Comportamento Adolescente e Educação

Quando falar sobre sexo com seu filho? Existe idade certa?


Por Carolina Delboni

Conversar sobre sexo pode ser uma tarefa difícil. Os pais não sabem o que dizer, ficam envergonhados e buscam maneiras de escapar, mas nem tudo se resume ao ato em si. Em entrevista, o médico especialista Dr. Jairo Bouer desmistifica o assunto e ajuda a entender quando e como falar

Recentemente, o Governo Federal anunciou a retomada da educação sexual no currículo escolar. Isso significa que alunos do ensino básico voltarão a ter aulas sobre saúde sexual e reprodutiva, além de doenças sexualmente transmissíveis. Segundo o Ministério da Saúde, 99% dos municípios já aderiram.

Também em agosto, foi lançada a Campanha Agosto Lilás pelo Ministério da Mulher. A proposta é conscientizar a população sobre violências sofridas pelas mulheres, entre elas, a sexual. Sabe-se que 95% dos casos de abuso sexual acontecem no contexto familiar. E sabe-se também que educação sexual previne e combate abuso e exploração sexual. Bom, mas e o que tudo isso tem a ver com o título e a chamada deste texto?

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É dentro de casa que as crianças começam a adquirir seus primeiros conhecimentos sobre a vida, o mundo, os seres humanos e, também sobre educação sexual. Nada muda - ou não deveria mudar - quando os filhos começam a fazer perguntas "cabeludas" como "o que é sexo?" ou "o que significa transar?".

Isso porque falar sobre sexo, seja com crianças, seja com adolescentes é muito mais amplo e profundo do que falar apenas do ato sexual. Falar sobre sexo é falar também sobre o nosso corpo, o corpo do outro, sobre consentimento, sobre o que pode e o que não pode, sobre abuso, sobre privacidade, sobre toque e sobre prazer também. Mas e ai, quando falar sobre esses temas? Existe idade certa?

Mãe de uma adolescente de 12 anos, Juliana Alvarenga, foi direto ao ponto em um grupo materno e postou a pergunta que não quer calar: "qual a melhor idade para conversar sobre sexo com a minha filha?".

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Por razões culturais, religiosas, estruturais e pessoais, os adultos têm uma baita dificuldade de conversar sobre o tema "sexo" entre eles mesmos, o que dirá com os filhos. Mesmo quando crescem, entram na adolescência e precisam receber educação sexual, a vergonha ainda é um empecilho.

A pergunta desconcerta os pais. Eles "bugam" como dizem os próprios filhos. Mas o que os pais não respondem, a internet responde. Deixar a criança ou o adolescente sem resposta é o mesmo que dizer, de maneira silenciosa, "vai lá, dá um google que você acha".

E o problema é que eles fazem a busca, mas sites de pornografia não são o melhor meio de encontrar respostas para aprenderem e entenderem sobre sexo, desejo e relações afetivas com outras pessoas.

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A educação sexual é uma prática de proteção às crianças e aos adolescentes e a gente não deveria ter medo dela. Até porque tá aí uma pergunta impossível de se esquivar. Um dia ela chega e é preciso entender como respondê-la.

No material "Orientação Técnica Internacional sobre Educação em Sexualidade", publicado em 2018, a Unesco defende que compartilhar instruções de qualidade sobre o assunto não só ajuda a promover mais saúde, bem-estar e respeito aos direitos humanos, como também a empoderar crianças e adolescentes a serem mais seguros de si, terem hábitos saudáveis e positivos.

Foto Freepik  
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"Falar sobre sexo com crianças e jovens é o oposto de incentivá-los a fazer. Mas sim, de alguma maneira, deixá-los mais aptos, tranquilos e seguros quando eventualmente forem expostos a essa questão, e a exposição hoje é precoce", enfatiza o Dr. Jairo Bouer, médico psiquiatra e especialista em sexualidade, com quem conversei.

Mas antes de entramos na conversa com o especialista, deixo aqui uma sugestão pedagógica para responder perguntas "cabeludas". A estratégia é devolver a pergunta à criança ou ao adolescente.

Vou explicar: devolva a pergunta que seu filho ou filha te fez e veja o que ele sabe sobre o assunto que está interessado em saber. Sua resposta vai partir do que ele sabe, do conhecimento que tem a respeito de determinado assunto. Nunca do que você acha que ele possa estar pensando.

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Essa dica é preciosa, então anota. E prepara o bloquinho porque agora é com o Dr. Jairo Bauer.

Os cenários atuais parecem indicar que conversar sobre educação sexual é interessante desde a infância, para que a criança consiga, por exemplo, identificar uma situação de abuso ou violência sexual. De forma geral, você diria que existe uma idade ideal para este assunto?

Jairo Bauer: Concordo 100% e acho que o importante é a gente entender a capacidade que a criança tem de elaborar aquilo que a gente está falando. Trabalhar no universo da percepção deles, o que varia conforme a idade. Nem todo mundo com cinco, sete ou oito anos tem a mesma faixa de maturidade. Então vai depender de cada criança.

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Mas, de uma maneira geral, acho que a dica é falar com eles precocemente, mas de forma que possam entender, o que deve respeitar a maturidade de cada um. Na hora do banho, por exemplo, quando surgem as primeiras curiosidades: "por que a mamãe é diferente do papai?" ou "como que lava aqui e ali?", é preciso responder com noções básicas tanto de higiene quanto do próprio corpo. E dizer que o corpo é um limite deles, que não é legal que um estranho se aproxime e toque nesse corpo.

Falar sobre limite, ensinar sobre os limites do toque no próprio corpo é um assunto importante quando a gente fala de abuso e violência sexual. Quando a criança sabe que algo não pode, a gente aumenta as chances dela, rapidamente, comunicar aos pais caso algo aconteça. Os pais estão ali próximos a eles pra ajudar, pra cuidar, pra proteger. Acho que é um ponto bem importante do cenário.

Na mesma linha, gostaria que você explicasse o que significa "falar sobre sexo". Que orientações você daria para os adultos que não tem ideia de como responder as perguntas consideradas "cabeludas" dos filhos?

Jairo Bauer: Gosto muito da ideia da gente esperar as perguntas virem dos filhos ou aproveitarmos situações cotidianas que são gatilhos, como algo que aconteceu na vizinhança, na novela, em algum vídeo que circulou na internet ou em casa mesmo. É melhor do que aquela conversa formal "hoje a gente tem um tema muito sério pra falar". Isso já cria distanciamento, então aproveitar as perguntas que surgem e as situações como oportunidades é minha sugestão.

Obviamente nas primeiras conversas, nas primeiras trocas, você não precisa já falar sobre penetração, o ato sexual em si, mas pode falar sobre intimidade, corpo e limites. E se atentar para o que a pergunta está de fato querendo dizer, porque às vezes eles vêm com uma pergunta e a gente imagina que o que eles querem saber é uma coisa muuuuito profunda e, na verdade, é muito mais simples e superficial.

A estratégia é trabalhar em cima da pergunta deles com outras perguntas pra tentar entender até onde vai essa necessidade de resposta. O que eles realmente querem saber? E, muitas vezes, da onde vem a motivação para a pergunta? Veio da internet? Do amiguinho? De uma situação que ele viu? É interessante entender de onde elas surgem até para mapear por onde seu filho está circulando ou o que ele está acessando.

E é possível falar sobre tudo? Ou existem assuntos que são melhores evitar?

Jairo Bauer: Em teoria é possível falar sobre tudo, né? Outro dia a gente recebeu uma dúvida de uma mãe de uma criança de dez anos, que a menina veio falar para ela que tinha beijado outra menina, que estava apaixonada e que era LGBT. Aí a mãe falou assim: "tudo bem que você beijou, mas às vezes é só curiosidade, isso não significa necessariamente que você tem uma orientação assim ou assado". E a menina falou o seguinte para a mãe: "não mãe, eu sei que eu sou LGBT e queria deixar isso bem claro pra você".

Veja, às vezes a própria criança já vem com o discurso ou a situação muito clara para ela, mas às vezes pode não ser assim também. Pode ser só curiosidade ou modismo. E é daí que a gente precisa de tempo, conversa, entendimento e compreensão para ir ajudando a criança ou o adolescente a enxergar melhor as questões todas. Mas é possível falar tudo sim. Falar de identidade de gênero e orientação sexual. É importante desmistificar os assuntos e naturalizar a conversa. Essa caminho não incentiva e não desperta nenhuma sexualidade precoce ou orientação sexual, mas informa, o que deixa o jovem mais seguro para lidar com as próprias questões.

Hoje também é impossível ignorar a força dos sites de busca, das redes sociais e da disseminação de diversos conteúdos na internet (inclusive adultos). Pensando na tríade "escola", "pais" e "amigos", qual seria o papel de cada uma dessas partes quando o assunto é educação sexual?

Jairo Bauer: Acho que todo mundo tem que participar. Os amigos/redes sociais hoje têm um papel que não dá pra negar. Os pais também, têm que ocupar esse território, poder falar sobre esse assunto, têm que garantir, segurança, troca emocional e de conhecimento e informação pros filhos poderem se sentir à vontade.

E acho que a escola, suportada e ancorada no trabalho em conjunto com os pais, também têm que fazer o papel dela. A escola continua sendo o principal palco de interação entre eles. Então acho que essa tríade tem que estar presente e os pais têm que construir esse projeto junto com a escola.

Hoje é indissociável você trabalhar a educação em sexualidade de educação digital. Como cada vez mais essa questão do uso da internet e das redes impacta o comportamento e as emoções deles, inclusive na sexualidade e vice-versa. Não dá pra discutir esses temas em separado.

Fazendo um recorte para os adolescentes, o que você tem observado na prática? nota alguma diferença entre os jovens de hoje e os do "nosso tempo"?

Jairo Bauer: As dúvidas são muito parecidas, mudaram muito pouco. Mas acho que eles estão mais abertos a discutir questão de sexualidade quando são estimulados a pensar mais no assunto. Eles se dão conta de que existe uma questão que é menos rígida e mais fluída em relação à orientação, identidade e desejo. Eles percebem o espaço e as diferenças dos outros.

Em teoria, os jovens vivem num meio muito mais permeável a essa discussão. Apesar de um comportamento mais conservador nos últimos anos, apesar do sumiço de boa parte dos programas de educação e sexualidade, as redes sociais entraram com um papel e um peso muito importante. O jovem é arejado e, de alguma forma, é exposto a todas essas discussões. É um jovem com potencial maior para você poder trabalhar melhor as questões de sexualidade.

Em relação as dúvidas e perguntas que me chegam, as questões sobre sexo são muito parecidas com as que a gente respondia há 20 ou 30 anos. Os meninos encanados com performance, desempenho e forma do pênis, como se isso pudesse traduzir a masculinidade. E as meninas continuam muito encanadas e preocupadas com a dificuldade de orgasmo e com as questões em relação à prevenção de gravidez.

As dúvidas são muito parecidas porque avançamos pouco em relação a promoção de educação sexual, seja dentro de casa, seja nos espaços educacionais. O que mudou é a perspectiva com que adolescentes e jovens lidam com a própria sexualidade e a do colega. E este é um ponto fundamental para discutirmos preconceito e violência.

o Colaborou Rebeca Hidalgo

Conversar sobre sexo pode ser uma tarefa difícil. Os pais não sabem o que dizer, ficam envergonhados e buscam maneiras de escapar, mas nem tudo se resume ao ato em si. Em entrevista, o médico especialista Dr. Jairo Bouer desmistifica o assunto e ajuda a entender quando e como falar

Recentemente, o Governo Federal anunciou a retomada da educação sexual no currículo escolar. Isso significa que alunos do ensino básico voltarão a ter aulas sobre saúde sexual e reprodutiva, além de doenças sexualmente transmissíveis. Segundo o Ministério da Saúde, 99% dos municípios já aderiram.

Também em agosto, foi lançada a Campanha Agosto Lilás pelo Ministério da Mulher. A proposta é conscientizar a população sobre violências sofridas pelas mulheres, entre elas, a sexual. Sabe-se que 95% dos casos de abuso sexual acontecem no contexto familiar. E sabe-se também que educação sexual previne e combate abuso e exploração sexual. Bom, mas e o que tudo isso tem a ver com o título e a chamada deste texto?

É dentro de casa que as crianças começam a adquirir seus primeiros conhecimentos sobre a vida, o mundo, os seres humanos e, também sobre educação sexual. Nada muda - ou não deveria mudar - quando os filhos começam a fazer perguntas "cabeludas" como "o que é sexo?" ou "o que significa transar?".

Isso porque falar sobre sexo, seja com crianças, seja com adolescentes é muito mais amplo e profundo do que falar apenas do ato sexual. Falar sobre sexo é falar também sobre o nosso corpo, o corpo do outro, sobre consentimento, sobre o que pode e o que não pode, sobre abuso, sobre privacidade, sobre toque e sobre prazer também. Mas e ai, quando falar sobre esses temas? Existe idade certa?

Mãe de uma adolescente de 12 anos, Juliana Alvarenga, foi direto ao ponto em um grupo materno e postou a pergunta que não quer calar: "qual a melhor idade para conversar sobre sexo com a minha filha?".

Por razões culturais, religiosas, estruturais e pessoais, os adultos têm uma baita dificuldade de conversar sobre o tema "sexo" entre eles mesmos, o que dirá com os filhos. Mesmo quando crescem, entram na adolescência e precisam receber educação sexual, a vergonha ainda é um empecilho.

A pergunta desconcerta os pais. Eles "bugam" como dizem os próprios filhos. Mas o que os pais não respondem, a internet responde. Deixar a criança ou o adolescente sem resposta é o mesmo que dizer, de maneira silenciosa, "vai lá, dá um google que você acha".

E o problema é que eles fazem a busca, mas sites de pornografia não são o melhor meio de encontrar respostas para aprenderem e entenderem sobre sexo, desejo e relações afetivas com outras pessoas.

A educação sexual é uma prática de proteção às crianças e aos adolescentes e a gente não deveria ter medo dela. Até porque tá aí uma pergunta impossível de se esquivar. Um dia ela chega e é preciso entender como respondê-la.

No material "Orientação Técnica Internacional sobre Educação em Sexualidade", publicado em 2018, a Unesco defende que compartilhar instruções de qualidade sobre o assunto não só ajuda a promover mais saúde, bem-estar e respeito aos direitos humanos, como também a empoderar crianças e adolescentes a serem mais seguros de si, terem hábitos saudáveis e positivos.

Foto Freepik  

"Falar sobre sexo com crianças e jovens é o oposto de incentivá-los a fazer. Mas sim, de alguma maneira, deixá-los mais aptos, tranquilos e seguros quando eventualmente forem expostos a essa questão, e a exposição hoje é precoce", enfatiza o Dr. Jairo Bouer, médico psiquiatra e especialista em sexualidade, com quem conversei.

Mas antes de entramos na conversa com o especialista, deixo aqui uma sugestão pedagógica para responder perguntas "cabeludas". A estratégia é devolver a pergunta à criança ou ao adolescente.

Vou explicar: devolva a pergunta que seu filho ou filha te fez e veja o que ele sabe sobre o assunto que está interessado em saber. Sua resposta vai partir do que ele sabe, do conhecimento que tem a respeito de determinado assunto. Nunca do que você acha que ele possa estar pensando.

Essa dica é preciosa, então anota. E prepara o bloquinho porque agora é com o Dr. Jairo Bauer.

Os cenários atuais parecem indicar que conversar sobre educação sexual é interessante desde a infância, para que a criança consiga, por exemplo, identificar uma situação de abuso ou violência sexual. De forma geral, você diria que existe uma idade ideal para este assunto?

Jairo Bauer: Concordo 100% e acho que o importante é a gente entender a capacidade que a criança tem de elaborar aquilo que a gente está falando. Trabalhar no universo da percepção deles, o que varia conforme a idade. Nem todo mundo com cinco, sete ou oito anos tem a mesma faixa de maturidade. Então vai depender de cada criança.

Mas, de uma maneira geral, acho que a dica é falar com eles precocemente, mas de forma que possam entender, o que deve respeitar a maturidade de cada um. Na hora do banho, por exemplo, quando surgem as primeiras curiosidades: "por que a mamãe é diferente do papai?" ou "como que lava aqui e ali?", é preciso responder com noções básicas tanto de higiene quanto do próprio corpo. E dizer que o corpo é um limite deles, que não é legal que um estranho se aproxime e toque nesse corpo.

Falar sobre limite, ensinar sobre os limites do toque no próprio corpo é um assunto importante quando a gente fala de abuso e violência sexual. Quando a criança sabe que algo não pode, a gente aumenta as chances dela, rapidamente, comunicar aos pais caso algo aconteça. Os pais estão ali próximos a eles pra ajudar, pra cuidar, pra proteger. Acho que é um ponto bem importante do cenário.

Na mesma linha, gostaria que você explicasse o que significa "falar sobre sexo". Que orientações você daria para os adultos que não tem ideia de como responder as perguntas consideradas "cabeludas" dos filhos?

Jairo Bauer: Gosto muito da ideia da gente esperar as perguntas virem dos filhos ou aproveitarmos situações cotidianas que são gatilhos, como algo que aconteceu na vizinhança, na novela, em algum vídeo que circulou na internet ou em casa mesmo. É melhor do que aquela conversa formal "hoje a gente tem um tema muito sério pra falar". Isso já cria distanciamento, então aproveitar as perguntas que surgem e as situações como oportunidades é minha sugestão.

Obviamente nas primeiras conversas, nas primeiras trocas, você não precisa já falar sobre penetração, o ato sexual em si, mas pode falar sobre intimidade, corpo e limites. E se atentar para o que a pergunta está de fato querendo dizer, porque às vezes eles vêm com uma pergunta e a gente imagina que o que eles querem saber é uma coisa muuuuito profunda e, na verdade, é muito mais simples e superficial.

A estratégia é trabalhar em cima da pergunta deles com outras perguntas pra tentar entender até onde vai essa necessidade de resposta. O que eles realmente querem saber? E, muitas vezes, da onde vem a motivação para a pergunta? Veio da internet? Do amiguinho? De uma situação que ele viu? É interessante entender de onde elas surgem até para mapear por onde seu filho está circulando ou o que ele está acessando.

E é possível falar sobre tudo? Ou existem assuntos que são melhores evitar?

Jairo Bauer: Em teoria é possível falar sobre tudo, né? Outro dia a gente recebeu uma dúvida de uma mãe de uma criança de dez anos, que a menina veio falar para ela que tinha beijado outra menina, que estava apaixonada e que era LGBT. Aí a mãe falou assim: "tudo bem que você beijou, mas às vezes é só curiosidade, isso não significa necessariamente que você tem uma orientação assim ou assado". E a menina falou o seguinte para a mãe: "não mãe, eu sei que eu sou LGBT e queria deixar isso bem claro pra você".

Veja, às vezes a própria criança já vem com o discurso ou a situação muito clara para ela, mas às vezes pode não ser assim também. Pode ser só curiosidade ou modismo. E é daí que a gente precisa de tempo, conversa, entendimento e compreensão para ir ajudando a criança ou o adolescente a enxergar melhor as questões todas. Mas é possível falar tudo sim. Falar de identidade de gênero e orientação sexual. É importante desmistificar os assuntos e naturalizar a conversa. Essa caminho não incentiva e não desperta nenhuma sexualidade precoce ou orientação sexual, mas informa, o que deixa o jovem mais seguro para lidar com as próprias questões.

Hoje também é impossível ignorar a força dos sites de busca, das redes sociais e da disseminação de diversos conteúdos na internet (inclusive adultos). Pensando na tríade "escola", "pais" e "amigos", qual seria o papel de cada uma dessas partes quando o assunto é educação sexual?

Jairo Bauer: Acho que todo mundo tem que participar. Os amigos/redes sociais hoje têm um papel que não dá pra negar. Os pais também, têm que ocupar esse território, poder falar sobre esse assunto, têm que garantir, segurança, troca emocional e de conhecimento e informação pros filhos poderem se sentir à vontade.

E acho que a escola, suportada e ancorada no trabalho em conjunto com os pais, também têm que fazer o papel dela. A escola continua sendo o principal palco de interação entre eles. Então acho que essa tríade tem que estar presente e os pais têm que construir esse projeto junto com a escola.

Hoje é indissociável você trabalhar a educação em sexualidade de educação digital. Como cada vez mais essa questão do uso da internet e das redes impacta o comportamento e as emoções deles, inclusive na sexualidade e vice-versa. Não dá pra discutir esses temas em separado.

Fazendo um recorte para os adolescentes, o que você tem observado na prática? nota alguma diferença entre os jovens de hoje e os do "nosso tempo"?

Jairo Bauer: As dúvidas são muito parecidas, mudaram muito pouco. Mas acho que eles estão mais abertos a discutir questão de sexualidade quando são estimulados a pensar mais no assunto. Eles se dão conta de que existe uma questão que é menos rígida e mais fluída em relação à orientação, identidade e desejo. Eles percebem o espaço e as diferenças dos outros.

Em teoria, os jovens vivem num meio muito mais permeável a essa discussão. Apesar de um comportamento mais conservador nos últimos anos, apesar do sumiço de boa parte dos programas de educação e sexualidade, as redes sociais entraram com um papel e um peso muito importante. O jovem é arejado e, de alguma forma, é exposto a todas essas discussões. É um jovem com potencial maior para você poder trabalhar melhor as questões de sexualidade.

Em relação as dúvidas e perguntas que me chegam, as questões sobre sexo são muito parecidas com as que a gente respondia há 20 ou 30 anos. Os meninos encanados com performance, desempenho e forma do pênis, como se isso pudesse traduzir a masculinidade. E as meninas continuam muito encanadas e preocupadas com a dificuldade de orgasmo e com as questões em relação à prevenção de gravidez.

As dúvidas são muito parecidas porque avançamos pouco em relação a promoção de educação sexual, seja dentro de casa, seja nos espaços educacionais. O que mudou é a perspectiva com que adolescentes e jovens lidam com a própria sexualidade e a do colega. E este é um ponto fundamental para discutirmos preconceito e violência.

o Colaborou Rebeca Hidalgo

Conversar sobre sexo pode ser uma tarefa difícil. Os pais não sabem o que dizer, ficam envergonhados e buscam maneiras de escapar, mas nem tudo se resume ao ato em si. Em entrevista, o médico especialista Dr. Jairo Bouer desmistifica o assunto e ajuda a entender quando e como falar

Recentemente, o Governo Federal anunciou a retomada da educação sexual no currículo escolar. Isso significa que alunos do ensino básico voltarão a ter aulas sobre saúde sexual e reprodutiva, além de doenças sexualmente transmissíveis. Segundo o Ministério da Saúde, 99% dos municípios já aderiram.

Também em agosto, foi lançada a Campanha Agosto Lilás pelo Ministério da Mulher. A proposta é conscientizar a população sobre violências sofridas pelas mulheres, entre elas, a sexual. Sabe-se que 95% dos casos de abuso sexual acontecem no contexto familiar. E sabe-se também que educação sexual previne e combate abuso e exploração sexual. Bom, mas e o que tudo isso tem a ver com o título e a chamada deste texto?

É dentro de casa que as crianças começam a adquirir seus primeiros conhecimentos sobre a vida, o mundo, os seres humanos e, também sobre educação sexual. Nada muda - ou não deveria mudar - quando os filhos começam a fazer perguntas "cabeludas" como "o que é sexo?" ou "o que significa transar?".

Isso porque falar sobre sexo, seja com crianças, seja com adolescentes é muito mais amplo e profundo do que falar apenas do ato sexual. Falar sobre sexo é falar também sobre o nosso corpo, o corpo do outro, sobre consentimento, sobre o que pode e o que não pode, sobre abuso, sobre privacidade, sobre toque e sobre prazer também. Mas e ai, quando falar sobre esses temas? Existe idade certa?

Mãe de uma adolescente de 12 anos, Juliana Alvarenga, foi direto ao ponto em um grupo materno e postou a pergunta que não quer calar: "qual a melhor idade para conversar sobre sexo com a minha filha?".

Por razões culturais, religiosas, estruturais e pessoais, os adultos têm uma baita dificuldade de conversar sobre o tema "sexo" entre eles mesmos, o que dirá com os filhos. Mesmo quando crescem, entram na adolescência e precisam receber educação sexual, a vergonha ainda é um empecilho.

A pergunta desconcerta os pais. Eles "bugam" como dizem os próprios filhos. Mas o que os pais não respondem, a internet responde. Deixar a criança ou o adolescente sem resposta é o mesmo que dizer, de maneira silenciosa, "vai lá, dá um google que você acha".

E o problema é que eles fazem a busca, mas sites de pornografia não são o melhor meio de encontrar respostas para aprenderem e entenderem sobre sexo, desejo e relações afetivas com outras pessoas.

A educação sexual é uma prática de proteção às crianças e aos adolescentes e a gente não deveria ter medo dela. Até porque tá aí uma pergunta impossível de se esquivar. Um dia ela chega e é preciso entender como respondê-la.

No material "Orientação Técnica Internacional sobre Educação em Sexualidade", publicado em 2018, a Unesco defende que compartilhar instruções de qualidade sobre o assunto não só ajuda a promover mais saúde, bem-estar e respeito aos direitos humanos, como também a empoderar crianças e adolescentes a serem mais seguros de si, terem hábitos saudáveis e positivos.

Foto Freepik  

"Falar sobre sexo com crianças e jovens é o oposto de incentivá-los a fazer. Mas sim, de alguma maneira, deixá-los mais aptos, tranquilos e seguros quando eventualmente forem expostos a essa questão, e a exposição hoje é precoce", enfatiza o Dr. Jairo Bouer, médico psiquiatra e especialista em sexualidade, com quem conversei.

Mas antes de entramos na conversa com o especialista, deixo aqui uma sugestão pedagógica para responder perguntas "cabeludas". A estratégia é devolver a pergunta à criança ou ao adolescente.

Vou explicar: devolva a pergunta que seu filho ou filha te fez e veja o que ele sabe sobre o assunto que está interessado em saber. Sua resposta vai partir do que ele sabe, do conhecimento que tem a respeito de determinado assunto. Nunca do que você acha que ele possa estar pensando.

Essa dica é preciosa, então anota. E prepara o bloquinho porque agora é com o Dr. Jairo Bauer.

Os cenários atuais parecem indicar que conversar sobre educação sexual é interessante desde a infância, para que a criança consiga, por exemplo, identificar uma situação de abuso ou violência sexual. De forma geral, você diria que existe uma idade ideal para este assunto?

Jairo Bauer: Concordo 100% e acho que o importante é a gente entender a capacidade que a criança tem de elaborar aquilo que a gente está falando. Trabalhar no universo da percepção deles, o que varia conforme a idade. Nem todo mundo com cinco, sete ou oito anos tem a mesma faixa de maturidade. Então vai depender de cada criança.

Mas, de uma maneira geral, acho que a dica é falar com eles precocemente, mas de forma que possam entender, o que deve respeitar a maturidade de cada um. Na hora do banho, por exemplo, quando surgem as primeiras curiosidades: "por que a mamãe é diferente do papai?" ou "como que lava aqui e ali?", é preciso responder com noções básicas tanto de higiene quanto do próprio corpo. E dizer que o corpo é um limite deles, que não é legal que um estranho se aproxime e toque nesse corpo.

Falar sobre limite, ensinar sobre os limites do toque no próprio corpo é um assunto importante quando a gente fala de abuso e violência sexual. Quando a criança sabe que algo não pode, a gente aumenta as chances dela, rapidamente, comunicar aos pais caso algo aconteça. Os pais estão ali próximos a eles pra ajudar, pra cuidar, pra proteger. Acho que é um ponto bem importante do cenário.

Na mesma linha, gostaria que você explicasse o que significa "falar sobre sexo". Que orientações você daria para os adultos que não tem ideia de como responder as perguntas consideradas "cabeludas" dos filhos?

Jairo Bauer: Gosto muito da ideia da gente esperar as perguntas virem dos filhos ou aproveitarmos situações cotidianas que são gatilhos, como algo que aconteceu na vizinhança, na novela, em algum vídeo que circulou na internet ou em casa mesmo. É melhor do que aquela conversa formal "hoje a gente tem um tema muito sério pra falar". Isso já cria distanciamento, então aproveitar as perguntas que surgem e as situações como oportunidades é minha sugestão.

Obviamente nas primeiras conversas, nas primeiras trocas, você não precisa já falar sobre penetração, o ato sexual em si, mas pode falar sobre intimidade, corpo e limites. E se atentar para o que a pergunta está de fato querendo dizer, porque às vezes eles vêm com uma pergunta e a gente imagina que o que eles querem saber é uma coisa muuuuito profunda e, na verdade, é muito mais simples e superficial.

A estratégia é trabalhar em cima da pergunta deles com outras perguntas pra tentar entender até onde vai essa necessidade de resposta. O que eles realmente querem saber? E, muitas vezes, da onde vem a motivação para a pergunta? Veio da internet? Do amiguinho? De uma situação que ele viu? É interessante entender de onde elas surgem até para mapear por onde seu filho está circulando ou o que ele está acessando.

E é possível falar sobre tudo? Ou existem assuntos que são melhores evitar?

Jairo Bauer: Em teoria é possível falar sobre tudo, né? Outro dia a gente recebeu uma dúvida de uma mãe de uma criança de dez anos, que a menina veio falar para ela que tinha beijado outra menina, que estava apaixonada e que era LGBT. Aí a mãe falou assim: "tudo bem que você beijou, mas às vezes é só curiosidade, isso não significa necessariamente que você tem uma orientação assim ou assado". E a menina falou o seguinte para a mãe: "não mãe, eu sei que eu sou LGBT e queria deixar isso bem claro pra você".

Veja, às vezes a própria criança já vem com o discurso ou a situação muito clara para ela, mas às vezes pode não ser assim também. Pode ser só curiosidade ou modismo. E é daí que a gente precisa de tempo, conversa, entendimento e compreensão para ir ajudando a criança ou o adolescente a enxergar melhor as questões todas. Mas é possível falar tudo sim. Falar de identidade de gênero e orientação sexual. É importante desmistificar os assuntos e naturalizar a conversa. Essa caminho não incentiva e não desperta nenhuma sexualidade precoce ou orientação sexual, mas informa, o que deixa o jovem mais seguro para lidar com as próprias questões.

Hoje também é impossível ignorar a força dos sites de busca, das redes sociais e da disseminação de diversos conteúdos na internet (inclusive adultos). Pensando na tríade "escola", "pais" e "amigos", qual seria o papel de cada uma dessas partes quando o assunto é educação sexual?

Jairo Bauer: Acho que todo mundo tem que participar. Os amigos/redes sociais hoje têm um papel que não dá pra negar. Os pais também, têm que ocupar esse território, poder falar sobre esse assunto, têm que garantir, segurança, troca emocional e de conhecimento e informação pros filhos poderem se sentir à vontade.

E acho que a escola, suportada e ancorada no trabalho em conjunto com os pais, também têm que fazer o papel dela. A escola continua sendo o principal palco de interação entre eles. Então acho que essa tríade tem que estar presente e os pais têm que construir esse projeto junto com a escola.

Hoje é indissociável você trabalhar a educação em sexualidade de educação digital. Como cada vez mais essa questão do uso da internet e das redes impacta o comportamento e as emoções deles, inclusive na sexualidade e vice-versa. Não dá pra discutir esses temas em separado.

Fazendo um recorte para os adolescentes, o que você tem observado na prática? nota alguma diferença entre os jovens de hoje e os do "nosso tempo"?

Jairo Bauer: As dúvidas são muito parecidas, mudaram muito pouco. Mas acho que eles estão mais abertos a discutir questão de sexualidade quando são estimulados a pensar mais no assunto. Eles se dão conta de que existe uma questão que é menos rígida e mais fluída em relação à orientação, identidade e desejo. Eles percebem o espaço e as diferenças dos outros.

Em teoria, os jovens vivem num meio muito mais permeável a essa discussão. Apesar de um comportamento mais conservador nos últimos anos, apesar do sumiço de boa parte dos programas de educação e sexualidade, as redes sociais entraram com um papel e um peso muito importante. O jovem é arejado e, de alguma forma, é exposto a todas essas discussões. É um jovem com potencial maior para você poder trabalhar melhor as questões de sexualidade.

Em relação as dúvidas e perguntas que me chegam, as questões sobre sexo são muito parecidas com as que a gente respondia há 20 ou 30 anos. Os meninos encanados com performance, desempenho e forma do pênis, como se isso pudesse traduzir a masculinidade. E as meninas continuam muito encanadas e preocupadas com a dificuldade de orgasmo e com as questões em relação à prevenção de gravidez.

As dúvidas são muito parecidas porque avançamos pouco em relação a promoção de educação sexual, seja dentro de casa, seja nos espaços educacionais. O que mudou é a perspectiva com que adolescentes e jovens lidam com a própria sexualidade e a do colega. E este é um ponto fundamental para discutirmos preconceito e violência.

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