresce o número que já tem seu próprio aparelho antes mesmo de completar 12 anos. O que fazer? Qual idade certa para dar o primeiro celular ao seu filho? Veja o que dizem os especialistas.

Você conhece o movimento da piracema? É uma época do ano que o clima ganha dia com mais chuvas, portanto as águas de rios ficam mais oxigenadas, e os dias são mais ensolarados. E é exatamente nessa época que os peixes percebem as mudanças do tempo, o que indica a eles condições favoráveis para reprodução. Mas para que isso aconteça eles precisam nadar contra a correnteza. São cardumes de várias espécies de peixes, e mundo afora, que nadam rio acima para desovar. Para fazer nascer.

O esforço contra a corrente é essencial para o processo de reprodução, pois os peixes queimam gordura e estimulam a produção de hormônios responsáveis pelo amadurecimento dos órgãos sexuais. E a duração da viagem varia bastante. Peixes como as piavas não vencem mais do que 3 quilômetros por dia, mas há registros de curimbatás que chegaram a rasgar 43 quilômetros de rio em apenas 24 horas. Algumas espécies chegam a subir 600 quilômetros, segundo informações do Instituto da Pesca.

Mas para todos a jornada é cheia de perigos. Além de superar cachoeiras, predadores e outros obstáculos naturais, esses animais precisam também vencer a pesca predatória. Agora perai, o que isso tem a ver com o título dessa matéria? Pois é, ao contrário dos cardumes de peixes que nadam contra a correnteza, ainda é pequeno o número de pais, mães e responsáveis legais que resistem a pressão social para que o filho tenha seu próprio aparelho celular.

Aquela frase célebre - "ah! Mas todo mundo tem, menos eu!"- que acompanha muitas gerações de crianças e adolescentes ainda resiste e persiste nos tempos atuais. O problema é que agora eles querem não o álbum de figurinha ou o sorvete. Querem tablet ou smartphone.

Os tempos mudaram e ficou difícil ter forças para nadar contra a correnteza. Até porque os predadores proliferaram pelo caminho e, muito além da pressão dos coleguinhas, existe a pressão das plataformas, das big tech como se chama por aí. O que fazer? Como conseguir resistir ao máximo? Qual o momento certo? Existe a idade ideal para ganhar o primeiro celular?

44% das crianças brasileiras com até 12 anos tem seu próprio aparelho celular, segundo estudo. Foto: MindLab/ Divulgação

Para o pediatra Daniel Becker, o ideal é não oferecer acesso à criança até os 14 anos. Aos que já têm, ele aconselha restringir ao máximo o tempo de tela. "Nos Estados Unidos existe uma campanha que incentiva dar o celular só na oitava série, que é quando eles estão com 13, 14 anos, ou até o Ensino Médio mesmo. Isso é essencial. Quanto mais cedo você dá o celular na mão da criança, maior a possibilidade de vício, menor as chances dela conseguir ter uma adolescência normal, maiores as chances de depressão. Ela precisa passar pela puberdade sem celular," aconselha o médico.

As escolas públicas dos Estados Unidos estão adotando medidas cada vez mais drásticas para tentar afastar os jovens dos seus celulares. Em maio, no estado da Flórida, por exemplo, foi aprovada uma lei que exige às escolas públicas vetarem o uso de celulares durante as aulas, inclusive algumas, ampliaram a restrição para todo o período escolar.

Segundo as lideranças locais, as medidas mais rigorosas são imprescindíveis devido ao uso descontrolado das redes sociais nestes espaços, comprometendo a educação, o bem-estar e a segurança física dos estudantes. Em diversas instituições de ensino, adolescentes planejam e registram agressões contra colegas, divulgando os vídeos no TikTok e Instagram.

Por aqui, duas ações ganham forças: o Movimento Desconecta, encabeçado por mães de crianças e adolescentes que decidiram remar contra a maré, e a deputada estadual Marina Helou que está com um projeto de Lei para proibir o uso dentro das escolas.

Para Gabriel Salgado, coordenador da área de Educação do Instituto Alana, as telas não devem substituir e nem competir com as atividades essenciais das crianças e dos adolescentes, como as atividades físicas, as horas de sono, o momento da alimentação, o contato com a natureza e as interações sociais. "Este é um pressuposto fundamental para compreendermos que não é benéfico às crianças receberem celulares como presentes, em substituição das brincadeiras. E que seu brincar não está restrito ao uso e consumo de brinquedos específicos," diz.

Becker ressalta que o melhor dos mundos seria retardar esse acesso das crianças e adolescentes até os 16 anos. Mas a partir do momento em que os pais o permitem, que ele seja supervisionado. "Hoje existem aplicativos de controle de tempo, de sincronização de perfil, para que eles possam ver o que está acontecendo, saber de quem essa criança está recebendo mensagem, ou porque está mandando mensagem. Controlar os contatos, os grupos sociais, os grupos no WhatsApp, isso é essencial. Não pode ter grupo de criança e adolescente sem supervisão parental," orienta.

Na visão de Gabriel, a restrição deve ser maior para as crianças menores. "Se há um equilíbrio entre o uso de telas e as atividades essenciais à vida e se determinado conteúdo ou modo de funcionar da tecnologia está adequada à faixa etária, sem que ela tenha acesso a conteúdos nocivos como publicidade, violência e diálogo com desconhecidos," esclarece.

"Já com relação aos adolescentes, é importante que os acordos sejam estabelecidos de maneira nítida, respeitosa, vinculando-os na solução de problemas e de riscos e fortalecendo sua participação ativa, crítica e responsável," orienta.

Becker cita o livro "Geração Ansiosa", da autora Lauren Cook, que propõe algumas medidas, que são justamente, as mencionadas por ele, como retardar o uso do celular, retardar a entrada desses jovens nas redes sociais e não usar o celular na escola, já que ele perturba e atrapalha o aprendizado.

O médico conta que as escolas do Rio de Janeiro, que adotaram o modelo Celular Zero, já estão colhendo bons frutos. "Os alunos estão felizes, com o celular zero. Estão voltando a brincar. Se alguém tem celular, todo mundo tem que ter. Mas se ninguém tiver, eles ficam felizes, eles estão brincando," comemora.

Para ele, o recreio é também o momento da aquisição de habilidades essenciais que se aprende brincando, convivendo com outras crianças. "E é o lugar da felicidade, da brincadeira, da movimentação física. Então, é essencial que na hora do recreio não se tenha celular. Os pais gostam, os professores gostam e as crianças também," resume.

A responsabilidade dos pais

Gabriel comenta que tanto os pais como educadores devem manter diálogo aberto e honesto com as crianças sobre os riscos do uso excessivo de celulares. "É importante estabelecer regras claras e limites de tempo de tela adequados à idade da criança. Por isso, o ideal é que os pais também sejam um exemplo dos filhos, usando o aparelho de forma responsável e moderada evitando o uso durante as refeições, conversas em família e momentos de lazer com as crianças", diz.

Além disso, ele relembra que a garantia de direitos às crianças e adolescentes é uma responsabilidade compartilhada entre Estado e sociedade, o que inclui as empresas de tecnologia e também as escolas e as famílias, bem como prevê o artigo 227 de nossa Constituição Federal.

"E mães, pais e responsáveis precisam atuar de maneira cuidadosa, variando o tipo de mediação necessária a cada contexto e faixa etária. Não podemos ignorar, no entanto, os desafios com a sobrecarga de trabalho sobre as mulheres, a falta de informações e a dificuldade de diálogo sobre este tema, frente a pressão exercida pelas grandes empresas. Por isso, a responsabilidade de promover uma relação saudável das crianças com a tecnologia. Precisa ser um esforço conjunto entre escola, família, governos, empresas e sociedade," reforça.

Para o pediatra Daniel Becker é importante existirem espaços apropriados para que pais possam levar as crianças para brincarem fora de casa. "Precisamos ter cada vez mais políticas públicas que apoiem as famílias a levarem suas crianças para brincar em praças e bem-cuidadas, poliesportivas, vilas olímpicas com atividades recreativas e gratuitas para crianças, lugares arborizados, bem iluminados, acessíveis e com atividades diversas, para que elas não fiquem jogadas no sofá e no celular," conclui.

Deixadas em frente às telas, crianças brincam cada vez menos. Deixadas em frente às telas, adolescentes socializam cada vez menos. As consequências? Aumento da depressão e da ansiedade. O que fazer? Propiciar espaços e momentos de brincadeira, experiência e vivência. Trocar o tempo de tela pela sua presença e a presença de pares. Como? Com esforço conjunto entre escola, família, governos, empresas e sociedade.

Tem uma parte enorme desse esforço todo em tirar crianças e adolescentes das telas que cabe a governos e às próprias empresas donas de tais recursos, mas tem outra que, sim, é nossa responsabilidade. Experimentem se sentar a mesa sem o seu celular na mão. Experimentem o silêncio entre vocês até que surja uma pequena conversa. Experimentem aceitar o convite para uma brincadeira com seu filho. Experimentem as relações com crianças e adolescentes. Elas valem a pena. Elas valem muito a pena.

Enquanto educadores, pediatras e psicólogos apontam todos os males que as telas causam em crianças e adolescentes, cresce o número que já tem seu próprio aparelho antes mesmo de completar 12 anos. O que fazer? Qual idade certa para dar o primeiro celular ao seu filho? Veja o que dizem os especialistas.

Você conhece o movimento da piracema? É uma época do ano que o clima ganha dia com mais chuvas, portanto as águas de rios ficam mais oxigenadas, e os dias são mais ensolarados. E é exatamente nessa época que os peixes percebem as mudanças do tempo, o que indica a eles condições favoráveis para reprodução. Mas para que isso aconteça eles precisam nadar contra a correnteza. São cardumes de várias espécies de peixes, e mundo afora, que nadam rio acima para desovar. Para fazer nascer.

O esforço contra a corrente é essencial para o processo de reprodução, pois os peixes queimam gordura e estimulam a produção de hormônios responsáveis pelo amadurecimento dos órgãos sexuais. E a duração da viagem varia bastante. Peixes como as piavas não vencem mais do que 3 quilômetros por dia, mas há registros de curimbatás que chegaram a rasgar 43 quilômetros de rio em apenas 24 horas. Algumas espécies chegam a subir 600 quilômetros, segundo informações do Instituto da Pesca.

Mas para todos a jornada é cheia de perigos. Além de superar cachoeiras, predadores e outros obstáculos naturais, esses animais precisam também vencer a pesca predatória. Agora perai, o que isso tem a ver com o título dessa matéria? Pois é, ao contrário dos cardumes de peixes que nadam contra a correnteza, ainda é pequeno o número de pais, mães e responsáveis legais que resistem a pressão social para que o filho tenha seu próprio aparelho celular.

Aquela frase célebre - "ah! Mas todo mundo tem, menos eu!"- que acompanha muitas gerações de crianças e adolescentes ainda resiste e persiste nos tempos atuais. O problema é que agora eles querem não o álbum de figurinha ou o sorvete. Querem tablet ou smartphone.

Os tempos mudaram e ficou difícil ter forças para nadar contra a correnteza. Até porque os predadores proliferaram pelo caminho e, muito além da pressão dos coleguinhas, existe a pressão das plataformas, das big tech como se chama por aí. O que fazer? Como conseguir resistir ao máximo? Qual o momento certo? Existe a idade ideal para ganhar o primeiro celular?

44% das crianças brasileiras com até 12 anos tem seu próprio aparelho celular, segundo estudo. Foto: MindLab/ Divulgação

Para o pediatra Daniel Becker, o ideal é não oferecer acesso à criança até os 14 anos. Aos que já têm, ele aconselha restringir ao máximo o tempo de tela. "Nos Estados Unidos existe uma campanha que incentiva dar o celular só na oitava série, que é quando eles estão com 13, 14 anos, ou até o Ensino Médio mesmo. Isso é essencial. Quanto mais cedo você dá o celular na mão da criança, maior a possibilidade de vício, menor as chances dela conseguir ter uma adolescência normal, maiores as chances de depressão. Ela precisa passar pela puberdade sem celular," aconselha o médico.

As escolas públicas dos Estados Unidos estão adotando medidas cada vez mais drásticas para tentar afastar os jovens dos seus celulares. Em maio, no estado da Flórida, por exemplo, foi aprovada uma lei que exige às escolas públicas vetarem o uso de celulares durante as aulas, inclusive algumas, ampliaram a restrição para todo o período escolar.

Segundo as lideranças locais, as medidas mais rigorosas são imprescindíveis devido ao uso descontrolado das redes sociais nestes espaços, comprometendo a educação, o bem-estar e a segurança física dos estudantes. Em diversas instituições de ensino, adolescentes planejam e registram agressões contra colegas, divulgando os vídeos no TikTok e Instagram.

Por aqui, duas ações ganham forças: o Movimento Desconecta, encabeçado por mães de crianças e adolescentes que decidiram remar contra a maré, e a deputada estadual Marina Helou que está com um projeto de Lei para proibir o uso dentro das escolas.

Para Gabriel Salgado, coordenador da área de Educação do Instituto Alana, as telas não devem substituir e nem competir com as atividades essenciais das crianças e dos adolescentes, como as atividades físicas, as horas de sono, o momento da alimentação, o contato com a natureza e as interações sociais. "Este é um pressuposto fundamental para compreendermos que não é benéfico às crianças receberem celulares como presentes, em substituição das brincadeiras. E que seu brincar não está restrito ao uso e consumo de brinquedos específicos," diz.

Becker ressalta que o melhor dos mundos seria retardar esse acesso das crianças e adolescentes até os 16 anos. Mas a partir do momento em que os pais o permitem, que ele seja supervisionado. "Hoje existem aplicativos de controle de tempo, de sincronização de perfil, para que eles possam ver o que está acontecendo, saber de quem essa criança está recebendo mensagem, ou porque está mandando mensagem. Controlar os contatos, os grupos sociais, os grupos no WhatsApp, isso é essencial. Não pode ter grupo de criança e adolescente sem supervisão parental," orienta.

Na visão de Gabriel, a restrição deve ser maior para as crianças menores. "Se há um equilíbrio entre o uso de telas e as atividades essenciais à vida e se determinado conteúdo ou modo de funcionar da tecnologia está adequada à faixa etária, sem que ela tenha acesso a conteúdos nocivos como publicidade, violência e diálogo com desconhecidos," esclarece.

"Já com relação aos adolescentes, é importante que os acordos sejam estabelecidos de maneira nítida, respeitosa, vinculando-os na solução de problemas e de riscos e fortalecendo sua participação ativa, crítica e responsável," orienta.

Becker cita o livro "Geração Ansiosa", da autora Lauren Cook, que propõe algumas medidas, que são justamente, as mencionadas por ele, como retardar o uso do celular, retardar a entrada desses jovens nas redes sociais e não usar o celular na escola, já que ele perturba e atrapalha o aprendizado.

O médico conta que as escolas do Rio de Janeiro, que adotaram o modelo Celular Zero, já estão colhendo bons frutos. "Os alunos estão felizes, com o celular zero. Estão voltando a brincar. Se alguém tem celular, todo mundo tem que ter. Mas se ninguém tiver, eles ficam felizes, eles estão brincando," comemora.

Para ele, o recreio é também o momento da aquisição de habilidades essenciais que se aprende brincando, convivendo com outras crianças. "E é o lugar da felicidade, da brincadeira, da movimentação física. Então, é essencial que na hora do recreio não se tenha celular. Os pais gostam, os professores gostam e as crianças também," resume.

A responsabilidade dos pais

Gabriel comenta que tanto os pais como educadores devem manter diálogo aberto e honesto com as crianças sobre os riscos do uso excessivo de celulares. "É importante estabelecer regras claras e limites de tempo de tela adequados à idade da criança. Por isso, o ideal é que os pais também sejam um exemplo dos filhos, usando o aparelho de forma responsável e moderada evitando o uso durante as refeições, conversas em família e momentos de lazer com as crianças", diz.

Além disso, ele relembra que a garantia de direitos às crianças e adolescentes é uma responsabilidade compartilhada entre Estado e sociedade, o que inclui as empresas de tecnologia e também as escolas e as famílias, bem como prevê o artigo 227 de nossa Constituição Federal.

"E mães, pais e responsáveis precisam atuar de maneira cuidadosa, variando o tipo de mediação necessária a cada contexto e faixa etária. Não podemos ignorar, no entanto, os desafios com a sobrecarga de trabalho sobre as mulheres, a falta de informações e a dificuldade de diálogo sobre este tema, frente a pressão exercida pelas grandes empresas. Por isso, a responsabilidade de promover uma relação saudável das crianças com a tecnologia. Precisa ser um esforço conjunto entre escola, família, governos, empresas e sociedade," reforça.

Para o pediatra Daniel Becker é importante existirem espaços apropriados para que pais possam levar as crianças para brincarem fora de casa. "Precisamos ter cada vez mais políticas públicas que apoiem as famílias a levarem suas crianças para brincar em praças e bem-cuidadas, poliesportivas, vilas olímpicas com atividades recreativas e gratuitas para crianças, lugares arborizados, bem iluminados, acessíveis e com atividades diversas, para que elas não fiquem jogadas no sofá e no celular," conclui.

Deixadas em frente às telas, crianças brincam cada vez menos. Deixadas em frente às telas, adolescentes socializam cada vez menos. As consequências? Aumento da depressão e da ansiedade. O que fazer? Propiciar espaços e momentos de brincadeira, experiência e vivência. Trocar o tempo de tela pela sua presença e a presença de pares. Como? Com esforço conjunto entre escola, família, governos, empresas e sociedade.

Tem uma parte enorme desse esforço todo em tirar crianças e adolescentes das telas que cabe a governos e às próprias empresas donas de tais recursos, mas tem outra que, sim, é nossa responsabilidade. Experimentem se sentar a mesa sem o seu celular na mão. Experimentem o silêncio entre vocês até que surja uma pequena conversa. Experimentem aceitar o convite para uma brincadeira com seu filho. Experimentem as relações com crianças e adolescentes. Elas valem a pena. Elas valem muito a pena.

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